FOLHA DE SP - 31/05
Não respeitar a distância dos beliches entre si não significa trabalho análogo à escravidão; isso é bom senso!
O "efeito cliquet", que nasceu como jargão de alpinistas franceses que, a partir de um certo ponto da escalada, não podiam retroceder, acabou convertido em princípio que norteia a evolução de direitos fundamentais. Diz a doutrina jurídica que, uma vez consagrado um direito social, ele não pode mais ser diminuído e muito menos revogado. É o princípio da vedação ao retrocesso.
Como admitir, então, que a agropecuária brasileira, setor mais dinâmico --e um dos mais modernos e avançados da economia--, possa ser reiterada e insistentemente ligada ao retrocesso do trabalho escravo?
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que tenho a honra de presidir, caracteriza-se pela defesa intransigente de princípios universais, como a liberdade. E não aceita, de seus membros, práticas que contrariem esses mesmos princípios.
A PEC do Trabalho Escravo, recentemente aprovada pelo Senado --por unanimidade, aliás--, prevê a expropriação de terras nas quais for constatada essa prática, destinando-as para a reforma agrária e para os programas de habitação popular.
Isso implica que se defina precisamente, na "forma da lei", o que significa "trabalho escravo". Não se pode deixar a critérios arbitrários uma definição cujas consequências são de grande alcance. Devemos, sobretudo, descartar qualquer viés político e ideológico nessa questão.
Com efeito, a ideologização pode configurar um risco à própria liberdade defendida. É evidente, por exemplo, que a servidão por dívidas não pode ser confundida com questões trabalhistas ou sanitárias, que são objeto de outra forma de legislação e de punição.
Se um produtor rural não seguir uma determinada regra no que diz respeito à distância dos beliches entre si, não estará ele abrigando uma forma "análoga" à do trabalho escravo. Trata-se de uma questão de bom senso!
Eis por que a definição do trabalho escravo deverá, reiteremos, ser dada na "forma da lei", tal como estamos propondo, em colaboração com o relator, senador Romero Jucá.
Busca-se, portanto, clareza nessa definição, como estabelece a convenção 29 da OIT:
a) submissão a trabalho forçado, via uso da coação e restrição da liberdade pessoal; b) proibição da liberdade de ir e vir, sendo o trabalhador obrigado a ficar em seu local de trabalho; c) vigilância ostensiva do trabalhador, com a retenção de seus documentos pessoais, d) servidão por dívida, obstaculizando a liberdade do trabalhador.
Note-se que, com essa definição, evitamos qualquer tipo de arbitrariedade, estando ela conforme ao que se caracteriza como atos essencialmente contrários à liberdade. A escravidão é contrária à liberdade, não podendo ser identificada, nem analogicamente, a qualquer tipo de descumprimento da legislação trabalhista.
Outra grave arbitrariedade são as chamadas "listas sujas" de pessoas física ou jurídica que, ao serem autuadas administrativamente, são imediatamente incluídas em um cadastro nacional, restringindo o seu acesso a financiamentos públicos e colocando-as sob os holofotes do opróbrio popular. Imaginem o dano causado a essas empresas, que têm, assim, a sua imagem e reputação profundamente atingidas mesmo sem ter sido condenada sequer na primeira instância.
Muitas vão à falência, sem ter mais nenhuma condição de sobreviver. Somos contra qualquer excesso do poder público, como tem acontecido com certas formas de discricionariedade de atuação dos agentes públicos.
Somos contra a existência das "listas sujas" já questionadas pela CNA no Supremo Tribunal Federal, elaboradas em ritos sumários na esfera administrativa, contrariando princípios básicos do direito, a saber, a presunção da inocência e o direito à ampla defe- sa. Apenas uma condenação judicial, transitada em julgado, poderia ter esse efeito.
Se, por outro lado, a Justiça encontrar fundamento para a condenação pela prática de cerceamento da liberdade, sob qualquer forma, deve-se aplicar todo o rigor da lei. A CNA não reconhece esses como produtores e, portanto, não os representa.
sábado, maio 31, 2014
O pibinho, os gringos e a conspiração de São Pedro - ROLF KUNTZ
O ESTADÃO - 31/05
Com o desastre econômico do primeiro trimestre, uma expansão miserável de 0,2% combinada com inflação alta e enorme rombo comercial, a presidente-gerente Dilma Rousseff completou três anos e três meses de fracasso econômico registrado oficialmente. O fracasso continua, como confirmam vários indicadores parciais, e continuará nos próximos meses, porque a indústria permanece emperrada e o ambiente econômico é de baixa produtividade. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece desconhecer a história dos últimos três anos e um quarto. Em criativa entrevista, ele atribuiu o baixo crescimento brasileiro no primeiro trimestre a fatores externos e a problemas ocasionais. A lista inclui a instabilidade cambial, a recuperação ainda lenta das economias do mundo rico e a inflação elevada principalmente por causa dos alimentos. Culpa dos gringos, portanto, e isso vale igualmente para o judeu Simão, também conhecido como São Pedro, supervisor e distribuidor das chuvas e trovoadas.
No triste cenário das contas nacionais divulgadas nesta sexta-feira, só se salva a produção agropecuária, com crescimento de 3,6% no trimestre e de 4,8% no acumulado de um ano. Os detalhes mais feios são o investimento em queda e o péssimo desempenho da indústria. Em sua pitoresca entrevista, o ministro da Fazenda atribuiu o baixo investimento à situação dos estoques e ao leve recuo - queda de 0,1% - do consumo das famílias, causado em grande parte pela alta do custo da alimentação. A explicação pode ser instigante, mas deixa em total escuridão o fiasco econômico dos últimos anos, quando o consumo, tanto das famílias quanto do governo, cresceu rapidamente.
O investimento em máquinas, equipamentos, construções civis e obras públicas - a chamada formação bruta de capital fixo - caiu, como proporção do produto interno bruto (PIB), durante toda a gestão da presidente Dilma Rousseff.
No primeiro trimestre de 2011, quando o governo estava recém-instalado, essa proporção chegou a 19,5%. Caiu seguidamente a partir daí, até 17,7% nos primeiros três meses de 2014. Durante esse período o consumo das famílias aumentou velozmente, sustentado pela expansão da renda e do crédito, mas nem por isso os empresários investiram muito mais.
Além disso, o governo foi incapaz de ir muito além da retórica e das bravatas quando se tratou de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nem as obras da Copa avançaram no ritmo necessário, apesar do risco de um papelão internacional.
A estagnação da indústria reflete o baixo nível de investimentos, tanto privados quanto públicos, e a consequente perda de poder de competição. Por três trimestres consecutivos a produção industrial tem sido menor que nos três meses anteriores. Encolheu 0,1% no período julho-setembro, diminuiu 0,2% no trimestre final de 2013 e 0,8% no primeiro deste ano. Não há como culpar as potências estrangeiras ou celestiais por esse desempenho.
O conjunto da economia brasileira é cada vez menos produtivo, embora alguns segmentos, como o agronegócio, e algumas empresas importantes, como a Embraer, continuem sendo exemplos internacionais de competitividade.
O baixo crescimento do PIB, apenas 0,2% no trimestre e 2,5% em 12 meses, reflete essa perda de vigor, associada tanto à insuficiência do investimento em capital fixo quanto à escassez crescente de pessoal qualificado. Não por acaso, o País apareceu em 54.º lugar, numa lista de 60 países, na última classificação de competitividade elaborada pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça.
O baixo desempenho da economia, especialmente da indústria, tem tudo a ver com a piora das contas externas. O efeito mais evidente é a erosão do saldo comercial. No primeiro trimestre, período de referência das contas nacionais atualizadas, o País acumulou um déficit de US$ 6,1 bilhões no comércio de mercadorias. O resultado melhorou um pouco desde abril, mas na penúltima semana de maio o buraco ainda era de US$ 5,9 bilhões. O Banco Central (BC) continua projetando um saldo de US$ 8 bilhões para o ano, muito pequeno para as necessidades brasileiras. No mercado, a mediana das projeções coletadas em 23 de maio na pesquisa semanal do BC indicava um superávit de apenas US$ 3 bilhões.
Estranhamente, os deuses parecem ter poupado outros países dos males atribuídos pelo ministro da Fazenda ao quadro externo. Outras economias continuaram crescendo mais que a brasileira e com inflação menor, apesar de sujeitas à instabilidade dos mercados financeiros e a outros problemas internacionais. A inflação no Brasil tem permanecido muito acima da meta oficial, 4,5%, e a maior parte das projeções ainda aponta um resultado final em torno de 6% para 2o14. Até agora, o recuo de alguns preços no atacado pouco afetou o varejo e os consumidores continuam sujeitos a taxas mensais de inflação superiores a 0,5%. O ritmo poderá diminuir nos próximos meses, mas, por enquanto, as estimativas indicam um repique nos quatro ou cinco meses finais de 2014.
O aperto monetário, interrompido pelo BC na quarta-feira, pode ter produzido algum efeito, mas o desajuste das contas do governo ainda alimenta um excesso de demanda. Na quinta-feira o Tesouro anunciou um superávit primário de R$ 26,7 bilhões nos primeiros quatro meses. Quase um terço desse total, R$ 9,2 bilhões, ou 31%, correspondeu a receita de concessões e dividendos. As concessões renderam 207,4% mais que no período de janeiro a abril do ano passado. Os dividendos foram 716,4% maiores que os do primeiro quadrimestre de 2013. Chamar isso de arrecadação normal e recorrente sem ficar corado vale pelo menos um Oscar de ator coadjuvante. A economia vai mal, mas a arte cênica brasileira ainda será reconhecida. Há mais valores entre o céu e a terra do sonham os críticos da política econômica.
Com o desastre econômico do primeiro trimestre, uma expansão miserável de 0,2% combinada com inflação alta e enorme rombo comercial, a presidente-gerente Dilma Rousseff completou três anos e três meses de fracasso econômico registrado oficialmente. O fracasso continua, como confirmam vários indicadores parciais, e continuará nos próximos meses, porque a indústria permanece emperrada e o ambiente econômico é de baixa produtividade. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece desconhecer a história dos últimos três anos e um quarto. Em criativa entrevista, ele atribuiu o baixo crescimento brasileiro no primeiro trimestre a fatores externos e a problemas ocasionais. A lista inclui a instabilidade cambial, a recuperação ainda lenta das economias do mundo rico e a inflação elevada principalmente por causa dos alimentos. Culpa dos gringos, portanto, e isso vale igualmente para o judeu Simão, também conhecido como São Pedro, supervisor e distribuidor das chuvas e trovoadas.
No triste cenário das contas nacionais divulgadas nesta sexta-feira, só se salva a produção agropecuária, com crescimento de 3,6% no trimestre e de 4,8% no acumulado de um ano. Os detalhes mais feios são o investimento em queda e o péssimo desempenho da indústria. Em sua pitoresca entrevista, o ministro da Fazenda atribuiu o baixo investimento à situação dos estoques e ao leve recuo - queda de 0,1% - do consumo das famílias, causado em grande parte pela alta do custo da alimentação. A explicação pode ser instigante, mas deixa em total escuridão o fiasco econômico dos últimos anos, quando o consumo, tanto das famílias quanto do governo, cresceu rapidamente.
O investimento em máquinas, equipamentos, construções civis e obras públicas - a chamada formação bruta de capital fixo - caiu, como proporção do produto interno bruto (PIB), durante toda a gestão da presidente Dilma Rousseff.
No primeiro trimestre de 2011, quando o governo estava recém-instalado, essa proporção chegou a 19,5%. Caiu seguidamente a partir daí, até 17,7% nos primeiros três meses de 2014. Durante esse período o consumo das famílias aumentou velozmente, sustentado pela expansão da renda e do crédito, mas nem por isso os empresários investiram muito mais.
Além disso, o governo foi incapaz de ir muito além da retórica e das bravatas quando se tratou de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nem as obras da Copa avançaram no ritmo necessário, apesar do risco de um papelão internacional.
A estagnação da indústria reflete o baixo nível de investimentos, tanto privados quanto públicos, e a consequente perda de poder de competição. Por três trimestres consecutivos a produção industrial tem sido menor que nos três meses anteriores. Encolheu 0,1% no período julho-setembro, diminuiu 0,2% no trimestre final de 2013 e 0,8% no primeiro deste ano. Não há como culpar as potências estrangeiras ou celestiais por esse desempenho.
O conjunto da economia brasileira é cada vez menos produtivo, embora alguns segmentos, como o agronegócio, e algumas empresas importantes, como a Embraer, continuem sendo exemplos internacionais de competitividade.
O baixo crescimento do PIB, apenas 0,2% no trimestre e 2,5% em 12 meses, reflete essa perda de vigor, associada tanto à insuficiência do investimento em capital fixo quanto à escassez crescente de pessoal qualificado. Não por acaso, o País apareceu em 54.º lugar, numa lista de 60 países, na última classificação de competitividade elaborada pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça.
O baixo desempenho da economia, especialmente da indústria, tem tudo a ver com a piora das contas externas. O efeito mais evidente é a erosão do saldo comercial. No primeiro trimestre, período de referência das contas nacionais atualizadas, o País acumulou um déficit de US$ 6,1 bilhões no comércio de mercadorias. O resultado melhorou um pouco desde abril, mas na penúltima semana de maio o buraco ainda era de US$ 5,9 bilhões. O Banco Central (BC) continua projetando um saldo de US$ 8 bilhões para o ano, muito pequeno para as necessidades brasileiras. No mercado, a mediana das projeções coletadas em 23 de maio na pesquisa semanal do BC indicava um superávit de apenas US$ 3 bilhões.
Estranhamente, os deuses parecem ter poupado outros países dos males atribuídos pelo ministro da Fazenda ao quadro externo. Outras economias continuaram crescendo mais que a brasileira e com inflação menor, apesar de sujeitas à instabilidade dos mercados financeiros e a outros problemas internacionais. A inflação no Brasil tem permanecido muito acima da meta oficial, 4,5%, e a maior parte das projeções ainda aponta um resultado final em torno de 6% para 2o14. Até agora, o recuo de alguns preços no atacado pouco afetou o varejo e os consumidores continuam sujeitos a taxas mensais de inflação superiores a 0,5%. O ritmo poderá diminuir nos próximos meses, mas, por enquanto, as estimativas indicam um repique nos quatro ou cinco meses finais de 2014.
O aperto monetário, interrompido pelo BC na quarta-feira, pode ter produzido algum efeito, mas o desajuste das contas do governo ainda alimenta um excesso de demanda. Na quinta-feira o Tesouro anunciou um superávit primário de R$ 26,7 bilhões nos primeiros quatro meses. Quase um terço desse total, R$ 9,2 bilhões, ou 31%, correspondeu a receita de concessões e dividendos. As concessões renderam 207,4% mais que no período de janeiro a abril do ano passado. Os dividendos foram 716,4% maiores que os do primeiro quadrimestre de 2013. Chamar isso de arrecadação normal e recorrente sem ficar corado vale pelo menos um Oscar de ator coadjuvante. A economia vai mal, mas a arte cênica brasileira ainda será reconhecida. Há mais valores entre o céu e a terra do sonham os críticos da política econômica.
No frio da economia - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 31/05
O IBGE confirmou ontem a frieza da economia com a divulgação de alta de apenas 0,2% no PIB do primeiro trimestre. O ano até aqui está sendo fraco, com muitas incertezas tirando o ânimo do empresário para investir e do consumidor para consumir. Mesmo sendo ano de Copa do Mundo no Brasil, ainda não deu para sentir o efeito positivo na atividade econômica.
Não é só nos números macroeconômicos que se percebe a perda de fôlego do país. Quando se olha no micro, numa conversa com uma empresa, por exemplo, se tem noção mais clara desse divórcio entre o potencial de crescimento e a conjuntura. Um exemplo: apenas 2% dos lares brasileiros possuem lava-louças, somente a metade tem lava-roupas e 60% ainda estão equipadas com geladeiras convencionais, que precisam descongelar. O espaço para vendas é enorme, principalmente no Nordeste e Centro-Oeste. Mesmo assim, a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, e a Electrolux anunciaram férias coletivas esta semana.
Em conversa com a coluna, a Whirlpool afirmou que mantém a projeção de investir R$ 500 milhões este ano e lançar 180 novos produtos, 10% a mais que em 2013. Mas enfrenta o baixo crescimento do PIB, o aumento menor do poder de compra, a inflação alta e o encarecimento do crédito. No primeiro trimestre, a empresa teve queda de 5% nas vendas de eletrodomésticos, sobre o mesmo período de 2013. A chegada da Copa do Mundo e os feriados do mês de junho ajudaram a tomar a decisão de interromper parte da produção.
- A parada na fábrica de Manaus sempre acontece nesta época do ano, mas a de Rio Claro, no interior de São Paulo, não. Ela fabrica geladeiras e fogões e houve uma redução de demanda de 15% este ano, maior do que havíamos projetado. Além da desaceleração econômica, há o efeito Copa do Mundo, que favorece a compra de outros eletrodomésticos e provoca feriados - explicou o presidente da empresa, Enrico Zito.
As previsões de vendas da companhia para o ano variam de queda de 3% a alta 3%. É a incerteza da economia, e está difícil pensar 2015 também. Há muita dúvida sobre o custo da energia. Zito estima que o aumento mínimo deve ser de 20%. A boa notícia é que a empresa ouve meteorologistas que asseguram que o próximo verão será chuvoso.
- Energia elétrica é uma incógnita para o futuro. Isso se soma a vários outros tipos de custos em alta para a indústria, como salários, serviços dos mais variados tipos, combustíveis, fretes, e ainda há a pressão residual do câmbio, que se desvalorizou muito nos últimos dois anos. O repasse é feito de forma gradual. Não há aumento de produtividade que compense isso tudo - disse.
O quadro é o mesmo em outras empresas. Os empresários veem um enorme potencial de crescimento, mas acham que o curto prazo está difícil. Não é por acaso que dois dos principais índices que medem a confiança estão em baixa. O Índice de Confiança da Indústria (ICI), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em pesquisa com mais de 2.500 empresas, caiu para 48 pontos em maio, o nível mais baixo dos últimos cinco anos. Índice semelhante, apurado pela FGV, caiu a 91,2 pontos, o menor número desde junho de 2009.
O crescimento do PIB foi pequeno no primeiro trimestre. Mas pior do que o 0,2% de alta é a taxa de poupança baixa demais: 12,7% do PIB é muito pouco e não sustenta o necessário aumento da taxa de investimento. Nos dados micro, em visitas às empresas, se vê o que informam os índices dos institutos. Há baixa expectativa em que o país possa, a curto prazo, retomar um crescimento vigoroso do PIB.
O fenômeno Joaquim Barbosa - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR - 31/05
Se já era espantosa a capacidade do presidente da suprema corte de ocupar o centro das atenções, o anúncio na última quinta-feira da sua aposentadoria imediata reforçou substancialmente o seu poder e a sua magia.
O mistério em torno dos reais motivos que o levaram a interromper uma fulgurante carreira, as versões logo divulgadas – inclusive supostas ameaças de morte – tudo contribui para alimentar a magistral perícia desse magistrado para surpreender e empolgar.
A opção pela renúncia é, em si, uma formidável alavanca para produzir admirações. Num ambiente marcado pela ambição desmedida, cobiça exorbitante e sofreguidão pelo poder, o simples gesto de abdicar e abrir mão contrasta vivamente com a legião de mãos sorrateiras, prontas para apoderar-se de tudo.
Barbosa conhece a dinâmica do sebastianismo, o magnetismo exercido pelos encobertos, o fascínio dos sumidos. Escolheu o ostracismo como proteção e reforço. Espontaneamente, encaminha-se ao banco dos reservas num momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular. Numa paisagem marcada pelo desgaste das lideranças e a evaporação das ideias-força, Barbosa prefere recolher-se para lustrar o capital acumulado.
O horizonte sombrio sugere incertezas, trepidações, fissuras e até rupturas. Não apenas aqui ou no nosso entorno, mas também nos laboratórios do Hemisfério Norte e nos acervos do Velho Mundo. Os indícios fornecidos no último domingo pelo pleito europeu se avolumam e ganham relevância na medida em que a galeria de lideranças – independentemente das colorações partidárias – converte-se em mostruário de nulidades e insignificâncias. As exceções vão por conta de Angela Merkel (interessante mix de pragmatismo, moderação e racionalidade) e Vladimir Putin (com apetite, treino e instinto para audácias). O restante do time de chefes de governo é deplorável: David Cameron, François Hollande e Mariano Rajoy são medíocres, canhestros, o recém-chegado Matteo Renzi ainda não rodou o suficiente para mostrar atributos.
O quase ex-presidente do STF sabe que o nível dos competidores dá dimensão aos torneios, por isso deve aguardar desafios mais qualificados. Na arena do STF seria compelido a desgastar-se com embates menores. Prefere preservar-se. E, periodicamente, fazer intervenções surpreendentes. Tem calibre, saber e senso de oportunidade para cultivar esperanças e expectativas.
Joaquim Barbosa entrou em cena por vontade alheia, o presidente Lula queria um negro na corte suprema. Em apenas 11 anos, o ilustre desconhecido tornou-se o mais visível e respeitado chefe do Judiciário de todos os tempos. Diz o que pensa, faz o que lhe dita a consciência e o dever cívico e, como se não bastasse, consegue irradiar sua imagem e mensagens para grande parte da população, sem dispor de qualquer máquina partidária, midiática ou empresarial.
É um fenômeno.
Se já era espantosa a capacidade do presidente da suprema corte de ocupar o centro das atenções, o anúncio na última quinta-feira da sua aposentadoria imediata reforçou substancialmente o seu poder e a sua magia.
O mistério em torno dos reais motivos que o levaram a interromper uma fulgurante carreira, as versões logo divulgadas – inclusive supostas ameaças de morte – tudo contribui para alimentar a magistral perícia desse magistrado para surpreender e empolgar.
A opção pela renúncia é, em si, uma formidável alavanca para produzir admirações. Num ambiente marcado pela ambição desmedida, cobiça exorbitante e sofreguidão pelo poder, o simples gesto de abdicar e abrir mão contrasta vivamente com a legião de mãos sorrateiras, prontas para apoderar-se de tudo.
Barbosa conhece a dinâmica do sebastianismo, o magnetismo exercido pelos encobertos, o fascínio dos sumidos. Escolheu o ostracismo como proteção e reforço. Espontaneamente, encaminha-se ao banco dos reservas num momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular. Numa paisagem marcada pelo desgaste das lideranças e a evaporação das ideias-força, Barbosa prefere recolher-se para lustrar o capital acumulado.
O horizonte sombrio sugere incertezas, trepidações, fissuras e até rupturas. Não apenas aqui ou no nosso entorno, mas também nos laboratórios do Hemisfério Norte e nos acervos do Velho Mundo. Os indícios fornecidos no último domingo pelo pleito europeu se avolumam e ganham relevância na medida em que a galeria de lideranças – independentemente das colorações partidárias – converte-se em mostruário de nulidades e insignificâncias. As exceções vão por conta de Angela Merkel (interessante mix de pragmatismo, moderação e racionalidade) e Vladimir Putin (com apetite, treino e instinto para audácias). O restante do time de chefes de governo é deplorável: David Cameron, François Hollande e Mariano Rajoy são medíocres, canhestros, o recém-chegado Matteo Renzi ainda não rodou o suficiente para mostrar atributos.
O quase ex-presidente do STF sabe que o nível dos competidores dá dimensão aos torneios, por isso deve aguardar desafios mais qualificados. Na arena do STF seria compelido a desgastar-se com embates menores. Prefere preservar-se. E, periodicamente, fazer intervenções surpreendentes. Tem calibre, saber e senso de oportunidade para cultivar esperanças e expectativas.
Joaquim Barbosa entrou em cena por vontade alheia, o presidente Lula queria um negro na corte suprema. Em apenas 11 anos, o ilustre desconhecido tornou-se o mais visível e respeitado chefe do Judiciário de todos os tempos. Diz o que pensa, faz o que lhe dita a consciência e o dever cívico e, como se não bastasse, consegue irradiar sua imagem e mensagens para grande parte da população, sem dispor de qualquer máquina partidária, midiática ou empresarial.
É um fenômeno.
Basta de fingir - CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 31/05
Raros são capazes de ler e falar outro idioma
O Brasil comemora sua posição de sétimo maior PIB do mundo, mas o PIB per capita rebaixa o país para a 54ª posição no cenário mundial; no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º lugar. Fingimos ser ricos, apesar da pobreza.
Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhão para 7,04 milhões de matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia, raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.
Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo; 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e 70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os matriculados estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por causa de paralisações ou falta de professores.
A partir de 1995, no Distrito Federal e em Campinas, iniciamos um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro, atualmente chamado de Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada efetivamente pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não estamos oferecendo. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$ 291 e R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.
Comemoramos o aumento da frota de automóveis de, aproximadamente, 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, fingindo que isto é progresso, mesmo que signifique engarrafamentos monumentais.
Comemoramos, corretamente, termos desfeito uma ditadura, esquecendo que a democracia está sem partidos e a política se transformou em sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia com liberdade de imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um texto de jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.
Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas nos contentamos com tão pouco que os governantes se recusam a ouvir críticas sobre a ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo ufanista, comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como antipatriotas aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e a incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o Brasil não tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.
Raros são capazes de ler e falar outro idioma
O Brasil comemora sua posição de sétimo maior PIB do mundo, mas o PIB per capita rebaixa o país para a 54ª posição no cenário mundial; no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º lugar. Fingimos ser ricos, apesar da pobreza.
Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhão para 7,04 milhões de matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia, raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.
Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo; 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e 70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os matriculados estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por causa de paralisações ou falta de professores.
A partir de 1995, no Distrito Federal e em Campinas, iniciamos um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro, atualmente chamado de Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada efetivamente pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não estamos oferecendo. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$ 291 e R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.
Comemoramos o aumento da frota de automóveis de, aproximadamente, 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, fingindo que isto é progresso, mesmo que signifique engarrafamentos monumentais.
Comemoramos, corretamente, termos desfeito uma ditadura, esquecendo que a democracia está sem partidos e a política se transformou em sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia com liberdade de imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um texto de jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.
Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas nos contentamos com tão pouco que os governantes se recusam a ouvir críticas sobre a ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo ufanista, comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como antipatriotas aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e a incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o Brasil não tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.
Ame-o e vá de jegue! - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA
CORREIO BRAZILIENSE - 31/05
Sem sucesso, petistas e blogueiros chapas-brancas provocam a oposição para que entre num jogo em que ela só tem a perder: o de se declarar contrária à Copa ou a de torcer contra a Seleção. Nos protestos de rua, até agora, o que se vê são sobretudo articulações de sindicalistas, como a de professores que cercaram o ônibus da Seleção Brasileira no Rio.
Na terça-feira, em plena capital da República, um confronto que assombrou o mundo: índios de arco e flecha enfrentando balas de borracha e bombas de gás disparadas por policiais. Em São Paulo, um escândalo que - em tempos de forte oposição ao governo - sacudiria o país passou quase despercebido: a polícia disse ter flagrado um deputado do PT participando de uma reunião com membros do PCC para incendiar uma greve de ônibus em São Paulo. No entanto, praticamente ninguém se escandalizou com o episódio.
Nas rede sociais, observo, trava-se um verdadeiro ame-o ou deixe-o, com os petistas no papel verde-oliva. Da parte da população, muita indignação com o gasto de recursos públicos para erigir estádios monumentais, quando nunca na história do país se viu tamanha disposição em construir escolas e hospitais de boa qualidade. Há também muitos comentários contra as manifestações violentas. Pondera-se que já não há mais o que se possa fazer a essa altura dos fatos.
Sim, é verdade: quando se anunciou que a competição seria no país, em 2007, todo mundo comemorou. Afinal, havia a promessa de que as arenas seriam construídas com verba da iniciativa privada. E que haveria para a população em geral um vasto legado, como VLTs, metrôs e até trem-bala. Infraestrutura de primeiro mundo. A realidade, porém, revelou-se bem diferente. Exigir metrô até os estádios, disse Lula, é babaquice. Trem-bala, então, nem sonhar. Daí as gigantescas manifestações populares em junho de 2013. Mas o movimento pacífico acabou envenenado pela violência de black blocs e da polícia, para alívio dos corruptos, um dos principais alvos dos protestos.
Na terça-feira, em plena capital da República, um confronto que assombrou o mundo: índios de arco e flecha enfrentando balas de borracha e bombas de gás disparadas por policiais. Em São Paulo, um escândalo que - em tempos de forte oposição ao governo - sacudiria o país passou quase despercebido: a polícia disse ter flagrado um deputado do PT participando de uma reunião com membros do PCC para incendiar uma greve de ônibus em São Paulo. No entanto, praticamente ninguém se escandalizou com o episódio.
Nas rede sociais, observo, trava-se um verdadeiro ame-o ou deixe-o, com os petistas no papel verde-oliva. Da parte da população, muita indignação com o gasto de recursos públicos para erigir estádios monumentais, quando nunca na história do país se viu tamanha disposição em construir escolas e hospitais de boa qualidade. Há também muitos comentários contra as manifestações violentas. Pondera-se que já não há mais o que se possa fazer a essa altura dos fatos.
Sim, é verdade: quando se anunciou que a competição seria no país, em 2007, todo mundo comemorou. Afinal, havia a promessa de que as arenas seriam construídas com verba da iniciativa privada. E que haveria para a população em geral um vasto legado, como VLTs, metrôs e até trem-bala. Infraestrutura de primeiro mundo. A realidade, porém, revelou-se bem diferente. Exigir metrô até os estádios, disse Lula, é babaquice. Trem-bala, então, nem sonhar. Daí as gigantescas manifestações populares em junho de 2013. Mas o movimento pacífico acabou envenenado pela violência de black blocs e da polícia, para alívio dos corruptos, um dos principais alvos dos protestos.
A 'imagem do Brasil' - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 31/05
Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana
Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.
A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.
"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.
Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".
Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana
Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.
A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.
"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.
Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".
Custos da fragmentação - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 31/05
Entre os cientistas políticos há um consenso: o Brasil é atualmente o país com o sistema partidário mais fragmentado do mundo, e isso é ruim para a democracia. Mesmo os que consideram que a alta fragmentação significa inclusão política, constituindo um mecanismo de controle do Executivo, muito forte no nosso sistema presidencial, admitem que essa característica representa mais custos para a máquina governamental e menor eficiência do governo.
O cientista político Sérgio Abranches, que cunhou a definição de presidencialismo de coalizão em um estudo de 1988, está trabalhando agora com o termo partidos efetivos para delimitar o tamanho da coalizão na realidade do Congresso. Estamos hoje com 10 a 12 partidos efetivos na coalizão presidencial, o maior já registrado.
Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, que defende a representação proporcional e um sistema multipartidário para o Brasil, acha que a questão é saber qual o grau de fragmentação adequado ao país. Para ele, o atual sistema partidário brasileiro é muito mais fragmentado do que demanda a heterogeneidade social do país.
Concordando com Timothy Power, professor de Oxford e um dos grandes brasilianistas da atualidade, Octavio Amorim Neto considera que a alta fragmentação no Brasil responde mais às necessidades do sistema político do que às da sociedade. O que há de problemático em tais governos, diz ele, é o fato de terem maiores dificuldades na implementação de ajustes ficais e responderem mais lentamente a desequilíbrios orçamentários do que os governos monopartidários ou com poucos partidos.
Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, criou um índice de eficiência da coalizão . Dividindo o apoio legislativo por custos de gerência da coalizão, podemos construir uma curva de eficiência que permite comparar custos vis-à-vis apoio . O estudo deixa claro que não existe relação entre maiores custos de gerência e maior apoio legislativo. Na realidade, maiores custos não se traduziram em maior apoio dos parlamentares. O inverso também é verdadeiro .
Em diversos momentos, mesmo com grande investimento, seja pela criação de ministérios, seja pela liberação de emendas, ou ainda pelo desembolso de maiores recursos dos ministérios, o governo teve pouco apoio às suas iniciativas, lembra.
O governo Dilma é o grande exemplo desse aparente paradoxo, diz Pereira, para quem é necessário gerenciar bem a coalizão construindo coalizões com um menor número de partidos que compartilhem preferências de políticas e o presidente necessita dividir poder. Do contrário, os custos serão crescentes .
Já Jairo Nicolau, da UFRJ, diz que o que diferencia o Brasil não é o fato de termos 32 legendas registradas, mas não termos algumas legendas maiores que concentrem o poder partidário. Na maioria dos legislativos do mundo, alguns poucos partidos concentram muitas cadeiras e, mesmo quando existem muitos partidos, os menores tendem a ser muito pequenos .
Nas três últimas eleições, nenhum partido ultrapassou as 100 cadeiras, pouco menos de 20% da Câmara, e para piorar as coisas a atual Câmara dos Deputados, além de ser a mais fragmentada de nossa história, diz Nicolau, nunca se registrou número tão alto na história de nenhuma outra democracia .
A criação de cinco legendas (PSD, PPL, PEN, PROS e Solidariedade) nesta legislatura foi responsável por essa explosão, quadro que gera enorme dificuldades para o chefe do Executivo nas negociações com as bancadas no Legislativo e na montagem do seu Ministério. Sem contar que nesse cenário, pequenas legendas têm seu poder de barganha desproporcionalmente aumentados . Um exemplo claro é o poder que elas adquiriram ao negociar seus segundos de televisão na montagem das coalizões eleitorais. ( Continua amanhã)
O cientista político Sérgio Abranches, que cunhou a definição de presidencialismo de coalizão em um estudo de 1988, está trabalhando agora com o termo partidos efetivos para delimitar o tamanho da coalizão na realidade do Congresso. Estamos hoje com 10 a 12 partidos efetivos na coalizão presidencial, o maior já registrado.
Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, que defende a representação proporcional e um sistema multipartidário para o Brasil, acha que a questão é saber qual o grau de fragmentação adequado ao país. Para ele, o atual sistema partidário brasileiro é muito mais fragmentado do que demanda a heterogeneidade social do país.
Concordando com Timothy Power, professor de Oxford e um dos grandes brasilianistas da atualidade, Octavio Amorim Neto considera que a alta fragmentação no Brasil responde mais às necessidades do sistema político do que às da sociedade. O que há de problemático em tais governos, diz ele, é o fato de terem maiores dificuldades na implementação de ajustes ficais e responderem mais lentamente a desequilíbrios orçamentários do que os governos monopartidários ou com poucos partidos.
Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, criou um índice de eficiência da coalizão . Dividindo o apoio legislativo por custos de gerência da coalizão, podemos construir uma curva de eficiência que permite comparar custos vis-à-vis apoio . O estudo deixa claro que não existe relação entre maiores custos de gerência e maior apoio legislativo. Na realidade, maiores custos não se traduziram em maior apoio dos parlamentares. O inverso também é verdadeiro .
Em diversos momentos, mesmo com grande investimento, seja pela criação de ministérios, seja pela liberação de emendas, ou ainda pelo desembolso de maiores recursos dos ministérios, o governo teve pouco apoio às suas iniciativas, lembra.
O governo Dilma é o grande exemplo desse aparente paradoxo, diz Pereira, para quem é necessário gerenciar bem a coalizão construindo coalizões com um menor número de partidos que compartilhem preferências de políticas e o presidente necessita dividir poder. Do contrário, os custos serão crescentes .
Já Jairo Nicolau, da UFRJ, diz que o que diferencia o Brasil não é o fato de termos 32 legendas registradas, mas não termos algumas legendas maiores que concentrem o poder partidário. Na maioria dos legislativos do mundo, alguns poucos partidos concentram muitas cadeiras e, mesmo quando existem muitos partidos, os menores tendem a ser muito pequenos .
Nas três últimas eleições, nenhum partido ultrapassou as 100 cadeiras, pouco menos de 20% da Câmara, e para piorar as coisas a atual Câmara dos Deputados, além de ser a mais fragmentada de nossa história, diz Nicolau, nunca se registrou número tão alto na história de nenhuma outra democracia .
A criação de cinco legendas (PSD, PPL, PEN, PROS e Solidariedade) nesta legislatura foi responsável por essa explosão, quadro que gera enorme dificuldades para o chefe do Executivo nas negociações com as bancadas no Legislativo e na montagem do seu Ministério. Sem contar que nesse cenário, pequenas legendas têm seu poder de barganha desproporcionalmente aumentados . Um exemplo claro é o poder que elas adquiriram ao negociar seus segundos de televisão na montagem das coalizões eleitorais. ( Continua amanhã)
O tamanho do Congresso - FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE SP - 31/05
BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral fez uma nova divisão das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados entre os 26 Estados e o Distrito Federal. O Congresso não gostou e recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
Essa disputa poderia reabrir o debate sobre a assimetria nas representações --o fato de um voto de Roraima (com 8 deputados e 500 mil habitantes) valer muito mais que um voto de São Paulo (70 deputados e 44 milhões habitantes). É quase impossível que os políticos aceitem consertar essa anomalia.
Mas há outro aspecto ainda menos debatido sobre a composição do Poder Legislativo. Trata-se do tamanho da representação nas "Casas do Povo", tanto no nível federal como nos âmbitos estaduais e municipais.
Para ficar aqui em Brasília, a pergunta é: por que a Câmara dos Deputados precisa de 513 cadeiras? E por que o Senado deve ter três senadores para cada unidade da Federação?
O Brasil tem 203 milhões de habitantes. Nos Estados Unidos, a população é de 315 milhões. Em Washington, o órgão equivalente à Câmara de Deputados tem 435 assentos. Os norte-americanos elegem apenas dois senadores por Estado, e não três.
Com mais de 20 partidos num Congresso com 513 deputados e 81 senadores, há quase sempre muito alarido improdutivo e poucos debates relevantes. No início dos anos 1960, a Câmara tinha 404 cadeiras. Veio a democracia e chegou-se agora aos incríveis 513 deputados federais.
O número pode crescer. A Constituição diz que nenhum Estado terá menos de 8 nem mais de 70 deputados. Em tese, se a população for aumentando (é esse o indicador para distribuir vagas), um dia poderá haver uma Câmara com mais de mil deputados. O horror, o horror.
É mínima a chance de vingar tal despautério. Hoje, ninguém tem coragem de defender a ideia em público. No futuro, quem sabe? Essa brecha demonstra como ainda é imperfeita a democracia no Brasil.
BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral fez uma nova divisão das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados entre os 26 Estados e o Distrito Federal. O Congresso não gostou e recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
Essa disputa poderia reabrir o debate sobre a assimetria nas representações --o fato de um voto de Roraima (com 8 deputados e 500 mil habitantes) valer muito mais que um voto de São Paulo (70 deputados e 44 milhões habitantes). É quase impossível que os políticos aceitem consertar essa anomalia.
Mas há outro aspecto ainda menos debatido sobre a composição do Poder Legislativo. Trata-se do tamanho da representação nas "Casas do Povo", tanto no nível federal como nos âmbitos estaduais e municipais.
Para ficar aqui em Brasília, a pergunta é: por que a Câmara dos Deputados precisa de 513 cadeiras? E por que o Senado deve ter três senadores para cada unidade da Federação?
O Brasil tem 203 milhões de habitantes. Nos Estados Unidos, a população é de 315 milhões. Em Washington, o órgão equivalente à Câmara de Deputados tem 435 assentos. Os norte-americanos elegem apenas dois senadores por Estado, e não três.
Com mais de 20 partidos num Congresso com 513 deputados e 81 senadores, há quase sempre muito alarido improdutivo e poucos debates relevantes. No início dos anos 1960, a Câmara tinha 404 cadeiras. Veio a democracia e chegou-se agora aos incríveis 513 deputados federais.
O número pode crescer. A Constituição diz que nenhum Estado terá menos de 8 nem mais de 70 deputados. Em tese, se a população for aumentando (é esse o indicador para distribuir vagas), um dia poderá haver uma Câmara com mais de mil deputados. O horror, o horror.
É mínima a chance de vingar tal despautério. Hoje, ninguém tem coragem de defender a ideia em público. No futuro, quem sabe? Essa brecha demonstra como ainda é imperfeita a democracia no Brasil.
Decreto agride democracia representativa - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/05
É no Congresso que se criam mecanismos de participação da sociedade em decisões de governo. Criar esses instrumentos na base da canetada é golpe de gabinete
A democracia representativa, com a escolha dos representantes da sociedade pelo voto direto, bem como a independência entre os Poderes, é alvo prioritário do autoritarismo político. A desmontagem do regime representativo costuma começar pela criação de mecanismos de “democracia direta”, para reduzir o peso do Congresso na condução do país.
É por este ângulo que deve ser analisado o surpreendente decreto nº 8.243, baixado na sexta-feira da semana passada pela presidente Dilma, para criar a “Política Nacional de Participação Social — PNPS". O objetivo é subtrair espaço do Legislativo por meio de comissões, conselhos, ouvidorias, “mesas de diálogo”, conferências nacionais, várias novas instâncias a serem criadas junto à administração direta e até estatais, sempre em nome da participação social. Sintomático que a PNPS esteja subordinada ao ministro secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, representante dos ditos “movimentos sociais” no Planalto. Há várias surpresas no ousado ato. A primeira, rever o regime de democracia representativa por decreto.
Mecanismos de participação do cidadão em decisões de governo são um tema em debate no mundo, para se aperfeiçoar a democracia representativa. Plebiscitos e referendos têm sido usados com frequência em democracias maduras como a americana. Os próprios avanços tecnológicos no mundo digital são ferramenta importante para aproximar a sociedade do Estado. Mas não se avança nesta direção por decreto, algo como um golpe de Estado na base da canetada.
Outra surpresa, até pela ousadia, é que o decreto formaliza em lei a estratégia antiga de aparelhamento da máquina pública por aliados político-ideológicos do PT. Pois não é difícil imaginar os critérios pelos quais serão escolhidos os representantes da “sociedade civil” para participar de comissões, fóruns, mesas etc. Um dos resultados desta infiltração de partidos e grupos no Estado tem sido, cabe lembrar, casos de corrupção e desmandos, como os denunciados na Petrobras.
O sentido autoritário do decreto denuncia sua origem. Ele sai dos mesmos laboratórios petistas que engendraram a "assembleia constituinte exclusiva" a fim de fazer a reforma política — atalho para se mudar a Constituição ao bel-prazer de minorias militantes —, surge das mesmas cabeças que tentaram controlar o conteúdo da produção audiovisual do país via Ancinav, bem como patrulhar os jornalistas profissionais por meio de um conselho paraestatal. Tem a mesma origem dos idealizadores da “regulação da mídia”.
Além de tudo, a PNPS tornará ainda mais impenetrável a burocracia pública, já uma enorme barreira à retomada de investimentos. Ou seja, também na economia, o decreto vai na contramão de tudo o que o país necessita.
O assunto precisa ser discutido com urgência no Congresso e levado ao Supremo pelo Ministério Público e/ou instituições da sociedade.
É no Congresso que se criam mecanismos de participação da sociedade em decisões de governo. Criar esses instrumentos na base da canetada é golpe de gabinete
A democracia representativa, com a escolha dos representantes da sociedade pelo voto direto, bem como a independência entre os Poderes, é alvo prioritário do autoritarismo político. A desmontagem do regime representativo costuma começar pela criação de mecanismos de “democracia direta”, para reduzir o peso do Congresso na condução do país.
É por este ângulo que deve ser analisado o surpreendente decreto nº 8.243, baixado na sexta-feira da semana passada pela presidente Dilma, para criar a “Política Nacional de Participação Social — PNPS". O objetivo é subtrair espaço do Legislativo por meio de comissões, conselhos, ouvidorias, “mesas de diálogo”, conferências nacionais, várias novas instâncias a serem criadas junto à administração direta e até estatais, sempre em nome da participação social. Sintomático que a PNPS esteja subordinada ao ministro secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, representante dos ditos “movimentos sociais” no Planalto. Há várias surpresas no ousado ato. A primeira, rever o regime de democracia representativa por decreto.
Mecanismos de participação do cidadão em decisões de governo são um tema em debate no mundo, para se aperfeiçoar a democracia representativa. Plebiscitos e referendos têm sido usados com frequência em democracias maduras como a americana. Os próprios avanços tecnológicos no mundo digital são ferramenta importante para aproximar a sociedade do Estado. Mas não se avança nesta direção por decreto, algo como um golpe de Estado na base da canetada.
Outra surpresa, até pela ousadia, é que o decreto formaliza em lei a estratégia antiga de aparelhamento da máquina pública por aliados político-ideológicos do PT. Pois não é difícil imaginar os critérios pelos quais serão escolhidos os representantes da “sociedade civil” para participar de comissões, fóruns, mesas etc. Um dos resultados desta infiltração de partidos e grupos no Estado tem sido, cabe lembrar, casos de corrupção e desmandos, como os denunciados na Petrobras.
O sentido autoritário do decreto denuncia sua origem. Ele sai dos mesmos laboratórios petistas que engendraram a "assembleia constituinte exclusiva" a fim de fazer a reforma política — atalho para se mudar a Constituição ao bel-prazer de minorias militantes —, surge das mesmas cabeças que tentaram controlar o conteúdo da produção audiovisual do país via Ancinav, bem como patrulhar os jornalistas profissionais por meio de um conselho paraestatal. Tem a mesma origem dos idealizadores da “regulação da mídia”.
Além de tudo, a PNPS tornará ainda mais impenetrável a burocracia pública, já uma enorme barreira à retomada de investimentos. Ou seja, também na economia, o decreto vai na contramão de tudo o que o país necessita.
O assunto precisa ser discutido com urgência no Congresso e levado ao Supremo pelo Ministério Público e/ou instituições da sociedade.
O PIB do fracasso - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 31/05
A economia brasileira vai continuar anêmica, sem fôlego para crescer como outros emergentes e sem força, ainda por um bom tempo, para enfrentar os principais competidores. O Brasil seguirá perdendo o jogo por falta de eficiência e de capacidade produtiva.
Esta é a pior notícia embutida nas contas nacionais do primeiro trimestre, balanço de um desempenho abaixo de pífio, com crescimento de apenas 0,2% em relação aos três meses finais de 2013. Projetada para um ano, essa taxa corresponde a pouco mais de 0,8%, em termos acumulados, mas até esse resultado já parece acima das possibilidades, segundo alguns analistas. Mas o detalhe mais negativo é outro: o País permanece condenado a crescer muito menos do que poderia, se fosse governado com alguma competência, porque a taxa de investimento produtivo, já muito baixa nos últimos anos, voltou a cair.
Nos primeiros três meses deste ano o governo e o setor privado investiram em máquinas, equipamentos, instalações e obras de infraestrutura apenas 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção, um ano antes, era de 18,2%. Em outros emergentes essa proporção raramente fica abaixo de 24% e em muitos casos passa de 30%. Na China, tem superado os 40%.
Uma comparação mais completa, e até mais negativa para o Brasil, deveria incluir os números e a qualidade da mão de obra disponível. Não basta gastar mais em educação e promover a multiplicação de vagas de grau superior, se a formação é ruim nos cursos fundamental e médio e a maior parte das faculdades produz mais diplomas do que competências.
O investimento em queda e a indústria estagnada são os detalhes mais assustadores do quadro divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os novos números do Produto Interno Bruto. A taxa de investimento chegou a 19,5% no primeiro trimestre de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff ainda se acomodava no gabinete principal do Palácio do Planalto. Caiu, a partir daí, para 18,8%, nos primeiros três meses de 2012; para 18,2%, um ano depois; e para 17,7%, no trimestre inicial de 2014.
A queda comprova mais uma vez o fracasso, nada surpreendente, da estratégia seguida neste governo e em parte implantada no governo anterior. Falhou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O plano de concessões de infraestrutura, mal concebido e mal executado, demorou a deslanchar e pouco avançou. Os financiamentos com recursos federais privilegiaram grandes empresas do próprio governo e grupos selecionados para tornar-se campeões. Os estímulos fiscais beneficiaram indústrias selecionadas e favoreceram muito mais o consumo do que a produção. O sistema tributário, irracional e absurdamente oneroso, permaneceu quase intacto. Enquanto isso, o governo continuou gastando, intervindo na economia de forma desastrada e perdendo credibilidade.
O péssimo desempenho da indústria, com recuo de 0,8% nos primeiros três meses e crescimento de apenas 2,1% em quatro trimestres, também mostra a falência de um estilo de política econômica. O protecionismo foi incapaz de impedir a conquista de fatias crescentes do mercado interno pelos produtores estrangeiros. Além disso, seria inútil como instrumento de competitividade para os fabricantes nacionais atuarem no mercado externo. Isso foi sempre óbvio. Mas o governo, com apoio de parte do empresariado, preferiu reeditar um modelo defensável, há décadas, quando ainda tinha sentido falar de indústria nascente.
Mais uma vez a agropecuária impediu um desastre maior. Sua produção no primeiro trimestre foi 3,6% maior que nos três últimos meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento acumulado chegou a 4,8%, enquanto a expansão do PIB total continuou em 2,5%, a mesma taxa de 2013. Este é o número revisto. O dado anterior (2,3%) foi revisto depois de atualizada a pesquisa do setor industrial. Essa atualização pouco afetou o quadro geral do ano passado e as perspectivas deste ano. A estatística melhorou, mas a política é tão ruim quanto antes.
Esta é a pior notícia embutida nas contas nacionais do primeiro trimestre, balanço de um desempenho abaixo de pífio, com crescimento de apenas 0,2% em relação aos três meses finais de 2013. Projetada para um ano, essa taxa corresponde a pouco mais de 0,8%, em termos acumulados, mas até esse resultado já parece acima das possibilidades, segundo alguns analistas. Mas o detalhe mais negativo é outro: o País permanece condenado a crescer muito menos do que poderia, se fosse governado com alguma competência, porque a taxa de investimento produtivo, já muito baixa nos últimos anos, voltou a cair.
Nos primeiros três meses deste ano o governo e o setor privado investiram em máquinas, equipamentos, instalações e obras de infraestrutura apenas 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção, um ano antes, era de 18,2%. Em outros emergentes essa proporção raramente fica abaixo de 24% e em muitos casos passa de 30%. Na China, tem superado os 40%.
Uma comparação mais completa, e até mais negativa para o Brasil, deveria incluir os números e a qualidade da mão de obra disponível. Não basta gastar mais em educação e promover a multiplicação de vagas de grau superior, se a formação é ruim nos cursos fundamental e médio e a maior parte das faculdades produz mais diplomas do que competências.
O investimento em queda e a indústria estagnada são os detalhes mais assustadores do quadro divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os novos números do Produto Interno Bruto. A taxa de investimento chegou a 19,5% no primeiro trimestre de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff ainda se acomodava no gabinete principal do Palácio do Planalto. Caiu, a partir daí, para 18,8%, nos primeiros três meses de 2012; para 18,2%, um ano depois; e para 17,7%, no trimestre inicial de 2014.
A queda comprova mais uma vez o fracasso, nada surpreendente, da estratégia seguida neste governo e em parte implantada no governo anterior. Falhou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O plano de concessões de infraestrutura, mal concebido e mal executado, demorou a deslanchar e pouco avançou. Os financiamentos com recursos federais privilegiaram grandes empresas do próprio governo e grupos selecionados para tornar-se campeões. Os estímulos fiscais beneficiaram indústrias selecionadas e favoreceram muito mais o consumo do que a produção. O sistema tributário, irracional e absurdamente oneroso, permaneceu quase intacto. Enquanto isso, o governo continuou gastando, intervindo na economia de forma desastrada e perdendo credibilidade.
O péssimo desempenho da indústria, com recuo de 0,8% nos primeiros três meses e crescimento de apenas 2,1% em quatro trimestres, também mostra a falência de um estilo de política econômica. O protecionismo foi incapaz de impedir a conquista de fatias crescentes do mercado interno pelos produtores estrangeiros. Além disso, seria inútil como instrumento de competitividade para os fabricantes nacionais atuarem no mercado externo. Isso foi sempre óbvio. Mas o governo, com apoio de parte do empresariado, preferiu reeditar um modelo defensável, há décadas, quando ainda tinha sentido falar de indústria nascente.
Mais uma vez a agropecuária impediu um desastre maior. Sua produção no primeiro trimestre foi 3,6% maior que nos três últimos meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento acumulado chegou a 4,8%, enquanto a expansão do PIB total continuou em 2,5%, a mesma taxa de 2013. Este é o número revisto. O dado anterior (2,3%) foi revisto depois de atualizada a pesquisa do setor industrial. Essa atualização pouco afetou o quadro geral do ano passado e as perspectivas deste ano. A estatística melhorou, mas a política é tão ruim quanto antes.
Sobre cotas e concursos - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 31/05
Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades, elas não são por si mesmas soluções definitivas
Parece ganhar força a ideia de que a resolução de problemas complexos como a desigualdade racial pode ser conseguida através da aplicação de políticas de cotas. Prova disso é o projeto de lei estabelecendo reserva de 20% das vagas em concursos de órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União para quem se autodeclarar negro. A medida, apresentada pelo Executivo, foi aprovado na semana passada pelo Senado durante votação simbólica e agora aguarda a sanção presidencial.
Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades ou corrigir injustiças, não se deve acreditar que elas sejam por si mesmas soluções definitivas. Ao contrário, quando não aplicadas de forma adequada, as políticas afirmativas, em especial as de cotas, podem criar distorções perigosas na sociedade. O Brasil é marcado pelo alto grau de miscigenação racial de sua população a ponto de em muitos casos ser difícil para uma pessoa se autodeclarar como negra ou branca. Ao institucionalizar a divisão da sociedade pela cor da pele – critério básico para definir quem será ou não beneficiado pelas cotas – cria-se uma distinção que não faz parte da cultura nacional.
Certamente não se pode negar que a escravidão deixou resquícios difíceis de ser apagados. Isso pode ser comprovado facilmente quando se percebe que a população negra ocupa menos espaços nas universidades, ocupam espaços menos nobres do mercado de trabalho. No serviço público federal, por exemplo, segundo dados do Ministério do Planejamento, a participação dos negros gira em torno de 30%. Se o Estado pode atuar para minimizar essa desigualdade, deve fazê-lo, mas buscando soluções reais. E no caso da desigualdade racial, o problema não é tanto a cor da pele, mas sim a falta de oportunidade.
Mesmo que existam casos – felizmente não tão frequentes – em que a discriminação racial é o impeditivo real de progresso ou ascensão social, o fator determinante ainda é a questão educacional. Sem recursos para conseguir uma educação de excelência – escolas públicas, como se sabe, nem sempre oferecem ensino de qualidade –, pobres, independentemente da cor da pele, com pouca qualificação mantêm-se em empregos com menor ganho salarial, e têm poucas oportunidades de ascender socialmente. Nesse sentido, como já defendemos em outras ocasiões, se a preocupação do governo for mesmo diminuir a desigualdade racial de forma definitiva, faria melhor se oferecesse a todos os brasileiros, sejam negros, brancos ou indígenas, uma educação de qualidade, o que proporcionaria condições mais equânimes de ascensão social. Além de garantir a qualidade do ensino, a universalização do acesso à educação superior também é uma maneira de se promover a diminuição da desigualdade e as cotas, sociais ou raciais, podem ser usadas como uma ferramenta auxiliar para isso.
Sejam sociais ou raciais, as políticas de cotas devem sempre respeitar as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; ser provisórias e vir acompanhadas de outras medidas acessórias que garantam a efetiva resolução do problema e com o tempo tornem a própria política afirmativa desnecessária. No caso das cotas raciais em concursos, embora exista a previsão de que se trata de uma medida provisória – o projeto estabelece o vigor da lei em dez anos – não há menção a outras ações para incentivar o aumento da proporção de negros atuando no serviço público. Achar que as cotas por si só bastam beira, na melhor das hipóteses, a ingenuidade ou, na pior, a puro marketing eleitoreiro.
Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades, elas não são por si mesmas soluções definitivas
Parece ganhar força a ideia de que a resolução de problemas complexos como a desigualdade racial pode ser conseguida através da aplicação de políticas de cotas. Prova disso é o projeto de lei estabelecendo reserva de 20% das vagas em concursos de órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União para quem se autodeclarar negro. A medida, apresentada pelo Executivo, foi aprovado na semana passada pelo Senado durante votação simbólica e agora aguarda a sanção presidencial.
Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades ou corrigir injustiças, não se deve acreditar que elas sejam por si mesmas soluções definitivas. Ao contrário, quando não aplicadas de forma adequada, as políticas afirmativas, em especial as de cotas, podem criar distorções perigosas na sociedade. O Brasil é marcado pelo alto grau de miscigenação racial de sua população a ponto de em muitos casos ser difícil para uma pessoa se autodeclarar como negra ou branca. Ao institucionalizar a divisão da sociedade pela cor da pele – critério básico para definir quem será ou não beneficiado pelas cotas – cria-se uma distinção que não faz parte da cultura nacional.
Certamente não se pode negar que a escravidão deixou resquícios difíceis de ser apagados. Isso pode ser comprovado facilmente quando se percebe que a população negra ocupa menos espaços nas universidades, ocupam espaços menos nobres do mercado de trabalho. No serviço público federal, por exemplo, segundo dados do Ministério do Planejamento, a participação dos negros gira em torno de 30%. Se o Estado pode atuar para minimizar essa desigualdade, deve fazê-lo, mas buscando soluções reais. E no caso da desigualdade racial, o problema não é tanto a cor da pele, mas sim a falta de oportunidade.
Mesmo que existam casos – felizmente não tão frequentes – em que a discriminação racial é o impeditivo real de progresso ou ascensão social, o fator determinante ainda é a questão educacional. Sem recursos para conseguir uma educação de excelência – escolas públicas, como se sabe, nem sempre oferecem ensino de qualidade –, pobres, independentemente da cor da pele, com pouca qualificação mantêm-se em empregos com menor ganho salarial, e têm poucas oportunidades de ascender socialmente. Nesse sentido, como já defendemos em outras ocasiões, se a preocupação do governo for mesmo diminuir a desigualdade racial de forma definitiva, faria melhor se oferecesse a todos os brasileiros, sejam negros, brancos ou indígenas, uma educação de qualidade, o que proporcionaria condições mais equânimes de ascensão social. Além de garantir a qualidade do ensino, a universalização do acesso à educação superior também é uma maneira de se promover a diminuição da desigualdade e as cotas, sociais ou raciais, podem ser usadas como uma ferramenta auxiliar para isso.
Sejam sociais ou raciais, as políticas de cotas devem sempre respeitar as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; ser provisórias e vir acompanhadas de outras medidas acessórias que garantam a efetiva resolução do problema e com o tempo tornem a própria política afirmativa desnecessária. No caso das cotas raciais em concursos, embora exista a previsão de que se trata de uma medida provisória – o projeto estabelece o vigor da lei em dez anos – não há menção a outras ações para incentivar o aumento da proporção de negros atuando no serviço público. Achar que as cotas por si só bastam beira, na melhor das hipóteses, a ingenuidade ou, na pior, a puro marketing eleitoreiro.
Círculo do cinismo - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 31/05
A cena se repete. Fosse num país minimamente cioso da coerência de seus políticos, quem sabe a encarássemos como "pegadinha" televisiva, ou até como alguma espécie de superstição inócua para garantir a boa sorte nas eleições.
Não. Apresenta-se como aliança real, mais uma vez, o conluio entre um candidato petista e o PP de Paulo Maluf com vistas a uma migalha de tempo no horário eleitoral.
É Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde, quem repete agora o papel de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e atual prefeito da capital, na pantomima das confraternizações com o tradicional figurão da política paulista.
O beija-mão de Haddad a Maluf, nas eleições para prefeito dois anos atrás, foi patrocinado por Lula. Desta vez, o ex-presidente faltou à cerimônia, deixando aos coadjuvantes o encargo pelas declarações de maior impacto.
Padilha tomou a palavra, enaltecendo as "contribuições" que o PP tem a dar nessa aliança. Além do minuto a mais no rádio e na TV, é difícil, contudo, saber que contribuições seriam essas --para nada dizer do que será exigido em troca.
Seria, por exemplo, na área de segurança pública? A habitual truculência de Paulo Maluf no trato dessa questão foi rememorada quando o ex-governador criticou a prevalência do crime organizado nas penitenciárias estaduais.
Estas se transformaram, disse Maluf, num "escritório" de facções criminosas. A denúncia não é absurda, mas tem sua dose de exagero. Também há reuniões desse tipo fora dos presídios; mais precisamente, segundo recente notícia, na sede de uma cooperativa de transportes, com a presença de um deputado estadual petista.
Mencione-se o fato para apontar uma bizarra reviravolta política. Em outros tempos, parecia ser o PT quem sacrificava seu antigo discurso "socialista" e "anticorrupção" ao buscar apoio de Maluf.
Estranhamente, agora é o lado malufista --com sua notória perspectiva policialesca-- que, depois de "contribuir" com o governo Geraldo Alckmin (PSDB), precisa fazer vista grossa. Completa-se, assim, um círculo de cinismo, em que todos se dão as mãos.
A cena se repete. Fosse num país minimamente cioso da coerência de seus políticos, quem sabe a encarássemos como "pegadinha" televisiva, ou até como alguma espécie de superstição inócua para garantir a boa sorte nas eleições.
Não. Apresenta-se como aliança real, mais uma vez, o conluio entre um candidato petista e o PP de Paulo Maluf com vistas a uma migalha de tempo no horário eleitoral.
É Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde, quem repete agora o papel de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e atual prefeito da capital, na pantomima das confraternizações com o tradicional figurão da política paulista.
O beija-mão de Haddad a Maluf, nas eleições para prefeito dois anos atrás, foi patrocinado por Lula. Desta vez, o ex-presidente faltou à cerimônia, deixando aos coadjuvantes o encargo pelas declarações de maior impacto.
Padilha tomou a palavra, enaltecendo as "contribuições" que o PP tem a dar nessa aliança. Além do minuto a mais no rádio e na TV, é difícil, contudo, saber que contribuições seriam essas --para nada dizer do que será exigido em troca.
Seria, por exemplo, na área de segurança pública? A habitual truculência de Paulo Maluf no trato dessa questão foi rememorada quando o ex-governador criticou a prevalência do crime organizado nas penitenciárias estaduais.
Estas se transformaram, disse Maluf, num "escritório" de facções criminosas. A denúncia não é absurda, mas tem sua dose de exagero. Também há reuniões desse tipo fora dos presídios; mais precisamente, segundo recente notícia, na sede de uma cooperativa de transportes, com a presença de um deputado estadual petista.
Mencione-se o fato para apontar uma bizarra reviravolta política. Em outros tempos, parecia ser o PT quem sacrificava seu antigo discurso "socialista" e "anticorrupção" ao buscar apoio de Maluf.
Estranhamente, agora é o lado malufista --com sua notória perspectiva policialesca-- que, depois de "contribuir" com o governo Geraldo Alckmin (PSDB), precisa fazer vista grossa. Completa-se, assim, um círculo de cinismo, em que todos se dão as mãos.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Quem é Eduardo Campos?”
Xuxa, após pedido de desculpas de político pelas grosserias do Pastor Eurico (PSB-PE)
BANCO SANTOS: ARQUIVADO INQUÉRITO CONTRA SARNEY
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu ontem à noite arquivar o inquérito policial sobre denúncia de que o senador José Sarney (PMDB-AP) teria se beneficiado de informação privilegiada para sacar R$ 2 milhões do Banco Santos, do seu amigo Edemar Cid Ferreira, na véspera da decretação de intervenção do Banco Central. O ministro deixa claro, em sua decisão, que nem sequer houve crime.
SEM IRREGULARIDADE
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, demonstrou que Sarney não praticou a irregularidade que lhe era imputada.
PGR: ARQUIVAMENTO
O procurador-geral Rodrigo Janot pediu o arquivamento do inquérito contra Sarney até porque o suposto crime prescreveu em 2010.
DE GALOCHA
A Prefeitura de Manaus (AM), que declarou estado de emergência, reza ao céus para que o Rio Negro dê uma trégua durante os jogos da Copa.
DATAS
Em outubro, Joaquim Barbosa, já ex-ministro do STF, faz 60 anos. Em outubro de 2015, Lula, seu criador arrependido, chega aos 70.
JUSTIÇA DE OLHO NO AMIGO ARGENTINO DE GABAS
A Justiça argentina está apertando o cerco contra Amado Boudou, vice de Cristina Kirchner, sobre quem pesam diversas acusações por abuso de influência para enriquecimento ilícito. Boudou é muito amigo do secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas. Na última visita que fez a Brasília, há dois anos, o vice-presidente argentino passeou por Brasília na garupa da moto do amigão Gabas.
DISPOSIÇÃO
O deputado Bruno Araújo topa disputar o governo de Pernambuco. Só falta o presidente do PSDB, Aécio Neves, bater o martelo.
ROUBADA
Os bravos policiais militares do Bope, que vão patrulhar as ruas do Rio, não têm culpa, mas já têm apelido nas ruas: Roubocopa.
PUXADOR DE VOTOS
O deputado Romário (PSB-RJ) sofre pressão para desistir do Senado e disputar a reeleição para, com seus votos, ajudar a bancada a crescer.
OPERAÇÃO ABAFA
Os maiores empreiteiros do País montam um “time dos sonhos” (para eles) de criminalistas, com a influência de um Marcio Thomaz Bastos, para tentar anular a Operação Lava Jato na Justiça.
UM A MENOS
O vice-presidente Michel Temer resolveu a confusão do PMDB do Piauí. O deputado Marcelo Castro, ligado ao líder na Câmara, Eduardo Cunha, anuncia segunda-feira que não é mais candidato a governador.
SEM NOÇÃO
Depois de dizer que sugeriu a Lula indicar um negro ao STF, mas não Joaquim Barbosa, o líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), pirou de vez: disse que o PIBinho de 0,2% é “positivo”.
CASO ENCERRADO
Para o Itamaraty, bastam os três meses sem salário como “castigo” para o embaixador Américo Fontenelle por assédio moral, sexual e homofobia no consulado-geral em Sidney (Austrália). Ele queria menos.
O CHAVISMO É AQUI
O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), tentará barrar decreto de Dilma criando “conselhos populares”, estrutura paralela ao Congresso. Para ele, é cópia do aparelhamento na Venezuela.
MEDO, DESINFORMAÇÃO...
Após embromar por dois dias, a assessoria do Itamaraty se recusou a informar o valor do seu orçamento para tecnologia. Com a má vontade habitual, ainda desafiou a coluna a usar a Lei de Acesso à Informação.
...E UM GRANDE EQUÍVOCO
Suspeitava-se que a invasão de hackers à internet do Itamaraty, há dias, decorreu da falta de investimentos do governo, mas quem ignora até o próprio custo não deve saber grande coisa sobre informática.
À BEIRA DO CAIS
Por falta de know-how e tecnologia, a Zona Franca de Manaus vai recrutar engenheiros argentinos para dar conta das importações marítimas da Argentina, diz o jornal Buenos Aires Herald.
BALDE DE PIPOCA
O pré-aposentado ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, já tem filme para alugar no primeiro fim de semana relax: “Um estranho no ninho”.
PODER SEM PUDOR
POLÍTICO TEM MOLA
Durante a apresentação do pífio relatório da CPI do Banestado, o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, era um deputado tucano e lamentou que "a montanha pariu um rato": só denunciou um político, o ex-prefeito paulistano Celso Pitta, para ele "um cachorro morto". O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), discordou na hora:
- Fundo do poço de político tem mola!
Xuxa, após pedido de desculpas de político pelas grosserias do Pastor Eurico (PSB-PE)
BANCO SANTOS: ARQUIVADO INQUÉRITO CONTRA SARNEY
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu ontem à noite arquivar o inquérito policial sobre denúncia de que o senador José Sarney (PMDB-AP) teria se beneficiado de informação privilegiada para sacar R$ 2 milhões do Banco Santos, do seu amigo Edemar Cid Ferreira, na véspera da decretação de intervenção do Banco Central. O ministro deixa claro, em sua decisão, que nem sequer houve crime.
SEM IRREGULARIDADE
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, demonstrou que Sarney não praticou a irregularidade que lhe era imputada.
PGR: ARQUIVAMENTO
O procurador-geral Rodrigo Janot pediu o arquivamento do inquérito contra Sarney até porque o suposto crime prescreveu em 2010.
DE GALOCHA
A Prefeitura de Manaus (AM), que declarou estado de emergência, reza ao céus para que o Rio Negro dê uma trégua durante os jogos da Copa.
DATAS
Em outubro, Joaquim Barbosa, já ex-ministro do STF, faz 60 anos. Em outubro de 2015, Lula, seu criador arrependido, chega aos 70.
JUSTIÇA DE OLHO NO AMIGO ARGENTINO DE GABAS
A Justiça argentina está apertando o cerco contra Amado Boudou, vice de Cristina Kirchner, sobre quem pesam diversas acusações por abuso de influência para enriquecimento ilícito. Boudou é muito amigo do secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas. Na última visita que fez a Brasília, há dois anos, o vice-presidente argentino passeou por Brasília na garupa da moto do amigão Gabas.
DISPOSIÇÃO
O deputado Bruno Araújo topa disputar o governo de Pernambuco. Só falta o presidente do PSDB, Aécio Neves, bater o martelo.
ROUBADA
Os bravos policiais militares do Bope, que vão patrulhar as ruas do Rio, não têm culpa, mas já têm apelido nas ruas: Roubocopa.
PUXADOR DE VOTOS
O deputado Romário (PSB-RJ) sofre pressão para desistir do Senado e disputar a reeleição para, com seus votos, ajudar a bancada a crescer.
OPERAÇÃO ABAFA
Os maiores empreiteiros do País montam um “time dos sonhos” (para eles) de criminalistas, com a influência de um Marcio Thomaz Bastos, para tentar anular a Operação Lava Jato na Justiça.
UM A MENOS
O vice-presidente Michel Temer resolveu a confusão do PMDB do Piauí. O deputado Marcelo Castro, ligado ao líder na Câmara, Eduardo Cunha, anuncia segunda-feira que não é mais candidato a governador.
SEM NOÇÃO
Depois de dizer que sugeriu a Lula indicar um negro ao STF, mas não Joaquim Barbosa, o líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), pirou de vez: disse que o PIBinho de 0,2% é “positivo”.
CASO ENCERRADO
Para o Itamaraty, bastam os três meses sem salário como “castigo” para o embaixador Américo Fontenelle por assédio moral, sexual e homofobia no consulado-geral em Sidney (Austrália). Ele queria menos.
O CHAVISMO É AQUI
O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), tentará barrar decreto de Dilma criando “conselhos populares”, estrutura paralela ao Congresso. Para ele, é cópia do aparelhamento na Venezuela.
MEDO, DESINFORMAÇÃO...
Após embromar por dois dias, a assessoria do Itamaraty se recusou a informar o valor do seu orçamento para tecnologia. Com a má vontade habitual, ainda desafiou a coluna a usar a Lei de Acesso à Informação.
...E UM GRANDE EQUÍVOCO
Suspeitava-se que a invasão de hackers à internet do Itamaraty, há dias, decorreu da falta de investimentos do governo, mas quem ignora até o próprio custo não deve saber grande coisa sobre informática.
À BEIRA DO CAIS
Por falta de know-how e tecnologia, a Zona Franca de Manaus vai recrutar engenheiros argentinos para dar conta das importações marítimas da Argentina, diz o jornal Buenos Aires Herald.
BALDE DE PIPOCA
O pré-aposentado ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, já tem filme para alugar no primeiro fim de semana relax: “Um estranho no ninho”.
PODER SEM PUDOR
POLÍTICO TEM MOLA
Durante a apresentação do pífio relatório da CPI do Banestado, o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, era um deputado tucano e lamentou que "a montanha pariu um rato": só denunciou um político, o ex-prefeito paulistano Celso Pitta, para ele "um cachorro morto". O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), discordou na hora:
- Fundo do poço de político tem mola!
sexta-feira, maio 30, 2014
A casa da crise - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 30/05
Na arquibancada, o pessoal sabe apenas que problemas existem, porque eles batem na sua porta e reclamam pedaços cada vez maiores de seus magros rendimentos
Como saiu no jornal, a economia do país começou o ano com os dois pés no freio. Para quem entende disso — o grupo de sábios que dominam essa área cheia de penhascos e precipícios —, o Produto Interno Bruto (ou seja, o conjunto de números que mostram o que o país produziu em bens e serviços) deverá ficar entre uma queda de 0,1% e uma alta de 0,3% no primeiro trimestre de 2014, em relação ao trimestre anterior.
Para a turma da arquibancada entender melhor: é um resultado pior do que tivemos nos últimos meses do ano passado. De quem é a culpa, partindo-se do princípio de que ela não pertence inteiramente aos gurus econômicos do governo?
Os especialistas que não trabalham para ele acusam o governo de cometer um grave erro estratégico: os gurus do Planalto estariam tentando incentivar a demanda — quando a gente está cansada de saber (ou simplesmente alega que está) que as dificuldades moram no lado da oferta. Traduzindo: numa baixa produtividade, que, por sua vez, seria resultado de um erro do governo, que concentrou esforços estimulando a procura de bens, quando o verdadeiro problema estaria na oferta. Segundo o pessoal que entende disso (e não trabalha para o Planalto), a pobre oferta sofre as consequências da baixa produtividade do país. Um problema que, pelo visto, é ignorado pelo pessoal do governo. Portanto, a crise teria nascido mesmo na miopia oficial.
Na já mencionada arquibancada, o pessoal sabe apenas que problemas existem, porque eles batem na sua porta e reclamam pedaços cada vez maiores de seus magros rendimentos. E, na área habitada pelos sábios que entendem de economia e não servem ao Planalto, há espaço para uma dose de perplexidade: com a produção em queda, a inflação costuma baixar — e isso não está acontecendo.
Fora do governo, alguns especialistas afirmam, obviamente, que as coisas podem melhorar se o governo partir, com uma mistura de audácia e bom senso, para uma política de reformas na política econômica. Parece óbvio e sensato — mas é importante não esquecer que essa previsão parte da constatação de que bom senso e audácia ainda não moram no Palácio do Planalto.
Crédito zero, pacote para carros - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 30/05
Total de empréstimos que não são bancados ou regulados pelo governo para de crescer
ACABOU O GÁS do crédito. Afora os empréstimos com dinheiros bancados ou regulados pelo governo, o total de empréstimos parou de crescer em abril, em relação ao ano passado, descontada a inflação. O total de dinheiro emprestado para a compra de carros, por exemplo, diminuiu. Atarantado e pressionado pelas montadoras, o governo discute um pacote a fim de arrumar dinheiro para financiamento de veículos (vide o final da coluna).
O total de crédito dito "livre", aquele dinheiro emprestado pelo mercado sem depender de regras e fundos estatais, crescera a 9,4% 2011, a 7,3% em 2012 e minguara ao ritmo de 1,8% de 2013. Nos 12 meses encerrados em abril passado, parou de crescer.
O crescimento restante dos empréstimos vem de recursos direcionados (como o do dinheiro da poupança para financiamentos imobiliários) e de bancos estatais (como os do BNDES), vitaminados na prática por fundos públicos financiados por meio de dívida pública.
Nos últimos 12 meses, o total do dinheiro emprestado (estoque de crédito) cresceu 6,7% (crescia ao ritmo de 11,5% em 2011).
Por que o crédito "livre" zerou e o total ainda cresce? Primeiro, porque o crédito direcionado é mais barato, claro, muitas vezes subsidiado, como o dinheiro emprestado a grandes empresas pelo BNDES, a taxas de juros reais negativas (menores que a inflação).
Segundo, porque os bancos privados e/ou comerciais estão na retranca, segurando empréstimos, pois temem calotes, dado o desempenho pífio da economia. Terceiro, porque os consumidores estão evitando fazer dívidas, pelo mesmo motivo dos bancos comerciais: prudência.
O crédito para pessoas físicas não entrou em colapso porque o mercado de financiamento imobiliário ainda vai muito bem, um nicho de que os bancos gostam: mais seguro, firmam relacionamentos longos com os clientes, o "funding" (origem dos recursos) é mais ou menos estável e em conta.
Em termos reais, cresceu quase 23% nos últimos 12 meses. Neste ano, o crescimento do crédito imobiliário foi responsável por quase 61% do total do dinheiro emprestado para pessoas físicas (sendo que o financiamento de imóveis responde apenas por 28% do crédito total para pessoas físicas).
O colapso do crédito para veículos, as férias coletivas e as ameaças de demissão anunciadas pelas montadoras devem levar o governo a anunciar algum pacote de estímulo.
A princípio, será um pacotinho de crédito. O governo permitiria que bancões maiores comprem os empréstimos concedidos pelos bancos das montadoras (isto é, passariam a receber as prestações, seriam os novos credores, abrindo espaço para os bancos das montadoras emprestarem mais).
Para tanto, o governo liberaria parte dos fundos que os bancos são obrigados a deixar parados no Banco Central (reservas compulsórias), um esquema usado vez e outra desde a crise de 2008.
No fundo, não faz muito sentido. Entenda-se: o Banco Central vinha elevando os juros justamente a fim de segurar o ritmo de crédito e, pois, o da economia. O governo abriria, assim, um buraco na represa do BC.
Enfim, pode não dar muito certo. Pode ser simplesmente que o crédito para carros esteja minguando porque as pessoas não queiram comprar mais carros.
Total de empréstimos que não são bancados ou regulados pelo governo para de crescer
ACABOU O GÁS do crédito. Afora os empréstimos com dinheiros bancados ou regulados pelo governo, o total de empréstimos parou de crescer em abril, em relação ao ano passado, descontada a inflação. O total de dinheiro emprestado para a compra de carros, por exemplo, diminuiu. Atarantado e pressionado pelas montadoras, o governo discute um pacote a fim de arrumar dinheiro para financiamento de veículos (vide o final da coluna).
O total de crédito dito "livre", aquele dinheiro emprestado pelo mercado sem depender de regras e fundos estatais, crescera a 9,4% 2011, a 7,3% em 2012 e minguara ao ritmo de 1,8% de 2013. Nos 12 meses encerrados em abril passado, parou de crescer.
O crescimento restante dos empréstimos vem de recursos direcionados (como o do dinheiro da poupança para financiamentos imobiliários) e de bancos estatais (como os do BNDES), vitaminados na prática por fundos públicos financiados por meio de dívida pública.
Nos últimos 12 meses, o total do dinheiro emprestado (estoque de crédito) cresceu 6,7% (crescia ao ritmo de 11,5% em 2011).
Por que o crédito "livre" zerou e o total ainda cresce? Primeiro, porque o crédito direcionado é mais barato, claro, muitas vezes subsidiado, como o dinheiro emprestado a grandes empresas pelo BNDES, a taxas de juros reais negativas (menores que a inflação).
Segundo, porque os bancos privados e/ou comerciais estão na retranca, segurando empréstimos, pois temem calotes, dado o desempenho pífio da economia. Terceiro, porque os consumidores estão evitando fazer dívidas, pelo mesmo motivo dos bancos comerciais: prudência.
O crédito para pessoas físicas não entrou em colapso porque o mercado de financiamento imobiliário ainda vai muito bem, um nicho de que os bancos gostam: mais seguro, firmam relacionamentos longos com os clientes, o "funding" (origem dos recursos) é mais ou menos estável e em conta.
Em termos reais, cresceu quase 23% nos últimos 12 meses. Neste ano, o crescimento do crédito imobiliário foi responsável por quase 61% do total do dinheiro emprestado para pessoas físicas (sendo que o financiamento de imóveis responde apenas por 28% do crédito total para pessoas físicas).
O colapso do crédito para veículos, as férias coletivas e as ameaças de demissão anunciadas pelas montadoras devem levar o governo a anunciar algum pacote de estímulo.
A princípio, será um pacotinho de crédito. O governo permitiria que bancões maiores comprem os empréstimos concedidos pelos bancos das montadoras (isto é, passariam a receber as prestações, seriam os novos credores, abrindo espaço para os bancos das montadoras emprestarem mais).
Para tanto, o governo liberaria parte dos fundos que os bancos são obrigados a deixar parados no Banco Central (reservas compulsórias), um esquema usado vez e outra desde a crise de 2008.
No fundo, não faz muito sentido. Entenda-se: o Banco Central vinha elevando os juros justamente a fim de segurar o ritmo de crédito e, pois, o da economia. O governo abriria, assim, um buraco na represa do BC.
Enfim, pode não dar muito certo. Pode ser simplesmente que o crédito para carros esteja minguando porque as pessoas não queiram comprar mais carros.
Pausa para respiro - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 30/05
O Banco Central não parece convencido de que o ciclo de alta dos juros básicos (Selic) tenha chegado ao limite de 11,0% ao ano, como o Copom deixou transparecer quarta-feira.
Isso ficou intencionalmente exposto no comunicado divulgado após a reunião presidida por Alexandre Tombini (foto): "neste momento", os juros ficam onde estão.
O comportamento dos preços nos próximos meses estará sujeito a tensões de qualidades diferentes. A primeira delas é a tendência à queda mensal da inflação. Até outubro, esperam-se números mais baixos do que o 0,67% registrado em abril.
A variação do IGP-M deste mês sobre o mês anterior veio negativa (-0,13%) - veja o Confira -, refletindo significativa redução de preços no atacado que, em mais algumas semanas, deverá ser repassada também para o varejo (custo de vida). Essa desaceleração deverá ser acusada também pelo IPCA deste e dos próximos três ou quatro meses.
Em contrapartida, a inflação medida em 12 meses deverá passar por bom período acima do teto da meta de inflação (acima de 6,5%), fator que, por si só, deve acionar movimentos defensivos em toda a economia, especialmente nos processos de indexação (correção automática de preços e valores), que, em princípio, deverão exigir contra-ataque por parte do Banco Central.
A outra tensão é o forte achatamento dos preços administrados, que correspondem a cerca de um quarto dos preços da cesta de consumo. Entre eles estão as tarifas de energia elétrica, dos combustíveis (gasolina, óleo diesel e gás) e dos transportes urbanos. É uma situação que cria distorções não só na cadeia de preços, mas, também, em segmentos vitais da economia, como o da energia elétrica e do petróleo. É o que leva os empresários e demais agentes da economia a prever um "destampamento", com impacto sobre toda a cadeia de produção e consumo, como o Banco Central avisou no Relatório de Inflação, de março.
O economista Nelson Barbosa, que até junho do ano passado foi o número dois do Ministério da Fazenda, prevê para 2015 uma inflação de nada menos que 7,5%, como apontou na entrevista publicada na edição de ontem do Estadão. É substancialmente mais do que os 6,0% apontados pelas cerca de 100 instituições auscultadas semanalmente pelo Banco Central na sua Pesquisa Focus. Mas Barbosa, que até outro dia esteve lá, sabe o que está em jogo e sabe como as decisões são tomadas. Ele tem lá suas razões para apostar nesse esticão bem mais alto. A mensagem é a de que, em atenção a razões unicamente eleitorais, o governo fará de tudo para não mexer nos preços administrados antes de novembro. No entanto, como não podem seguir represados por muito mais tempo, quando começar, o processo de realinhamento produzirá estragos inevitáveis no custo de vida.
Essas são as principais razões pelas quais o Banco Central não pode baixar a guarda. Tem de manter-se pronto para novas investidas contra os preços com a única arma de que dispõe, a política de juros - caso o governo continue com tão pouca disposição a fazer a sua parte nas administrações de suas despesas, como vem demonstrando.
O Banco Central não parece convencido de que o ciclo de alta dos juros básicos (Selic) tenha chegado ao limite de 11,0% ao ano, como o Copom deixou transparecer quarta-feira.
Isso ficou intencionalmente exposto no comunicado divulgado após a reunião presidida por Alexandre Tombini (foto): "neste momento", os juros ficam onde estão.
O comportamento dos preços nos próximos meses estará sujeito a tensões de qualidades diferentes. A primeira delas é a tendência à queda mensal da inflação. Até outubro, esperam-se números mais baixos do que o 0,67% registrado em abril.
A variação do IGP-M deste mês sobre o mês anterior veio negativa (-0,13%) - veja o Confira -, refletindo significativa redução de preços no atacado que, em mais algumas semanas, deverá ser repassada também para o varejo (custo de vida). Essa desaceleração deverá ser acusada também pelo IPCA deste e dos próximos três ou quatro meses.
Em contrapartida, a inflação medida em 12 meses deverá passar por bom período acima do teto da meta de inflação (acima de 6,5%), fator que, por si só, deve acionar movimentos defensivos em toda a economia, especialmente nos processos de indexação (correção automática de preços e valores), que, em princípio, deverão exigir contra-ataque por parte do Banco Central.
A outra tensão é o forte achatamento dos preços administrados, que correspondem a cerca de um quarto dos preços da cesta de consumo. Entre eles estão as tarifas de energia elétrica, dos combustíveis (gasolina, óleo diesel e gás) e dos transportes urbanos. É uma situação que cria distorções não só na cadeia de preços, mas, também, em segmentos vitais da economia, como o da energia elétrica e do petróleo. É o que leva os empresários e demais agentes da economia a prever um "destampamento", com impacto sobre toda a cadeia de produção e consumo, como o Banco Central avisou no Relatório de Inflação, de março.
O economista Nelson Barbosa, que até junho do ano passado foi o número dois do Ministério da Fazenda, prevê para 2015 uma inflação de nada menos que 7,5%, como apontou na entrevista publicada na edição de ontem do Estadão. É substancialmente mais do que os 6,0% apontados pelas cerca de 100 instituições auscultadas semanalmente pelo Banco Central na sua Pesquisa Focus. Mas Barbosa, que até outro dia esteve lá, sabe o que está em jogo e sabe como as decisões são tomadas. Ele tem lá suas razões para apostar nesse esticão bem mais alto. A mensagem é a de que, em atenção a razões unicamente eleitorais, o governo fará de tudo para não mexer nos preços administrados antes de novembro. No entanto, como não podem seguir represados por muito mais tempo, quando começar, o processo de realinhamento produzirá estragos inevitáveis no custo de vida.
Essas são as principais razões pelas quais o Banco Central não pode baixar a guarda. Tem de manter-se pronto para novas investidas contra os preços com a única arma de que dispõe, a política de juros - caso o governo continue com tão pouca disposição a fazer a sua parte nas administrações de suas despesas, como vem demonstrando.
Por que o BC parou de subir os juros? - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP - 30/05
Os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica e a inflação já bateram no teto
Depois de nove reuniões consecutivas aumentando os juros Selic, o Copom encerrou o ciclo de aperto monetário na última quarta feira, com voto unânime de seus membros.
Muitos analistas questionarão esta decisão com o argumento de que, apesar do choque de juros, a inflação em 12 meses deve continuar a subir nos próximos meses. A possibilidade de, em algum momento do segundo semestre, a taxa em 12 meses superar o chamado teto da banda é muito grande. Então por que parar?
Para mim, a decisão do Copom está correta, pois o objetivo principal desta escalada do custo do dinheiro era o de desacelerar a economia. A partir daí teríamos redução da demanda em mercados importantes como o de trabalho e o de serviços pessoais, aliviando assim as pressões inflacionárias.
E isto já ocorreu. Os juros mais altos agiram também de forma indireta sobre a inflação, na medida em que, ao atrair capitais financeiros de curto prazo, valorizam o real e reduzem a pressão do câmbio em outros setores como o de alimentos e de combustíveis.
Aliás, este foi o maior erro de previsão dos defensores do cenário chamado de TEMPESTADE PERFEITA, no momento em que as taxas de juros no primeiro mundo voltaram a flertar com seus níveis mais baixos no passado recente.
Os últimos indicadores de atividade econômica no Brasil --sejam eles relativos à atividade corrente ou às expectativas com o futuro-- têm mostrado uma desaceleração importante, talvez até assustadora.
Os mais atingidos são os chamados índices de expectativas, tanto os medidos junto aos empresários como os que quantificam os humores dos consumidores, e que mostram um cenário para o segundo semestre nada animador.
Outra informação que ficou disponível quando escrevia esta coluna --os dados sobre o mercado de crédito-- aponta também na direção de que os efeitos gerados pela freada dos juros já passaram do razoável.
A concessão de créditos a pessoas físicas pelos bancos públicos e privados está estagnada há mais de três anos e, quando medida na ponta, já apresenta taxas negativas de crescimento. Mais um dos vários foguetes auxiliares que turbinaram o crescimento dos anos Lula cai ao mar sem combustível.
Ou seja, os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica e a inflação já bateram no teto ao provocar uma reversão nos humores dos brasileiros.
Insistir no aumento dos juros só iria ter efeito sobre o nível de atividade, sem contribuir para uma queda maior na inflação. E como não se pode esperar que outros instrumentos de política econômica sejam acionados pelo governo, às vésperas das eleições, para auxiliar a política de juros, a decisão do Copom está coberta de boas razões.
A principal vitória da política de juros do BC foi a de ancorar as expectativas dos agentes econômicos e, com isto, evitar uma escalada da inflação que já dava sinais preocupantes. Mas seus resultados estarão limitados a isto, ficando para o próximo mandato presidencial em 2015 a responsabilidade --ou não-- de trazer os índices de inflação para níveis mais seguros.
O custo maior da política defensiva dos juros vai recair sobre a atividade econômica e também no humor de grande parte da sociedade no momento das eleições. Uma barbeiragem muito grande segundo o manual do político competente em administrar a economia com os olhos voltados para as eleições majoritárias. A regra deste pessoal é simples: apertar o cinto nos primeiros dois anos do mandato e soltá-lo depois.
O PIB do primeiro trimestre deste ano, que será conhecido quando esta coluna já tiver sido escrita, deve refletir o quadro descrito acima e mostrar um número medíocre da ordem de 1,2 % em 12 meses.
Os indicadores recentes que medem as expectativas dos agentes econômicos pioraram nos últimos meses, o que indica taxas de crescimento ainda mais baixas nos próximos meses. As previsões de analistas experientes já apontam para o ano de 2014 como um todo taxa de crescimento abaixo de 1,5%.
Os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica e a inflação já bateram no teto
Depois de nove reuniões consecutivas aumentando os juros Selic, o Copom encerrou o ciclo de aperto monetário na última quarta feira, com voto unânime de seus membros.
Muitos analistas questionarão esta decisão com o argumento de que, apesar do choque de juros, a inflação em 12 meses deve continuar a subir nos próximos meses. A possibilidade de, em algum momento do segundo semestre, a taxa em 12 meses superar o chamado teto da banda é muito grande. Então por que parar?
Para mim, a decisão do Copom está correta, pois o objetivo principal desta escalada do custo do dinheiro era o de desacelerar a economia. A partir daí teríamos redução da demanda em mercados importantes como o de trabalho e o de serviços pessoais, aliviando assim as pressões inflacionárias.
E isto já ocorreu. Os juros mais altos agiram também de forma indireta sobre a inflação, na medida em que, ao atrair capitais financeiros de curto prazo, valorizam o real e reduzem a pressão do câmbio em outros setores como o de alimentos e de combustíveis.
Aliás, este foi o maior erro de previsão dos defensores do cenário chamado de TEMPESTADE PERFEITA, no momento em que as taxas de juros no primeiro mundo voltaram a flertar com seus níveis mais baixos no passado recente.
Os últimos indicadores de atividade econômica no Brasil --sejam eles relativos à atividade corrente ou às expectativas com o futuro-- têm mostrado uma desaceleração importante, talvez até assustadora.
Os mais atingidos são os chamados índices de expectativas, tanto os medidos junto aos empresários como os que quantificam os humores dos consumidores, e que mostram um cenário para o segundo semestre nada animador.
Outra informação que ficou disponível quando escrevia esta coluna --os dados sobre o mercado de crédito-- aponta também na direção de que os efeitos gerados pela freada dos juros já passaram do razoável.
A concessão de créditos a pessoas físicas pelos bancos públicos e privados está estagnada há mais de três anos e, quando medida na ponta, já apresenta taxas negativas de crescimento. Mais um dos vários foguetes auxiliares que turbinaram o crescimento dos anos Lula cai ao mar sem combustível.
Ou seja, os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica e a inflação já bateram no teto ao provocar uma reversão nos humores dos brasileiros.
Insistir no aumento dos juros só iria ter efeito sobre o nível de atividade, sem contribuir para uma queda maior na inflação. E como não se pode esperar que outros instrumentos de política econômica sejam acionados pelo governo, às vésperas das eleições, para auxiliar a política de juros, a decisão do Copom está coberta de boas razões.
A principal vitória da política de juros do BC foi a de ancorar as expectativas dos agentes econômicos e, com isto, evitar uma escalada da inflação que já dava sinais preocupantes. Mas seus resultados estarão limitados a isto, ficando para o próximo mandato presidencial em 2015 a responsabilidade --ou não-- de trazer os índices de inflação para níveis mais seguros.
O custo maior da política defensiva dos juros vai recair sobre a atividade econômica e também no humor de grande parte da sociedade no momento das eleições. Uma barbeiragem muito grande segundo o manual do político competente em administrar a economia com os olhos voltados para as eleições majoritárias. A regra deste pessoal é simples: apertar o cinto nos primeiros dois anos do mandato e soltá-lo depois.
O PIB do primeiro trimestre deste ano, que será conhecido quando esta coluna já tiver sido escrita, deve refletir o quadro descrito acima e mostrar um número medíocre da ordem de 1,2 % em 12 meses.
Os indicadores recentes que medem as expectativas dos agentes econômicos pioraram nos últimos meses, o que indica taxas de crescimento ainda mais baixas nos próximos meses. As previsões de analistas experientes já apontam para o ano de 2014 como um todo taxa de crescimento abaixo de 1,5%.
O juiz da ação - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 30/05
O mais importante legado que Joaquim Barbosa deixa como ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é a construção sólida do relatório que quebrou um paradigma. Antes da Ação Penal 470, a convicção no país era que poderosos não seriam condenados nem cumpririam pena. A decisão foi colegiada, mas o mais decisivo para o resultado foi o trabalho do relator.
Aação era complexa, atingia o coração do poder do governo que o havia conduzido à mais alta corte do país. Joaquim Barbosa conseguiu separar convicções que eventualmente tivesse da sua função institucional. Fosse outro o caminho escolhido pelo relator, provavelmente o desfecho seria diferente.
O relatório de Joaquim Barbosa teve ainda o mérito de lembrar para todos os cidadão que acompanharam as longas e cansativas sessões do Supremo toda a urdidura que se deu dentro do governo envolvendo ministros, dirigentes partidários, parlamentares, publicitários e banqueiros para desviar dinheiro público. Como a engenharia financeira era complexa, se não fosse bem explicada, como ele o fez, a população poderia não entender. Os juízes decidem pelos autos, e não para a opinião pública, mas é melhor quando a maioria entende as sentenças.
A Ação Penal 470 é a mais importante decisão do STF em muitos anos. Ela será estudada, criará jurisprudência e abrirá novos caminhos para punir crimes de corrupção. Ela quebrou a cadeia da impunidade. Claro que nenhum caminho é uma reta. Há retrocessos. Podem ocorrer fatos como a incompreensível decisão do ministro Teori Zavaski na Operação Lava Jato. Ele recuou a jato da ordem de soltar todos os investigados, mas houve tempo para deixar do lado de fora das grades o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
O que ficará da sua passagem de uma década no Supremo não são as polêmicas, palavras ásperas trocadas com os colegas, nem mesmo a relação com os jornalistas. Sua marca será a de ter redigido um voto tão sólido juridicamente que mesmo os ministros que divergiam dele acompanharam no todo ou em parte o seu entendimento sobre os crimes cometidos no mensalão.
Ele tem ambições políticas, mas talvez não haja tempo para esse projeto agora. Talvez, também, ele nem tenha sucesso nesse caminho — se o buscar — apesar de ser hoje incentivado, por onde vai, por pessoas que pedem para que ele se candidate.
Entrou no Supremo no mesmo dia que Cezar Peluso e Ayres Britto, levando na cor da pele a marca de um ineditismo estranho. Num país com metade da população classificada como preta ou parda, ele foi o primeiro negro a ocupar o cargo de ministro. Sai, infelizmente, sendo o único até agora. Após entrar a primeira mulher, veio a segunda e a terceira. Ellen Gracie quebrou a barreira de vidro, forte, mas invisível, que impedia o avanço das mulheres naquela trincheira, apesar de continuar a hegemonia masculina. Joaquim Barbosa não foi seguido por outros negros, infelizmente. E, num país com a diversidade do Brasil, deveria ser normal, a ponto de sequer ser notado, que um negro ocupasse o posto de ministro do Supremo.
Esperava-se dele uma defesa das ações afirmativas, até porque ele é autor de um livro sobre o tema. No julgamento das cotas, no entanto, ele falou pouco e teve uma importância lateral. Não foi necessária sua mobilização. O voto do ministro Ricardo Lewandowski foi seguido por todos. Houve aprovação unânime da política. Ele foi mais um no meio de todo o colegiado. Melhor assim.
A sua aposentadoria precoce tem pelo menos o mérito de relembrar uma antiga tradição do Supremo que foi abandonada há alguns anos: a de que após exercer a presidência, o ministro deixava o STF. Isso permite uma renovação mais rápida da composição da corte. Por outro lado, num país de aposentados jovens, que precisa tanto mudar a mentalidade sobre a hora da retirada, não é bom reforçar o defeito ao se aposentar aos 59 anos.
A partir do fim de junho, o STF voltará a ser mais homogêneo e isso não é virtude. A diversidade de gênero, cor, regiões do país e origem social é o mais desejável num país como o Brasil. Mas o mais relevante da sua passagem pelo Supremo não foi o toque de diversidade que deu, mas as avenidas que abriu para que o país possa daqui para diante combater a corrupção.
O mais importante legado que Joaquim Barbosa deixa como ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é a construção sólida do relatório que quebrou um paradigma. Antes da Ação Penal 470, a convicção no país era que poderosos não seriam condenados nem cumpririam pena. A decisão foi colegiada, mas o mais decisivo para o resultado foi o trabalho do relator.
Aação era complexa, atingia o coração do poder do governo que o havia conduzido à mais alta corte do país. Joaquim Barbosa conseguiu separar convicções que eventualmente tivesse da sua função institucional. Fosse outro o caminho escolhido pelo relator, provavelmente o desfecho seria diferente.
O relatório de Joaquim Barbosa teve ainda o mérito de lembrar para todos os cidadão que acompanharam as longas e cansativas sessões do Supremo toda a urdidura que se deu dentro do governo envolvendo ministros, dirigentes partidários, parlamentares, publicitários e banqueiros para desviar dinheiro público. Como a engenharia financeira era complexa, se não fosse bem explicada, como ele o fez, a população poderia não entender. Os juízes decidem pelos autos, e não para a opinião pública, mas é melhor quando a maioria entende as sentenças.
A Ação Penal 470 é a mais importante decisão do STF em muitos anos. Ela será estudada, criará jurisprudência e abrirá novos caminhos para punir crimes de corrupção. Ela quebrou a cadeia da impunidade. Claro que nenhum caminho é uma reta. Há retrocessos. Podem ocorrer fatos como a incompreensível decisão do ministro Teori Zavaski na Operação Lava Jato. Ele recuou a jato da ordem de soltar todos os investigados, mas houve tempo para deixar do lado de fora das grades o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
O que ficará da sua passagem de uma década no Supremo não são as polêmicas, palavras ásperas trocadas com os colegas, nem mesmo a relação com os jornalistas. Sua marca será a de ter redigido um voto tão sólido juridicamente que mesmo os ministros que divergiam dele acompanharam no todo ou em parte o seu entendimento sobre os crimes cometidos no mensalão.
Ele tem ambições políticas, mas talvez não haja tempo para esse projeto agora. Talvez, também, ele nem tenha sucesso nesse caminho — se o buscar — apesar de ser hoje incentivado, por onde vai, por pessoas que pedem para que ele se candidate.
Entrou no Supremo no mesmo dia que Cezar Peluso e Ayres Britto, levando na cor da pele a marca de um ineditismo estranho. Num país com metade da população classificada como preta ou parda, ele foi o primeiro negro a ocupar o cargo de ministro. Sai, infelizmente, sendo o único até agora. Após entrar a primeira mulher, veio a segunda e a terceira. Ellen Gracie quebrou a barreira de vidro, forte, mas invisível, que impedia o avanço das mulheres naquela trincheira, apesar de continuar a hegemonia masculina. Joaquim Barbosa não foi seguido por outros negros, infelizmente. E, num país com a diversidade do Brasil, deveria ser normal, a ponto de sequer ser notado, que um negro ocupasse o posto de ministro do Supremo.
Esperava-se dele uma defesa das ações afirmativas, até porque ele é autor de um livro sobre o tema. No julgamento das cotas, no entanto, ele falou pouco e teve uma importância lateral. Não foi necessária sua mobilização. O voto do ministro Ricardo Lewandowski foi seguido por todos. Houve aprovação unânime da política. Ele foi mais um no meio de todo o colegiado. Melhor assim.
A sua aposentadoria precoce tem pelo menos o mérito de relembrar uma antiga tradição do Supremo que foi abandonada há alguns anos: a de que após exercer a presidência, o ministro deixava o STF. Isso permite uma renovação mais rápida da composição da corte. Por outro lado, num país de aposentados jovens, que precisa tanto mudar a mentalidade sobre a hora da retirada, não é bom reforçar o defeito ao se aposentar aos 59 anos.
A partir do fim de junho, o STF voltará a ser mais homogêneo e isso não é virtude. A diversidade de gênero, cor, regiões do país e origem social é o mais desejável num país como o Brasil. Mas o mais relevante da sua passagem pelo Supremo não foi o toque de diversidade que deu, mas as avenidas que abriu para que o país possa daqui para diante combater a corrupção.
O Partido do Crime - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 30/05
Em 2005, Luiz Moura assinou uma declaração de pobreza em juízo; em 2010, declarou patrimônio de R$ 5 milhões
Não se trata de um evento trivial. Luiz Moura (PT-SP), deputado estadual, foi surpreendido numa reunião na sede da Transcooper, uma cooperativa de vans e micro-ônibus, de que ele é presidente de honra, em companhia de 13 pessoas que, segundo a polícia, são ligadas ao PCC. Um assaltante de banco foragido participava do convescote. Segundo a polícia, o encontro tinha o objetivo de planejar novos incêndios contra ônibus na capital. Os veículos atacados pertencem invariavelmente a empresas privadas, nunca às tais cooperativas.
Moura integra o grupo político de Jilmar Tatto, deputado federal licenciado (PT-SP) e secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad. O próprio Tatto é muito influente nisso que já foi chamado "transporte clandestino", tornou-se "alternativo" e acabou sendo oficializado. Hoje, as cooperativas celebram contratos bilionários com a prefeitura.
Não há um só jornalista ou um só político de São Paulo que ignorem o fato de que o PCC se imiscuiu na área de transportes por meio de cooperativas. Em 2006, foi preso um sujeito chamado Luiz Carlos Efigênio Pacheco, então presidente da Cooper-Pam. Conhecido como "Pandora", o homem foi acusado de financiar uma tentativa de resgate de presos de uma cadeia de Santo André. Ele negou ligação com o crime organizado, mas disse que, por ordem de Tatto, então secretário de Transportes da gestão Marta Suplicy, levou para a sua cooperativa integrantes do PCC. O chefão petista repeliu as acusações. Só não pode repelir a sua óbvia proximidade com as ditas cooperativas e o incentivo que deu, ao longo de sua carreira, a essa, vá lá, "modalidade de transporte".
Há muito tempo a PF já deveria ter se interessado por esse assunto --e não só em São Paulo. Seja o deputado Luiz Moura culpado ou não --já volto a seu caso--, o transporte público tem sido uma das portas de entrada do crime organizado no Estado brasileiro. O setor está se transformando numa lavanderia do dinheiro sujo, com tentáculos no Executivo e no Legislativo. Para saltar para o Judiciário, se é que já não ocorreu, é questão de tempo.
Agora volto a Moura. Na quarta-feira, o deputado discursou na Assembleia Legislativa. Ele se disse inocente e afirmou que está sendo perseguido pela imprensa. Entenda-se por "imprensa", leitor amigo, aquela gente que decide noticiar o que é notícia, o que costuma incomodar os companheiros, daí que eles tenham convencido a presidente Dilma a abraçar a tese da "regulação da mídia". Li, na quinta, nesta Folha, a seguinte declaração de Moura: "Hoje, a imprensa, indiscriminadamente, noticia que fui um ladrão, que fui um assaltante, sempre relembrando o passado. E a Constituição é muito clara: diz que todo o cidadão tem o direito de se recuperar".
Bem, em primeiro lugar, ele realmente foi "ladrão e assaltante". E não cumpriu os 12 anos de pena a que foi condenado porque fugiu. No dia 5 de janeiro de 2005, ao obter o perdão judicial --e isso também foi noticiado--, assinou uma declaração de pobreza em juízo, afirmando "ser pobre na acepção legal do termo, não tendo, portanto, condições de prover as custas e demais despesas processuais e o ressarcimento da vítima, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família". Tadinho!
Quatro anos depois, ele já era dono de um posto de gasolina onde funcionava um caça-níqueis. Ao concorrer a deputado federal, em 2010, declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 5.125.587,92 (mais de R$ 1 milhão por ano, desde aquela sua pobreza fabulosa). Pergunta: agora que é milionário, fez alguma coisa para "ressarcir a vítima"?
No PT, Moura já não é um qualquer. Na sua festança de aniversário, a figura de destaque foi Alexandre Padilha, ex-ministro e pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. Discursou com entusiasmo. Se Padilha vencer, Moura poderá ajudá-lo a cuidar da área de transportes, como ajudou Marta Suplicy e Fernando Haddad. Está em sua honrada biografia.
Em 2005, Luiz Moura assinou uma declaração de pobreza em juízo; em 2010, declarou patrimônio de R$ 5 milhões
Não se trata de um evento trivial. Luiz Moura (PT-SP), deputado estadual, foi surpreendido numa reunião na sede da Transcooper, uma cooperativa de vans e micro-ônibus, de que ele é presidente de honra, em companhia de 13 pessoas que, segundo a polícia, são ligadas ao PCC. Um assaltante de banco foragido participava do convescote. Segundo a polícia, o encontro tinha o objetivo de planejar novos incêndios contra ônibus na capital. Os veículos atacados pertencem invariavelmente a empresas privadas, nunca às tais cooperativas.
Moura integra o grupo político de Jilmar Tatto, deputado federal licenciado (PT-SP) e secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad. O próprio Tatto é muito influente nisso que já foi chamado "transporte clandestino", tornou-se "alternativo" e acabou sendo oficializado. Hoje, as cooperativas celebram contratos bilionários com a prefeitura.
Não há um só jornalista ou um só político de São Paulo que ignorem o fato de que o PCC se imiscuiu na área de transportes por meio de cooperativas. Em 2006, foi preso um sujeito chamado Luiz Carlos Efigênio Pacheco, então presidente da Cooper-Pam. Conhecido como "Pandora", o homem foi acusado de financiar uma tentativa de resgate de presos de uma cadeia de Santo André. Ele negou ligação com o crime organizado, mas disse que, por ordem de Tatto, então secretário de Transportes da gestão Marta Suplicy, levou para a sua cooperativa integrantes do PCC. O chefão petista repeliu as acusações. Só não pode repelir a sua óbvia proximidade com as ditas cooperativas e o incentivo que deu, ao longo de sua carreira, a essa, vá lá, "modalidade de transporte".
Há muito tempo a PF já deveria ter se interessado por esse assunto --e não só em São Paulo. Seja o deputado Luiz Moura culpado ou não --já volto a seu caso--, o transporte público tem sido uma das portas de entrada do crime organizado no Estado brasileiro. O setor está se transformando numa lavanderia do dinheiro sujo, com tentáculos no Executivo e no Legislativo. Para saltar para o Judiciário, se é que já não ocorreu, é questão de tempo.
Agora volto a Moura. Na quarta-feira, o deputado discursou na Assembleia Legislativa. Ele se disse inocente e afirmou que está sendo perseguido pela imprensa. Entenda-se por "imprensa", leitor amigo, aquela gente que decide noticiar o que é notícia, o que costuma incomodar os companheiros, daí que eles tenham convencido a presidente Dilma a abraçar a tese da "regulação da mídia". Li, na quinta, nesta Folha, a seguinte declaração de Moura: "Hoje, a imprensa, indiscriminadamente, noticia que fui um ladrão, que fui um assaltante, sempre relembrando o passado. E a Constituição é muito clara: diz que todo o cidadão tem o direito de se recuperar".
Bem, em primeiro lugar, ele realmente foi "ladrão e assaltante". E não cumpriu os 12 anos de pena a que foi condenado porque fugiu. No dia 5 de janeiro de 2005, ao obter o perdão judicial --e isso também foi noticiado--, assinou uma declaração de pobreza em juízo, afirmando "ser pobre na acepção legal do termo, não tendo, portanto, condições de prover as custas e demais despesas processuais e o ressarcimento da vítima, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família". Tadinho!
Quatro anos depois, ele já era dono de um posto de gasolina onde funcionava um caça-níqueis. Ao concorrer a deputado federal, em 2010, declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 5.125.587,92 (mais de R$ 1 milhão por ano, desde aquela sua pobreza fabulosa). Pergunta: agora que é milionário, fez alguma coisa para "ressarcir a vítima"?
No PT, Moura já não é um qualquer. Na sua festança de aniversário, a figura de destaque foi Alexandre Padilha, ex-ministro e pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. Discursou com entusiasmo. Se Padilha vencer, Moura poderá ajudá-lo a cuidar da área de transportes, como ajudou Marta Suplicy e Fernando Haddad. Está em sua honrada biografia.
O anticlímax - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 30/05
A antecipação da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa no Supremo tribunal Federal (STF), de notícia bombástica, foi transformada em anticlímax por decisão do próprio, o que fala bem dele. Não caiu na tentação de entrar para a política e anunciou sua saída de cena em momento em que ela não tem a menor importância para o jogo de interesses que está em plena ebulição nos bastidores partidários.
Se houvesse decidido concorrer, e poderia fazê-lo até mesmo à Presidência da República, teria sido mais criticado do que normalmente é, e todo seu trabalho como relator do processo do mensalão estaria colocado sob suspeição. Se permanecesse no STF até depois da eleição, talvez pudesse ser nomeado por um candidato oposicionista que eventualmente vença para um cargo qualquer, desde ministro até embaixador - dando o troco no Itamaraty que o reprovou, ele está convencido disso, por racismo.
Escolhido por Lula para representar a diversidade racial no Supremo, Joaquim Barbosa recusou-se a atuar como um preposto do presidente que o nomeara, e marcou sua presença no plenário do STF pela independência de posições e pelo desassombro verbal.
E entrará para a História do tribunal pela condução polêmica, mas eficiente, do processo do mensalão.
Poliglota, com formação nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa, lamentava que as pessoas não olhassem seu currículo, mas a cor de sua pele.
Ele sempre considerou inaceitável a interpretação que resultasse em penas mais leves nos casos em julgamento do mensalão, pela gravidade que via neles, e teve de enfrentar críticas de advogados, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos próprios pares, como o ministro Luís Roberto Barroso - que, entrando no julgamento em sua segunda fase, a dos embargos infringentes, acusou o plenário anterior do STF de exacerbar seletivamente as penas no caso de formação de quadrilha para deixar os condenados mais tempo em regime fechado, especialmente José Dirceu.
Já como presidente do Supremo, o ministro Joaquim Barbosa rebelou-se contra essa acusação, dizendo que Barroso fazia um discurso meramente político sob uma capa de tecnicalidade. Aproveitando que Barroso, ao explicar sua expressão "ponto fora da curva", disse que ela significava também - além da exacerbação das penas - "o rompimento com uma tradição de leniência e impunidade em relação a certo tipo de criminalidade política e financeira", Joaquim Barbosa aparteou-o dizendo que na prática, defendendo a prescrição do crime de quadrilha, Barroso estava sendo leniente com os crimes que parecia condenar em seu discurso político.
Barbosa encarnou para o cidadão comum a indignação contra a histórica impunidade das classes dirigentes no Brasil, o herói vingador em busca de Justiça, com a capa preta tradicional que lhe dava a aparência de um Batman tupiniquim.
As críticas de Barbosa ao sistema penal brasileiro, explicitadas em diversas ocasiões em entrevistas ou mesmo em declarações em meio aos julgamentos de que participava, explicam seu empenho em dar penas mais pesadas aos réus. Em sua opinião, o sistema penal brasileiro, é "risível". A preocupação com a prescrição de algumas penas, como a de lavagem de dinheiro, era realmente um dos objetivos da aplicação de pena maior por parte do relator Joaquim Barbosa, e ele chegou a admitir isso na discussão com Barroso.
Por isso, também, ele errou a mão ao tratar de certos assuntos, como a permissão para que o ex-todo poderoso Dirceu trabalhasse fora no regime semiaberto. Embora a legislação diga que somente depois de cumprir 1/6 da pena é que o condenado tem esse direito, a jurisprudência tem superado essa exigência há muitos anos, até mesmo pela impossibilidade de manter em cadeias apropriadas todos os condenados.
Todo o processo do julgamento do mensalão correspondeu a um avanço da cidadania, inclusive os bate-bocas ocorridos no plenário do STF transmitidos ao vivo e a cores pela TV Justiça. Até mesmo o grau de endeusamento a que foi levado o relator do processo, o ministro Barbosa, faz parte desse aperfeiçoamento de nossa democracia, que chegará um dia a não precisar de heróis.
Se houvesse decidido concorrer, e poderia fazê-lo até mesmo à Presidência da República, teria sido mais criticado do que normalmente é, e todo seu trabalho como relator do processo do mensalão estaria colocado sob suspeição. Se permanecesse no STF até depois da eleição, talvez pudesse ser nomeado por um candidato oposicionista que eventualmente vença para um cargo qualquer, desde ministro até embaixador - dando o troco no Itamaraty que o reprovou, ele está convencido disso, por racismo.
Escolhido por Lula para representar a diversidade racial no Supremo, Joaquim Barbosa recusou-se a atuar como um preposto do presidente que o nomeara, e marcou sua presença no plenário do STF pela independência de posições e pelo desassombro verbal.
E entrará para a História do tribunal pela condução polêmica, mas eficiente, do processo do mensalão.
Poliglota, com formação nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa, lamentava que as pessoas não olhassem seu currículo, mas a cor de sua pele.
Ele sempre considerou inaceitável a interpretação que resultasse em penas mais leves nos casos em julgamento do mensalão, pela gravidade que via neles, e teve de enfrentar críticas de advogados, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos próprios pares, como o ministro Luís Roberto Barroso - que, entrando no julgamento em sua segunda fase, a dos embargos infringentes, acusou o plenário anterior do STF de exacerbar seletivamente as penas no caso de formação de quadrilha para deixar os condenados mais tempo em regime fechado, especialmente José Dirceu.
Já como presidente do Supremo, o ministro Joaquim Barbosa rebelou-se contra essa acusação, dizendo que Barroso fazia um discurso meramente político sob uma capa de tecnicalidade. Aproveitando que Barroso, ao explicar sua expressão "ponto fora da curva", disse que ela significava também - além da exacerbação das penas - "o rompimento com uma tradição de leniência e impunidade em relação a certo tipo de criminalidade política e financeira", Joaquim Barbosa aparteou-o dizendo que na prática, defendendo a prescrição do crime de quadrilha, Barroso estava sendo leniente com os crimes que parecia condenar em seu discurso político.
Barbosa encarnou para o cidadão comum a indignação contra a histórica impunidade das classes dirigentes no Brasil, o herói vingador em busca de Justiça, com a capa preta tradicional que lhe dava a aparência de um Batman tupiniquim.
As críticas de Barbosa ao sistema penal brasileiro, explicitadas em diversas ocasiões em entrevistas ou mesmo em declarações em meio aos julgamentos de que participava, explicam seu empenho em dar penas mais pesadas aos réus. Em sua opinião, o sistema penal brasileiro, é "risível". A preocupação com a prescrição de algumas penas, como a de lavagem de dinheiro, era realmente um dos objetivos da aplicação de pena maior por parte do relator Joaquim Barbosa, e ele chegou a admitir isso na discussão com Barroso.
Por isso, também, ele errou a mão ao tratar de certos assuntos, como a permissão para que o ex-todo poderoso Dirceu trabalhasse fora no regime semiaberto. Embora a legislação diga que somente depois de cumprir 1/6 da pena é que o condenado tem esse direito, a jurisprudência tem superado essa exigência há muitos anos, até mesmo pela impossibilidade de manter em cadeias apropriadas todos os condenados.
Todo o processo do julgamento do mensalão correspondeu a um avanço da cidadania, inclusive os bate-bocas ocorridos no plenário do STF transmitidos ao vivo e a cores pela TV Justiça. Até mesmo o grau de endeusamento a que foi levado o relator do processo, o ministro Barbosa, faz parte desse aperfeiçoamento de nossa democracia, que chegará um dia a não precisar de heróis.
Manifestações no Estado de Direito - ARNALDO MALHEIROS FILHO
O ESTADÃO - 30/05
No último mês de janeiro tive a oportunidade de assistir a um espetáculo democrático em Paris. Num sábado, indo para um ponto de ônibus, vi um comunicado da companhia avisando que no dia seguinte, a partir das 14 horas, haveria um desvio das linhas que passavam por ali em razão de manifestações (“manif”, como eles dizem), mas a passeata seguiria por avenidas servidas pelo metrô. No dia seguinte, sem me dar conta, fui almoçar num restaurante no trajeto e vi a manifestação.
Era uma passeata de – segundo os organizadores – 200 mil pessoas, feita com aviso prévio à autoridade, num domingo, para prejudicar menos as pessoas, e sobre linhas do metrô, para não impedir a livre locomoção dos não manifestantes. E o principal: tinha povo, uma massa humana capaz de levar governantes e legisladores a pensar duas vezes no assunto.
Na década de 1980 o governo Margaret Thatcher enviou ao Parlamento inglês um projeto de lei que ficou conhecido como dos “cidadãos de segunda classe”. Pelo projeto, somente teria direito de fixar residência na ilha quem lá tivesse nascido, não os que haviam nascido nas colônias. Pois bem, os “cidadãos de segunda classe” convocaram manifestação para um domingo, dentro do Hyde Park, e levaram para lá 1 milhão de pessoas. Com esse número expressivo de gente, na segunda-feira o governo retirou o projeto e nunca mais falou nisso. Mais um exemplo de manifestação que mostra força popular e não atrapalha a vida das pessoas em geral.
Um dos piores restolhos do entulho autoritário é essa ideia generalizada de que democracia é um regime no qual não é necessário cumprir a lei, porque cada um é “livre” para fazer o que bem entender, pouco se importando se isso vai ou não violar direitos dos outros.
Logo após o 25 de Abril, que livrou os portugueses de uma ditadura muito mais longa que a nossa, contava-se uma piada de português (eles também contam de brasileiro, de modo que esse jogo empata). Um sujeito desembarcou no aeroporto de Lisboa e tomou um táxi para o hotel. Na chegada o motorista cobrou o triplo do que o taxímetro marcava e se iniciou uma discussão.
Um policial veio ver do que se tratava e o taxista explicou: “Este é um país livre e eu cobro quanto eu quero”. O guarda virou-se para o passageiro e disse: “O gajo tem razão, este é um país livre”. O passageiro retrucou: “Ah, é um país livre? Então eu só pago se quiser”. E foi a vez de o agente dizer ao taxista: “O gajo aí também tem razão”. Se isso fosse verdade, chegaríamos à conclusão de que a democracia é um regime em que é impossível viver.
Mas não é nada disso. Um Estado Democrático de Direito baseia-se, fundamentalmente, no respeito aos direitos de todos, estabelecendo um governo da maioria que é obrigado a proteger a minoria. É um regime em que a lei garante a todos os seus direitos, que devem ser sempre observados.
Claro que é sempre garantido o direito de protesto e manifestação, dentro de certos limites impostos pelos direitos alheios.
Vamos começar com o mais simples, que é a questão dos mascarados. Já ouvi pessoas dizendo que a polícia não pode deter um mascarado, nem impedi-lo de usar máscara, pois a lei não prevê que esse fato seja crime. Calma lá! A polícia não existe somente para reprimir crimes, mas também para preveni-los. O que diz a Constituição? “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (artigo 5.º, inciso IV). Ora, como pode alguém arrogar-se o direito de violar a Constituição? E por que alguém vai a manifestação usando máscara? Certamente para cometer crimes impunemente.
O assunto torna-se mais grave quando um grupinho de umas 200 pessoas (não 200 mil, como vi em Paris) resolve fechar uma artéria da cidade, frustrando o direito de ir e vir de milhões. Voltemos ao “livrinho”: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (artigo 5.º, inciso XVI). Ora, deixa-se de cumprir algo que a Constituição exige e as autoridades cruzam os braços, não estão nem aí!
Há mais na nossa Constituição, que é a bíblia do Estado Democrático de Direito. A propriedade e a segurança estão – ao lado da vida, da liberdade e da igualdade – entre os direitos fundamentais básicos (artigo 5.º, caput). Além disso, diz o artigo 144 que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio…”. E as autoridades assistem bovinamente à depredação de patrimônio público e privado sem exercer o poder que o direito lhes atribui para a garantia da vida social harmoniosa.
A greve é também um direito constitucionalmente assegurado, que não inclui a depredação do patrimônio alheio ou o fechamento de vias públicas.
Como escreveu o grande e saudoso professor Miguel Reale, em estudo seminal sobre filosofia do Direito Penal, de 1968, “a experiência jurídica (…) sendo sempre uma exigência de liberdade e uma constante escolha entre múltiplas alternativas, é em si mesma problemática, sendo tal problematicismo acentuado pela presença de um outro fator, não menos necessário, que é a exigência de autoridade capaz de assegurar e preservar a coexistência efetiva das liberdades e o bem-estar social” (Preliminares ao Estudo da Estrutura do Delito, destaques do autor).
Não é preciso ir à literatura jurídica para perceber isso. José Saramago o demonstra no Ensaio sobre a Cegueira, no momento em que a falta de autoridade traz o império da lei do mais forte.
Se o poder público continuar achando que dar flechada em policial faz parte da liberdade de manifestação do pensamento, este país logo se transformará em anarquia e partiremos para a desintegração social.
No último mês de janeiro tive a oportunidade de assistir a um espetáculo democrático em Paris. Num sábado, indo para um ponto de ônibus, vi um comunicado da companhia avisando que no dia seguinte, a partir das 14 horas, haveria um desvio das linhas que passavam por ali em razão de manifestações (“manif”, como eles dizem), mas a passeata seguiria por avenidas servidas pelo metrô. No dia seguinte, sem me dar conta, fui almoçar num restaurante no trajeto e vi a manifestação.
Era uma passeata de – segundo os organizadores – 200 mil pessoas, feita com aviso prévio à autoridade, num domingo, para prejudicar menos as pessoas, e sobre linhas do metrô, para não impedir a livre locomoção dos não manifestantes. E o principal: tinha povo, uma massa humana capaz de levar governantes e legisladores a pensar duas vezes no assunto.
Na década de 1980 o governo Margaret Thatcher enviou ao Parlamento inglês um projeto de lei que ficou conhecido como dos “cidadãos de segunda classe”. Pelo projeto, somente teria direito de fixar residência na ilha quem lá tivesse nascido, não os que haviam nascido nas colônias. Pois bem, os “cidadãos de segunda classe” convocaram manifestação para um domingo, dentro do Hyde Park, e levaram para lá 1 milhão de pessoas. Com esse número expressivo de gente, na segunda-feira o governo retirou o projeto e nunca mais falou nisso. Mais um exemplo de manifestação que mostra força popular e não atrapalha a vida das pessoas em geral.
Um dos piores restolhos do entulho autoritário é essa ideia generalizada de que democracia é um regime no qual não é necessário cumprir a lei, porque cada um é “livre” para fazer o que bem entender, pouco se importando se isso vai ou não violar direitos dos outros.
Logo após o 25 de Abril, que livrou os portugueses de uma ditadura muito mais longa que a nossa, contava-se uma piada de português (eles também contam de brasileiro, de modo que esse jogo empata). Um sujeito desembarcou no aeroporto de Lisboa e tomou um táxi para o hotel. Na chegada o motorista cobrou o triplo do que o taxímetro marcava e se iniciou uma discussão.
Um policial veio ver do que se tratava e o taxista explicou: “Este é um país livre e eu cobro quanto eu quero”. O guarda virou-se para o passageiro e disse: “O gajo tem razão, este é um país livre”. O passageiro retrucou: “Ah, é um país livre? Então eu só pago se quiser”. E foi a vez de o agente dizer ao taxista: “O gajo aí também tem razão”. Se isso fosse verdade, chegaríamos à conclusão de que a democracia é um regime em que é impossível viver.
Mas não é nada disso. Um Estado Democrático de Direito baseia-se, fundamentalmente, no respeito aos direitos de todos, estabelecendo um governo da maioria que é obrigado a proteger a minoria. É um regime em que a lei garante a todos os seus direitos, que devem ser sempre observados.
Claro que é sempre garantido o direito de protesto e manifestação, dentro de certos limites impostos pelos direitos alheios.
Vamos começar com o mais simples, que é a questão dos mascarados. Já ouvi pessoas dizendo que a polícia não pode deter um mascarado, nem impedi-lo de usar máscara, pois a lei não prevê que esse fato seja crime. Calma lá! A polícia não existe somente para reprimir crimes, mas também para preveni-los. O que diz a Constituição? “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (artigo 5.º, inciso IV). Ora, como pode alguém arrogar-se o direito de violar a Constituição? E por que alguém vai a manifestação usando máscara? Certamente para cometer crimes impunemente.
O assunto torna-se mais grave quando um grupinho de umas 200 pessoas (não 200 mil, como vi em Paris) resolve fechar uma artéria da cidade, frustrando o direito de ir e vir de milhões. Voltemos ao “livrinho”: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (artigo 5.º, inciso XVI). Ora, deixa-se de cumprir algo que a Constituição exige e as autoridades cruzam os braços, não estão nem aí!
Há mais na nossa Constituição, que é a bíblia do Estado Democrático de Direito. A propriedade e a segurança estão – ao lado da vida, da liberdade e da igualdade – entre os direitos fundamentais básicos (artigo 5.º, caput). Além disso, diz o artigo 144 que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio…”. E as autoridades assistem bovinamente à depredação de patrimônio público e privado sem exercer o poder que o direito lhes atribui para a garantia da vida social harmoniosa.
A greve é também um direito constitucionalmente assegurado, que não inclui a depredação do patrimônio alheio ou o fechamento de vias públicas.
Como escreveu o grande e saudoso professor Miguel Reale, em estudo seminal sobre filosofia do Direito Penal, de 1968, “a experiência jurídica (…) sendo sempre uma exigência de liberdade e uma constante escolha entre múltiplas alternativas, é em si mesma problemática, sendo tal problematicismo acentuado pela presença de um outro fator, não menos necessário, que é a exigência de autoridade capaz de assegurar e preservar a coexistência efetiva das liberdades e o bem-estar social” (Preliminares ao Estudo da Estrutura do Delito, destaques do autor).
Não é preciso ir à literatura jurídica para perceber isso. José Saramago o demonstra no Ensaio sobre a Cegueira, no momento em que a falta de autoridade traz o império da lei do mais forte.
Se o poder público continuar achando que dar flechada em policial faz parte da liberdade de manifestação do pensamento, este país logo se transformará em anarquia e partiremos para a desintegração social.
Joaquim - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 30/05
BRASÍLIA - A passagem do primeiro negro a ocupar e a presidir o Supremo Tribunal Federal foi, além de rápida, fulgurante e fora de padrão --como a sua própria biografia.
Levado pela mão de Lula como um troféu, para ser um negro dócil e agradecido, Joaquim Barbosa rebelou-se contra o papel e desnorteou o PT, o governo e os próprios pares. Mas, na avaliação correta de um juiz atento, Joaquim poderia ter sido simplesmente altivo e muitas vezes foi flagrantemente arrogante.
Muito dos seus adoradores acreditam, como o próprio Joaquim, que ele só conseguiu os resultados que conseguiu porque extrapolou, quebrou regras, confrontou os colegas. A fila é longa: Ricardo Lewandowski lidera, mas também Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes... Tivesse sido mais racional, mais sóbrio, talvez chegasse às mesmas conclusões --e com mais legitimidade.
Goste-se ou não de Joaquim, porém, ele pode ter sido o homem certo na hora certa: o irreverente e irascível capaz de conduzir o processo do mensalão para a história como um marco, um divisor de águas, na Justiça no Brasil. Ela não seria mais só para pretos, pobres e prostitutas; os criminosos de colarinho branco que pusessem as barbas de molho. Não há como negar: apavorou os poderosos e lavou a alma do povo brasileiro.
Sua renúncia começou a se delinear na "tarde triste" em que, abatido, com a voz cansada, assistiu impotente à derrota da tese de "quadrilha", chave no processo do mensalão. Como conviver como minoria num tribunal onde puxara a maioria? Como deixar de presidir e passar a ser presidido logo por Lewandowski?
A caminho da saída, Joaquim atropelou a estrela do mensalão, José Dirceu, mas não conseguiu o fecho de ouro que tanto queria: o julgamento das perdas pelos planos econômicos. Depois de subjugar poderosos da política, sonhava derrotar os bancos.
Com o adiamento, teve seu último chilique no STF, de onde sai para a história. E para flertar com a política.
BRASÍLIA - A passagem do primeiro negro a ocupar e a presidir o Supremo Tribunal Federal foi, além de rápida, fulgurante e fora de padrão --como a sua própria biografia.
Levado pela mão de Lula como um troféu, para ser um negro dócil e agradecido, Joaquim Barbosa rebelou-se contra o papel e desnorteou o PT, o governo e os próprios pares. Mas, na avaliação correta de um juiz atento, Joaquim poderia ter sido simplesmente altivo e muitas vezes foi flagrantemente arrogante.
Muito dos seus adoradores acreditam, como o próprio Joaquim, que ele só conseguiu os resultados que conseguiu porque extrapolou, quebrou regras, confrontou os colegas. A fila é longa: Ricardo Lewandowski lidera, mas também Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes... Tivesse sido mais racional, mais sóbrio, talvez chegasse às mesmas conclusões --e com mais legitimidade.
Goste-se ou não de Joaquim, porém, ele pode ter sido o homem certo na hora certa: o irreverente e irascível capaz de conduzir o processo do mensalão para a história como um marco, um divisor de águas, na Justiça no Brasil. Ela não seria mais só para pretos, pobres e prostitutas; os criminosos de colarinho branco que pusessem as barbas de molho. Não há como negar: apavorou os poderosos e lavou a alma do povo brasileiro.
Sua renúncia começou a se delinear na "tarde triste" em que, abatido, com a voz cansada, assistiu impotente à derrota da tese de "quadrilha", chave no processo do mensalão. Como conviver como minoria num tribunal onde puxara a maioria? Como deixar de presidir e passar a ser presidido logo por Lewandowski?
A caminho da saída, Joaquim atropelou a estrela do mensalão, José Dirceu, mas não conseguiu o fecho de ouro que tanto queria: o julgamento das perdas pelos planos econômicos. Depois de subjugar poderosos da política, sonhava derrotar os bancos.
Com o adiamento, teve seu último chilique no STF, de onde sai para a história. E para flertar com a política.
Pau e circo - NELSON MOTTA
O GLOBO - 30/05
Após sete anos, das 167 intervenções urbanas prometidas, só 68 estão prontas e 88 atrasadas, e Lula explicou: ‘Vai levar alguns séculos para a gente virar uma Alemanha’
‘Macaco que muito mexe quer chumbo” é um velho e sábio ditado mineiro sobre os perigos da superexposição e do exibicionismo, mas certamente nem passou pela cabeça de Lula e Ricardo Teixeira quando fizeram o diabo para trazer a Copa do Mundo para o Brasil, imaginando os benefícios políticos e comerciais e esquecendo os riscos e consequências de se colocar no centro das atenções do mundo como sede de um evento dessa grandeza. E veio chumbo grosso.
Recebidas como ofensas ao país, as críticas internacionais foram respondidas com bravatas grandiosas e apelos ao patriotismo paranoico, como se os estrangeiros só revelassem as mazelas e precariedades que estamos cansados de conhecer por maldade, inveja e má-fé, ou talvez por tenebrosas conspirações para atrapalhar a nossa Copa. É reserva de mercado: só nós podemos nos esculachar.
Mas, depois de sete anos, das 167 intervenções urbanas prometidas, só 68 estão prontas e 88 atrasadas, e Lula explicou tudo: “Vai levar alguns séculos para a gente virar uma Alemanha.”
O complexo de vira-latas também se caracteriza pela incapacidade de reconhecer erros, de responder a críticas e de tentar disfarçar o sentimento de inveja e inferioridade com a força bruta de hipérboles, bravatas e rosnados. Quando Nelson Rodrigues disse que a vitória na Copa de 1958 nos livrou do complexo de vira-latas, ao contrário de Dilma, não entendi que havíamos nos tornado cão de raça ou mesmo cachorro grande, mas que nos livrávamos do complexo porque nos assumíamos como vira-latas bons de bola.
Sim, a vira-latice étnica e cultural é uma de nossas características mais fortes, para o bem e para o mal, e isso não há Copa nem metáfora genial que mude. Nesse sentido, ninguém é mais vira-latas do que os americanos, que também são os cachorros grandes do mundo.
Outra expressão atual da vira-latice é a ostentação, como o novo estilo de funk que celebra a riqueza e o exibicionismo, com orgulho e sem vergonha. É a trilha sonora perfeita para o Brasil ostentação da propaganda oficial que nos mostra no melhor dos mundos e fazendo a Copa das Copas.
Macaco que muito mexe…
Esquerda e direita - DAVID COIMBRA
ZERO HORA - 30/05
Entre esquerda e direita, prefiro a esquerda. A esquerda faz uma ideia generosa da vida, de defesa do fraco contra o forte. Mas as pessoas de esquerda têm um defeito irritante: o hábito de julgar os outros por suas ideias. Para muitas pessoas de esquerda, quem não pensa como elas é desprezível.
Ideias têm alguma importância. Não muita. Conheço supremos canalhas que são esquerdistas perfeitos. O que torna um ser humano melhor não são suas ideias; são os seus sentimentos e o seu comportamento, sobretudo a forma como trata os outros seres humanos.
O Brasil é governado há meia geração por um partido de esquerda. O PT seria a nêmesis da ditadura militar, a direita mais renhida. Mas, olhando para um e outra, me espanto: como são parecidos! Hoje encontro gente agradecida ao PT pelos ótimos Bolsa Família, Minha Casa eProUni, e lembro que só cursei minha faculdade graças ao Crédito Educativo e que minha mãe só comprou nosso apartamento graças ao BNH. Deveríamos ser agradecidos à ditadura? Os dois, PT e ditadura, tentaram diminuir as diferenças sociais por meio de programas, não com mudanças de sistema.
Ambos, PT e ditadura, são desenvolvimentistas, o PAC é o PND. A ditadura fez a ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, a Freeway, o Pólo Petroquímico, a Usina de Itaipu. O PT quer fazer Belos Montes, compra usinas no Exterior, duplica a BR-101, planeja a segunda ponte do Guaíba, pretende terminar a transposição do São Francisco. Em Porto Alegre, a esquerda tem feroz apreço pelo 1 milhão e 400 mil árvores da cidade. Destas, 1 milhão e 100 mil foram plantadas na gestão de Socias Villela, prefeito nomeado pela ditadura. Na ditadura, a imprensa era censurada. O PT sonha com a censura disfarçada pelo "controle social da mídia". O PT e a ditadura são estatizantes, os dois apostaram na indústria automobilística como pilar de desenvolvimento e tiveram seus empresários-modelo, seja os financiadores da Oban nos anos 70, seja Eike e seus R$ 10 bilhões captados junto ao BNDES nos 2000.
Lula aproveitou o bom momento econômico internacional e fez o Brasil crescer até 7,5%. Semelhante a Médici, que levou o país a 10%. Depois de Médici, assim como depois de Lula, a economia virou. Seus sucessores, Geisel e Dilma, tiveram de enfrentar momentos delicados e um país em princípio de ruptura social. Sarney e Maluf, velhos próceres do PDS, o partido da ditadura, são eleitores entusiasmados do PT, embora Maluf reclame que o PT esteja à sua direita.
Mas nem a esquerda nem a direita aproveitaram seus bons momentos para fazer reformas estruturais. Quanto mais rico fica o Brasil, mais degenerado se torna como nação. Na ditadura e na gestão do PT, o Brasil melhorou para milhões de indivíduos; piorou como país. Foram medidas analgésicas, não curativas. Não por má intenção, diga-se. Houve, sim, vontade de fazer o melhor. Por isso, não me agradam petistas que não enxergam decência fora do PT e não me agrada quem chama os petistas de petralhas. Melhor seria se compreendessem que tanto à esquerda quanto à direita há gente, muita gente, que quer o bem do Brasil. É este o sentimento mais importante. Porque na prática, como se vê, não faz muita diferença.
Entre esquerda e direita, prefiro a esquerda. A esquerda faz uma ideia generosa da vida, de defesa do fraco contra o forte. Mas as pessoas de esquerda têm um defeito irritante: o hábito de julgar os outros por suas ideias. Para muitas pessoas de esquerda, quem não pensa como elas é desprezível.
Ideias têm alguma importância. Não muita. Conheço supremos canalhas que são esquerdistas perfeitos. O que torna um ser humano melhor não são suas ideias; são os seus sentimentos e o seu comportamento, sobretudo a forma como trata os outros seres humanos.
O Brasil é governado há meia geração por um partido de esquerda. O PT seria a nêmesis da ditadura militar, a direita mais renhida. Mas, olhando para um e outra, me espanto: como são parecidos! Hoje encontro gente agradecida ao PT pelos ótimos Bolsa Família, Minha Casa eProUni, e lembro que só cursei minha faculdade graças ao Crédito Educativo e que minha mãe só comprou nosso apartamento graças ao BNH. Deveríamos ser agradecidos à ditadura? Os dois, PT e ditadura, tentaram diminuir as diferenças sociais por meio de programas, não com mudanças de sistema.
Ambos, PT e ditadura, são desenvolvimentistas, o PAC é o PND. A ditadura fez a ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, a Freeway, o Pólo Petroquímico, a Usina de Itaipu. O PT quer fazer Belos Montes, compra usinas no Exterior, duplica a BR-101, planeja a segunda ponte do Guaíba, pretende terminar a transposição do São Francisco. Em Porto Alegre, a esquerda tem feroz apreço pelo 1 milhão e 400 mil árvores da cidade. Destas, 1 milhão e 100 mil foram plantadas na gestão de Socias Villela, prefeito nomeado pela ditadura. Na ditadura, a imprensa era censurada. O PT sonha com a censura disfarçada pelo "controle social da mídia". O PT e a ditadura são estatizantes, os dois apostaram na indústria automobilística como pilar de desenvolvimento e tiveram seus empresários-modelo, seja os financiadores da Oban nos anos 70, seja Eike e seus R$ 10 bilhões captados junto ao BNDES nos 2000.
Lula aproveitou o bom momento econômico internacional e fez o Brasil crescer até 7,5%. Semelhante a Médici, que levou o país a 10%. Depois de Médici, assim como depois de Lula, a economia virou. Seus sucessores, Geisel e Dilma, tiveram de enfrentar momentos delicados e um país em princípio de ruptura social. Sarney e Maluf, velhos próceres do PDS, o partido da ditadura, são eleitores entusiasmados do PT, embora Maluf reclame que o PT esteja à sua direita.
Mas nem a esquerda nem a direita aproveitaram seus bons momentos para fazer reformas estruturais. Quanto mais rico fica o Brasil, mais degenerado se torna como nação. Na ditadura e na gestão do PT, o Brasil melhorou para milhões de indivíduos; piorou como país. Foram medidas analgésicas, não curativas. Não por má intenção, diga-se. Houve, sim, vontade de fazer o melhor. Por isso, não me agradam petistas que não enxergam decência fora do PT e não me agrada quem chama os petistas de petralhas. Melhor seria se compreendessem que tanto à esquerda quanto à direita há gente, muita gente, que quer o bem do Brasil. É este o sentimento mais importante. Porque na prática, como se vê, não faz muita diferença.
Na hora certa - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 30/05
O ministro Joaquim Barbosa é impetuoso, não mede as palavras, bate de frente quando acha que deve bater e não foram poucas as ocasiões em que perdeu as estribeiras no Supremo Tribunal Federal.
Características mercuriais que aparentemente contrastam com a absoluta serenidade com que ele se manteve senhor da razão diante da popularidade jamais alcançada por um magistrado e dono do próprio tempo de sair de cena; soube ver a hora de fazê-lo antes do declínio que não raro se segue ao auge.
Deixar o Supremo antes da aposentadoria compulsória não é prática incomum. O decano da Corte, Celso de Mello, já anunciou que pretende antecipar a saída prevista para 2015. Nos últimos anos, por motivos diferentes, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Eros Grau se aposentaram quando ainda tinham tempo pela frente. Mas não houve comoção nem maiores especulações. Joaquim Barbosa é um caso peculiar.
Depois da atuação como relator no processo do mensalão e da passagem pela presidência do STF, que lhe conferiram notoriedade (nos melhores e nos piores dos sentidos, dependendo do ponto de vista), a volta dele como apenas mais um integrante do colegiado ficaria muito difícil. Nada poderia ser como antes. Pasta de dentes que não volta ao tubo.
De imediato, por dois anos estaria sob a presidência de Ricardo Lewandowski, seu mais ferrenho oponente durante o julgamento em que atuou como ministro revisor e cujos embates com Barbosa chegaram a ultrapassar limites de civilidade. De parte a parte, diga-se. Apenas um estava sempre no papel de algoz e outro ficava na posição de vítima.
Sem a presidência ou a autoridade da relatoria de um processo em que foi na maior parte dele irretorquível - basta ver que foi acompanhado pela maioria em quase todas as suas posições -, Barbosa ficaria bastante vulnerável. Os atritos que criou deixaram sequelas que não podiam ser resolvidas ali, enquanto ele estivesse no comando. Mas, depois, talvez o pusessem no rumo do isolamento, do desprestígio.
Diferentemente do ministro Marco Aurélio Mello, com vocação para a polêmica e prazer acadêmico de divergir, Joaquim Barbosa não é homem de aceitar com facilidade o contraditório. Não perde com o mesmo conforto daquele que, ao contrário, não abre mão do direito de ser voto vencido há mais de 20 anos.
Mais que questões de saúde - existentes nos 11 anos em que o ministro passou na Corte - a decisão, de resto anteriormente já anunciada embora sem data, parece ter sido pautada por um sexto sentido que lhe avisou: a missão está cumprida, chega.
O mesmo que o aconselhou a não cair na tentação de atender ao canto da sereia deste ou daquele partido interessado na sua popularidade para fazer do ministro um "puxador" de votos. Tivesse feito isso, teria passado recibo aos que o acusavam de ter dado condução política ao processo do mensalão.
Ademais, para entrar na política teria antes de abrir mão de boa parte de suas convicções. E, com elas, de sua reputação. Por essas e outras citadas acima, saiu na hora certa.
Mal-entendido. Acho que não me fiz entender, quando fiz reparos no artigo "Origem da espécie" à prática do ex-governador Eduardo Campos de atribuir todos os erros que vê no governo exclusivamente à presidente Dilma Rousseff, salvaguardando as duas gestões de Luiz Inácio da Silva.
Não quis dizer, aliás não disse, conforme interpretaram vários leitores, que o candidato do PSB atua como linha auxiliar do PT, muito menos insinuar que Campos poderia abrir mão da candidatura na hipótese de Lula substituir Dilma.
Para ficar bem entendido: a crítica referia-se ao fato de, por uma questão estratégica, o candidato ignorar o fato de que muitos dos defeitos apontados por ele tiveram origem nos governos de Lula.
O ministro Joaquim Barbosa é impetuoso, não mede as palavras, bate de frente quando acha que deve bater e não foram poucas as ocasiões em que perdeu as estribeiras no Supremo Tribunal Federal.
Características mercuriais que aparentemente contrastam com a absoluta serenidade com que ele se manteve senhor da razão diante da popularidade jamais alcançada por um magistrado e dono do próprio tempo de sair de cena; soube ver a hora de fazê-lo antes do declínio que não raro se segue ao auge.
Deixar o Supremo antes da aposentadoria compulsória não é prática incomum. O decano da Corte, Celso de Mello, já anunciou que pretende antecipar a saída prevista para 2015. Nos últimos anos, por motivos diferentes, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Eros Grau se aposentaram quando ainda tinham tempo pela frente. Mas não houve comoção nem maiores especulações. Joaquim Barbosa é um caso peculiar.
Depois da atuação como relator no processo do mensalão e da passagem pela presidência do STF, que lhe conferiram notoriedade (nos melhores e nos piores dos sentidos, dependendo do ponto de vista), a volta dele como apenas mais um integrante do colegiado ficaria muito difícil. Nada poderia ser como antes. Pasta de dentes que não volta ao tubo.
De imediato, por dois anos estaria sob a presidência de Ricardo Lewandowski, seu mais ferrenho oponente durante o julgamento em que atuou como ministro revisor e cujos embates com Barbosa chegaram a ultrapassar limites de civilidade. De parte a parte, diga-se. Apenas um estava sempre no papel de algoz e outro ficava na posição de vítima.
Sem a presidência ou a autoridade da relatoria de um processo em que foi na maior parte dele irretorquível - basta ver que foi acompanhado pela maioria em quase todas as suas posições -, Barbosa ficaria bastante vulnerável. Os atritos que criou deixaram sequelas que não podiam ser resolvidas ali, enquanto ele estivesse no comando. Mas, depois, talvez o pusessem no rumo do isolamento, do desprestígio.
Diferentemente do ministro Marco Aurélio Mello, com vocação para a polêmica e prazer acadêmico de divergir, Joaquim Barbosa não é homem de aceitar com facilidade o contraditório. Não perde com o mesmo conforto daquele que, ao contrário, não abre mão do direito de ser voto vencido há mais de 20 anos.
Mais que questões de saúde - existentes nos 11 anos em que o ministro passou na Corte - a decisão, de resto anteriormente já anunciada embora sem data, parece ter sido pautada por um sexto sentido que lhe avisou: a missão está cumprida, chega.
O mesmo que o aconselhou a não cair na tentação de atender ao canto da sereia deste ou daquele partido interessado na sua popularidade para fazer do ministro um "puxador" de votos. Tivesse feito isso, teria passado recibo aos que o acusavam de ter dado condução política ao processo do mensalão.
Ademais, para entrar na política teria antes de abrir mão de boa parte de suas convicções. E, com elas, de sua reputação. Por essas e outras citadas acima, saiu na hora certa.
Mal-entendido. Acho que não me fiz entender, quando fiz reparos no artigo "Origem da espécie" à prática do ex-governador Eduardo Campos de atribuir todos os erros que vê no governo exclusivamente à presidente Dilma Rousseff, salvaguardando as duas gestões de Luiz Inácio da Silva.
Não quis dizer, aliás não disse, conforme interpretaram vários leitores, que o candidato do PSB atua como linha auxiliar do PT, muito menos insinuar que Campos poderia abrir mão da candidatura na hipótese de Lula substituir Dilma.
Para ficar bem entendido: a crítica referia-se ao fato de, por uma questão estratégica, o candidato ignorar o fato de que muitos dos defeitos apontados por ele tiveram origem nos governos de Lula.
BC mais uma vez à espera da política fiscal - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/05
Há razões ponderáveis para o Copom suspender ciclo de elevação dos juros, mas, se os gastos continuarem em alta, a trégua não poderá se estender por muito tempo
Como a maioria dos analistas esperava, o Conselho de Política Monetária (Copom), formado por diretores do Banco Central, interrompeu o longo ciclo de nove aumentos sucessivos da taxa básica de juros, a Selic, mantendo-a em 11%.
Os motivos para esta decisão, tomada por unanimidade, são convincentes. Um deles, a baixa temperatura da economia, já refletida em alguns indicadores parciais e a ser confirmada hoje com a divulgação pelo IBGE do PIB do primeiro trimestre. Além disso, há uma relativa perda de fôlego da inflação, passada a pressão de preços dos alimentos, provocada pela seca do início do ano: o IPCA-15 de maio ficou em 0,58% contra 0,78% em abril.
Anualizado, o IPCA, até abril, chegou a 6,28%, se aproxima do teto da meta de 6,5% e deverá ultrapassá-lo, devido ao efeito estatístico da comparação com uma base mais baixa (2013).
Mas, como paira nos mercados a ideia de que o BC tem pouca autonomia no governo Dilma, não faltarão interpretações de que o Copom segue o calendário eleitoral. A favor da autoridade monetária, porém, existe, na nota liberada pelo Copom sobre a decisão tomada quarta-feira, a expressão “neste momento”, interpretada como alerta de que os juros podem voltar a ser remarcados para cima, no momento em que o BC detecte a volta de pressões inflacionárias perigosas. Acompanhemos.
Volta-se à questão de sempre: o resto do governo — leia-se, Ministério da Fazenda e o próprio Planalto — trabalhará a favor do BC, para evitar que a inflação ganhe velocidade?
Não se pode ser otimista na questão, diante do histórico deste conflito clássico no governo — e não apenas nos do PT —, em que ministros “gastadores” se digladiam com os responsáveis mais diretos pela estabilidade econômica. No passado, costumava ser o ministro da Fazenda, mas, desde a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega, em 2006, o BC tem ficado isolado na trincheira do combate à inflação, lutando com a única arma que tem: os juros.
Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em janeiro de 2003, a inflação anualizada voltara aos dois dígitos, devido à disparada do dólar, causada pela falta de confiança, nos mercados, num governo do PT. Lula percebeu a dimensão do perigo e permitiu que Palocci, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no BC, apertassem as políticas monetária (juros) e fiscal (gastos). Funcionou, como previsto.
Os tempos são muito outros. O líder do PT no Senado, por exemplo, Humberto Costa, pontificou, outro dia: “Inflação de 3% ao ano só é possível com aumento de juros, redução de gastos públicos e de investimentos, ampliação do superávit (primário) e desemprego” — um sandice. Como economia não é a especialidade do médico Humberto Costa, ele repete o que ouviu em algum gabinete em Brasília.
Há razões ponderáveis para o Copom suspender ciclo de elevação dos juros, mas, se os gastos continuarem em alta, a trégua não poderá se estender por muito tempo
Como a maioria dos analistas esperava, o Conselho de Política Monetária (Copom), formado por diretores do Banco Central, interrompeu o longo ciclo de nove aumentos sucessivos da taxa básica de juros, a Selic, mantendo-a em 11%.
Os motivos para esta decisão, tomada por unanimidade, são convincentes. Um deles, a baixa temperatura da economia, já refletida em alguns indicadores parciais e a ser confirmada hoje com a divulgação pelo IBGE do PIB do primeiro trimestre. Além disso, há uma relativa perda de fôlego da inflação, passada a pressão de preços dos alimentos, provocada pela seca do início do ano: o IPCA-15 de maio ficou em 0,58% contra 0,78% em abril.
Anualizado, o IPCA, até abril, chegou a 6,28%, se aproxima do teto da meta de 6,5% e deverá ultrapassá-lo, devido ao efeito estatístico da comparação com uma base mais baixa (2013).
Mas, como paira nos mercados a ideia de que o BC tem pouca autonomia no governo Dilma, não faltarão interpretações de que o Copom segue o calendário eleitoral. A favor da autoridade monetária, porém, existe, na nota liberada pelo Copom sobre a decisão tomada quarta-feira, a expressão “neste momento”, interpretada como alerta de que os juros podem voltar a ser remarcados para cima, no momento em que o BC detecte a volta de pressões inflacionárias perigosas. Acompanhemos.
Volta-se à questão de sempre: o resto do governo — leia-se, Ministério da Fazenda e o próprio Planalto — trabalhará a favor do BC, para evitar que a inflação ganhe velocidade?
Não se pode ser otimista na questão, diante do histórico deste conflito clássico no governo — e não apenas nos do PT —, em que ministros “gastadores” se digladiam com os responsáveis mais diretos pela estabilidade econômica. No passado, costumava ser o ministro da Fazenda, mas, desde a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega, em 2006, o BC tem ficado isolado na trincheira do combate à inflação, lutando com a única arma que tem: os juros.
Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em janeiro de 2003, a inflação anualizada voltara aos dois dígitos, devido à disparada do dólar, causada pela falta de confiança, nos mercados, num governo do PT. Lula percebeu a dimensão do perigo e permitiu que Palocci, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no BC, apertassem as políticas monetária (juros) e fiscal (gastos). Funcionou, como previsto.
Os tempos são muito outros. O líder do PT no Senado, por exemplo, Humberto Costa, pontificou, outro dia: “Inflação de 3% ao ano só é possível com aumento de juros, redução de gastos públicos e de investimentos, ampliação do superávit (primário) e desemprego” — um sandice. Como economia não é a especialidade do médico Humberto Costa, ele repete o que ouviu em algum gabinete em Brasília.