terça-feira, abril 29, 2014

Lula em seu labirinto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/04
Talvez não seja coincidência que Lula, neste momento de extrema pressão sobre si, tenha sido diagnosticado com labirintite no hospital Sírio-Libanês, em SP. Em psicanálise, o labirinto é um modo de circular, andar, expressar-se sem finalidade marcada. Mas de não perder a cinética, o movimento, sair da apatia. 
Lula em seu labirinto talvez seja uma imagem perfeita para explicar a situação atual do ex-presidente, pressionado para assumir o lugar de Dilma na campanha presidencial, mas resistindo com receio de colocar em risco sua lenda. 

Na estranha entrevista que deu em Portugal, disse que o julgamento do mensalão foi 80% político, numa peculiar dosimetria que já foi classificada pelo ministro Marco Aurélio Mello de "coisa de doido". Não haveria grandes novidades nessa fala, a não ser a medição do que foi política e do que foi jurídico na opinião de Lula. Mas o ex-presidente mostrou mesmo o desencontro de seus pensamentos quando, confrontado com o fato de que as pessoas condenadas eram líderes do PT, disse ao entrevistador que eram pessoas que não mereciam a sua confiança. 

Não é possível deixar de ser solidário a José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e José Genoino neste momento em que, mais uma vez, Lula tenta tirar o corpo fora dos malfeitos em que seu partido vem se metendo. 

Dias antes dessa entrevista, ele se escusou de comentar o escândalo da Petrobras, alegando para os jornalistas estar "por fora". Como ficou muito feio dizer que estava "por fora" da compra polêmica da refinaria de Pasadena realizada no seu governo, Lula consertou a declaração dizendo, como sempre, que a culpa era da imprensa, os jornalistas entenderam errado. Ele dissera, na verdade, que estava fora (do país) e por isso não falaria sobre o assunto. 

Mas dias depois aceitou falar mal do STF para uma televisão portuguesa? Qual a coerência? Na mesma entrevista, Lula exercitou sua incoerência, uma hora dizendo que não estava ali para criticar o Supremo, e em seguida dizer que o julgamento fora político. Exigir coerência de Lula parece ser demais. 

A História mostra, no entanto, que os encarcerados do PT são todos de alta confiança de Lula em sua caminhada do sindicalismo à política partidária, e, daí, para a Presidência. Vejamos o caso de Dirceu. Fundador do partido ao lado de Lula, os dois sempre estiveram juntos dominando a direção do partido. 

Quando se distanciaram, perderam o controle do PT e permaneceram no ostracismo um bom período. Só retornaram ao controle partidário quando se uniram novamente, para ficarem juntos até a chegada ao Planalto. 

O julgamento do mensalão os separou, Lula brilhando pelo mundo, Dirceu na cadeia. Pode ser que, em relação a Dirceu, Lula tenha tido um "ato falho", revelando sua desconfiança da lealdade de Dirceu. 

Já Delúbio era o homem de confiança de Lula na estrutura partidária e companheiro de bar, o que estreitou muito a relação. Nos bons tempos do poder, Delúbio trocou a cachaça pelos bons vinhos e os botequins pelos restaurantes caros, mas a lealdade a Lula se manteve, tanto que aceitou calado a expulsão do PT depois do mensalão. 

Genoino foi a pessoa de confiança posta na presidência do PT quando Dirceu foi para a Casa Civil coordenar o 1º governo Lula, ser o "capitão" do time, como Lula certa vez definiu. Por tudo isso, as declarações de Lula, sempre afirmando que um dia provará a verdade, provocam reações como a de Marco Aurélio, que ontem diagnosticou um "distanciamento da realidade" nas atitudes do ex-presidente. Interessante é que o autismo é comumente ligado ao labirinto. 

ministro do STF admite que, "na dosimetria, pode até se discutir alguma coisa; agora a culpabilidade, não. A culpa foi demonstrada pelo estado acusador". Também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificou o julgamento do mensalão como "um processo jurídico com um julgamento jurídico". 

O fato de que apenas três dos ministros que terminaram o julgamento não foram nomeados nem por Lula nem por Dilma é um argumento definitivo para falar da lisura do julgamento, e Marco Aurélio Mello fez um bom resumo da situação: "A nomeação é técnico-política e se demonstrou institucional. Como eu sempre digo: não se agradece com a toga". 

Mas, como diz um psiquiatra amigo meu, a vida e a política são labirintos.

A idealização da inveja - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 29/04

Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres


Se ontem eu usava carroça como meio de transporte, e hoje posso dirigir meu próprio carro, eu piorei ou melhorei minha situação? Se eu não tinha acesso a computadores e internet, e hoje tenho, minha qualidade de vida melhorou ou piorou? Se consumo hoje bem mais proteína, e tenho acesso a muito mais remédios, devo ficar feliz ou triste?

Essas parecem perguntas bobas, até sem sentido, pois as respostas são óbvias. Ou nem tanto. Há um grupo enorme de pessoas na esquerda que não valoriza tais conquistas, pois ignora os avanços dos mais pobres em relação ao seu passado, focando apenas no hiato entre eles e os mais ricos.

Ou seja, se antes eu tinha que usar carroça e hoje posso curtir meu próprio carro, isso não importa, caso meu vizinho tenha um carrão mais luxuoso. As esquerdas são obcecadas com a questão da desigualdade material, com o gap entre ricos e pobres, sem levar em conta o avanço na condição de vida dos mais pobres sob o capitalismo, que é impressionante.

Pensemos por um minuto na vida de um trabalhador americano de classe média hoje. Ele possui um carro com segurança e conforto, ar-condicionado em sua casa, computador e internet, inúmeros tratamentos modernos para todo tipo de doença, fartura de alimentos frescos etc. Compare-se isso ao estilo de vida de um nobre medieval, e ficará claro o incrível progresso capitalista.

Mas os socialistas só se importam com a distância entre ricos e pobres, não com a distância entre os pobres de hoje e os pobres de ontem, ou os pobres dos países mais capitalistas e os pobres de países menos capitalistas. Por que tanta obsessão com a desigualdade em si, em vez de se preocupar com o nível absoluto de miséria?

Parte da explicação é a premissa absurda de que a economia é um jogo de soma zero, que a riqueza é estática. Assumem que José é rico porque João é pobre, ignorando que ambos podem ter ficado bem mais ricos com o passar do tempo. Enxergando apenas um bolo fixo, focam somente em sua divisão mais igualitária. Já os liberais sabem que o capitalismo é o fermento que faz o bolo como um todo crescer sem parar, graças aos ganhos de produtividade.

Outra parte da explicação tem caráter mais psicológico. A inveja é a mais mesquinha das paixões humanas, disse John Stuart Mill. Infelizmente, ela está enraizada em nossa natureza. Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres. Acham que podem correr mais se o vizinho quebrar as pernas.

Partindo desse pressuposto, podemos concluir que o socialismo é a idealização da inveja. Basta notar que sempre atacam mais os ricos do que qualquer outra coisa. Não desejam efetivamente melhorar a vida dos pobres, pois isso se faz com mais capitalismo. Querem resultados iguais porque não suportam as diferenças, não toleram o fato de que alguns conseguem acumular fortunas, ainda que oferecendo bens e serviços que melhoram a vida de todos nós.

Thatcher dizia que a Inglaterra precisava de mais milionários e mais bancarrotas. Ela sabia que quem cria riqueza são os empreendedores, aqueles que arriscam o próprio capital ou o de terceiros em empreitadas inovadoras, que nem sempre vingam. E condenava a esquerda socialista justamente por preferir reduzir a diferença entre ricos e pobres mesmo que tornando os pobres mais pobres.

O novo guru das esquerdas, o francês Thomas Piketty, virou sensação simplesmente porque resgatou o velho marxismo sob nova embalagem. Sua proposta de taxar em até 80% os mais ricos é apenas o antigo ranço igualitário mascarado de altruísmo. Punir os mais ricos nunca ajudou de verdade os mais pobres. Mas bandeiras demagógicas como essa tocam fundo nos corações mais invejosos, ansiosos por destruir as diferenças materiais no mundo.

Seres humanos não são insetos gregários. Felizmente, somos diferentes. Cada um tem sua habilidade, sua vocação, sua inteligência e sua própria sorte. Sem falar do mérito e do esforço totalmente desiguais. É claro, portanto, que os resultados serão também muito diferentes.

Não existem milhões de jogadores com o talento de Neymar, ou milhões de modelos com a beleza e o carisma de Gisele Bunchen. Tampouco existem milhões de empresários como Jorge Paulo Lemann. É injusto que ganhe muito mais com seu talento específico?

Confiscar o patrimônio dos mais ricos vai apenas afugentar aqueles com mais capacidade de criar riqueza. A França já está sofrendo com isso. Mas a esquerda não liga, pois seu objetivo não é gerar mais riqueza para todos, e sim tirá-la dos que têm mais. Pura inveja.

Troço de doido - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 29/04

BRASÍLIA - É assim que começa. Quando 20 dos 32 deputados do PR lançam o "volta Lula", não pense que é uma bobagem, coisa dos 20 ou só do PR. Não é. Reflete o temor crescente sobre as chances de Dilma e pode ser o fio da meada.

Para amenizar o impacto, os deputados dizem que, se não tem tu, vão de tu mesmo. Ou seja, se Lula não ceder --apesar de cada vez mais assanhado--, eles engolem Dilma. Não é exatamente estimulante...

A isso se somam vários outros sinais de rejeição à reeleição. O próprio PMDB, principal partido da base aliada, inclusive com a Vice-Presidência da República, tem se rebelado --ou tem rebelados-- no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro, na Bahia, no Ceará...

Em Minas, a desistência do senador Clésio Andrade de concorrer ao governo foi comemorada como apoio certo às candidaturas do PT, mas, ontem, ele disse em nota que só vai decidir "mais à frente" quem apoiará ao governo do Estado e ao Senado.

Assim como o retrato de Lula subiu à parede da liderança do PR na Câmara, o de Dilma sumiu do gabinete de Clésio Andrade no Senado. E ele é presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).

E o que dizer do ex-prefeito Gilberto Kassab, que está com Dilma, mas janta daqui com Aécio Neves, reúne-se dali com Eduardo Campos?

Há, portanto, um recuo em relação a Dilma, um compasso de espera, como se a turma estivesse esperando para ver no que vai dar --ou para onde as pesquisas sopram.

A única sorte de Dilma é que todas essas crises, éticas, políticas, econômicas, ocorrem com muita antecedência. Em 2006, por exemplo, Lula foi ao fundo do poço com mensalão e aloprados, mas se reelegeu no final.

Há, porém, uma diferença fundamental: em 2006, a economia estava bem. Em 2014, há a soma de escândalos, descontrole político e economia devagar, quase parando. O cenário eleitoral é de dúvidas. E só piora a cada fala estapafúrdia de Lula.

Envelhecimento no campo - XICO GRAZIANO

O Estado de S.Paulo - 29/04

Nas comemorações do Dia do Trabalho, que ocorrem esta semana, sempre se costuma reclamar, com razão, do desemprego. Na economia agrária, porém, esse problema desapareceu da agenda. Ao contrário de antes, quando sobrava gente na roça e não havia faina para todos, atualmente o campo se esvaziou. Procura-se trabalhador.

"Apagão de mão de obra" foi destaque da Bienal da Agricultura, encontro recentemente promovido, em Cuiabá, pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato). Especialmente no Centro-Oeste, nas fronteiras de expansão da agricultura nacional, depara-se com forte escassez de pessoal. Segundo Alexandre Mendonça de Barros, consultor presente no evento, o grande desafio hoje é "encontrar, qualificar e reter o profissional" na fazenda. Nada fácil.

Nas novas regiões agropecuárias do Brasil central impera o mundo da moderna tecnologia. E a oferta de trabalho local não mostra tarimba capaz de operar os sistemas tecnológicos, mecanizados e computadorizados que funcionam na linha de produção rural. A "agricultura de precisão", conectada aos satélites de posicionamento global (GPS), avança maximizando a produtividade e minimizando o uso de insumos. Maravilha tecnológica da lavoura nacional, o plantio direto, que permite realizar duas ou três safras sucessivas na mesma área, ou ainda a integração entre a lavoura e a pecuária - sai a soja entra a boiada - são sistemas que exigem elevada qualificação profissional. Tudo mudou desde quando a enxada carpia o mato do milharal e as galinhas caipiras botavam ovos no ninho do curral.

Onde ocorreu a ocupação agrícola tradicional, como nas zonas cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo, próximas das montanhas da Mantiqueira, o gargalo anda apertando na hora da colheita. No passado, sobrava gente para a apanha do café; hoje, é cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a subir os morros, derriçar os grãos, varrer o chão, ensacar o produto. Fora a qualidade. O que se fala, por aí afora, é que sumiram os trabalhadores dedicados, e os que se recrutam agora fazem meros bicos, sem gosto pelo serviço. Desejam ocupações mais "nobres" do que sofrer debaixo do sol escaldante. A escassez e a baixa qualificação da mão de obra afetam igualmente a colheita manual na citricultura. Pior, volta e meia se descamba para o litígio na Justiça. Em vários setores de produção no campo, a outrora alegria da colheita se transformou no desgosto da encrenca trabalhista.

Nesse contexto, a mecanização da colheita continua se impondo. Há meio século as primeiras colheitadeiras, mais simples, começaram a chegar às lavouras de milho e de arroz. Depois, mais elaboradas, avançaram para o feijão e o algodão. O progresso tecnológico nunca cessou. Complexas e eficientes máquinas dominaram também fases jamais imaginadas escaparem do processo manual, por serem difíceis, tais como o arranquio de batatas ou de amendoim. O último degrau da sofisticação da colheita chegou aos cafezais. Poucos conseguem imaginar como uma supercolheitadeira consegue, com seus múltiplos bastões, qual dedos vibratórios, derrubar os grãos de café por dentro da planta, derrubando-os automaticamente sem quebrar a galharia. Simplesmente sensacional.

Há tempos os economistas agrários discutem sobre este dilema histórico: a falta de trabalhadores estimulou a mecanização da colheita ou foi a introdução da colheita mecânica que expulsou os operários rurais? A difícil resposta, semelhante ao enigma do ovo e da galinha - quem veio primeiro? -, pouco importa aqui. Fundamental é mostrar que, na realidade da agricultura brasileira atual, existe falta de mão de obra generalizada, nas tarefas simples ou qualificadas, lacuna que em alguns lugares já está causando a desistência da produção rural. Nem se encontram mais facilmente trabalhadores permanentes dispostos a residir nas propriedades rurais. Desamparadas, cresce nelas o roubo vulgar.

Soma-se a esse cenário socioeconômico um terrível fenômeno demográfico: o envelhecimento dos agricultores. Não apenas os operários progressivamente se distanciam do campo, em busca das oportunidades e do modo de vida oferecidos na cidade grande, como poucos filhos permanecem ao lado dos pais, suportando sua trajetória, atavicamente apaixonados pelo ambiente agrícola. Os jovens saem para estudar e buscam fazer brilhar sua carreira longe da poeira do estradão. Nada segura a força de atração dos aglomerados urbanos.

Não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o envelhecimento dos produtores rurais vem sendo analisado há muito tempo. No relatório (2013) do Parlamento Europeu para a aprovação da atual Política Agrícola Comum (PAC), lamenta-se que apenas 7% dos agricultores europeus apresentam menos de 40 anos e que daqui a cerca de 10 anos 4,5 milhões de produtores rurais irão se aposentar. Esse drama agrário atrapalha a inovação, empaca a produtividade, reduz a ousadia. A notória perda de competitividade agrícola foi compensada com fartos subsídios, que seguram a renda familiar e confortam os agricultores, mas, ao mesmo tempo, os acomoda.

Nos EUA também se discute, nestes dias, a alteração nos vistos de entrada para trabalhadores estrangeiros, incluindo o programa H2-A, destinado aos assalariados temporários na agricultura. A Califórnia, especialmente, ressente-se da falta de mão de obra rural. Segundo a Western Growers Association, 80 mil acres de frutas e vegetais deixaram de ser cultivados no Estado em decorrência da falta de braços nas lavouras.

Como atrair gente para o trabalho na agricultura? Como estimular os jovens a permanecerem no campo? As respostas indicarão o Brasil que será construído no futuro.

Contrapé cambial - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/04

O governo está usando a política cambial como parte da estratégia anti-inflacionária. Ao contrário do que o Ministério da Fazenda sempre disse — que um dólar alto era bom para a economia —, em menos de um ano, o Banco Central injetou US$ 88 bilhões no mercado de câmbio em operações de swap cambial. O objetivo é impedir a desvalorização do real, que pressiona ainda mais a inflação.

Os exportadores acham que estão sendo prejudicados com essa política. Se o real se valoriza, há estímulo às importações e perda de competitividade das empresas exportadoras. Se, ao contrário, a moeda brasileira perde valor, a inflação, que já está alta, fica ainda mais pressionada, porque sobe tudo: os produtos importados, os componentes usados pela indústria brasileira, a energia de Itaipu e as commodities, porque têm cotação em dólar. Outro efeito negativo é o aumento do prejuízo da Petrobras na importação de gasolina e diesel.

Ao iniciar essa política de intervenção no câmbio, o Banco Central queria evitar a volatilidade provocada pela ameaça da retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos. Mas o estresse com essa retirada já foi reduzido, e a política de intervenção no mercado de câmbio permaneceu. As operações do BC foram anunciadas em meados do ano passado para vigorar até dezembro. Mas depois continuaram. Os exportadores estão achando que ficaram em segundo plano.

— O governo considera hoje que a exportação é algo secundário. A prioridade é o combate à inflação, porque este é um ano de eleição e preços altos vão tirar votos nas urnas. Aumento de vendas para o exterior não vai garantir voto nenhum — disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

O diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, faz a mesma avaliação. Ele é que fez o cálculo que conclui que o BC já ofereceu US$ 88 bilhões em liquidez ao mercado, por meio de operações de swap cambial, desde agosto de 2013.

— O governo tem um problema maior para resolver que é a inflação. Com isso, o setor exportador ficou em segundo plano. São três forças atuando sobre o câmbio. As operações do BC; a vinda de capital especulativo, atrás de juros altos; e também a captação de empresas no exterior. Elas estão antecipando esse movimento, por medo de uma piora de cenário à frente, com o calendário eleitoral — disse.

A alta do real, segundo José Augusto de Castro, retarda investimentos por parte dos exportadores. Durante muito tempo, os empresários ouviram das principais autoridade que o objetivo do governo era que o real ficasse mais fraco. Diante da mudança brusca de política, cresce a incerteza, o que reduz a propensão para investir.

O presidente da AEB já admite que sua projeção para a balança comercial este ano está defasada. Em janeiro, previa superávit de US$ 7 bilhões. Em junho, vai refazer as contas para uma estimativa próxima de zero.

— Ninguém esperava essa virada no câmbio, nem exportadores, nem economistas. Os juros altos do Banco Central já trazem capital especulativo para o país, e, ainda assim, o BC continua oferecendo dólares em operações de swap — disse.

A balança comercial está com déficit acumulado de US$ 6,4 bilhões até a terceira semana de abril. Esse é um dos motivos para o resultado negativo no balanço de transações correntes registrado até março, um déficit de 4,71% do PIB, no primeiro trimestre. A expectativa era de que o real mais fraco pudesse dar um fôlego às exportações e inibir não só as importações mas também o gasto de turistas brasileiros no exterior.

Ninguém quer inflação alta, e a taxa tem estado alta demais. Os exportadores brasileiros têm que ser competitivos mesmo quando a moeda brasileira está valorizada. O câmbio não pode ser nem instrumento de garantir competitividade de exportador, mas também não pode ser uma parte do arsenal anti-inflacionário. As intervenções do BC se justificam para evitar a volatilidade excessiva dos momentos de crise, mas não podem ser uma forma de buscar um dólar mais barato. Um dos pés do tripé que tem mantido o país com a economia estabilizada é que o câmbio precisa flutuar e o BC só entra para evitar os excessos. Não parece ser isso o que está acontecendo agora.

No triunfo dos generais, a agonia do Partido Fardado - OLIVEIROS S. FERREIRA

O Estado de S.Paulo - 29/04

Os ministros da Guerra e da Marinha deram seu aval ao golpe de 1937 e, em 1945, decidiram depor Getúlio Vargas. Generais de exército pediram a renúncia de Getúlio em 1945. O ministro da Guerra levou o Congresso a depor dois presidentes da República. Mas foi um general de divisão quem comandou a tropa que saiu de Minas Gerais em 1964 e permitiu a derrocada do regime. Poucos se dão conta da complexidade do processo que se iniciou em 31 de março de 1964.

O general Mourão Filho, chefe militar da revolução, bateu continência a Costa e Silva, general de exército e o mais antigo, que assumiu por ato próprio o Ministério da Guerra. Mourão rendeu-se à hierarquia.

O respeito à hierarquia presidirá todo o processo - embora houvesse momentos em que os generais em comando agiam sob pressão de seus comandados, os que, especialmente em dezembro de 1968, formavam no que chamei, em vários escritos, de Partido Fardado. O Partido Fardado é mais estado de espírito que organização. Um pequeno grupo que existiu até o governo Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.

Foi, contudo, a hierarquia o que impediu que o Brasil se transformasse num Egito do coronel Nasser. Este foi o drama do Partido Fardado desde sempre: os que nele formam rompem a hierarquia e a disciplina e forçam os generais a agir, sabendo, porém, que sem o totem, a mole militar (Oliveira Viana) não se moverá. Para que o totem decida romper o respeito à Constituição, é preciso que considere que o Estado bem ordenado e os valores que o Exército cultua correm risco. Só então ele se move - e leva com ele os generais e todo o Partido Fardado.

Isso posto, é importante perceber que há um dramatis persona neste doloroso processo. Para muitos, será Vargas. Para esses, João Goulart seria a imagem refletida de Getúlio, o "fronteiriço" que não conhece a Nação. Para o Exército, porém, é João Goulart, não o estancieiro do Sul, mas o político, que tem poder e poderá fazer alianças que afrontem a ordenação do Estado, cuja estrutura assenta na hierarquia, e os valores castrenses.

São os coronéis, em 1954, com seu Memorial, quem primeiro constroem a persona Jango. Os generais se calam - mas Vargas demite Jango e o ministro da Guerra. Em 1955, na "Novembrada", Goulart é apenas vice-presidente e, para os generais, é preciso manter a ordem e dar posse a JK. Em 1961, o respeito à Constituição fará dele presidente, comandante em chefe das Forças Armadas. Heck, Denys e Moss, ministros, exigem sua renúncia. Veem na persona Jango que se construiu depois da Novembrada, no seu vínculo com sindicatos operários agressivos e o Partido Comunista, um perigo para o Estado. Afastados, Denys e Heck iniciam a conspiração, isolados ou cercados de poucos oficiais. O que veio depois é história nos anais das Armas: a revolta dos Sargentos (1963), o comício do dia 13 de Março, a revolta na Esquadra e a dos fuzileiros que aclamam Anselmo e, sendo presos, são anistiados por ato presidencial que viola a Constituição, o discurso de Goulart aos sargentos. A persona Jango ganhou vida. Mourão, em Juiz de Fora, subleva sua tropa para deter o golpe Jango-comunista, que vê em marcha.

O Partido Fardado segue os generais - mas pretende ultrapassá-los na "limpeza" geral, assumindo o controle das comissões de investigação criadas para punir corruptos. A política do presidente Castelo Branco é posta em xeque. Com o AI-2, Castelo recupera o controle da situação e ganha para sempre a hostilidade do Partido Fardado, que, cego para a realidade política que se criara, vê em Costa e Silva - seu candidato e o do mundo empresarial - o homem para fazer a sua revolução, que até então ninguém soubera definir qual seria. Contra comunistas e políticos, com certeza; contra empresários, talvez.

Castelo Branco sabe que sucessivos pronunciamentos militares denegrirão a imagem do País no exterior. Se cede à pressão em favor de Costa e Silva, criará condições para que não haja mais totens nas Armas. A reforma que faz na lei das promoções impedirá que um general permaneça na ativa tempo suficiente para construir a coorte de seguidores de sua visão do Brasil e de seu futuro. A percepção da ameaça da subversão armada e o ato do Congresso recusando que Moreira Alves fosse julgado pelo Supremo Tribunal Federal levam ao AI-5, com suas consequências dramáticas. A junta militar, depondo o civil vice-presidente da República, só pode ser compreendida como indicadora de que os ministros que a integram não têm como conduzir o processo e vencer a agitação que, surda, lavra nos quartéis. Convocarão eleições e definem o corpo eleitoral: as Armas. Antes de passar o poder ao general Médici, liquidam, por decreto-lei, o Partido Fardado: os ministros militares terão poder discricionário para transferir para a reserva - "expulsar", diriam seus adversários - os oficiais de qualquer patente que possam representar ameaça à hierarquia. Antes, com o Ato-17, haviam deixado claro aos oficiais fiéis à revolução que o poder era deles.

A lei de Castelo sobre as promoções, o AI-17 e o decreto-lei da "expulsória" (sempre em vigor) consagraram o Princípio do Chefe. Os governos civis que vieram depois não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem nem com a preservação dos valores castrenses. Os chefes militares que dirigiram o País depois do 31 de março de 1964 criaram as condições para que as Armas fossem afastadas dos conselhos que definem a grande política do Estado e celebraram o réquiem do Partido Fardado.

A perigosa infiltração política em fundos de pensão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

Costuma-se saber que essas fundações deram algum mau passo apenas quando o rombo é irreversível, e precisa ser coberto. Quase sempre, pelo contribuinte


Como em economias mais desenvolvidas, no Brasil os fundos de pensão ganham expressão como grandes investidores, por serem importantes captadores de poupança. A peculiaridade brasileira está no fato de que as maiores entidades deste mercado são ligadas a empresas estatais, por administrarem o pecúlio de seus funcionários. Têm, por isso, uma relação incestuosa com o Estado, nem sempre muito transparente. Entidades de interesse privado, estas fundações de estatais vivem em dois mundos: no privado, quando vai tudo bem; e no público, quando necessitam de aporte das mantenedoras (Petros/Petrobras, Previ/Banco do Brasil, Funcef/Caixa Econômica, etc).

Há cerca de 40 anos, o economista Roberto Campos, embaixador, ministro do Planejamento de Castello Branco, volta e meia mostrava em artigos no GLOBO como o Banco do Brasil transferia mais dinheiro para a fundação Previ do que, em dividendos, ao Tesouro Nacional. O corporativismo, como é praxe no Brasil, falava mais alto.

Com o PT no poder, e a CUT, seu braço sindical, já presente em vários desses fundos, Petros, Previ e outras fundações ampliaram a presença no mundo dos grandes negócios em operações em que era possível detectar a presença de interesses políticos. A questão é intrincada porque, pelo seu tamanho, estes fundos são importantes alavancadores de investimentos. Tanto que no governo FH tiveram papel-chave no programa de privatização. E continuam a fazer o mesmo, agora em projetos de concessão no setor de infraestrutura, no governo Dilma. O problema é quando influências políticas patrocinam maus negócios. Pasadena é apenas um deles. E os realizados por fundos de estatais, no sigilo dos gabinetes? A função do ex-petista André Vargas de "facilitador" de negócios para o doleiro Youseff é um alerta. Sua ação foi detectada pela PF no Ministério da Saúde, dada a facilidade de trânsito de um deputado petista junto a um ministro também petista, Alexandre Padilha. E também junto à Funcef (Caixa). O fundo garante que a proposta de negócio feita por Youseff não foi aceita. Ainda bem. Mas, quanto a outras propostas feitas neste e outros balcões semelhantes?

Um aspecto sério de tudo isso é que se costuma saber que esses fundos deram algum mau passo apenas quando o rombo é irreversível, e precisa ser coberto. Neste momento, costumam bater às portas do Tesouro. Sempre em nome do "social" — e das íntimas relações com o governo.

No momento, revelou o GLOBO no domingo, ocorre um conflito na cúpula da Petros, fundo da Petrobras, estatal em que o aparelhamento político foi extenso. Um rombo na fundação pode atingir meio bilhão de reais. Facções de sindicalistas se digladiam em torno do problema.

Tudo indica que um dia esta conta será transferida, via Petrobras, ao Erário. Para impedir esses desfechos, em que o contribuinte é convocado a contribuir, roga-se por uma vigilância efetiva dessas entidades. E seu distanciamento dos poderosos de ocasião.

100% político - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 29/04
Lula desvaloriza decisão do STF sobre o mensalão como apenas 20% jurídica, uma conta de quem se acredita salvador da pátria e do PT
A entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP) que foi ao ar no sábado não é a primeira oportunidade em que escolhe solo estrangeiro para dar declarações temerárias sobre o mensalão. Neste caso, o ex-presidente preferiu atacar as instituições, ao contrário do que fez quando ocupava a Presidência.

Em Paris, a 15 de julho de 2005 (seis semanas após estourar o escândalo do mensalão), o então presidente admitiu que o PT tivesse cometido erros e que precisava explicar-se à sociedade. Afirmou que o Estado brasileiro iria apurar o caso até o fim. A temeridade, na ocasião, foi tentar justificar os erros como algo que todos os partidos praticam no Brasil.

Em Lisboa, Lula fez algo muito mais grave: pôs sob suspeição o próprio Supremo tribunal Federal.

O ex-presidente disse à jornalista Cristina Esteves, da RTP, que não iria examinar decisões da Suprema Corte e fez exatamente o oposto, ao declarar que a decisão fora 80% política e 20% jurídica. Foi além: tudo não teria passado de um massacre para destruir o PT; a história do mensalão, com o tempo, deverá ser recontada.

A afoiteza, a enumeração fantasiosa de conquistas de governos petistas e o espantalho da conspiração das elites são característicos da única retórica que Lula demonstra conhecer --a de palanque. A incongruência de dirigir-se nesse tom a ouvidos portugueses sugere que o petista em realidade pretendeu enviar mensagens algo cifradas ao Brasil, que correligionários entenderão como ordem para "ir para cima" dos adversários.

Em outras palavras, Lula parece bem mais disposto a se tornar candidato do que semanas atrás.

Sim, ele disse e repetiu, na entrevista, que não está candidato e que será cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Mas, com a esperteza que atribui ao brasileiro, reiterou o lugar-comum de que, em política, não se pode dizer "nunca" (como preferiria a sucessora, ainda que talvez lhe convenha Lula verbalizar críticas ao STF que ela, como mandatária de outro Poder, não se permite externar).

"Troço de doido", reagiu o ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos poucos, ao lado de Gilmar Mendes e de Joaquim Barbosa, a se pronunciar sobre a contabilidade luliana. Não é loucura. Temeridade, por certo, jactância, mas cometidas com método e cálculo, zero de desvario.

Lula mostrou-se como o que é, 100% político. E, no contexto de crescente descrédito e perda de popularidade da presidente que fez eleger, 80% cabo eleitoral do PT e 20% pré-candidato --proporção que não hesitará em virar a seu favor caso confie em eventual vitória.

Lavando dinheiro público - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 29/04

Uma amostra, apenas uma amostra, do que se faz com o dinheiro do contribuinte no Brasil - quando os que deviam zelar por ele estão olhando para o outro lado ou fingem manter os olhos bem fechados enquanto as lambanças correm soltas no seu campo de visão - está no relatório da Polícia Federal (PF) sobre a evasão de divisas em escala industrial para a qual foi usado o Laboratório Labogen. Trata-se de uma das tantas firmas de fachada abertas pelo megadoleiro Alberto Youssef para que pudesse aprimorar o exercício de sua especialidade. O seu nome veio a público pela primeira vez no curso da CPI do Banestado que, entre 2002 e 2004, apurou a remessa ilegal de cerca de R$ 30 bilhões para o exterior pelo clássico método do dólar cabo, a transferência virtual de valores.

Antes de ser preso e indiciado - assim como o seu colaborador próximo Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás -, Youssef havia modernizado a sua atividade. A quebra do sigilo bancário e fiscal do Labogen, no âmbito da Operação Lava Jato, da PF, evidenciou que, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, a firma assinou 1.945 contratos de câmbio em nome de duas coligadas, que também levam o seu nome, para importações fictícias de medicamentos. Com isso, Youssef pôde transferir para seus cúmplices em Hong Kong e Taiwan US$ 113,3 milhões. Pelas contas da Procuradoria-Geral da República, foi mais. No mesmo período, as contas de três outras empresas - Hmar Consultoria em Informática, GFD Investimentos e Piroquímica Comercial - foram usadas por Youssef para despachar recursos obtidos de negócios superfaturados com órgãos públicos. Graças a 991 contratos mutretados de câmbio, desovaram no estrangeiro outros US$ 71 milhões.

A rede de lavanderias de Youssef terá movimentado ao todo R$ 10 bilhões, informou a Polícia Federal quando ele foi preso, em 17 de março último. Na semana passada, o doleiro foi acusado formalmente de ter usado o Labogen e similares de fachada para tirar clandestinamente do País US$ 444,7 milhões. Essa informação foi até certo ponto ofuscada pela divulgação de mensagens monitoradas pela PF entre ele e o deputado André Vargas, eleito pelo PT paranaense. Na mais bombástica do lote, de novembro de 2013, o parlamentar escreveu ao cambista que o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo paulista, sugeriu o nome de um executivo para trabalhar no Labogen. O indicado, Marcus Cezar Ferreira da Silva, tinha sido nomeado em 2011 coordenador de promoção e eventos da pasta. Padilha negou ter parte com a história e anunciou que interpelará o deputado na Justiça. Ele, por sua vez, foi pressionado a sair do PT.

Só que Marcus Cezar está de fato no Labogen desde o ano passado, informa a Folha de S.Paulo. Ganha R$ 25 mil mensais para fazer lobby. Para a PF, o operador e testa de ferro da firma é o administrador Leonardo Meirelles. O relatório policial equipara a atuação do laboratório-lavanderia a uma "ferramenta para sangria dos cofres públicos". A Procuradoria é mais específica. Atribui a Youssef e ao ex-petroleiro Paulo Roberto Costa a prática de lavagem de dinheiro ilícito arrecadado mediante esquemas de corrupção e peculato (apropriação de recursos por funcionário da administração direta ou indireta). A cena do crime seriam as obras da inacabada Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, de cujas contas superfaturadas Costa teria extraído R$ 7,95 milhões em propinas. A instalação tinha sido orçada em US$ 2,3 bilhões. Não sairá por menos de US$ 20 bilhões.

"Caracterizada pela divisão formal de tarefas", afirma a Procuradoria, o Labogen tinha por objetivo "obter, direta ou indiretamente, vantagem indevida derivada dos crimes de peculato, corrupção ativa e corrupção passiva e lavagem de dinheiro em detrimento da Petrobrás". Nessa e em outras áreas, wheeler-dealers como Youssef e seus indispensáveis parceiros no Executivo, no Congresso e nas estatais fazem parte das tantas engrenagens responsáveis pelo crescimento criminoso do custo e da eternização das obras públicas no País. Sem falar na sonegação de tributos por negociantes inescrupulosos. Ao Estado resta pouco mais do que correr atrás do prejuízo.

Racismo é impunidade - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/04
O racismo envergonhado lembra história que figura em manuais de psicologia. Cedinho, a criança entra assustada no quarto dos pais. Queixa-se de que há um monstro debaixo da cama. Eles atribuem o medo a pesadelo. Acalmam-na e a deixam acabar o soninho ali mesmo. Na manhã seguinte, o episódio se repete. A resposta também. No terceiro dia, a menina não aparece. Pai e mãe estranham. Tomados por mau pressentimento, entram no dormitório da filha. Ela está morta, corpinho estraçalhado.
Fechar os olhos para a realidade, ensina a narrativa, pode dar alívio momentâneo, mas não resolve o problema. Ao contrário. Agrava-o. Racismo é fato. No Brasil, manifesta-se em diferentes situações com tal frequência que pode parecer natural como o suceder dos dias e das noites ou das estações do ano. É o caso da seleção para empregos, da escolha de cargos em comissão, da indicação de ocupantes do alto escalão. O andar de cima tem cor. É branco. Um colorido aqui ou ali atesta: a exceção confirma a regra.

A vergonha não constitui marca verde-amarela. Espalha-se mundo afora. Dois episódios do fim de semana servem de triste confirmação. Ambos têm relação direta com o esporte - alvo frequente de expressões de intolerância com as diferenças. Em confronto de Barcelona e Villareal, torcedor atirou uma banana no campo em direção a Daniel Alves. O brasileiro reagiu com elegância. Pegou a fruta, descascou-a e a comeu. A resposta, divulgada pelas redes sociais, ganhou repercussão internacional.

Em solidariedade ao colega, Neymar postou no Instagram foto com o filho, Davi Lucca. Os dois com banana na mão e a mensagem: #somostodosmacacos. Na primeira hora, 8 mil pessoas retuitaram a hashtag. A presidente Dilma Rousseff condenou o ato do torcedor em notas postadas nas redes sociais. Barack Obama também se manifestou, mas em reação a episódio similar ocorrido nos Estados Unidos.

Áudio atribuído a Donald Sterling, presidente do time de basquete Los Angeles Clippers, vazou a recomendação feita por ele à namorada para que não exibisse em público associação com negros: "O pouco que estou lhe pedindo", diz, "é não fazer publicidade em torno disso e não trazê-los para os meus jogos". O fato, como não poderia deixar de ser, revoltou os jogadores da Associação Americana de Basquete (NBA), formada predominantemente por atletas negros.

Não se deve ao acaso a repetição de agressões racistas. Elas se devem à impunidade. Depois dos atos que envergonham as consciências civilizadas do planeta, sobram palavras e faltam ações. Impõem-se penas capazes de inibir ofensas do gênero nos estádios. Sanções brandas - advertências, multas, suspensão de torcedores ou de alas em estádios - provaram ser insuficientes. É hora de punições exemplares. Duas foram anunciadas ontem. O Villarreal proibiu o torcedor intolerante de frequentar o estádio do time. O Los Angeles Clippers perdeu patrocinadores. Que venham outras.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“É a CPI da vingança”
Senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobre a ameaça do governo de criar a CPI do Metrô


AO RENEGAR AMIGOS, LULA CAUSOU MAL-ESTAR NO PT

O ex-presidente Lula provocou grande mal-estar no governo e no PT ao declarar, em entrevista à TV portuguesa RTP que os mensaleiros cumprindo pena no presídio da Papuda não são da sua “confiança”. Até porque não é verdade: um dos presos, José Dirceu, por exemplo, exerceu em seu governo o cargo de maior confiança de presidente da República: ministro-chefe da Casa Civil, espécie de “primeiro-ministro”.

CALOU FUNDO

Um dos mais afetados pela declaração de Lula, segundo fontes do PT, foi o ex-deputado José Genoino, velho amigo do ex-presidente.

OFENDIDOS

Outros velhos amigos, que estão presos e não entregaram o líder, como Delúbio Soares, sentiram-se ofendidos com a afirmação de Lula.

MACUNAÍMA VIVE

Ao renegar os amigos mensaleiros, Lula dá razão aos que o comparam a Macunaíma, o “herói sem caráter” da obra de Mário de Andrade.

PERGUNTA NO PT

Após negar três vezes amizade a “cumpanhêros” do mensalão, Lula vai dizer que sua íntima amiga Rose também “não era de sua confiança”?

PARA OBTER APOIO, AÉCIO PODE BUSCAR VICE NO PSD

Convidado ao jantar oferecido pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, domingo, o senador Aécio Neves (PSDB) intensifica as negociações para fechar um acordo político que pode passar, inclusive, pela posição de vice, na chapa tucana. O PSD tem a oferecer precioso tempo de TV, no horário gratuito, na disputa pela Presidência da República, e a retirada da candidatura de Kassab ao governo paulista.

CORTE PETISTA

A candidatura de Kassab ao governo paulista é incentivada por Lula. O objetivo é tirar votos de Geraldo Alckmin, para forçar o segundo turno.

CHANCE

O PSDB vê na queda da presidente Dilma nas pesquisas a chance de atrair partidos como o PSD, que também negociam com o PT.

PSD SERRISTA

O PSDB tem tudo a ver com o PSD: o partido foi criado por Kassab com o estímulo do ex-prefeito paulistano José Serra.

EIS O ACORDO

O deputado André Vargas corre risco zero de ter seu mandato pedido pelo PT, que não quer cutucar ainda mais a fera com vara curta. Além disso, ele poderia alegar pressão e perseguição do PT

RECRUTADOS

O PT indicará José Pimentel (CE) relator e João Alberto (PMDB-MA), obediente a José Sarney, para presidir a CPI da Petrobras. Ou seja, a CPI será instalada dia 7, mas não vai investigar coisa alguma.

TÁTICA DE GUERRILHA

Cresce no Congresso a tese de que o “volta Lula” é alimentado pelo próprio ex-presidente, que se colocaria como alternativa à presidenta Dilma, roubando qualquer espaço ou protagonismo da oposição.

IRRESPONSABILIDADE

Para enfrentar o drama dos imigrantes haitianos que chegam em massa ao Brasil, o governo federal ao menos deveria parar de emitir vistos de turistas ou “humanitários” a quem chega sem o primeiro.

CHANCE PERDIDA

Em crise de labirintite, o ex-presidente Lula poderia ter procurado um médico cubano, dando uma força no programa Mais Médicos, de Dilma e do ex-ministro Alexandre Padilha. Mas preferiu o Sírio Libanês.

TERRA DO NUNCA

Boa pauta para os presidenciáveis: tirar as duas décadas de gaveta do projeto do ex-senador Marco Maciel (DEM-PE) regulamentando a profissão de lobista. O multidoleiro Yousseff pagaria imposto de renda.

PAPO FIADO

Dono da terceira maior bancada na Assembleia Legislativa de São Paulo, o PV obteve, há mais de mês, a garantia do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de que ocuparia a Secretaria de Minas e Energia.

EM ESPERA

Aspirante à cadeira no Senado, o líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS), já avisou ao PMDB que só entrará na disputa caso o senador Pedro Simon desista de sair candidato à reeleição.

EL TONTO

A tontura que levou Lula ao Hospital Sírio Libanês, no fim de semana, ganhou diagnóstico no Twitter: “Labirintite 8 anos, rótulo vermelho”.


PODER SEM PUDOR

DE CAVALOS E MULHERES

O velho líder gaúcho Flores da Cunha caminhava no Rio de Janeiro, quando foi surpreendido por um amigo:

- Governador, como tem passado?

Já no fim da vida, o ex-governador era um poço de queixas:

- Não estou muito bem. As finanças estão em baixa. Mas farei um empréstimo no banco e resolverei isso...

- Não acredito, governador! O senhor foi tudo na política. Como, logo o senhor, tendo que fazer um empréstimo para as despesas diárias?!

O velho Flores pensou um pouco e respondeu:

- Meu mal, caro amigo, foram cavalos mancos e argentinas ligeiras...

TERÇA NOS JORNAIS

- Estadão: Ex-assessor de Padilha era canal com Saúde, diz Labogen
Folha: Lula não entende a independência da Justiça, diz Barbosa
Globo: Empreiteiras repassaram R$ 90 milhões a doleiro
Correio: A guerra de R$ 8 bi que terceirizou a Esplanada
Zero Hora: Mantega confirma ações de incentivo à venda de carros
Brasil Econômico: Alta de alimento bate no limite e muda projeção do IPCA