FOLHA DE SP - 10/01
Quem liga para cadáveres 'pobres de tão pretos e pretos de tão pobres', como cantavam aqueles?
Se ninguém dá bola quando bandidos matam pais de família, por que haveria indignação quando presos resolvem decapitar seus pares no Maranhão, onde José Sarney é a fé, a lei e o rei? Que se virem! As trevas maranhenses são apenas um sintoma de um desastre humanitário silencioso.
Em novembro, veio a público o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com os dados referentes a 2012. Os "crimes violentos letais intencionais" (CVLI) somaram 50.108, contra 46.177 em 2011. A taxa saltou de 24 para 25,8 mortos por 100 mil habitantes. Na Alemanha, é de 0,8. No Chile, 3,2. Os "CVLI" incluem homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Nota: esses são números oficiais. A verdade deve ser mais sangrenta.
Segundo a ONU, na América Latina e Caribe, com população estimada em 600 milhões, são assassinadas 100 mil pessoas por ano. Com pouco menos de um terço dos habitantes, o Brasil responde por mais da metade dos cadáveres. O governo federal, o PT, o PMDB, o PSDB e o PSB silenciaram. Esse é um país real demais para produtivistas, administrativistas e nefelibatas. A campanha eleitoral já está aí. Situação e oposição engrolarão irrelevâncias sobre o tema. Prometerão mais escolas e mais esmolas. Presídios não!
Algumas dezenas de black blocs mobilizaram o ministro da Justiça, os respectivos secretários de Segurança de São Paulo e Rio e representantes da OAB, do CNJ e do Ministério Público. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, quer até um fórum de conciliação para juntar policiais e manifestantes. Sobre a carnificina de todos os dias, nada! Quem liga para cadáveres "pobres de tão pretos e pretos de tão pobres", como cantavam aqueles? No país em que os aristocratas são, assim, "meio de esquerda", segurança pública é assunto da "direita que rosna", certo? Os 400 e poucos mortos da ditadura mobilizam a máquina do Estado e a imprensa. É justo. Os 50 mil a cada ano só produzem silêncio. Dentro e fora dos presídios, são cadáveres sem pedigree.
E por que esse silêncio? É que os fatos sepultaram as teses "progressistas" sobre a violência. A falácia de que a pobreza induz o crime é preconceito de classe fantasiado de generosidade humanista. A "intelligentsia" acha que pobre é incapaz de fazer escolhas morais sem o concurso de sua mística redentora. Diminuiu a desigualdade nos últimos anos, e a criminalidade explodiu. O crescimento econômico do Nordeste foi superior ao do Brasil, e a violência assumiu dimensões estupefacientes.
Os Estados da região estão entre os que mais matam por 100 mil habitantes: Alagoas: 61,8; Ceará: 42,5; Bahia: 40,7, para citar alguns. Comparem: a taxa de "CVLI" de São Paulo, a segunda menor do país, é de 12,4 (descarta-se a primeira porque inconfiável). Se a nacional correspondesse à paulista, salvar-se-iam por ano 26.027 vidas.
Com 22% da população, São Paulo concentra 36% (195.695) dos presos do país (549.786), ou 633,1 por 100 mil. A taxa de "CVLI" do Rio é quase o dobro (24,5) da paulista, mas a de presos é inferior à metade (281,5). A Bahia tem a maior desproporção entre mortos por 100 mil e (40,7) e encarcerados: 134. Estudo quantitativo do Ipea (bit.ly/1gll0rL) evidencia que "prender mais bandidos e colocar mais policiais na rua são políticas públicas que funcionam na redução da taxa de homicídios".
Isso afronta a estupidez politicamente correta e cruel. Em 2013, o governo federal investiu em presídios 34,2% menos do que no ano anterior --caiu de R$ 361,9 milhões para R$ 238 milhões. Para mais mortos, menos investimento. Os progressistas meio de esquerda são eles. Este colunista é só um reacionário da aritmética. Eles fazem Pedrinhas. Alguém tem de dar as pedradas.
sexta-feira, janeiro 10, 2014
Contrário senso - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 10/01
Seja de imediato, por ato da ministra plantonista Cármen Lúcia, ou em fevereiro, quando o titular da prerrogativa, ministro Joaquim Barbosa, voltar das férias, o deputado João Paulo Cunha terá a pena oficialmente executada, juntando-se aos 18 condenados já na prisão.
Dos 25 réus sentenciados no processo do mensalão, três tiveram direito ao cumprimento de penas alternativas, um (Roberto Jefferson) aguarda a expedição da ordem de prisão e dois ainda esperam o julgamento dos embargos infringentes, pois foram condenados por um crime só e receberam ao menos quatro votos pela absolvição.
Não foi o que aconteceu com João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, cuja defesa tentou a tática do João sem braço que não passou pelo crivo do relator da ação e presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Condenado por três crimes - corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro -, nas sentenças relativas aos dois primeiros Cunha obteve apenas dois votos pela absolvição. Embora a exigência legal fale em quatro votos, assim mesmo a defesa apresentou embargos infringentes, conseguindo livrar seu cliente da primeira leva de presos.
Era, porém, questão de tempo (conforme recente decisão de Barbosa considerando os recursos meramente protelatórios) para que Cunha tivesse decretado o trânsito em julgado de duas das três condenações. Por lavagem teve cinco votos a favor e tem direito ao embargo.
Tudo isso para dizer o seguinte: as condenações contrariaram as expectativas da população que, acostumada com a impunidade, respondeu assim a uma pesquisa do Datafolha publicada em agosto de 2012:73% queriam condenações e prisões, mas 43% achavam que o julgamento terminaria em absolvição geral.
Certamente não é a esse tipo de pessimismo que a presidente Dilma tem se referido com revolta.
Força do hábito. O último capítulo de 2013 estrelado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que usou avião de FAB para ir ao Recife fazer implante de cabelo, causou espanto.
Mas não entre aqueles que o conhecem de outros carnavais, como seus colegas de Parlamento que o elegeram presidente da Casa com 70% dos votos e os que por dever de ofício acompanham sua trajetória desde a estreia no cenário nacional como sócio fundador da República das Alagoas que assolou o Brasil na virada da década dos 80 para os anos 90, sob a chefia de Fernando Collor de Mello e o gentil patrocínio das trapaças de Paulo César Farias.
É o mesmo Calheiros cuja falsa pose de bom moço a tantos incautos iludiu por alguns anos.
O senador não ignora que não poderia usar o avião da FAB para dar um jeito no visual. Mas o fez porque não vê nada demais no uso privado da máquina pública.
Caso impensado. O ataque do PT ao governador Eduardo Campos, chamado de tolo, traidor e oportunista, suscitou uma dúvida no mundo político: foi algo planejado ou fruto de impulso?
Qualquer que tenha sido a razão, a interpretação dos observadores é uma só. Com essa atitude, o PT afasta ainda mais Campos de Dilma, dificulta a possibilidade de apoio do PSB a ela no segundo turno caso seja disputado com o tucano Aécio Neves, facilita a unidade da oposição e neutraliza quaisquer resquícios de petismo restantes da alma da ex-senadora Marina Silva chamada, no mesmo artigo, de "ovo da serpente" e "pedra no sapato".
O PSDB, em particular, adorou a ofensiva. O PMDB registrou como mais uma prova de que é preciso estar sempre armado no trato com um aliado permanentemente em combate como o PT.
Nas cabeças bem pensantes do partido de Dilma, o episódio foi marcado como um erro a ser evitado.
Seja de imediato, por ato da ministra plantonista Cármen Lúcia, ou em fevereiro, quando o titular da prerrogativa, ministro Joaquim Barbosa, voltar das férias, o deputado João Paulo Cunha terá a pena oficialmente executada, juntando-se aos 18 condenados já na prisão.
Dos 25 réus sentenciados no processo do mensalão, três tiveram direito ao cumprimento de penas alternativas, um (Roberto Jefferson) aguarda a expedição da ordem de prisão e dois ainda esperam o julgamento dos embargos infringentes, pois foram condenados por um crime só e receberam ao menos quatro votos pela absolvição.
Não foi o que aconteceu com João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, cuja defesa tentou a tática do João sem braço que não passou pelo crivo do relator da ação e presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Condenado por três crimes - corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro -, nas sentenças relativas aos dois primeiros Cunha obteve apenas dois votos pela absolvição. Embora a exigência legal fale em quatro votos, assim mesmo a defesa apresentou embargos infringentes, conseguindo livrar seu cliente da primeira leva de presos.
Era, porém, questão de tempo (conforme recente decisão de Barbosa considerando os recursos meramente protelatórios) para que Cunha tivesse decretado o trânsito em julgado de duas das três condenações. Por lavagem teve cinco votos a favor e tem direito ao embargo.
Tudo isso para dizer o seguinte: as condenações contrariaram as expectativas da população que, acostumada com a impunidade, respondeu assim a uma pesquisa do Datafolha publicada em agosto de 2012:73% queriam condenações e prisões, mas 43% achavam que o julgamento terminaria em absolvição geral.
Certamente não é a esse tipo de pessimismo que a presidente Dilma tem se referido com revolta.
Força do hábito. O último capítulo de 2013 estrelado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que usou avião de FAB para ir ao Recife fazer implante de cabelo, causou espanto.
Mas não entre aqueles que o conhecem de outros carnavais, como seus colegas de Parlamento que o elegeram presidente da Casa com 70% dos votos e os que por dever de ofício acompanham sua trajetória desde a estreia no cenário nacional como sócio fundador da República das Alagoas que assolou o Brasil na virada da década dos 80 para os anos 90, sob a chefia de Fernando Collor de Mello e o gentil patrocínio das trapaças de Paulo César Farias.
É o mesmo Calheiros cuja falsa pose de bom moço a tantos incautos iludiu por alguns anos.
O senador não ignora que não poderia usar o avião da FAB para dar um jeito no visual. Mas o fez porque não vê nada demais no uso privado da máquina pública.
Caso impensado. O ataque do PT ao governador Eduardo Campos, chamado de tolo, traidor e oportunista, suscitou uma dúvida no mundo político: foi algo planejado ou fruto de impulso?
Qualquer que tenha sido a razão, a interpretação dos observadores é uma só. Com essa atitude, o PT afasta ainda mais Campos de Dilma, dificulta a possibilidade de apoio do PSB a ela no segundo turno caso seja disputado com o tucano Aécio Neves, facilita a unidade da oposição e neutraliza quaisquer resquícios de petismo restantes da alma da ex-senadora Marina Silva chamada, no mesmo artigo, de "ovo da serpente" e "pedra no sapato".
O PSDB, em particular, adorou a ofensiva. O PMDB registrou como mais uma prova de que é preciso estar sempre armado no trato com um aliado permanentemente em combate como o PT.
Nas cabeças bem pensantes do partido de Dilma, o episódio foi marcado como um erro a ser evitado.
Precisamos de um novo calendário - RASHEED ABOU-ALSAMH
O GLOBO - 10/01
O Brasil perdeu produtividade no fim de ano com o Natal e o réveillon caindo numa terça-feira
Nascido de pais de mundos diferentes, minha mãe é americana e meu pai era árabe, eu automaticamente nasci em dois mundos e calendários diferentes. No calendário gregoriano nasci no dia 10 de maio de 1964. No calendário islâmico, no dia 22 de Dhul Hijja do ano 1383. Por um erro administrativo na Arábia Saudita fui registrado como nascido no dia 1 de Rajab do ano 1384, que no calendário gregoriano equivale ao dia 6 de novembro de 1964. Essa confusão atingiu muitas pessoas na Arábia Saudita, inclusive a minha amiga Abeer, que como eu nasceu em 1964, mas acabou com a mesma data de aniversário que deram para mim — ou seja, o dia 6 de novembro.
O calendário islâmico é lunar e tem 12 meses. Cada mês não pode ter menos de 29 dias ou mais de 30 dias. Isso leva as datas a se mover e cair 14 dias mais cedo a cada ano em relação ao calendário gregoriano. Por isso, o mês de Ramadã, quando todos os adultos muçulmanos devem ficar de jejum durante o dia, acontece em estações diferentes ao longo dos anos. Às vezes é no calor do verão, e às vezes é no inverno. Meu pai gostava de me dizer que isso foi feito de propósito para ser justo com todos os muçulmanos, independentemente de onde moravam na Terra. Mas tenho dúvidas que os sábios que criaram o calendário islâmico sabiam que isso ia acontecer.
No calendário islâmico, que começa no ano em que o profeta Maomé fugiu para Medina, em 622, não há um ano bissexto, como há no calendário gregoriano a cada quatro anos. E o ano islâmico de 354 ou 355 dias é mais curto do que o ano gregoriano, que tem 365 dias.
De acordo com o centro americano de análise Stratfor, a Inglaterra perdeu 11 dias quando adotou o calendário gregoriano, em 1752 — uns 170 anos depois de ele ter sido introduzido pelo Papa Gregório XIII, em 1582. Antes disso, o mundo cristão seguia o calendário juliano, implementado por Júlio César em 45 A.C. O ano que antecedeu o novo calendário foi chamado de “ano final de confusão”, porque durou 445 dias. As igrejas cristãs ortodoxas ainda seguem o calendário juliano, e é por isso que o Natal e o Ano Novo deles são sempre 11 dias depois das datas celebradas no calendário gregoriano.
O movimento de datas importantes no calendário gregoriano pelos sete dias da semana tem levado defensores de reformas a declarar que devíamos mudar para um novo calendário, no qual todas as datas de cada ano sempre cairiam no mesmo dia da semana. Por exemplo, nesse calendário, o Natal e Ano Novo sempre iam cair num domingo. Isso levaria a ganhos reais em produtividade econômica. A Stratfor cita um estudo britânico que diz que, se todos os feriados nacionais na Grã-Bretanha fossem movidos para cair em fins de semana, o PIB ia crescer 1% ao ano. E com certeza o Brasil perdeu produtividade nesse fim de ano com o Natal e o réveillon caindo numa terça-feira, efetivamente zerando qualquer crescimento econômico nestas duas semanas.
Uma dessas propostas é o calendário Hanke-Henry, inventado pelo astrofísico americano Richard Conn Henry e seu colega economista Steve Hanke, em 2012. Esse calendário teria 364 dias com trimestres de igual duração. Problemas com os cálculos de juros iam desaparecer, e os criadores desse novo calendário calculam que poderia haver uma economia de US$ 130 bilhões por ano no mundo inteiro. Nesse calendário, o primeiro dia do ano sempre ia cair num domingo, e janeiro ia ter somente 30 dias; fevereiro teria 30 dias; março 31; abril 30; maio 30; junho 31; julho 30; agosto 30; setembro 31; outubro 30; novembro 30; e dezembro teria 31 dias. A cada cinco ou seis anos uma semana extra de sete dias ia ser inserida no fim de dezembro para ajustar os calendários lunar e solar, já que os anos bissextos não existiriam mais.
Um calendário assim não deveria ter oposição das igrejas, porque fixaria as datas religiosas. Instituições educacionais também lucrariam com isso, pois poderiam planejar o ano acadêmico com datas fixas, e não ter que mudar férias de Natal ou verão em razão de as datas caírem em dias diferentes da semana a cada ano.
Mas sempre haverá resistência à mudança por vários segmentos da sociedade. Por exemplo, na Arábia Saudita os dias do fim da semana finalmente foram mudados no ano passado, depois de anos de debate. Até junho de 2013, o fim de semana saudita era quinta e sexta-feira. Sexta-feira é o dia de descanso para muçulmanos, o dia em que eles rezam juntos na mesquita, como o domingo é para cristãos. Mas isto deixava somente três dias úteis para trabalhar com o resto do mundo: segunda, terça e quarta. Opositores da mudança do fim de semana saudita diziam que era contra o Islã fazer isso, e que não podiam ter o mesmo dia de folga que os judeus (o sábado). Mas as forças econômicas falaram mais alto depois que o governo viu que empresas sauditas estavam perdendo negócios pela diferença de dias de folga entre Arábia Saudita e o resto do mundo.
Com certeza muitos países iam resistir a adotar o calendário Hanke-Henry por ser uma invenção americana. Tudo bem. Mas que precisamos de um novo calendário mais lógico e estável, disso não tenho dúvida.
O Brasil perdeu produtividade no fim de ano com o Natal e o réveillon caindo numa terça-feira
Nascido de pais de mundos diferentes, minha mãe é americana e meu pai era árabe, eu automaticamente nasci em dois mundos e calendários diferentes. No calendário gregoriano nasci no dia 10 de maio de 1964. No calendário islâmico, no dia 22 de Dhul Hijja do ano 1383. Por um erro administrativo na Arábia Saudita fui registrado como nascido no dia 1 de Rajab do ano 1384, que no calendário gregoriano equivale ao dia 6 de novembro de 1964. Essa confusão atingiu muitas pessoas na Arábia Saudita, inclusive a minha amiga Abeer, que como eu nasceu em 1964, mas acabou com a mesma data de aniversário que deram para mim — ou seja, o dia 6 de novembro.
O calendário islâmico é lunar e tem 12 meses. Cada mês não pode ter menos de 29 dias ou mais de 30 dias. Isso leva as datas a se mover e cair 14 dias mais cedo a cada ano em relação ao calendário gregoriano. Por isso, o mês de Ramadã, quando todos os adultos muçulmanos devem ficar de jejum durante o dia, acontece em estações diferentes ao longo dos anos. Às vezes é no calor do verão, e às vezes é no inverno. Meu pai gostava de me dizer que isso foi feito de propósito para ser justo com todos os muçulmanos, independentemente de onde moravam na Terra. Mas tenho dúvidas que os sábios que criaram o calendário islâmico sabiam que isso ia acontecer.
No calendário islâmico, que começa no ano em que o profeta Maomé fugiu para Medina, em 622, não há um ano bissexto, como há no calendário gregoriano a cada quatro anos. E o ano islâmico de 354 ou 355 dias é mais curto do que o ano gregoriano, que tem 365 dias.
De acordo com o centro americano de análise Stratfor, a Inglaterra perdeu 11 dias quando adotou o calendário gregoriano, em 1752 — uns 170 anos depois de ele ter sido introduzido pelo Papa Gregório XIII, em 1582. Antes disso, o mundo cristão seguia o calendário juliano, implementado por Júlio César em 45 A.C. O ano que antecedeu o novo calendário foi chamado de “ano final de confusão”, porque durou 445 dias. As igrejas cristãs ortodoxas ainda seguem o calendário juliano, e é por isso que o Natal e o Ano Novo deles são sempre 11 dias depois das datas celebradas no calendário gregoriano.
O movimento de datas importantes no calendário gregoriano pelos sete dias da semana tem levado defensores de reformas a declarar que devíamos mudar para um novo calendário, no qual todas as datas de cada ano sempre cairiam no mesmo dia da semana. Por exemplo, nesse calendário, o Natal e Ano Novo sempre iam cair num domingo. Isso levaria a ganhos reais em produtividade econômica. A Stratfor cita um estudo britânico que diz que, se todos os feriados nacionais na Grã-Bretanha fossem movidos para cair em fins de semana, o PIB ia crescer 1% ao ano. E com certeza o Brasil perdeu produtividade nesse fim de ano com o Natal e o réveillon caindo numa terça-feira, efetivamente zerando qualquer crescimento econômico nestas duas semanas.
Uma dessas propostas é o calendário Hanke-Henry, inventado pelo astrofísico americano Richard Conn Henry e seu colega economista Steve Hanke, em 2012. Esse calendário teria 364 dias com trimestres de igual duração. Problemas com os cálculos de juros iam desaparecer, e os criadores desse novo calendário calculam que poderia haver uma economia de US$ 130 bilhões por ano no mundo inteiro. Nesse calendário, o primeiro dia do ano sempre ia cair num domingo, e janeiro ia ter somente 30 dias; fevereiro teria 30 dias; março 31; abril 30; maio 30; junho 31; julho 30; agosto 30; setembro 31; outubro 30; novembro 30; e dezembro teria 31 dias. A cada cinco ou seis anos uma semana extra de sete dias ia ser inserida no fim de dezembro para ajustar os calendários lunar e solar, já que os anos bissextos não existiriam mais.
Um calendário assim não deveria ter oposição das igrejas, porque fixaria as datas religiosas. Instituições educacionais também lucrariam com isso, pois poderiam planejar o ano acadêmico com datas fixas, e não ter que mudar férias de Natal ou verão em razão de as datas caírem em dias diferentes da semana a cada ano.
Mas sempre haverá resistência à mudança por vários segmentos da sociedade. Por exemplo, na Arábia Saudita os dias do fim da semana finalmente foram mudados no ano passado, depois de anos de debate. Até junho de 2013, o fim de semana saudita era quinta e sexta-feira. Sexta-feira é o dia de descanso para muçulmanos, o dia em que eles rezam juntos na mesquita, como o domingo é para cristãos. Mas isto deixava somente três dias úteis para trabalhar com o resto do mundo: segunda, terça e quarta. Opositores da mudança do fim de semana saudita diziam que era contra o Islã fazer isso, e que não podiam ter o mesmo dia de folga que os judeus (o sábado). Mas as forças econômicas falaram mais alto depois que o governo viu que empresas sauditas estavam perdendo negócios pela diferença de dias de folga entre Arábia Saudita e o resto do mundo.
Com certeza muitos países iam resistir a adotar o calendário Hanke-Henry por ser uma invenção americana. Tudo bem. Mas que precisamos de um novo calendário mais lógico e estável, disso não tenho dúvida.
Erro tático ou estratégico - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 10/01
BRASÍLIA - A nova moda no governo e no PT é alardear que eles temem mais Eduardo Campos do que Aécio Neves, mas isso induz a concluir justamente o oposto: a maior ameaça é o tucano Aécio Neves.
Dilma é franca favorita e os dois opositores parecem em pé de igualdade, mas, se Campos vai ganhar um enorme gás com o anúncio de Marina Silva como sua vice, Aécio tem um partido mais estruturado, os governos de São Paulo e Minas e a polarização direta com o PT. Ou seja, sua campanha é um destino mais natural para os eleitores que não querem um novo mandato petista.
Então, por que bater direto em Campos e sair por aí falando que ele é mais forte do que Aécio? De um lado, para minimizar o potencial de Aécio e não lhe dar espaço na mídia. De outro, para que Campos encorpe o suficiente para retirar votos de Aécio e os dois se embolem numa guerra infernal na oposição.
A mesma intriga entre Campos e Marina vale para Campos e Aécio, até porque tem fundo de verdade e solo fértil para prosperar.
O ataque a Campos e a Marina na página oficial do PT na internet, classificando um como "playboy mimado" e a outra como "ovo da serpente", pode ter sido só um erro de um contratado qualquer. Mas pode não ter sido algo tão simplista.
Apesar de dizer que essa não é "a posição oficial do PT", o vice-presidente do partido e responsável pelas redes sociais na internet disse que avalizou o ataque. Comeu mosca? Ou participou de uma estratégia?
A estratégia de fortalecer Campos, porém, é arriscada, porque ele é neto do mítico Miguel Arraes, tem origem e sotaque nordestino, é muito bem avaliado em Pernambuco, respeitado nos meios empresariais. E, como é pouco conhecido, tem baixo índice de rejeição. Não é fácil calibrar até onde inflar o pão sem ele estourar.
E o resultado do ataque na internet foi um desastre: não acrescenta nada para Dilma, atrai críticas ao PT e dá visibilidade a Campos e à oposição.
BRASÍLIA - A nova moda no governo e no PT é alardear que eles temem mais Eduardo Campos do que Aécio Neves, mas isso induz a concluir justamente o oposto: a maior ameaça é o tucano Aécio Neves.
Dilma é franca favorita e os dois opositores parecem em pé de igualdade, mas, se Campos vai ganhar um enorme gás com o anúncio de Marina Silva como sua vice, Aécio tem um partido mais estruturado, os governos de São Paulo e Minas e a polarização direta com o PT. Ou seja, sua campanha é um destino mais natural para os eleitores que não querem um novo mandato petista.
Então, por que bater direto em Campos e sair por aí falando que ele é mais forte do que Aécio? De um lado, para minimizar o potencial de Aécio e não lhe dar espaço na mídia. De outro, para que Campos encorpe o suficiente para retirar votos de Aécio e os dois se embolem numa guerra infernal na oposição.
A mesma intriga entre Campos e Marina vale para Campos e Aécio, até porque tem fundo de verdade e solo fértil para prosperar.
O ataque a Campos e a Marina na página oficial do PT na internet, classificando um como "playboy mimado" e a outra como "ovo da serpente", pode ter sido só um erro de um contratado qualquer. Mas pode não ter sido algo tão simplista.
Apesar de dizer que essa não é "a posição oficial do PT", o vice-presidente do partido e responsável pelas redes sociais na internet disse que avalizou o ataque. Comeu mosca? Ou participou de uma estratégia?
A estratégia de fortalecer Campos, porém, é arriscada, porque ele é neto do mítico Miguel Arraes, tem origem e sotaque nordestino, é muito bem avaliado em Pernambuco, respeitado nos meios empresariais. E, como é pouco conhecido, tem baixo índice de rejeição. Não é fácil calibrar até onde inflar o pão sem ele estourar.
E o resultado do ataque na internet foi um desastre: não acrescenta nada para Dilma, atrai críticas ao PT e dá visibilidade a Campos e à oposição.
Coisas de Brasília - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 10/01
É óbvio que muitas coisas boas acontecem na capital. Lamento não me lembrar de uma quantidade delas no momento. Mas vou continuar tentando
Em tese e em princípio, servidores do Estado devem ter salários medidos por dois critérios: um deles corresponde ao esforço e à dedicação do funcionário no exercício do seu batente diário; o outro, à importância do cargo no que se refere ao interesse público.
A plateia tem o direito, para não falar na obrigação, de acompanhar o debate em torno dos salários devidos aos funcionários da Câmara dos Deputados. A questão está sendo discutida desde outubro, quando a Casa anunciou um corte nos vencimentos de mais de 1.350 dos seus servidores. Cumpria decisão do Tribunal de Contas da União, segundo o qual esses funcionários ganhavam mais do que permite a Constituição.
(Pausa para uma dúvida ingênua, que certamente provocará gargalhadas no Planalto: há mesmo trabalho para tantos operosos servidores na Câmara?)
Continuando: em dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar cortando o corte no salário de um dos funcionários. Não se deu ao trabalho de perguntar à Mesa da Câmara quais seriam as suas razões para reduzir os vencimentos de tantos funcionários do Legislativo.
Apenas argumentou que os servidores atingidos não foram informados sobre a decisão do TCU. E se esqueceu de explicar em que medida a falta de informação anulava a decisão tomada. Os deputados poderiam também informá-lo que os mil e tantos funcionários — metade deles inativos — certamente conseguirão o mesmo benefício obtido pelo seu companheiro que teve a inspiração de recorrer ao STF. A correta decisão de outubro está ameaçada.
Ou seja, Brasília continuará a produzir motivos de desalento para o resto do país. Mas também podemos ser otimistas. É óbvio que muitas coisas boas acontecem na capital. Lamento não me lembrar de uma quantidade delas no momento. Mas vou continuar tentando.
É óbvio que muitas coisas boas acontecem na capital. Lamento não me lembrar de uma quantidade delas no momento. Mas vou continuar tentando
Em tese e em princípio, servidores do Estado devem ter salários medidos por dois critérios: um deles corresponde ao esforço e à dedicação do funcionário no exercício do seu batente diário; o outro, à importância do cargo no que se refere ao interesse público.
A plateia tem o direito, para não falar na obrigação, de acompanhar o debate em torno dos salários devidos aos funcionários da Câmara dos Deputados. A questão está sendo discutida desde outubro, quando a Casa anunciou um corte nos vencimentos de mais de 1.350 dos seus servidores. Cumpria decisão do Tribunal de Contas da União, segundo o qual esses funcionários ganhavam mais do que permite a Constituição.
(Pausa para uma dúvida ingênua, que certamente provocará gargalhadas no Planalto: há mesmo trabalho para tantos operosos servidores na Câmara?)
Continuando: em dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar cortando o corte no salário de um dos funcionários. Não se deu ao trabalho de perguntar à Mesa da Câmara quais seriam as suas razões para reduzir os vencimentos de tantos funcionários do Legislativo.
Apenas argumentou que os servidores atingidos não foram informados sobre a decisão do TCU. E se esqueceu de explicar em que medida a falta de informação anulava a decisão tomada. Os deputados poderiam também informá-lo que os mil e tantos funcionários — metade deles inativos — certamente conseguirão o mesmo benefício obtido pelo seu companheiro que teve a inspiração de recorrer ao STF. A correta decisão de outubro está ameaçada.
Ou seja, Brasília continuará a produzir motivos de desalento para o resto do país. Mas também podemos ser otimistas. É óbvio que muitas coisas boas acontecem na capital. Lamento não me lembrar de uma quantidade delas no momento. Mas vou continuar tentando.
Crise no Maranhão - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 10/01
SÃO PAULO - A barbárie prisional no Maranhão justifica uma intervenção federal com vistas a salvaguardar os direitos humanos, nos termos do artigo 34, VII, da Constituição? A questão é capciosa e toca nos fundamentos da democracia.
O primeiro problema que vejo num eventual pedido de intervenção, que teria de ser apresentado pelo procurador-geral da República e julgado pelo STF, seria limitá-lo ao Maranhão. É verdade que o que está acontecendo no complexo penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, causa revolta e extrapola as mais elementares noções de civilidade. Acho difícil, porém, sustentar que o caso maranhense difira do de outras unidades federativas senão por uma questão de grau --não de natureza.
Não há hermenêutica jurídica que faça uma pessoa sã declarar que a situação dos direitos humanos nas cadeias dos outros Estados é pelo menos adequada. E, neste caso, caberia perguntar por que só o Maranhão. Por que não intervir também em SP, RJ e MG, de modo a assegurar que as garantias concedidas aos presos pela Lei de Execuções Penais --que incluem celas individuais de pelo menos 6 m2-- sejam cumpridas?
Fazê-lo seria uma medida de inestimável valor civilizatório. Não creio, porém, que a atitude seria bem recebida pelas autoridades econômicas e pela população, que já se queixa do auxílio-reclusão destinado a manter viva a família do presidiário.
Voltando ao Maranhão, creio que faria mais sentido pedir a intervenção com base no conjunto da obra, isto é, da péssima qualidade de seus indicadores sociais, uma questão de direitos humanos ainda mais ampla. Só que isso representaria uma violência contra as escolhas dos eleitores maranhenses, que há décadas elegem o clã Sarney. A verdade é que a democracia, embora seja o melhor regime por nós experimentado, implica um monte de problemas, que incluem a criação de castas políticas não necessariamente competentes.
SÃO PAULO - A barbárie prisional no Maranhão justifica uma intervenção federal com vistas a salvaguardar os direitos humanos, nos termos do artigo 34, VII, da Constituição? A questão é capciosa e toca nos fundamentos da democracia.
O primeiro problema que vejo num eventual pedido de intervenção, que teria de ser apresentado pelo procurador-geral da República e julgado pelo STF, seria limitá-lo ao Maranhão. É verdade que o que está acontecendo no complexo penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, causa revolta e extrapola as mais elementares noções de civilidade. Acho difícil, porém, sustentar que o caso maranhense difira do de outras unidades federativas senão por uma questão de grau --não de natureza.
Não há hermenêutica jurídica que faça uma pessoa sã declarar que a situação dos direitos humanos nas cadeias dos outros Estados é pelo menos adequada. E, neste caso, caberia perguntar por que só o Maranhão. Por que não intervir também em SP, RJ e MG, de modo a assegurar que as garantias concedidas aos presos pela Lei de Execuções Penais --que incluem celas individuais de pelo menos 6 m2-- sejam cumpridas?
Fazê-lo seria uma medida de inestimável valor civilizatório. Não creio, porém, que a atitude seria bem recebida pelas autoridades econômicas e pela população, que já se queixa do auxílio-reclusão destinado a manter viva a família do presidiário.
Voltando ao Maranhão, creio que faria mais sentido pedir a intervenção com base no conjunto da obra, isto é, da péssima qualidade de seus indicadores sociais, uma questão de direitos humanos ainda mais ampla. Só que isso representaria uma violência contra as escolhas dos eleitores maranhenses, que há décadas elegem o clã Sarney. A verdade é que a democracia, embora seja o melhor regime por nós experimentado, implica um monte de problemas, que incluem a criação de castas políticas não necessariamente competentes.
O sonho chinês - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/01
O seminário de Kuala Lumpur da Academia da Latinidade teve ontem seu ponto alto com a visão de estudiosos chineses sobre o século chinês , que eles aceitaram classificar de século asiático para ficarem dentro do espírito da região. O professor de Literatura Comparada e Tradução Zhang Longxi, da Universidade de Hong Kong, defendeu a necessidade de integração com o Ocidente citando Lu Xun, a quem classificou como um dos mais radicais pensadores da moderna História chinesa .
Considerado o pai da literatura moderna na China, Lu Xun fazia parte de um grupo de intelectuais ligados ao Partido Comunista Chinês que defendia mudanças na cultura, sendo dos primeiros, por exemplo, a não usar o chinês clássico nos seus escritos literários, utilizando-se da língua falada.
Ele defendia a necessidade de absorver ideias novas vindas de culturas do Ocidente e, certa vez, para contestar conservadores que consideravam perigoso esse processo de assimilação cultural alegando que os chineses acabariam se transformando em estrangeiros, Lu Xun fez uma de suas célebres sátiras, frisando que ninguém se transforma em uma vaca porque come bife .
Zhang Longxi admite que, comparado com o fim do século XIX e o início do XX - época em que Lu Xun defendeu, sob muitas críticas, suas ideias de integração cultural -, estamos em um novo mundo em que a sobrevivência da China não está mais em questão. Ao contrário, disse ele, é mais comum ouvir a previsão otimista de que o século XXI será o século chinês de pessoas como historiador inglês Arnold Toynbee.
Mas o professor recorre ainda a Lu Xun para advertir os próprios chineses: A raça que tem muitos que não são complacentes consigo mesmo vai sempre andar para a frente e sempre terá esperança. A raça que só sabe acusar os outros sem refletir sobre si mesma está ameaçada com iminentes perigos e desastres.
Dentro da mesma linha de raciocínio, Tong Shijun, professor de Filosofia da East China Normal University, fez análise sobre a importância do soft power para a expansão da cultura chinesa pelo mundo dentro do século chinês . Essa expressão foi cunhada por Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard com larga experiência dentro da máquina administrativa do governo americano - trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa. O soft power seria uma terceira dimensão do poder, superando em certas ocasiões o poder econômico e o militar.
Num mundo multipolar, esse poder suave , cultivado nas relações com aliados, na assistência econômica e em intercâmbios culturais, resultaria em opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa. Segundo Tong Shijun, a importância do soft power foi destacada pela primeira vez em 1993 em texto de um dos mais influentes dirigentes chineses, Wang Huning, e chegou ao Congresso do Comitê Central do Partido Comunista Chinês em 2007. Em 2013, o próprio presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que, para fortalecer o ´soft power´ do país, devemos fazer nosso melhor esforço para aperfeiçoar nossa capacidade na comunicação internacional . Tong Shijun definiu pontos do que seriam os sentidos cultural e político do soft power no discurso chinês:
A tradicional ideia de uma nação que tem longa tradição civilizatória compartilhando aprendizado e paz;
O ideal revolucionário de grande contribuição à Humanidade ;
Os cinco pontos do socialismo com características chinesas : economia de mercado; democracia e Estado de Direito, ambos promovidos pelo Partido Comunista; cultura nacional cosmopolita; uma sociedade harmoniosa que seja ecologicamente correta.
Esse conjunto de valores e objetivos formaria, na linguagem oficial, o sonho chinês como parte de um sonho do conjunto da Humanidade. E, implicitamente, tomaria o lugar do sonho americano . Há estudos entre acadêmicos na China que consideram que o país está em busca de uma democracia que se valerá cada vez mais da meritocracia, que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não só os que têm influência para atrair votos. Seria uma democracia à chinesa. Como já escrevi aqui, comentando esses estudos, se o PC chinês se delegar essa tarefa, continuaremos na mesma falta de liberdades cívicas.
Considerado o pai da literatura moderna na China, Lu Xun fazia parte de um grupo de intelectuais ligados ao Partido Comunista Chinês que defendia mudanças na cultura, sendo dos primeiros, por exemplo, a não usar o chinês clássico nos seus escritos literários, utilizando-se da língua falada.
Ele defendia a necessidade de absorver ideias novas vindas de culturas do Ocidente e, certa vez, para contestar conservadores que consideravam perigoso esse processo de assimilação cultural alegando que os chineses acabariam se transformando em estrangeiros, Lu Xun fez uma de suas célebres sátiras, frisando que ninguém se transforma em uma vaca porque come bife .
Zhang Longxi admite que, comparado com o fim do século XIX e o início do XX - época em que Lu Xun defendeu, sob muitas críticas, suas ideias de integração cultural -, estamos em um novo mundo em que a sobrevivência da China não está mais em questão. Ao contrário, disse ele, é mais comum ouvir a previsão otimista de que o século XXI será o século chinês de pessoas como historiador inglês Arnold Toynbee.
Mas o professor recorre ainda a Lu Xun para advertir os próprios chineses: A raça que tem muitos que não são complacentes consigo mesmo vai sempre andar para a frente e sempre terá esperança. A raça que só sabe acusar os outros sem refletir sobre si mesma está ameaçada com iminentes perigos e desastres.
Dentro da mesma linha de raciocínio, Tong Shijun, professor de Filosofia da East China Normal University, fez análise sobre a importância do soft power para a expansão da cultura chinesa pelo mundo dentro do século chinês . Essa expressão foi cunhada por Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard com larga experiência dentro da máquina administrativa do governo americano - trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa. O soft power seria uma terceira dimensão do poder, superando em certas ocasiões o poder econômico e o militar.
Num mundo multipolar, esse poder suave , cultivado nas relações com aliados, na assistência econômica e em intercâmbios culturais, resultaria em opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa. Segundo Tong Shijun, a importância do soft power foi destacada pela primeira vez em 1993 em texto de um dos mais influentes dirigentes chineses, Wang Huning, e chegou ao Congresso do Comitê Central do Partido Comunista Chinês em 2007. Em 2013, o próprio presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que, para fortalecer o ´soft power´ do país, devemos fazer nosso melhor esforço para aperfeiçoar nossa capacidade na comunicação internacional . Tong Shijun definiu pontos do que seriam os sentidos cultural e político do soft power no discurso chinês:
A tradicional ideia de uma nação que tem longa tradição civilizatória compartilhando aprendizado e paz;
O ideal revolucionário de grande contribuição à Humanidade ;
Os cinco pontos do socialismo com características chinesas : economia de mercado; democracia e Estado de Direito, ambos promovidos pelo Partido Comunista; cultura nacional cosmopolita; uma sociedade harmoniosa que seja ecologicamente correta.
Esse conjunto de valores e objetivos formaria, na linguagem oficial, o sonho chinês como parte de um sonho do conjunto da Humanidade. E, implicitamente, tomaria o lugar do sonho americano . Há estudos entre acadêmicos na China que consideram que o país está em busca de uma democracia que se valerá cada vez mais da meritocracia, que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não só os que têm influência para atrair votos. Seria uma democracia à chinesa. Como já escrevi aqui, comentando esses estudos, se o PC chinês se delegar essa tarefa, continuaremos na mesma falta de liberdades cívicas.
Fábrica de absurdos - IVAN IUNES
CORREIO BRAZILIENSE - 10/01
De tempos em tempos, situações que escapam ao controle do marketing político jogam na casa dos brasileiros o estado de emergência do sistema carcerário do país. A crise, mesmo esquecida ao fim de cada ciclo, envolve matemática complexa: a absoluta falta de controle das autoridades sobre as unidades prisionais é inversamente proporcional ao aumento da população que cumpre pena - já somos o quarto país do mundo no quesito. O saldo não poderia ser diferente. Sem uma política que fuja do cosmético, as masmorras medievais pulsam.
O primeiro aviso de que uma granada estava prestes a explodir no setor veio na década de 1970, com as organizações criminosas formadas no cárcere, a mais notória delas a Comando Vermelho. A sucessão de rebeliões e a articulação entre presos de diferentes presídios impulsionaram o aumento do tráfico de drogas, especialmente no Rio, a partir da década de 1980, e conseguiu a proeza de parar a maior cidade do país, em 2006. Na ocasião, a onda de violência em São Paulo contou mais de 100 ataques criminosos e forçou, em plena democracia, a decretação de um toque de recolher.
Desde os atentados na capital paulista, a sucessão de absurdos não para. Ataques articulados de dentro dos presídios foram registrados em Santa Catarina, Rondônia, Mato Grosso do Sul. A coisa se alastra a tal ponto, e com tal velocidade, que não poupa coloração partidária. Não importa a bandeira política, todos se enrolaram, em algum momento, diante da situação. Vale lembrar que o Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi apontado como o pior do país. Ou seja, o Maranhão de hoje será o RS amanhã - ou Rondônia, com a famigerada penitenciária de Urso Branco. Candidatos não faltam.
Dentro do caldeirão, sobram culpados. Executivo, Legislativo, Judiciário. Todos os Poderes falham no combate à crise no sistema carcerário. Que ninguém se engane com os números. A maquiagem é de praxe e institucionalizada nas secretarias de Segurança Pública estaduais país afora. O Brasil real é muito pior do que o sugerido pela estatística. A barbárie no Maranhão é replicada por todo o país. A crise obedece a uma lógica de latência de décadas, em que, a cada pulso, maior é a consternação com o cenário de terror. Temos uma política carcerária mínima para dar conta de um problema imenso. É o mesmo que exigir de um rato que equilibre o elefante sobre os ombros.
O primeiro aviso de que uma granada estava prestes a explodir no setor veio na década de 1970, com as organizações criminosas formadas no cárcere, a mais notória delas a Comando Vermelho. A sucessão de rebeliões e a articulação entre presos de diferentes presídios impulsionaram o aumento do tráfico de drogas, especialmente no Rio, a partir da década de 1980, e conseguiu a proeza de parar a maior cidade do país, em 2006. Na ocasião, a onda de violência em São Paulo contou mais de 100 ataques criminosos e forçou, em plena democracia, a decretação de um toque de recolher.
Desde os atentados na capital paulista, a sucessão de absurdos não para. Ataques articulados de dentro dos presídios foram registrados em Santa Catarina, Rondônia, Mato Grosso do Sul. A coisa se alastra a tal ponto, e com tal velocidade, que não poupa coloração partidária. Não importa a bandeira política, todos se enrolaram, em algum momento, diante da situação. Vale lembrar que o Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi apontado como o pior do país. Ou seja, o Maranhão de hoje será o RS amanhã - ou Rondônia, com a famigerada penitenciária de Urso Branco. Candidatos não faltam.
Dentro do caldeirão, sobram culpados. Executivo, Legislativo, Judiciário. Todos os Poderes falham no combate à crise no sistema carcerário. Que ninguém se engane com os números. A maquiagem é de praxe e institucionalizada nas secretarias de Segurança Pública estaduais país afora. O Brasil real é muito pior do que o sugerido pela estatística. A barbárie no Maranhão é replicada por todo o país. A crise obedece a uma lógica de latência de décadas, em que, a cada pulso, maior é a consternação com o cenário de terror. Temos uma política carcerária mínima para dar conta de um problema imenso. É o mesmo que exigir de um rato que equilibre o elefante sobre os ombros.
Imagens do horror - MARINA SILVA
FOLHA DE SP - 10/01
O que os olhos não veem, o coração não sente. Seguindo o dito popular, o Brasil pretendeu não sentir a dor que acumulava em suas penitenciárias. Hoje a realidade salta aos olhos em contraste com a Copa do Mundo e outros eventos em que o país se expõe na vitrine internacional.
São cerca de 550 mil presos, grande parte em condições terríveis: amontoados, sob temperaturas que superam os 50 graus, sem água e circulação de ar, entre fezes e ratos. O ministro da Justiça, em novembro de 2012, disse que preferia morrer a cumprir pena em lugares assim. Já era titular da pasta há dois anos. Outro ano se passou desde aquela afirmação pública corajosa, mas preocupante, por não ser acompanhada de ações correspondentes à magnitude do drama. As prisões continuam sendo "sucursais do inferno" e "escolas do crime", expressões da falência do sistema.
Agora novas crises nos Estados mobilizam a opinião pública e a dramaturgia política repete a cena já conhecida: o governo se cala, a oposição grita. Será porque a crise mais evidente está no Maranhão, dirigido por aliados incômodos de uns e adversários cômodos de outros?
Não podemos deixar que se naturalize a insensibilidade na visão de que o Maranhão é assim mesmo e não tem jeito. De fato, o drama local é antigo. Circula na internet o filme de Glauber Rocha feito na posse de José Sarney como governador em 1966. Criticado na época, o genial cineasta é hoje saudado pelo contraste entre as imagens duras da realidade social e um discurso desprovido de ação efetiva para mudar a realidade, que só se agrava 50 anos depois.
Mas não é só no Maranhão, e as responsabilidades envolvem Estados e União, Exe- cutivo e Judiciário --e também o Legislativo, cuja função é fiscalizar.
A população carcerária cresce rapidamente: em 20 anos passou de 140 mil presos para mais de meio milhão. A maioria é pobre e tem baixa escolaridade, 65% são negros. Tuberculose e outras doenças contagiosas, inclusive sexualmente transmissíveis, afetam mais da metade.
Dois terços cumprem pena por crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas; cerca de 12%, por homicídios. Essa é uma grande distorção. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e apenas 8% dos casos são investigados com êxito. Gastamos R$ 1.500 por mês para enjaular as pessoas e devolvê-las piores à sociedade.
As conclusões são óbvias: é preciso transformar o sistema de segurança e Justiça criminal em seu conjunto, não basta repassar verbas e jogar água no mesmo moinho.
E atenção: esgotou-se o tempo das platitudes. A tarefa requer a ousadia e a urgência de um pacto nacional.
O que os olhos não veem, o coração não sente. Seguindo o dito popular, o Brasil pretendeu não sentir a dor que acumulava em suas penitenciárias. Hoje a realidade salta aos olhos em contraste com a Copa do Mundo e outros eventos em que o país se expõe na vitrine internacional.
São cerca de 550 mil presos, grande parte em condições terríveis: amontoados, sob temperaturas que superam os 50 graus, sem água e circulação de ar, entre fezes e ratos. O ministro da Justiça, em novembro de 2012, disse que preferia morrer a cumprir pena em lugares assim. Já era titular da pasta há dois anos. Outro ano se passou desde aquela afirmação pública corajosa, mas preocupante, por não ser acompanhada de ações correspondentes à magnitude do drama. As prisões continuam sendo "sucursais do inferno" e "escolas do crime", expressões da falência do sistema.
Agora novas crises nos Estados mobilizam a opinião pública e a dramaturgia política repete a cena já conhecida: o governo se cala, a oposição grita. Será porque a crise mais evidente está no Maranhão, dirigido por aliados incômodos de uns e adversários cômodos de outros?
Não podemos deixar que se naturalize a insensibilidade na visão de que o Maranhão é assim mesmo e não tem jeito. De fato, o drama local é antigo. Circula na internet o filme de Glauber Rocha feito na posse de José Sarney como governador em 1966. Criticado na época, o genial cineasta é hoje saudado pelo contraste entre as imagens duras da realidade social e um discurso desprovido de ação efetiva para mudar a realidade, que só se agrava 50 anos depois.
Mas não é só no Maranhão, e as responsabilidades envolvem Estados e União, Exe- cutivo e Judiciário --e também o Legislativo, cuja função é fiscalizar.
A população carcerária cresce rapidamente: em 20 anos passou de 140 mil presos para mais de meio milhão. A maioria é pobre e tem baixa escolaridade, 65% são negros. Tuberculose e outras doenças contagiosas, inclusive sexualmente transmissíveis, afetam mais da metade.
Dois terços cumprem pena por crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas; cerca de 12%, por homicídios. Essa é uma grande distorção. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e apenas 8% dos casos são investigados com êxito. Gastamos R$ 1.500 por mês para enjaular as pessoas e devolvê-las piores à sociedade.
As conclusões são óbvias: é preciso transformar o sistema de segurança e Justiça criminal em seu conjunto, não basta repassar verbas e jogar água no mesmo moinho.
E atenção: esgotou-se o tempo das platitudes. A tarefa requer a ousadia e a urgência de um pacto nacional.
Recorde de restos a pagar - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 10/01
O governo do PT não tem conseguido, por deficiência técnica ou administrativa, retirar do papel boa parte dos projetos de investimentos que anuncia. Quando o consegue, não tem sido capaz de quitar integralmente, no exercício fiscal devido, os valores que reservou para o pagamento de material ou de serviços que havia contratado. Com isso, vem transferindo para exercícios seguintes um volume crescente de recursos já empenhados - isto é, que devem ser desembolsados -, mas que não foram pagos. De 2013 para 2014, os restos a pagar, como são chamados esses valores, alcançaram o recorde de R$ 218,4 bilhões, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional.
Essa prática, que se intensificou ao longo dos governos petistas, distorce a execução do Orçamento anual, gerando uma espécie de orçamento paralelo. Mas ela é particularmente ruim para os cidadãos em geral, pois eles não podem utilizar obras e serviços que não foram concluídos; e, como contribuintes, são obrigados a arcar com os custos adicionais resultantes do atraso do pagamento. No setor público, obra ou pagamento atrasados costumam resultar em aditamentos dos contratos, o que normalmente implica o reajuste dos valores contratados. Resguardam-se, assim, os interesses dos fornecedores, à custa do dinheiro dos contribuintes.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, os restos a pagar herdados do governo anterior somaram R$ 57,5 bilhões, em valores corrigidos pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, o mesmo indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. Isso quer dizer que, nos 11 anos da gestão petista, essa conta cresceu 280% em valores reais. O valor das despesas empenhadas e não quitadas em 2013 que foi transferido para 2014 é R$ 42,2 bilhões maior do que os restos a pagar que passaram de 2012 para 2013.
Parte dos restos a pagar que ficaram para este ano poderá ainda ser cancelada. O total inclui tanto os compromissos processados (R$ 33,6 bilhões), isto é, referentes a bens ou serviços para os quais os credores apresentaram todos os documentos comprobatórios da entrega dos itens contratados e de seu direito sobre os valores devidos, como os não processados (R$ 184.8 bilhões), para os quais foi feito o empenho, embora sem o reconhecimento pelo governo da entrega do serviço ou bem, o que pode resultar no seu cancelamento ao longo deste ano.
Como não fazem parte das dotações orçamentárias originais para 2014, os restos a pagar podem ser manipulados com maior facilidade pelo governo. O dinheiro é tanto que pode sustentar mais da metade dos investimentos que o governo Dilma conseguir realizar ao longo deste ano eleitoral.
No ano passado, dos investimentos feitos pela União, R$ 30,4 bilhões foram sustentados por restos a pagar, enquanto dos recursos orçamentários de 2013 foram utilizados R$ 16,9 bilhões. Isso ocorreu também com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que utilizaram R$ 19,6 bilhões do orçamento anual e R$ 25,1 bilhões de restos a pagar. Se não houver cortes nos restos a pagar de 2014, o PAC poderá receber dessa conta cerca de R$ 65 bilhões, mais do que o total orçado para esse programa no ano passado.
A regra inicial dos restos a pagar, editada em 1986, previa que os valores não quitados no exercício seguinte ao de sua inscrição perderiam sua vigência. Desde 2002, no entanto, esse prazo vem sendo estendido. Um decreto de 2008 restringiu a perda de vigência de restos a pagar não processados. Mesmo depois disso, novos decretos foram prorrogando a vigência dos restos a pagar. Assim, os valores transferidos para 2014 podem se referir a empenhos feitos bem antes de 2013.
Esses números e as sucessivas extensões dos prazos de validade dos restos a pagar mostram que, em vez de refletir as prioridades definidas no orçamento anual discutido e aprovado pelo Congresso, os investimentos do governo federal estão concentrados em obras previstas em programas anteriores. É como se o governo investisse olhando para trás.
O governo do PT não tem conseguido, por deficiência técnica ou administrativa, retirar do papel boa parte dos projetos de investimentos que anuncia. Quando o consegue, não tem sido capaz de quitar integralmente, no exercício fiscal devido, os valores que reservou para o pagamento de material ou de serviços que havia contratado. Com isso, vem transferindo para exercícios seguintes um volume crescente de recursos já empenhados - isto é, que devem ser desembolsados -, mas que não foram pagos. De 2013 para 2014, os restos a pagar, como são chamados esses valores, alcançaram o recorde de R$ 218,4 bilhões, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional.
Essa prática, que se intensificou ao longo dos governos petistas, distorce a execução do Orçamento anual, gerando uma espécie de orçamento paralelo. Mas ela é particularmente ruim para os cidadãos em geral, pois eles não podem utilizar obras e serviços que não foram concluídos; e, como contribuintes, são obrigados a arcar com os custos adicionais resultantes do atraso do pagamento. No setor público, obra ou pagamento atrasados costumam resultar em aditamentos dos contratos, o que normalmente implica o reajuste dos valores contratados. Resguardam-se, assim, os interesses dos fornecedores, à custa do dinheiro dos contribuintes.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, os restos a pagar herdados do governo anterior somaram R$ 57,5 bilhões, em valores corrigidos pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, o mesmo indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. Isso quer dizer que, nos 11 anos da gestão petista, essa conta cresceu 280% em valores reais. O valor das despesas empenhadas e não quitadas em 2013 que foi transferido para 2014 é R$ 42,2 bilhões maior do que os restos a pagar que passaram de 2012 para 2013.
Parte dos restos a pagar que ficaram para este ano poderá ainda ser cancelada. O total inclui tanto os compromissos processados (R$ 33,6 bilhões), isto é, referentes a bens ou serviços para os quais os credores apresentaram todos os documentos comprobatórios da entrega dos itens contratados e de seu direito sobre os valores devidos, como os não processados (R$ 184.8 bilhões), para os quais foi feito o empenho, embora sem o reconhecimento pelo governo da entrega do serviço ou bem, o que pode resultar no seu cancelamento ao longo deste ano.
Como não fazem parte das dotações orçamentárias originais para 2014, os restos a pagar podem ser manipulados com maior facilidade pelo governo. O dinheiro é tanto que pode sustentar mais da metade dos investimentos que o governo Dilma conseguir realizar ao longo deste ano eleitoral.
No ano passado, dos investimentos feitos pela União, R$ 30,4 bilhões foram sustentados por restos a pagar, enquanto dos recursos orçamentários de 2013 foram utilizados R$ 16,9 bilhões. Isso ocorreu também com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que utilizaram R$ 19,6 bilhões do orçamento anual e R$ 25,1 bilhões de restos a pagar. Se não houver cortes nos restos a pagar de 2014, o PAC poderá receber dessa conta cerca de R$ 65 bilhões, mais do que o total orçado para esse programa no ano passado.
A regra inicial dos restos a pagar, editada em 1986, previa que os valores não quitados no exercício seguinte ao de sua inscrição perderiam sua vigência. Desde 2002, no entanto, esse prazo vem sendo estendido. Um decreto de 2008 restringiu a perda de vigência de restos a pagar não processados. Mesmo depois disso, novos decretos foram prorrogando a vigência dos restos a pagar. Assim, os valores transferidos para 2014 podem se referir a empenhos feitos bem antes de 2013.
Esses números e as sucessivas extensões dos prazos de validade dos restos a pagar mostram que, em vez de refletir as prioridades definidas no orçamento anual discutido e aprovado pelo Congresso, os investimentos do governo federal estão concentrados em obras previstas em programas anteriores. É como se o governo investisse olhando para trás.
As várias frentes de ataque às liberdades - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/01
Enquanto avanços tecnológicos ampliam os limites da difusão de informações e de conteúdos em geral, cresce a ação do Estado para definir o que deve ser lido e visto
O cerceamento da liberdade de expressão e, em particular, de imprensa, por meio de legislações restritivas à atuação dos meios de comunicação e à produção artística de modo geral é uma faceta do autoritarismo conhecida em vários países. Na parte final do século passado, ainda na Guerra Fria, Estados ditatoriais, tanto de direita como de esquerda, se assentavam em sólido aparato repressivo para se proteger de inimigos políticos e ideológicos, com o uso também de leis e normas para reprimir jornalistas, escritores, artistas e produtores de arte em geral.
A queda do Muro de Berlim, no final dos anos 1980, e a consequente distensão ideológica fizeram renascer a democracia em várias partes no mundo. Como na América Latina. Enganou-se, porém, quem considerou sem volta o exercício das liberdades civis básicas — de pensamento e expressão.
A própria América Latina testemunha grupos políticos autoritários na ocupação de espaços importantes no poder em vários países, com o aceno para as sociedades de projetos astuciosos em que a liberdade é moeda de troca para se alcançar a “justiça social”.
A questão, no entanto, é mais ampla. A revolução digital em andamento, capaz de expandir a limites inimagináveis a capacidade de difusão de informações, provoca, em contrapartida, reações antiliberais até em países improváveis.
A Inglaterra é um caso mais evidente. Denunciado o grave crime de invasão de privacidade por trabloides sensacionalistas (“News of the World"), o sistema de autorregulação da imprensa inglesa, que já era falho, foi substituído por um outro mecanismo, também mal construído, pois a supervisão do que é divulgado continuou externa às redações. Pior, a mudança representou uma interferência do Estado na liberdade de imprensa, a quebra de uma tradição secular. E, por ironia, a denúncia de que repórteres trabalhavam como policiais e até contratando o serviço de agentes havia sido da própria imprensa britânica.
O vazamento de segredos da NSA por Edward Snowden, por meio de vários veículos de imprensa no mundo, O GLOBO inclusive, colocou o jornalismo britânico novamente na mira do Estado. O “Guardian”, um dos jornais que publicaram material retirado por Snowden dos computadores da agência americana de espionagem eletrônica, passou a ser bastante pressionado pelo governo, como relatou Alan Rusbridger, editor do jornal, ao Parlamento.
Fica claro que enquanto a tecnologia facilita, e cada vez mais, a difusão de conhecimentos e amplia o conteúdo de entretenimento, o poder público em geral procura restringir o direito de acesso do cidadão aos diversos meios, tornando o Estado um “pai grande” tutor da sociedade.
No Brasil, esta é uma tendência já conhecida. As lutas de MMA se tornaram o novo foco dos defensores desta tutela, depois do acidente sofrido por Anderson Silva na luta contra Chris Wedman. Mais uma vez usa-se um caso fortuito para justificar a “regulação da mídia”, pela qual programas de lutas e similares seriam banidos da TV, como se estes eventos já não fossem restritos, de acesso apenas a assinantes, exibidos na TV aberta em horários avançados. Além disso, a fratura sofrida pelo lutador brasileiro foi notícia de alto valor jornalístico, e portanto estampada na primeira página dos jornais no dia seguinte.
Não falta “regulação” na mídia eletrônica brasileira —há até em excesso. Mas, para que programas sejam banidos, será necessário rever a própria Constituição. Retorna-se à discussão sobre a imposição da classificação etária da programação de TV. Torná-la compulsória é reinstituir a censura, também necessária para impedir a publicação da foto de Anderson Silva com a perna fraturada.
No fundo, mais uma vez tenta-se recorrer ao Estado para definir o que a população pode assistir. Daí é um passo para ele definir o que pode ser lido, ouvido, e assim sucessivamente, até a construção definitiva de uma sociedade orwelliana.
Enquanto avanços tecnológicos ampliam os limites da difusão de informações e de conteúdos em geral, cresce a ação do Estado para definir o que deve ser lido e visto
O cerceamento da liberdade de expressão e, em particular, de imprensa, por meio de legislações restritivas à atuação dos meios de comunicação e à produção artística de modo geral é uma faceta do autoritarismo conhecida em vários países. Na parte final do século passado, ainda na Guerra Fria, Estados ditatoriais, tanto de direita como de esquerda, se assentavam em sólido aparato repressivo para se proteger de inimigos políticos e ideológicos, com o uso também de leis e normas para reprimir jornalistas, escritores, artistas e produtores de arte em geral.
A queda do Muro de Berlim, no final dos anos 1980, e a consequente distensão ideológica fizeram renascer a democracia em várias partes no mundo. Como na América Latina. Enganou-se, porém, quem considerou sem volta o exercício das liberdades civis básicas — de pensamento e expressão.
A própria América Latina testemunha grupos políticos autoritários na ocupação de espaços importantes no poder em vários países, com o aceno para as sociedades de projetos astuciosos em que a liberdade é moeda de troca para se alcançar a “justiça social”.
A questão, no entanto, é mais ampla. A revolução digital em andamento, capaz de expandir a limites inimagináveis a capacidade de difusão de informações, provoca, em contrapartida, reações antiliberais até em países improváveis.
A Inglaterra é um caso mais evidente. Denunciado o grave crime de invasão de privacidade por trabloides sensacionalistas (“News of the World"), o sistema de autorregulação da imprensa inglesa, que já era falho, foi substituído por um outro mecanismo, também mal construído, pois a supervisão do que é divulgado continuou externa às redações. Pior, a mudança representou uma interferência do Estado na liberdade de imprensa, a quebra de uma tradição secular. E, por ironia, a denúncia de que repórteres trabalhavam como policiais e até contratando o serviço de agentes havia sido da própria imprensa britânica.
O vazamento de segredos da NSA por Edward Snowden, por meio de vários veículos de imprensa no mundo, O GLOBO inclusive, colocou o jornalismo britânico novamente na mira do Estado. O “Guardian”, um dos jornais que publicaram material retirado por Snowden dos computadores da agência americana de espionagem eletrônica, passou a ser bastante pressionado pelo governo, como relatou Alan Rusbridger, editor do jornal, ao Parlamento.
Fica claro que enquanto a tecnologia facilita, e cada vez mais, a difusão de conhecimentos e amplia o conteúdo de entretenimento, o poder público em geral procura restringir o direito de acesso do cidadão aos diversos meios, tornando o Estado um “pai grande” tutor da sociedade.
No Brasil, esta é uma tendência já conhecida. As lutas de MMA se tornaram o novo foco dos defensores desta tutela, depois do acidente sofrido por Anderson Silva na luta contra Chris Wedman. Mais uma vez usa-se um caso fortuito para justificar a “regulação da mídia”, pela qual programas de lutas e similares seriam banidos da TV, como se estes eventos já não fossem restritos, de acesso apenas a assinantes, exibidos na TV aberta em horários avançados. Além disso, a fratura sofrida pelo lutador brasileiro foi notícia de alto valor jornalístico, e portanto estampada na primeira página dos jornais no dia seguinte.
Não falta “regulação” na mídia eletrônica brasileira —há até em excesso. Mas, para que programas sejam banidos, será necessário rever a própria Constituição. Retorna-se à discussão sobre a imposição da classificação etária da programação de TV. Torná-la compulsória é reinstituir a censura, também necessária para impedir a publicação da foto de Anderson Silva com a perna fraturada.
No fundo, mais uma vez tenta-se recorrer ao Estado para definir o que a população pode assistir. Daí é um passo para ele definir o que pode ser lido, ouvido, e assim sucessivamente, até a construção definitiva de uma sociedade orwelliana.
Quem pagará a conta das campanhas - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 10/01
Os partidos aguardam com ansiedade a decisão do Supremo Tribunal Federal, que poderá ter impacto no ponto nevrálgico de qualquer campanha eleitoral: a obtenção de recursos
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) protagonizou um dos mais emblemáticos capítulos da história política nacional durante o julgamento do mensalão – ainda não finalizado – que levou à condenação e prisão de figuras de alto coturno como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino. Em 2014, o STF vai continuar sob os holofotes e poderá influenciar diretamente nos rumos das campanhas eleitorais. Além de prosseguir com o julgamento dos recursos do processo do mensalão petista, o Supremo deve analisar o caso de desvios de dinheiro público durante a campanha de reeleição do então governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998, conhecido como mensalão mineiro. Ambos os casos, por envolverem PT e PSDB, partidos que normalmente polarizam a corrida presidencial, certamente vão aparecer nas campanhas eleitorais.
Mas os partidos aguardam com mais ansiedade outra decisão do STF, que poderá ter impacto no ponto nevrálgico de qualquer campanha eleitoral: a obtenção de recursos. Em fevereiro, a corte retoma o julgamento de uma ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) visando proibir doações de pessoas jurídicas para financiar as campanhas políticas – uma das pedras angulares do sistema que ajuda a eleger políticos previamente comprometidos com os grandes interesses empresariais que custeiam suas caríssimas campanhas. As doações, pede a OAB, só poderão ser feitas por pessoas físicas devidamente identificáveis pela Justiça Eleitoral.
O argumento parece até singelo: empresa não vota, portanto, não dispõe dos demais direitos que a cidadania lhes confere. Logo, não seria lícito que empreguem recursos que potencialmente podem interferir no resultado das eleições em quaisquer níveis, seja no federal, estadual ou municipal, para cargos executivos e legislativos. Por outro lado, o financiamento concedido por grandes empresas deturparia a representatividade do voto, na medida em que têm mais chances de serem eleitos os mais protegidos pelo poder econômico, em detrimento daqueles que, embora reúnam melhores predicados, não contam com a (ou se recusam a aceitar) ajuda de grupos empresariais.
A tese da OAB ganhou apoio entre alguns políticos que inclusive tentaram introduzir medida semelhante na legislação eleitoral, mas com a ressalva de que o sistema atual, considerado pernicioso e inadequado, teria de ser substituído pelo financiamento público das campanhas. Isto é, partidos e candidatos receberiam recursos orçamentários – ou seja, dos impostos que pagamos – para o custeio de suas ambições de conquista do poder pela via eleitoral.
Ambas as teses, a da proibição das doações por empresas e a da instituição do sistema de financiamento exclusivamente público, teriam por objetivo coibir uma das práticas mais comuns utilizadas pelas legendas e pelos candidatos: o caixa dois. São recursos “não contabilizados” nas obrigatórias prestações de contas exigidas pela Justiça Eleitoral e que, entre outros episódios, foi responsável, por exemplo, pela eclosão do caso do mensalão, um dos maiores escândalos políticos vividos pelo país.
Mas nem a proibição de doações por pessoas jurídicas nem campanhas financiadas exclusivamente com verbas públicas serão capazes de evitar as tentativas de burla. No máximo, a obrigação de registrar as contribuições de pessoas físicas poderá dar maior limpidez ao processo eleitoral, desde que, porém, ao mesmo tempo sejam aprimorados os métodos de fiscalização das transferências e das tomadas de contas.
De qualquer maneira, o fato de o STF julgar o tema do financiamento de campanha só se dará porque há muito o Congresso vem se recusando a fazer a reforma política sob a visão (nunca declarada) de que as caóticas regras atuais são melhores para os atuais detentores de mandatos. E em ano eleitoral, certamente os congressistas não vão mudar de posição.
Os partidos aguardam com ansiedade a decisão do Supremo Tribunal Federal, que poderá ter impacto no ponto nevrálgico de qualquer campanha eleitoral: a obtenção de recursos
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) protagonizou um dos mais emblemáticos capítulos da história política nacional durante o julgamento do mensalão – ainda não finalizado – que levou à condenação e prisão de figuras de alto coturno como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino. Em 2014, o STF vai continuar sob os holofotes e poderá influenciar diretamente nos rumos das campanhas eleitorais. Além de prosseguir com o julgamento dos recursos do processo do mensalão petista, o Supremo deve analisar o caso de desvios de dinheiro público durante a campanha de reeleição do então governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998, conhecido como mensalão mineiro. Ambos os casos, por envolverem PT e PSDB, partidos que normalmente polarizam a corrida presidencial, certamente vão aparecer nas campanhas eleitorais.
Mas os partidos aguardam com mais ansiedade outra decisão do STF, que poderá ter impacto no ponto nevrálgico de qualquer campanha eleitoral: a obtenção de recursos. Em fevereiro, a corte retoma o julgamento de uma ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) visando proibir doações de pessoas jurídicas para financiar as campanhas políticas – uma das pedras angulares do sistema que ajuda a eleger políticos previamente comprometidos com os grandes interesses empresariais que custeiam suas caríssimas campanhas. As doações, pede a OAB, só poderão ser feitas por pessoas físicas devidamente identificáveis pela Justiça Eleitoral.
O argumento parece até singelo: empresa não vota, portanto, não dispõe dos demais direitos que a cidadania lhes confere. Logo, não seria lícito que empreguem recursos que potencialmente podem interferir no resultado das eleições em quaisquer níveis, seja no federal, estadual ou municipal, para cargos executivos e legislativos. Por outro lado, o financiamento concedido por grandes empresas deturparia a representatividade do voto, na medida em que têm mais chances de serem eleitos os mais protegidos pelo poder econômico, em detrimento daqueles que, embora reúnam melhores predicados, não contam com a (ou se recusam a aceitar) ajuda de grupos empresariais.
A tese da OAB ganhou apoio entre alguns políticos que inclusive tentaram introduzir medida semelhante na legislação eleitoral, mas com a ressalva de que o sistema atual, considerado pernicioso e inadequado, teria de ser substituído pelo financiamento público das campanhas. Isto é, partidos e candidatos receberiam recursos orçamentários – ou seja, dos impostos que pagamos – para o custeio de suas ambições de conquista do poder pela via eleitoral.
Ambas as teses, a da proibição das doações por empresas e a da instituição do sistema de financiamento exclusivamente público, teriam por objetivo coibir uma das práticas mais comuns utilizadas pelas legendas e pelos candidatos: o caixa dois. São recursos “não contabilizados” nas obrigatórias prestações de contas exigidas pela Justiça Eleitoral e que, entre outros episódios, foi responsável, por exemplo, pela eclosão do caso do mensalão, um dos maiores escândalos políticos vividos pelo país.
Mas nem a proibição de doações por pessoas jurídicas nem campanhas financiadas exclusivamente com verbas públicas serão capazes de evitar as tentativas de burla. No máximo, a obrigação de registrar as contribuições de pessoas físicas poderá dar maior limpidez ao processo eleitoral, desde que, porém, ao mesmo tempo sejam aprimorados os métodos de fiscalização das transferências e das tomadas de contas.
De qualquer maneira, o fato de o STF julgar o tema do financiamento de campanha só se dará porque há muito o Congresso vem se recusando a fazer a reforma política sob a visão (nunca declarada) de que as caóticas regras atuais são melhores para os atuais detentores de mandatos. E em ano eleitoral, certamente os congressistas não vão mudar de posição.
Administração eficaz precisa de permanência - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 10/01
O excesso de servidores estranhos aos quadros do Governo do Distrito Federal lembra lição de Georges Clemenceau. "A guerra", disse o estadista francês, "é séria demais para ser deixada nas mãos dos generais". Mudando o que deve ser mudado, os números mostrados por duas reportagens do Correio Braziliense publicadas esta semana permitem afirmar que a administração pública é importante demais para ser deixada nas mãos de comissionados.
Do total de funcionários que ocupam cargos de confiança nos órgãos do GDF, 84% são apadrinhados políticos. A maior parte figura na folha de pagamento da capital por ser amiga do rei - seja do Executivo, seja do Legislativo. É assustador saber que a administração do Sudoeste/Octogonal conta com 98% de profissionais indicados por políticos. A do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) empata com a do Guará: 96%. As demais exibem percentual próximo ao das campeãs. A única exceção é a do Varjão.
As secretarias não ficam atrás. Na da Micro e Pequena Empresa, nada menos que 93,4% dos servidores ocupam cargos sem ter passado por recrutamento público. Na do Idoso, com dois anos de existência, só um concursado tem vez. Os restantes 62 funcionários com assento nas instalações da pasta caíram de paraquedas, premiados por padrinhos, não raro em paga por serviços prestados.
Com a urbanização e o crescimento das cidades, a administração pública ganhou complexidade inimaginada décadas atrás. Precisa contar com quadros não só qualificados, mas também altamente comprometidos com a função que exercem. Para fazer frente às exigências, não bastam boas intenções nem juras de esforço e dedicação. Os servidores têm de ter estabilidade, motivação, treinamento constante e remuneração capaz de atrair talentos. Não só. Plano de carreira que permita a progressão funcional apta a evitar evasão dos melhores.
São requisitos que comissionados não podem atender, sobretudo pela condição de transitoriedade. Mudança no comando do órgão, no prestígio do padrinho ou no loteamento do setor promove dança das cadeiras. O descartado leva consigo a memória da instituição. O substituto não tem saída - começa do zero. Como Sísifo, condenado pelos deuses a carregar uma rocha para o alto da montanha e, ao chegar lá, ela rolava, e ele reiniciava a tarefa, a administração está condenada ao eterno recomeço.
O grande perdedor do jogo de privilégios é o cidadão. Como diz o próprio nome, o serviço público existe para servir ao público. Não é, porém, o que ocorre. O contribuinte, que paga o preço da máquina estatal com impostos extorsivos, não recebe a contrapartida. A burocracia parece existir para atrapalhar, não para exercer o papel para o qual for criada. Impõe-se guinada efetiva no setor. Brasília, com pouco mais de meio século de vida, não pode reproduzir o atraso. Precisa ser exemplo de vanguarda.
Do total de funcionários que ocupam cargos de confiança nos órgãos do GDF, 84% são apadrinhados políticos. A maior parte figura na folha de pagamento da capital por ser amiga do rei - seja do Executivo, seja do Legislativo. É assustador saber que a administração do Sudoeste/Octogonal conta com 98% de profissionais indicados por políticos. A do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) empata com a do Guará: 96%. As demais exibem percentual próximo ao das campeãs. A única exceção é a do Varjão.
As secretarias não ficam atrás. Na da Micro e Pequena Empresa, nada menos que 93,4% dos servidores ocupam cargos sem ter passado por recrutamento público. Na do Idoso, com dois anos de existência, só um concursado tem vez. Os restantes 62 funcionários com assento nas instalações da pasta caíram de paraquedas, premiados por padrinhos, não raro em paga por serviços prestados.
Com a urbanização e o crescimento das cidades, a administração pública ganhou complexidade inimaginada décadas atrás. Precisa contar com quadros não só qualificados, mas também altamente comprometidos com a função que exercem. Para fazer frente às exigências, não bastam boas intenções nem juras de esforço e dedicação. Os servidores têm de ter estabilidade, motivação, treinamento constante e remuneração capaz de atrair talentos. Não só. Plano de carreira que permita a progressão funcional apta a evitar evasão dos melhores.
São requisitos que comissionados não podem atender, sobretudo pela condição de transitoriedade. Mudança no comando do órgão, no prestígio do padrinho ou no loteamento do setor promove dança das cadeiras. O descartado leva consigo a memória da instituição. O substituto não tem saída - começa do zero. Como Sísifo, condenado pelos deuses a carregar uma rocha para o alto da montanha e, ao chegar lá, ela rolava, e ele reiniciava a tarefa, a administração está condenada ao eterno recomeço.
O grande perdedor do jogo de privilégios é o cidadão. Como diz o próprio nome, o serviço público existe para servir ao público. Não é, porém, o que ocorre. O contribuinte, que paga o preço da máquina estatal com impostos extorsivos, não recebe a contrapartida. A burocracia parece existir para atrapalhar, não para exercer o papel para o qual for criada. Impõe-se guinada efetiva no setor. Brasília, com pouco mais de meio século de vida, não pode reproduzir o atraso. Precisa ser exemplo de vanguarda.
O PT volta a se mostrar - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 10/01
A parcela do eleitorado que não vota apenas por obrigação, nem perdeu de todo o interesse pela política, está em dívida com o PT. O partido acaba de reavivar a sua memória, chamando a atenção para o que há de mais autêntico no seu modo de ser e tratar os desafetos - o rancor.
Esse traço de nascença andava um tanto obscurecido desde que o então presidente Lula lançou mão de seu imenso talento de manipulador para não deixar que as suas diatribes contra a oposição e a "mídia golpista" abalassem a imagem marqueteira do "Lulinha, paz e amor", de 2002. É bem verdade que em momento algum a popularidade de Lula transbordou de sua figura para o partido do qual foi criador e ainda hoje é guia e mestre.
Mas, ao longo de seus dois mandatos, a aversão ao PT nas faixas da sociedade brasileira mais bem informadas e menos dependentes dos cofres federais se nutriu sobretudo da naturalidade com que a sigla se entregou às delícias "disso tudo que está aí" - do que o mensalão foi o apogeu. Quando veio à tona, o mergulho da legenda na corrupção como instrumento por excelência de perpetuação no poder se revelou profundo.
A tal ponto que afastou das vistas de inumeráveis brasileiros a peçonha alojada no âmago de sua natureza, embora adormecida enquanto o partido empreendia o percurso rumo ao que os costumes políticos nacionais têm de pior. Agora, como que aplicando a si mesmo a transparência de que faz praça de ser paladino, o PT voltou a escancarar o que tem de mais entranhado e por isso imune até as críticas de seus membros mais civilizados.
Na terça-feira, apareceu na página da agremiação no Facebook um texto de 600 biliosas palavras, sob o título pseudoliterário A balada de Eduardo Campos, referindo-se ao governador de Pernambuco. Por não ter assinatura, a peça pode legitimamente ser lida como manifestação oficial do partido - excluída, por absurda, a hilária hipótese de ter sido plantada ali por um quinta-coluna ou um hacker a serviço das forças antagônicas ao projeto reeleitoral da presidente Dilma Rousseff.
O arreganho acusa o pré-candidato do PSB ao Planalto de ter entrado em desespero quando ficou claro que não havia a menor chance de o PT adotar o seu nome. À parte qualquer outra coisa, trata-se de um disparate. A chance nunca existiu e Campos decerto sabia disso. Se Lula concluísse que Dilma correria o risco de não se reeleger, ele mesmo - e não o então aliado - a substituiria. Mas a falsa premissa serviu para estigmatizar o neto do velho líder esquerdista Miguel Arraes, citado no insultório.
Campos, "estimulado pelos cães de guarda da mídia", decidiu que era hora de se apresentar como candidato. Com isso - para reduzir a duas palavras neutras um chorrilho de agressões -, o governador "rifou não apenas a sua credibilidade política, mas se mostrou, antes de tudo, um tolo". Poderia ser o fecho inglório de mais uma prova da propensão petista à baixeza contra os que tem por desafetos. Mas não.
A propósito, ao adotar o xingatório mais crasso como arma política ou ideológica, o PT é apenas fiel a uma tradição inaugurada, na esquerda radical, por ninguém menos que Karl Marx. Na América Latina contemporânea quem mais bem a encarnou foi Hugo Chávez. De todo modo, o leitor que suportar a náusea, indo adiante no lamaçal, não tardará a perceber o que lhe deu origem.
É o medo de que uma chapa Eduardo Campos-Marina Silva, como apontam as pesquisas, leve a disputa pelo Planalto ao segundo turno, criando uma configuração ameaçadora para Dilma. A ex-ministra é chamada de "ovo da serpente", adesista e "pedra no sapato ( ) da triste mídia reacionária". Isso porque a "vaidosa" estaria certa de que será cabeça de chapa. Outro disparate: Marina teria de ser tão obtusa como o autor do mal traçado post para achar ou que poderia persuadir o governador a ceder-lhe a vaga a que aspira ou que poderia, contra ele, levar o PSB a entregar-lhe a titularidade da candidatura.
Mas isso é detalhe. O que não é, além do strip-tease da alma petista, é o erro primário de tratar Campos como inimigo. Se houver um segundo turno com Aécio Neves, com que roupa o PT poderá pedir ao ofendido que se abstenha de apoiar o tucano?
A parcela do eleitorado que não vota apenas por obrigação, nem perdeu de todo o interesse pela política, está em dívida com o PT. O partido acaba de reavivar a sua memória, chamando a atenção para o que há de mais autêntico no seu modo de ser e tratar os desafetos - o rancor.
Esse traço de nascença andava um tanto obscurecido desde que o então presidente Lula lançou mão de seu imenso talento de manipulador para não deixar que as suas diatribes contra a oposição e a "mídia golpista" abalassem a imagem marqueteira do "Lulinha, paz e amor", de 2002. É bem verdade que em momento algum a popularidade de Lula transbordou de sua figura para o partido do qual foi criador e ainda hoje é guia e mestre.
Mas, ao longo de seus dois mandatos, a aversão ao PT nas faixas da sociedade brasileira mais bem informadas e menos dependentes dos cofres federais se nutriu sobretudo da naturalidade com que a sigla se entregou às delícias "disso tudo que está aí" - do que o mensalão foi o apogeu. Quando veio à tona, o mergulho da legenda na corrupção como instrumento por excelência de perpetuação no poder se revelou profundo.
A tal ponto que afastou das vistas de inumeráveis brasileiros a peçonha alojada no âmago de sua natureza, embora adormecida enquanto o partido empreendia o percurso rumo ao que os costumes políticos nacionais têm de pior. Agora, como que aplicando a si mesmo a transparência de que faz praça de ser paladino, o PT voltou a escancarar o que tem de mais entranhado e por isso imune até as críticas de seus membros mais civilizados.
Na terça-feira, apareceu na página da agremiação no Facebook um texto de 600 biliosas palavras, sob o título pseudoliterário A balada de Eduardo Campos, referindo-se ao governador de Pernambuco. Por não ter assinatura, a peça pode legitimamente ser lida como manifestação oficial do partido - excluída, por absurda, a hilária hipótese de ter sido plantada ali por um quinta-coluna ou um hacker a serviço das forças antagônicas ao projeto reeleitoral da presidente Dilma Rousseff.
O arreganho acusa o pré-candidato do PSB ao Planalto de ter entrado em desespero quando ficou claro que não havia a menor chance de o PT adotar o seu nome. À parte qualquer outra coisa, trata-se de um disparate. A chance nunca existiu e Campos decerto sabia disso. Se Lula concluísse que Dilma correria o risco de não se reeleger, ele mesmo - e não o então aliado - a substituiria. Mas a falsa premissa serviu para estigmatizar o neto do velho líder esquerdista Miguel Arraes, citado no insultório.
Campos, "estimulado pelos cães de guarda da mídia", decidiu que era hora de se apresentar como candidato. Com isso - para reduzir a duas palavras neutras um chorrilho de agressões -, o governador "rifou não apenas a sua credibilidade política, mas se mostrou, antes de tudo, um tolo". Poderia ser o fecho inglório de mais uma prova da propensão petista à baixeza contra os que tem por desafetos. Mas não.
A propósito, ao adotar o xingatório mais crasso como arma política ou ideológica, o PT é apenas fiel a uma tradição inaugurada, na esquerda radical, por ninguém menos que Karl Marx. Na América Latina contemporânea quem mais bem a encarnou foi Hugo Chávez. De todo modo, o leitor que suportar a náusea, indo adiante no lamaçal, não tardará a perceber o que lhe deu origem.
É o medo de que uma chapa Eduardo Campos-Marina Silva, como apontam as pesquisas, leve a disputa pelo Planalto ao segundo turno, criando uma configuração ameaçadora para Dilma. A ex-ministra é chamada de "ovo da serpente", adesista e "pedra no sapato ( ) da triste mídia reacionária". Isso porque a "vaidosa" estaria certa de que será cabeça de chapa. Outro disparate: Marina teria de ser tão obtusa como o autor do mal traçado post para achar ou que poderia persuadir o governador a ceder-lhe a vaga a que aspira ou que poderia, contra ele, levar o PSB a entregar-lhe a titularidade da candidatura.
Mas isso é detalhe. O que não é, além do strip-tease da alma petista, é o erro primário de tratar Campos como inimigo. Se houver um segundo turno com Aécio Neves, com que roupa o PT poderá pedir ao ofendido que se abstenha de apoiar o tucano?
Além das intenções - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 10/01
Haddad se escuda em reveses financeiros para justificar a frustração de seus planos para a cidade, mas falta planejamento à prefeitura
Não tem sido fácil a vida do prefeito Fernando Haddad. Em 2013, o petista viu fracassar suas tentativas de engordar o caixa da cidade de São Paulo com a renegociação da dívida municipal e com reajustes na tarifa de ônibus e no IPTU. Neste início de 2014, já se acumulam novas frustrações, com prejuízos para os paulistanos.
A julgar pelo que diz o alcaide, importantes promessas de campanha podem atrasar, ou não sair do papel, em decorrência da falta desses recursos --como se a questão se limitasse a seu aspecto financeiro.
Verdade que o petista sofreu reveses bilionários. Para ficar num exemplo, sem os R$ 800 milhões a mais que esperava receber com o IPTU, sua administração não conseguirá pagar a contrapartida exigida por lei para liberar R$ 3,4 bilhões em repasses oferecidos pela presidente Dilma Rousseff (PT).
Mas um bom gestor, desnecessário lembrar, não deve contar com verbas ainda não arrecadadas.
E o que dizer da inspeção veicular? Haddad teve um ano para preparar o cumprimento da bandeira eleitoral de refazer a licitação, hoje monopólio da Controlar. Esse tempo, no entanto, não foi aproveitado como deveria, e é considerável o risco de São Paulo ficar sem esse instrumento para diminuir a poluição do ar.
O contrato da Controlar expira no dia 31. Só na próxima segunda-feira, contudo, ocorrerá a audiência pública para debater o novo esquema de inspeção. Trata-se do primeiro passo para deslanchar a licitação das quatro concessões em que a cidade será dividida.
Se não houver mais procrastinação nem processos na Justiça, os contratos serão assinados no final de fevereiro. O serviço começaria a ser prestado em fins de maio, e mesmo assim as concessionárias só teriam obrigação de inspecionar, de pronto, um quarto da frota.
Esse é o cenário otimista, mas prevalece, entre empresas interessadas, a avaliação de que a inspeção ficará para 2015 --o que a prefeitura nega, claro, sem convencer.
Ocorre que a imprevidência administrativa já vai se revelando um padrão na gestão de Haddad.
Anteontem, o Tribunal de Contas do Município suspendeu dez licitações para construir 128 quilômetros de corredores de ônibus na capital, a um dia da abertura dos envelopes com as propostas. Motivos: ausência de especificação das fontes de recursos, omissões nos projetos de engenharia, falhas nas regras dos editais.
Em poucas e outras palavras: falta de planejamento adequado.
Fernando Haddad vai descobrindo, com um tropeço atrás do outro, que governar a metrópole paulistana exige mais que boas intenções e promessas mirabolantes.
Haddad se escuda em reveses financeiros para justificar a frustração de seus planos para a cidade, mas falta planejamento à prefeitura
Não tem sido fácil a vida do prefeito Fernando Haddad. Em 2013, o petista viu fracassar suas tentativas de engordar o caixa da cidade de São Paulo com a renegociação da dívida municipal e com reajustes na tarifa de ônibus e no IPTU. Neste início de 2014, já se acumulam novas frustrações, com prejuízos para os paulistanos.
A julgar pelo que diz o alcaide, importantes promessas de campanha podem atrasar, ou não sair do papel, em decorrência da falta desses recursos --como se a questão se limitasse a seu aspecto financeiro.
Verdade que o petista sofreu reveses bilionários. Para ficar num exemplo, sem os R$ 800 milhões a mais que esperava receber com o IPTU, sua administração não conseguirá pagar a contrapartida exigida por lei para liberar R$ 3,4 bilhões em repasses oferecidos pela presidente Dilma Rousseff (PT).
Mas um bom gestor, desnecessário lembrar, não deve contar com verbas ainda não arrecadadas.
E o que dizer da inspeção veicular? Haddad teve um ano para preparar o cumprimento da bandeira eleitoral de refazer a licitação, hoje monopólio da Controlar. Esse tempo, no entanto, não foi aproveitado como deveria, e é considerável o risco de São Paulo ficar sem esse instrumento para diminuir a poluição do ar.
O contrato da Controlar expira no dia 31. Só na próxima segunda-feira, contudo, ocorrerá a audiência pública para debater o novo esquema de inspeção. Trata-se do primeiro passo para deslanchar a licitação das quatro concessões em que a cidade será dividida.
Se não houver mais procrastinação nem processos na Justiça, os contratos serão assinados no final de fevereiro. O serviço começaria a ser prestado em fins de maio, e mesmo assim as concessionárias só teriam obrigação de inspecionar, de pronto, um quarto da frota.
Esse é o cenário otimista, mas prevalece, entre empresas interessadas, a avaliação de que a inspeção ficará para 2015 --o que a prefeitura nega, claro, sem convencer.
Ocorre que a imprevidência administrativa já vai se revelando um padrão na gestão de Haddad.
Anteontem, o Tribunal de Contas do Município suspendeu dez licitações para construir 128 quilômetros de corredores de ônibus na capital, a um dia da abertura dos envelopes com as propostas. Motivos: ausência de especificação das fontes de recursos, omissões nos projetos de engenharia, falhas nas regras dos editais.
Em poucas e outras palavras: falta de planejamento adequado.
Fernando Haddad vai descobrindo, com um tropeço atrás do outro, que governar a metrópole paulistana exige mais que boas intenções e promessas mirabolantes.
O alerta energético - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA -10/01
Amplia-se a cada ano o descompasso entre as demandas da população e do setor produtivo e a capacidade de prestar bons serviços das concessionárias de energia elétrica. É uma desconexão que chegou ao limite, com aumento dos cortes no fornecimento no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, com prejuízos generalizados. No Rio Grande, a situação chegou ao ponto de a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos (Agergs) decidir cobrar explicações das principais distribuidoras, em decorrência de uma vulnerabilidade que se acentua anualmente. Em Santa Catarina, os transtornos também provocam prejuízos em todas as áreas, mas afetam em especial o turismo, na época em que o Estado mais atrai visitantes.
Os diagnósticos apontam que a prioridade é o investimento em redes de distribuição e não fazem distinção entre serviços privados e estatais. Avaliações de especialistas apenas referendam os fortes indícios de que uma área que depende essencialmente de planejamento de longo prazo subestimou as mudanças na economia brasileira nos últimos anos. Mesmo que o setor produtivo evolua num ritmo acanhado, o Brasil chegou ao estágio do pleno emprego, com a consequente melhoria de renda da população. A ascensão social de milhões de famílias provocou aumento da aquisição de aparelhos domésticos e melhoria da qualidade de vida. As concessionárias certamente subestimaram esse cenário.
Sem condições de corresponder a esse consumo, as empresas acabam por prejudicar outros serviços básicos. A falta de energia significa, mais adiante, também cortes no fornecimento de água. É assim nos dois Estados, com a repetição de problemas que deveriam estar resolvidos há décadas. Nada sustenta desculpas absurdas, apresentadas com naturalidade por dirigentes de concessionárias gaúchas, como as de que as altas temperaturas precarizam os serviços. Claro que o verão terá sempre temperaturas elevadas, e os picos registrados não significam mais nenhuma surpresa. Equivale a falar de temperaturas extremamente baixas no inverno, para reforçar as mesmas explicações.
A população e as empresas em geral não merecem a desconsideração das explicações simplórias. Também o governo precisa cumprir com suas atribuições, que não são poucas, nessa área. Cabe à União, como orientadora das políticas de investimento em infraestrutura, tornar claras as regras para quem presta serviços na área de energia, para que os investimentos se viabilizem com segurança. Cabe também às agências reguladoras cobrar resultados das concessionárias, para que performances abaixo do esperado não se tornem a regra. O Brasil tem uma das tarifas de energia mais caras do mundo. O serviço prestado terá de corresponder a esse custo. Concessionárias e governo devem aos consumidores, mais do que explicações, a resposta concreta dos investimentos e do fim dos apagões.
Amplia-se a cada ano o descompasso entre as demandas da população e do setor produtivo e a capacidade de prestar bons serviços das concessionárias de energia elétrica. É uma desconexão que chegou ao limite, com aumento dos cortes no fornecimento no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, com prejuízos generalizados. No Rio Grande, a situação chegou ao ponto de a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos (Agergs) decidir cobrar explicações das principais distribuidoras, em decorrência de uma vulnerabilidade que se acentua anualmente. Em Santa Catarina, os transtornos também provocam prejuízos em todas as áreas, mas afetam em especial o turismo, na época em que o Estado mais atrai visitantes.
Os diagnósticos apontam que a prioridade é o investimento em redes de distribuição e não fazem distinção entre serviços privados e estatais. Avaliações de especialistas apenas referendam os fortes indícios de que uma área que depende essencialmente de planejamento de longo prazo subestimou as mudanças na economia brasileira nos últimos anos. Mesmo que o setor produtivo evolua num ritmo acanhado, o Brasil chegou ao estágio do pleno emprego, com a consequente melhoria de renda da população. A ascensão social de milhões de famílias provocou aumento da aquisição de aparelhos domésticos e melhoria da qualidade de vida. As concessionárias certamente subestimaram esse cenário.
Sem condições de corresponder a esse consumo, as empresas acabam por prejudicar outros serviços básicos. A falta de energia significa, mais adiante, também cortes no fornecimento de água. É assim nos dois Estados, com a repetição de problemas que deveriam estar resolvidos há décadas. Nada sustenta desculpas absurdas, apresentadas com naturalidade por dirigentes de concessionárias gaúchas, como as de que as altas temperaturas precarizam os serviços. Claro que o verão terá sempre temperaturas elevadas, e os picos registrados não significam mais nenhuma surpresa. Equivale a falar de temperaturas extremamente baixas no inverno, para reforçar as mesmas explicações.
A população e as empresas em geral não merecem a desconsideração das explicações simplórias. Também o governo precisa cumprir com suas atribuições, que não são poucas, nessa área. Cabe à União, como orientadora das políticas de investimento em infraestrutura, tornar claras as regras para quem presta serviços na área de energia, para que os investimentos se viabilizem com segurança. Cabe também às agências reguladoras cobrar resultados das concessionárias, para que performances abaixo do esperado não se tornem a regra. O Brasil tem uma das tarifas de energia mais caras do mundo. O serviço prestado terá de corresponder a esse custo. Concessionárias e governo devem aos consumidores, mais do que explicações, a resposta concreta dos investimentos e do fim dos apagões.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Sarney conseguiu internacionalizar os problemas no Maranhão”
Domingos Dutra (SDD-MA), que já havia identificado tortura no presídio de Pedrinhas em 2008
IDELI TAMBÉM USOU VERBA EXTRA PARA PRIVILEGIAR SC
A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC), também foi beneficiada pelos recordistas de empenhos extraorçamentários em dezembro de 2013. Só no ministério do Turismo, de Gastão Vieira, Ideli emplacou R$61,3 milhões de verba extra para seu estado. O Ministério da Cidade foi outro que deu aquela forcinha para a ministra, com R$ 30,5 milhões. Já a Agricultura empenhou R$ 6,2 milhões a Santa Catarina.
EMENDAS POR APOIO
Braço direito da presidente Dilma, Ideli Salvatti tenta conquistar apoio de prefeitos para sair candidata ao Senado ou mesmo à Câmara.
ISOLADA
A ministra enfrenta dificuldades internas após ter sido derrotada pelo ex-deputado Cláudio Vignatti à presidência do PT de Santa Catarina.
OLHO NAS ELEIÇÕES
Segundo dados do Siafi, os ministros Antônio Andrade (Agricultura), Aguinaldo (Cidades) e Gastão foram campeões de verba extra em 2013.
SÓ PENSA EM SI
Partidos da base estão em pé de guerra com ministro Aguinaldo, que destinou verba à Paraíba, mas não empenhou emendas parlamentares.
PRESÍDIO-AÇOUGUE NÃO TEM BLOQUEADOR DE CELULAR
Nenhuma das penitenciárias de segurança máxima do Maranhão possui bloqueador de celular. Informações do Infopen, o Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, obtidas pela Coluna, revelam o descontrole nos treze presídios maranhenses. Dentro do Complexo de Pedrinhas, detentos filmaram cenas de extrema violência de presos decapitados e perfurados no motim de dezembro de 2013.
INTERVENÇÃO
A governadora Roseana Sarney (PMDB) rebola para prestar explicação ao procurador-geral, Rodrigo Janot, que ameaça intervenção federal.
PERIGO DENTRO...
No motim em 17 de dezembro, o saldo de mortes dentro do Complexo de Pedrinhas em 2013 subiu para 60, parte deles morreu decapitado.
...E FORA
Em represália às intervenções da Polícia Militar nos presídios, bandidos ordenaram o incêndio ao ônibus que matou uma menina de seis anos.
CHAVE DE CADEIA
O prefeito da Barra de São Miguel, Zezeco Nicolau (PP), corre o risco de virar réu por improbidade, caso insista em desrespeitar a lei federal 9785/99, desafetando uma área verde de 2 mil metros quadrados para transformá-la em estacionamento particular e lavanderia do Hotel Ritz.
LAMBENDO SELO
Marcado no Tribunal Regional do Trabalho novo ajuste de conduta nos Correios, após escândalo de comissionados e servidores requisitados de órgãos pelo PT. O Ministério Público do Trabalho quer dar basta.
O GRANDE ESPIRRO
A Justiça decidiu que o helicóptero do senador Zezé Perrela (PDT-MG) será utilizado pelo governo do Espírito Santo. Já os 445 quilos de cocaína encontrados dentro dele em novembro viraram pó, sem dono.
DA LAMA AO CAOS
O deputado Simplício Araújo (SSD-MA) corrobora críticas do senador Lobão Filho (PMDB) à “inabilidade” do secretário de Segurança Pública, Aluízio Mendes. “Ele transformou o ambiente prisional em um verdadeiro caos, mas é protegido pelo governo”, afirma o deputado.
ISSO QUE É...
A medalha da Suprema Distinção entregue pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, ao ex-presidente Lula pelos relevantes serviços prestados à sociedade custou a pechincha de R$ 3.950,00.
...PAÍS RICO
Outra extravagância da Câmara foi confeccionar carimbo comemorativo personalizado. Os R$ 4.800,00 gastos no artefato, somados à medalha de Lula, pagariam um ano de salário de aposentado incluindo até o 13º.
SUSPENSO
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) suspendeu, por decisão judicial liminar, o leilão dos serviços de transporte rodoviário interestadual de passageiros, cujo edital, conforme denunciou esta Coluna, favorecia as empresas detentoras do mercado no País.
MARQUE COM UM X
A boa notícia: o ministro Mantega (Fazenda) está de férias até esta sexta (10). A má: ele volta a Brasília na segunda-feira.
PODER SEM PUDOR
UM PRESIDENTE PRUDENTE
Primeiro presidente civil do Brasil, o paulista Prudente de Morais foi recebido no Rio de Janeiro, a capital, com enorme má vontade. Apelidaram-no até de "Biriba", comparando sua barbicha à do macaco de barba do zoológico do Barão de Drumond, inventor do Jogo do Bicho. O presidente se reuniu com jornalistas locais, para quebrar o gelo, e se definiu assim:
- Sou prudente no nome, prudente por princípios e prudente por hábito...
No dia seguinte, os jornais do Rio o rebatizaram: "Prudente Demais".
Domingos Dutra (SDD-MA), que já havia identificado tortura no presídio de Pedrinhas em 2008
IDELI TAMBÉM USOU VERBA EXTRA PARA PRIVILEGIAR SC
A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC), também foi beneficiada pelos recordistas de empenhos extraorçamentários em dezembro de 2013. Só no ministério do Turismo, de Gastão Vieira, Ideli emplacou R$61,3 milhões de verba extra para seu estado. O Ministério da Cidade foi outro que deu aquela forcinha para a ministra, com R$ 30,5 milhões. Já a Agricultura empenhou R$ 6,2 milhões a Santa Catarina.
EMENDAS POR APOIO
Braço direito da presidente Dilma, Ideli Salvatti tenta conquistar apoio de prefeitos para sair candidata ao Senado ou mesmo à Câmara.
ISOLADA
A ministra enfrenta dificuldades internas após ter sido derrotada pelo ex-deputado Cláudio Vignatti à presidência do PT de Santa Catarina.
OLHO NAS ELEIÇÕES
Segundo dados do Siafi, os ministros Antônio Andrade (Agricultura), Aguinaldo (Cidades) e Gastão foram campeões de verba extra em 2013.
SÓ PENSA EM SI
Partidos da base estão em pé de guerra com ministro Aguinaldo, que destinou verba à Paraíba, mas não empenhou emendas parlamentares.
PRESÍDIO-AÇOUGUE NÃO TEM BLOQUEADOR DE CELULAR
Nenhuma das penitenciárias de segurança máxima do Maranhão possui bloqueador de celular. Informações do Infopen, o Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, obtidas pela Coluna, revelam o descontrole nos treze presídios maranhenses. Dentro do Complexo de Pedrinhas, detentos filmaram cenas de extrema violência de presos decapitados e perfurados no motim de dezembro de 2013.
INTERVENÇÃO
A governadora Roseana Sarney (PMDB) rebola para prestar explicação ao procurador-geral, Rodrigo Janot, que ameaça intervenção federal.
PERIGO DENTRO...
No motim em 17 de dezembro, o saldo de mortes dentro do Complexo de Pedrinhas em 2013 subiu para 60, parte deles morreu decapitado.
...E FORA
Em represália às intervenções da Polícia Militar nos presídios, bandidos ordenaram o incêndio ao ônibus que matou uma menina de seis anos.
CHAVE DE CADEIA
O prefeito da Barra de São Miguel, Zezeco Nicolau (PP), corre o risco de virar réu por improbidade, caso insista em desrespeitar a lei federal 9785/99, desafetando uma área verde de 2 mil metros quadrados para transformá-la em estacionamento particular e lavanderia do Hotel Ritz.
LAMBENDO SELO
Marcado no Tribunal Regional do Trabalho novo ajuste de conduta nos Correios, após escândalo de comissionados e servidores requisitados de órgãos pelo PT. O Ministério Público do Trabalho quer dar basta.
O GRANDE ESPIRRO
A Justiça decidiu que o helicóptero do senador Zezé Perrela (PDT-MG) será utilizado pelo governo do Espírito Santo. Já os 445 quilos de cocaína encontrados dentro dele em novembro viraram pó, sem dono.
DA LAMA AO CAOS
O deputado Simplício Araújo (SSD-MA) corrobora críticas do senador Lobão Filho (PMDB) à “inabilidade” do secretário de Segurança Pública, Aluízio Mendes. “Ele transformou o ambiente prisional em um verdadeiro caos, mas é protegido pelo governo”, afirma o deputado.
ISSO QUE É...
A medalha da Suprema Distinção entregue pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, ao ex-presidente Lula pelos relevantes serviços prestados à sociedade custou a pechincha de R$ 3.950,00.
...PAÍS RICO
Outra extravagância da Câmara foi confeccionar carimbo comemorativo personalizado. Os R$ 4.800,00 gastos no artefato, somados à medalha de Lula, pagariam um ano de salário de aposentado incluindo até o 13º.
SUSPENSO
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) suspendeu, por decisão judicial liminar, o leilão dos serviços de transporte rodoviário interestadual de passageiros, cujo edital, conforme denunciou esta Coluna, favorecia as empresas detentoras do mercado no País.
MARQUE COM UM X
A boa notícia: o ministro Mantega (Fazenda) está de férias até esta sexta (10). A má: ele volta a Brasília na segunda-feira.
PODER SEM PUDOR
UM PRESIDENTE PRUDENTE
Primeiro presidente civil do Brasil, o paulista Prudente de Morais foi recebido no Rio de Janeiro, a capital, com enorme má vontade. Apelidaram-no até de "Biriba", comparando sua barbicha à do macaco de barba do zoológico do Barão de Drumond, inventor do Jogo do Bicho. O presidente se reuniu com jornalistas locais, para quebrar o gelo, e se definiu assim:
- Sou prudente no nome, prudente por princípios e prudente por hábito...
No dia seguinte, os jornais do Rio o rebatizaram: "Prudente Demais".
SEXTA NOS JORNAIS
O Globo: Imposto alto faz procura por dólar subir 40%
Folha de SP: Prefeitura decide ampliar rodízio de carros em SP
O Estado de S. Paulo: Planalto se blinda e lança plano contra crise em prisão
Correio Braziliense: Aprovação na UnB fica mais difícil com Enem
Estado de Minas: Acidentes diminuem, mas... A morte acelera nas BRs
Jornal do Commercio: Gravações comprovam o toma-lá-dá-cá em Caruaru
Zero Hora: Investigada fraude em obras públicas de R$ 12 milhões
Brasil Econômico: Supersafra não garante queda de preços no ano