ZERO HORA - 20/10
As duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu, sentada atrás de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs, são amigas de infância, são colegas de trabalho, talvez até namoradas. Autografei o livro para uma, autografei depois o da outra, que eu estava ali a trabalho. E elas se cutucavam, cochichavam, tiravam fotos juntas, não se desgrudavam.
Me surpreendi com aquela alegria tão refrescante, já que o óbvio seria encontrá-las esmorecidas, ambas estavam há mais de uma hora numa fila que andava a passos lentos. A morosidade não era culpa minha, e sim da situação, mas mesmo assim me desculpei e agradeci: obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local teria conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas amizades. E saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas agora interlaçadas.
E já que tudo está interlaçado, no dia seguinte mesmo recebi um e-mail com uma sugestão de texto de uma senhora que não era nenhuma daquelas duas moças, mas que também havia feito uma amizade em uma fila: “Escreva sobre essa conspiração do destino: pessoas que se conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.
Eis-me aqui cumprindo ordens.
Não odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis. Não escapo de enfrentá-las em bancos, cinemas e em sessões de autógrafos de amigos escritores, mas não recordo de ter feito alguma nova amizade durante a espera. Ou fiz?
Sim, conversa-se em filas. Ainda mais se a fila for demorada e provocar queixas: dois irritados é o começo de uma rebelião. Tem uma rede de supermercado na cidade que me deixa com os nervos destruídos, quase já não a frequento, só em raríssimas ocasiões para comprar dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia meu espírito budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas plásticas que não resistem até a chegada em casa. Nem mesmo o cartaz avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande coisa. Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos clientes guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali amizades fraternas, mas ter uma raiva em comum já é um elo.
Desviei do assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de infância durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para realizar sua meta. Conclusão? Até das chatices se pode tirar algum proveito. As filas tornaram-se o novo bar – em frente dos quais, aliás, elas se formam também, longas, animadas, fervilhantes, não raro sendo a principal razão de se ter saído de casa.
domingo, outubro 20, 2013
A economia no brejo - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 20/10
Antecipada em um ano, a campanha eleitoral toma conta da cena nacional. A ela deve se aconchegar a economia, submeter-se humildemente aos interesses políticos dos candidatos orientados pelos marqueteiros que têm um único foco: ganhar eleição e ganhar eleição. Para isso vale sacrificar o que for preciso, inclusive o que foi penosamente conquistado, mas não tem visibilidade eleitoral e ainda carrega nomes esquisitos como câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação, o tripé que sustenta e dá fôlego à macroeconomia e foi alvo de contestações e debates, na última semana, entre os candidatos Marina Silva, Dilma Rousseff e Aécio Neves.
Do tripé, o mais frágil é o tal superávit primário (economia de dinheiro para pagar juros e conter a expansão da dívida pública). Afinal, ano eleitoral não serve para economizar dinheiro, serve é para gastar e, se faltar para o gasto, contraem-se novas dívidas, produz-se mais dinheiro. É tempo de festa. E, quanto mais animada e rica a festa, mais ludibriado é o eleitor, porque no fim de tudo é ele quem paga as despesas da alegria dos políticos.
A candidata do PT tem intensificado viagens pelo Brasil afora, inaugurando qualquer coisa, usando a máquina do governo para exibir realizações - algumas úteis, outras inúteis, inacabadas e capengas - e escondendo o que parou (a Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco, por exemplo). Viaja quase diariamente, faz discursos, dá entrevistas a rádios locais, mas jura que não transgride a lei que proíbe antecipar campanha eleitoral. O tucano Aécio Neves e a dupla Marina-Eduardo Campos não têm máquina pública nem obras para inaugurar, mas cutucam e provocam Dilma, a líder nas pesquisas, e passaram ainda a criticar-se entre si na disputa pelo segundo lugar. Com isso, garantem exposição pública. E nesse ringue político, o desmanche do tripé macroeconômico foi o tema mais concorrido na semana.
O maior inimigo eleitoral de Dilma tem sido - e será em 2014 - o fiasco no crescimento econômico. O alívio do 2.º trimestre (o PIB cresceu 1,5%) rapidamente desmoronou e hoje não há, nem mesmo no governo, quem projete uma taxa positiva para o 3.º trimestre. Com isso o PIB pode fechar 2013 em torno de 2%, bem abaixo dos 2,9% projetados para a economia mundial. Os maiores amigos da candidata têm sido a geração de empregos e o aumento da renda salarial (com fôlego mais lento, é verdade, mas ainda crescendo), além do Bolsa Família e outros programas sociais.
Mesmo com uma taxa de investimento patinando em ridículos 18%, Dilma demorou a "descobrir" o que é tão óbvio: sem investimentos, a economia dá pulos, mas não cresce continuamente. Aí ela partiu para um programa de privatizações em infraestrutura, prometendo resultados grandiosos. Mas tropeços, trapalhadas, mudanças, intervenções do governo não permitiram ao programa decolar até agora.
É com a privatização que ela vive o pior dos mundos. Primeiro, porque é - e será na campanha eleitoral - uma palavra maldita, que o PT tratou de demonizar no enfrentamento eleitoral com os tucanos, e agora, na troca de lado, vai responder a acusações que já começaram (o ex-governador José Serra denunciou que o governo entregará o petróleo do pré-sal para o governo da China e petroleiros em greve ameaçam impedir a participação de Dilma no leilão de amanhã). Em segundo lugar, porque o tratamento que a presidente tem dispensado aos potenciais investidores - ora os tratando como desumanos perseguidores de lucros, ora a eles se rendendo e satisfazendo seus lobbies - causou incertezas e inseguranças até jurídicas tal o zigue-zague de mudanças de regras e miúdas intervenções do governo nas licitações para tentar acertar o que nasceu errado.
É claro que essa atuação desnorteada de Dilma e equipe contribuiu para minar a credibilidade do governo e distanciar o capital privado dos projetos de investimento. Agora o ministro Guido Mantega tenta fazer acreditar que o modelo mudou e voltarão as regras que vigoraram no governo tucano, até o primeiro mandato de Lula. Mas está difícil de convencer.
Antecipada em um ano, a campanha eleitoral toma conta da cena nacional. A ela deve se aconchegar a economia, submeter-se humildemente aos interesses políticos dos candidatos orientados pelos marqueteiros que têm um único foco: ganhar eleição e ganhar eleição. Para isso vale sacrificar o que for preciso, inclusive o que foi penosamente conquistado, mas não tem visibilidade eleitoral e ainda carrega nomes esquisitos como câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação, o tripé que sustenta e dá fôlego à macroeconomia e foi alvo de contestações e debates, na última semana, entre os candidatos Marina Silva, Dilma Rousseff e Aécio Neves.
Do tripé, o mais frágil é o tal superávit primário (economia de dinheiro para pagar juros e conter a expansão da dívida pública). Afinal, ano eleitoral não serve para economizar dinheiro, serve é para gastar e, se faltar para o gasto, contraem-se novas dívidas, produz-se mais dinheiro. É tempo de festa. E, quanto mais animada e rica a festa, mais ludibriado é o eleitor, porque no fim de tudo é ele quem paga as despesas da alegria dos políticos.
A candidata do PT tem intensificado viagens pelo Brasil afora, inaugurando qualquer coisa, usando a máquina do governo para exibir realizações - algumas úteis, outras inúteis, inacabadas e capengas - e escondendo o que parou (a Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco, por exemplo). Viaja quase diariamente, faz discursos, dá entrevistas a rádios locais, mas jura que não transgride a lei que proíbe antecipar campanha eleitoral. O tucano Aécio Neves e a dupla Marina-Eduardo Campos não têm máquina pública nem obras para inaugurar, mas cutucam e provocam Dilma, a líder nas pesquisas, e passaram ainda a criticar-se entre si na disputa pelo segundo lugar. Com isso, garantem exposição pública. E nesse ringue político, o desmanche do tripé macroeconômico foi o tema mais concorrido na semana.
O maior inimigo eleitoral de Dilma tem sido - e será em 2014 - o fiasco no crescimento econômico. O alívio do 2.º trimestre (o PIB cresceu 1,5%) rapidamente desmoronou e hoje não há, nem mesmo no governo, quem projete uma taxa positiva para o 3.º trimestre. Com isso o PIB pode fechar 2013 em torno de 2%, bem abaixo dos 2,9% projetados para a economia mundial. Os maiores amigos da candidata têm sido a geração de empregos e o aumento da renda salarial (com fôlego mais lento, é verdade, mas ainda crescendo), além do Bolsa Família e outros programas sociais.
Mesmo com uma taxa de investimento patinando em ridículos 18%, Dilma demorou a "descobrir" o que é tão óbvio: sem investimentos, a economia dá pulos, mas não cresce continuamente. Aí ela partiu para um programa de privatizações em infraestrutura, prometendo resultados grandiosos. Mas tropeços, trapalhadas, mudanças, intervenções do governo não permitiram ao programa decolar até agora.
É com a privatização que ela vive o pior dos mundos. Primeiro, porque é - e será na campanha eleitoral - uma palavra maldita, que o PT tratou de demonizar no enfrentamento eleitoral com os tucanos, e agora, na troca de lado, vai responder a acusações que já começaram (o ex-governador José Serra denunciou que o governo entregará o petróleo do pré-sal para o governo da China e petroleiros em greve ameaçam impedir a participação de Dilma no leilão de amanhã). Em segundo lugar, porque o tratamento que a presidente tem dispensado aos potenciais investidores - ora os tratando como desumanos perseguidores de lucros, ora a eles se rendendo e satisfazendo seus lobbies - causou incertezas e inseguranças até jurídicas tal o zigue-zague de mudanças de regras e miúdas intervenções do governo nas licitações para tentar acertar o que nasceu errado.
É claro que essa atuação desnorteada de Dilma e equipe contribuiu para minar a credibilidade do governo e distanciar o capital privado dos projetos de investimento. Agora o ministro Guido Mantega tenta fazer acreditar que o modelo mudou e voltarão as regras que vigoraram no governo tucano, até o primeiro mandato de Lula. Mas está difícil de convencer.
Seus lances, senhores - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 20/10
Greves, protestos e declarações tardias contra o leilão das reservas de petróleo de Libra estão fora de foco. Os problemas são outros.
É o primeiro do pré-sal, no regime de partilha. Será realizado amanhã, no Rio, e envolverá jazida (veja o Entenda), equivalente à metade das reservas comprovadas do País, de 15,3 bilhões de barris. Dos 11 interessados, 9 depositaram as garantias exigidas, incluída aí a Petrobrás que, obrigatoriamente, participará com pelo menos 30% e será a única operadora. O bônus de assinatura está fixado em R$ 15 bilhões, o equivalente a 108% do lucro líquido da Petrobrás no primeiro semestre (R$ 13,9 bilhões), com que o governo pretende ajudar a pagar suas contas neste ano. Leva o leilão o consórcio que oferecer ao Tesouro o maior volume de óleo a ser produzido, a partir do mínimo de 41,65%. Com exceção da Shell, nenhuma das megaempresas do setor tiveram interesse.
O investimento pode elevar-se a R$ 500 bilhões, como avalia a consultoria IHS citada sexta-feira pelo jornal Valor Econômico. No seu nível máximo, Libra sozinha poderia trazer do subsolo 1,4 milhão de barris por dia, mais da metade da atual produção. É alta a probabilidade de que do consórcio vencedor tenha forte participação uma estatal chinesa. A presidente Dilma anunciara sua presença no evento, mas repentinamente a cancelou, talvez porque temesse que alguma coisa dê errado ou, então para, de alguma maneira, evitar de ser acusada de entreguismo "aos chineses" por suas bases de apoio, especialmente os sindicatos.
Essa crítica está acachapantemente equivocada. Se, pelos seus canais democráticos, o Brasil decidiu ser potência exportadora de petróleo, pouco importa se o comprador seja chinês, malaio, americano ou sul-africano.
Também não faz sentido argumentar que o petróleo seja só "nosso". O Brasil foi um quase permanente comprador e não se importou com a procedência do óleo aqui consumido: se dos árabes, dos russos ou dos nigerianos. Aqueles que defendem a intocabilidade das riquezas nacionais deveriam levar em conta que, mais cedo ou mais tarde, o petróleo deixará de ser a principal fonte de energia, como já aconteceu com o carvão. O risco é o de que o "nosso" permaneça deitado eternamente em berço esplêndido.
As críticas, não ao leilão, mas às novas regras do pré-sal estão corretas, mas não foram feitas por quem protesta agora nem pela oposição, que foi omissa. Foram feitas por técnicos e economistas.
É improvável que o regime de partilha traga mais benefícios para o Brasil do que o regime anterior, de concessão (veja o Entenda). E é grave erro exigir que a Petrobrás, que já não dá conta do que vem fazendo, participe de toda a exploração do pré-sal em pelo menos 30% e seja a única operadora.
Também não faz sentido tocar o leilão de qualquer jeito apenas porque o ministro Guido Mantega conta com os R$ 15 bilhões do bônus de assinatura para fechar as contas públicas deste ano.
Greves, protestos e declarações tardias contra o leilão das reservas de petróleo de Libra estão fora de foco. Os problemas são outros.
É o primeiro do pré-sal, no regime de partilha. Será realizado amanhã, no Rio, e envolverá jazida (veja o Entenda), equivalente à metade das reservas comprovadas do País, de 15,3 bilhões de barris. Dos 11 interessados, 9 depositaram as garantias exigidas, incluída aí a Petrobrás que, obrigatoriamente, participará com pelo menos 30% e será a única operadora. O bônus de assinatura está fixado em R$ 15 bilhões, o equivalente a 108% do lucro líquido da Petrobrás no primeiro semestre (R$ 13,9 bilhões), com que o governo pretende ajudar a pagar suas contas neste ano. Leva o leilão o consórcio que oferecer ao Tesouro o maior volume de óleo a ser produzido, a partir do mínimo de 41,65%. Com exceção da Shell, nenhuma das megaempresas do setor tiveram interesse.
O investimento pode elevar-se a R$ 500 bilhões, como avalia a consultoria IHS citada sexta-feira pelo jornal Valor Econômico. No seu nível máximo, Libra sozinha poderia trazer do subsolo 1,4 milhão de barris por dia, mais da metade da atual produção. É alta a probabilidade de que do consórcio vencedor tenha forte participação uma estatal chinesa. A presidente Dilma anunciara sua presença no evento, mas repentinamente a cancelou, talvez porque temesse que alguma coisa dê errado ou, então para, de alguma maneira, evitar de ser acusada de entreguismo "aos chineses" por suas bases de apoio, especialmente os sindicatos.
Essa crítica está acachapantemente equivocada. Se, pelos seus canais democráticos, o Brasil decidiu ser potência exportadora de petróleo, pouco importa se o comprador seja chinês, malaio, americano ou sul-africano.
Também não faz sentido argumentar que o petróleo seja só "nosso". O Brasil foi um quase permanente comprador e não se importou com a procedência do óleo aqui consumido: se dos árabes, dos russos ou dos nigerianos. Aqueles que defendem a intocabilidade das riquezas nacionais deveriam levar em conta que, mais cedo ou mais tarde, o petróleo deixará de ser a principal fonte de energia, como já aconteceu com o carvão. O risco é o de que o "nosso" permaneça deitado eternamente em berço esplêndido.
As críticas, não ao leilão, mas às novas regras do pré-sal estão corretas, mas não foram feitas por quem protesta agora nem pela oposição, que foi omissa. Foram feitas por técnicos e economistas.
É improvável que o regime de partilha traga mais benefícios para o Brasil do que o regime anterior, de concessão (veja o Entenda). E é grave erro exigir que a Petrobrás, que já não dá conta do que vem fazendo, participe de toda a exploração do pré-sal em pelo menos 30% e seja a única operadora.
Também não faz sentido tocar o leilão de qualquer jeito apenas porque o ministro Guido Mantega conta com os R$ 15 bilhões do bônus de assinatura para fechar as contas públicas deste ano.
Presunção da mentira - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 20/10
“Vim registrar meu filho disse”, preparando-me para o aborrecimento inevitável da burocracia dos cartórios. Descobriria logo depois que era otimismo meu. Não seria apenas aborrecido. Teria uma briga pela frente que só venceria com a ajuda do meu tio Boanerges, advogado. “Você não pode registrar a criança. Você é a mãe, só o pai pode registrar”, disse-me o escrivão.
-Por que não posso registrar meu filho? — — perguntei, ofendida. —Essa é a lei. Só a palavra do pai é que vale. — Significa que a suposição é que estou mentindo? — Por que o pai não está aqui? — perguntou, desconfiado, o escrivão. — Motivo de força maior. — Que força maior? — Maior, bem maior — respondi, exausta. Eram os anos 70, meu filho tinha 20 dias, eu estava acabando de chegar a Caratinga, de volta de uma viagem cansativa que tínhamos feito ao Rio para que o pai, preso no Regimento Sampaio, pudesse conhecer o filho.
A visita era restrita a meia hora. E só podia ser numa quinta-feira, às 9 da manhã. No fusquinha da tia Ilda, tínhamos vencido todo o longo trajeto, cruzado o desconhecido e assustador Rio de Janeiro até a casa de outra tia na Zona Norte. De lá, fomos à Vila Militar Marechal Deodoro, preocupadas em chegar pontualmente.
Um minuto de atraso era o suficiente para impedir a visita. No dia seguinte, o caminho de volta a Caratinga começara de madrugada. Assim que entrei na casa dos meus pais, soube que meu sogro telefonara. Liguei para Vitória e a informação era que eu estava sendo processada à revelia, com base no Decreto-Lei 447 na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Era o segundo processo. O outro, pela Lei de Segurança Nacional, corria na Segunda Auditoria da Aeronáutica do Rio.
Eu nem sabia do processo na universidade. Eles nunca me informaram. O 447 proibia estudantes condenados de estudar por três anos em qualquer universidade, e o juiz final, que baixava a sentença, era o ministro da Educação, na época, o coronel Jarbas Passarinho. Tinha que enviar a certidão, aconselhou meu sogro, Wolghano. Com o documento, o advogado poderia justificar minha ausência. — Qual o motivo de força maior que impede o pai de comparecer para registrar o filho? — Perguntou, debochado, o escrivão. — Ele está preso.
Esse é o motivo de força maior — respondi. o escrivão venceu o espanto e retornou à postura burocrática: — Nesse caso, a criança fica sem registro ou eu escrevo “pai desconhecido”. A mãe pode mentir sobre a paternidade. Tudo era doloroso e ultrajante: a lei que condenava estudante a não estudar, a prisão e a perseguição que vivera durante a gravidez, a suposição legal de que, sendo eu mulher, só poderia estar mentindo.
Mostrei a certidão do casamento e o funcionário do cartório disse que aquilo não provava a paternidade. — Só o pai pode dizer que é pai — insistia o escrivão. Fui socorrida por uma voz forte que falou atrás de mim. — Qual é o problema aqui? Eu sou advogado — disse o meu tio entregando seus documentos. Não sei que argumentos usou, mas tio Boanerges tinha a capacidade de comunicar com clareza e convicção seu raciocínio.
Convenceu o escrivão a não seguir uma lei, que vigora até hoje, e que só agora o Congresso começa a mudar. Vejo o debate atual com espanto. São muitos os que afirmam que as mulheres mentiriam e que a lei precisa permanecer como está. Como se não houvessem punições para eventuais falsidades ditas em um cartório e como se o homem tivesse o monopólio da verdade.
Essa lei velha mostra que sobre a mulher recai a presunção da mentira. Vencido pela eloquência do meu tio, que não parava de citar leis, artigos, incisos e caputs que supostamente protegeriam meu direito de registrar a criança, o escrivão se rendeu. — Qual o nome do recém—nascido? — Vladimir de Almeida Leitão Netto. — Local e data de nascimento? — Caratinga, 3 de agosto de 1973.
“Vim registrar meu filho disse”, preparando-me para o aborrecimento inevitável da burocracia dos cartórios. Descobriria logo depois que era otimismo meu. Não seria apenas aborrecido. Teria uma briga pela frente que só venceria com a ajuda do meu tio Boanerges, advogado. “Você não pode registrar a criança. Você é a mãe, só o pai pode registrar”, disse-me o escrivão.
-Por que não posso registrar meu filho? — — perguntei, ofendida. —Essa é a lei. Só a palavra do pai é que vale. — Significa que a suposição é que estou mentindo? — Por que o pai não está aqui? — perguntou, desconfiado, o escrivão. — Motivo de força maior. — Que força maior? — Maior, bem maior — respondi, exausta. Eram os anos 70, meu filho tinha 20 dias, eu estava acabando de chegar a Caratinga, de volta de uma viagem cansativa que tínhamos feito ao Rio para que o pai, preso no Regimento Sampaio, pudesse conhecer o filho.
A visita era restrita a meia hora. E só podia ser numa quinta-feira, às 9 da manhã. No fusquinha da tia Ilda, tínhamos vencido todo o longo trajeto, cruzado o desconhecido e assustador Rio de Janeiro até a casa de outra tia na Zona Norte. De lá, fomos à Vila Militar Marechal Deodoro, preocupadas em chegar pontualmente.
Um minuto de atraso era o suficiente para impedir a visita. No dia seguinte, o caminho de volta a Caratinga começara de madrugada. Assim que entrei na casa dos meus pais, soube que meu sogro telefonara. Liguei para Vitória e a informação era que eu estava sendo processada à revelia, com base no Decreto-Lei 447 na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Era o segundo processo. O outro, pela Lei de Segurança Nacional, corria na Segunda Auditoria da Aeronáutica do Rio.
Eu nem sabia do processo na universidade. Eles nunca me informaram. O 447 proibia estudantes condenados de estudar por três anos em qualquer universidade, e o juiz final, que baixava a sentença, era o ministro da Educação, na época, o coronel Jarbas Passarinho. Tinha que enviar a certidão, aconselhou meu sogro, Wolghano. Com o documento, o advogado poderia justificar minha ausência. — Qual o motivo de força maior que impede o pai de comparecer para registrar o filho? — Perguntou, debochado, o escrivão. — Ele está preso.
Esse é o motivo de força maior — respondi. o escrivão venceu o espanto e retornou à postura burocrática: — Nesse caso, a criança fica sem registro ou eu escrevo “pai desconhecido”. A mãe pode mentir sobre a paternidade. Tudo era doloroso e ultrajante: a lei que condenava estudante a não estudar, a prisão e a perseguição que vivera durante a gravidez, a suposição legal de que, sendo eu mulher, só poderia estar mentindo.
Mostrei a certidão do casamento e o funcionário do cartório disse que aquilo não provava a paternidade. — Só o pai pode dizer que é pai — insistia o escrivão. Fui socorrida por uma voz forte que falou atrás de mim. — Qual é o problema aqui? Eu sou advogado — disse o meu tio entregando seus documentos. Não sei que argumentos usou, mas tio Boanerges tinha a capacidade de comunicar com clareza e convicção seu raciocínio.
Convenceu o escrivão a não seguir uma lei, que vigora até hoje, e que só agora o Congresso começa a mudar. Vejo o debate atual com espanto. São muitos os que afirmam que as mulheres mentiriam e que a lei precisa permanecer como está. Como se não houvessem punições para eventuais falsidades ditas em um cartório e como se o homem tivesse o monopólio da verdade.
Essa lei velha mostra que sobre a mulher recai a presunção da mentira. Vencido pela eloquência do meu tio, que não parava de citar leis, artigos, incisos e caputs que supostamente protegeriam meu direito de registrar a criança, o escrivão se rendeu. — Qual o nome do recém—nascido? — Vladimir de Almeida Leitão Netto. — Local e data de nascimento? — Caratinga, 3 de agosto de 1973.
As novas concessões ferroviárias - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 20/10
Há inúmeros problemas no marco regulatório e na estrutura de financiamento para projeto deslanchar
Em agosto de 2012, o governo federal lançou um ambicioso e necessário pacote de investimento em infraestrutura, batizado de Programa de Investimento em Logística (PIL). Um dos objetivos do PIL é licitar a concessão para construção de 11 mil quilômetros de ferrovias, com investimentos estimados em R$ 100 bilhões.
O PIL representa um saudável processo de amadurecimento do grupo político à frente do Executivo federal nos últimos dez anos com relação à participação do setor privado na oferta de serviços de logística em geral.
Ainda assim, penso que as concessões ferroviárias não vão deslanchar. Há inúmeros problemas no desenho do marco regulatório e na estrutura de financiamento.
O modelo adotado será de separação vertical. Uma empresa construirá a estrada. A empresa pública Valec comprará a totalidade dos fretes e os alugará para os operadores de transporte de carga por modal ferroviário, por meio de leilão. Há separação vertical entre a construção e a manutenção do leito ferroviário, de um lado, e a operação dos trens, do outro.
A enorme vantagem da separação vertical é que ela induz competição no uso do leito ferroviário. A separação vertical funciona bem, por exemplo, na transmissão de energia elétrica: a empresa que opera a rede de distribuição não é a empresa geradora de energia. Por meio de regras estabelecidas em lei, qualquer empresa geradora pode ofertar para o sistema empregando a rede de distribuição, induzindo, portanto, competição na geração.
Em ferrovias, a experiência internacional é que separação vertical não funciona para transporte de carga, com alta intensidade de uso da linha férrea. Os resultados são menos claros para transporte de passageiros, quando há média intensidade.
O problema é que existem enormes economias de escopo entre as duas atividades. Em português simples, trem destrói trilho, e trilho destrói trem. Se a operação for conjunta, o operador escolherá as tecnologias e os detalhes de uso das tecnologias de forma a tornar mínimos os custos conjuntos. Na operação verticalmente separada, é muito mais complicado e caro o processo de entendimento entre as partes para que esses custos da interação entre o trem e a linha sejam minimizados.
Também parece-me que a forma de financiamento da construção das ferrovias não funcionará.
Para garantir a modicidade tarifária e, simultaneamente, remunerar o investidor, parcela de até 80% do capital que será investido na construção será emprestada pelo BNDES, que cobrará a taxa de juros de longo prazo (TJLP), fortemente subsidiada. Há dois problemas com esta solução.
O primeiro é que não há justificativa para o Tesouro subsidiar transporte de mercadorias. Transportar soja, por exemplo, é diferente de construir metrô nas grandes metrópoles. Quando alguém vai ao trabalho empregando transporte coletivo, colabora para reduzir o congestionamento, além de não poluir o ar. Não há os mesmos efeitos externos positivos no frete de bens primários. Justifica-se a concessão, mas não o subsídio. No limite, o contribuinte subsidiará o consumidor chinês de soja. Não faz sentido.
O segundo problema é que o subsídio embutido na TJLP não é crível. A TJLP é uma taxa escolhida de forma discricionária pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É perfeitamente possível que outro governo avalie que o subsídio é excessivo e mude a forma de fixar a TJLP. A alegação de que a prática nas últimas décadas é suficiente para dar firmeza a esse instrumento de financiamento não é convincente.
Por exemplo, recentemente o atual governo não renovou automaticamente a concessão de algumas usinas hidroelétricas da Cesp e da Cemig ao fim dos contratos. Isto contrariou a prática dos últimos 30 anos em relação a usinas hidroelétricas, em que houve pelo menos uma renovação automática.
Em outras palavras, apenas o fato de que algo seja feito de determinada forma há décadas não é garantia suficiente para o investidor --é preciso que tudo esteja solidamente estabelecido em contrato para que haja segurança.
Há inúmeros problemas no marco regulatório e na estrutura de financiamento para projeto deslanchar
Em agosto de 2012, o governo federal lançou um ambicioso e necessário pacote de investimento em infraestrutura, batizado de Programa de Investimento em Logística (PIL). Um dos objetivos do PIL é licitar a concessão para construção de 11 mil quilômetros de ferrovias, com investimentos estimados em R$ 100 bilhões.
O PIL representa um saudável processo de amadurecimento do grupo político à frente do Executivo federal nos últimos dez anos com relação à participação do setor privado na oferta de serviços de logística em geral.
Ainda assim, penso que as concessões ferroviárias não vão deslanchar. Há inúmeros problemas no desenho do marco regulatório e na estrutura de financiamento.
O modelo adotado será de separação vertical. Uma empresa construirá a estrada. A empresa pública Valec comprará a totalidade dos fretes e os alugará para os operadores de transporte de carga por modal ferroviário, por meio de leilão. Há separação vertical entre a construção e a manutenção do leito ferroviário, de um lado, e a operação dos trens, do outro.
A enorme vantagem da separação vertical é que ela induz competição no uso do leito ferroviário. A separação vertical funciona bem, por exemplo, na transmissão de energia elétrica: a empresa que opera a rede de distribuição não é a empresa geradora de energia. Por meio de regras estabelecidas em lei, qualquer empresa geradora pode ofertar para o sistema empregando a rede de distribuição, induzindo, portanto, competição na geração.
Em ferrovias, a experiência internacional é que separação vertical não funciona para transporte de carga, com alta intensidade de uso da linha férrea. Os resultados são menos claros para transporte de passageiros, quando há média intensidade.
O problema é que existem enormes economias de escopo entre as duas atividades. Em português simples, trem destrói trilho, e trilho destrói trem. Se a operação for conjunta, o operador escolherá as tecnologias e os detalhes de uso das tecnologias de forma a tornar mínimos os custos conjuntos. Na operação verticalmente separada, é muito mais complicado e caro o processo de entendimento entre as partes para que esses custos da interação entre o trem e a linha sejam minimizados.
Também parece-me que a forma de financiamento da construção das ferrovias não funcionará.
Para garantir a modicidade tarifária e, simultaneamente, remunerar o investidor, parcela de até 80% do capital que será investido na construção será emprestada pelo BNDES, que cobrará a taxa de juros de longo prazo (TJLP), fortemente subsidiada. Há dois problemas com esta solução.
O primeiro é que não há justificativa para o Tesouro subsidiar transporte de mercadorias. Transportar soja, por exemplo, é diferente de construir metrô nas grandes metrópoles. Quando alguém vai ao trabalho empregando transporte coletivo, colabora para reduzir o congestionamento, além de não poluir o ar. Não há os mesmos efeitos externos positivos no frete de bens primários. Justifica-se a concessão, mas não o subsídio. No limite, o contribuinte subsidiará o consumidor chinês de soja. Não faz sentido.
O segundo problema é que o subsídio embutido na TJLP não é crível. A TJLP é uma taxa escolhida de forma discricionária pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É perfeitamente possível que outro governo avalie que o subsídio é excessivo e mude a forma de fixar a TJLP. A alegação de que a prática nas últimas décadas é suficiente para dar firmeza a esse instrumento de financiamento não é convincente.
Por exemplo, recentemente o atual governo não renovou automaticamente a concessão de algumas usinas hidroelétricas da Cesp e da Cemig ao fim dos contratos. Isto contrariou a prática dos últimos 30 anos em relação a usinas hidroelétricas, em que houve pelo menos uma renovação automática.
Em outras palavras, apenas o fato de que algo seja feito de determinada forma há décadas não é garantia suficiente para o investidor --é preciso que tudo esteja solidamente estabelecido em contrato para que haja segurança.
Violência - CELSO LAFER
O Estado de S.Paulo - 20/10
O século 20, que se prolonga no 21, foi qualificado como era dos extremos. Uma característica do seu extremismo é a generalizada presença e a propagação da violência, cujos efeitos visualizamos no impacto de sua repercussão globalmente difundida pelos meios de comunicação e multiplicada pelo efeito irradiador da era digital. Confrontamo-nos com a onipresença da violência ao tomar conhecimento do que se passa em escala larga e letal na Síria ou, de modo mais circunscrito, com os black blocs, que a inseriram em manifestações de rua até então pacíficas em cidades do Brasil, este ano.
Violência é palavra que provém do latim, tem a sua origem em vis, força, na acepção de tratar com força alguém, ou seja, coagi-lo, configurando uma agressão e um abuso, donde o sentido de violentar. No mundo contemporâneo a extensão da força viu-se multiplicada pela técnica, que a instrumentaliza de maneira extraordinária. Armas de destruição em massa, drones, armamentos mais ou menos sofisticados na ação de criminosos e suas redes - como o Primeiro Comando da Capital (PCC) - ou terroristas de várias vertentes são exemplos de como os implementos da violência estendem seus efeitos.
São múltiplas as proteiformes manifestações de violência, de que são exemplos a racial, a sexual, a xenófoba, a urbana e a rural, a tortura, a proveniente de fundamentalismos religiosos e políticos. Há a violência passional, impulsiva, mobilizada por medo ou ódio; e a violência calculadora, alimentada pela hostilidade, mas que racionaliza a ação para torná-la mais eficaz. É por esse motivo, dada a presença da violência no correr da História, que existem distintas reflexões que buscam explicá-la como sendo fruto da natureza humana, da ignorância, da luta de classes, do rancor, da revolta contra a injustiça, a corrupção, a hipocrisia.
A generalização da violência na era dos extremos converge com visões e perspectivas que a glorificam e a justificam como liberadora e regeneradora. O fascismo, ao se contrapor à democracia e ao papel do diálogo na vida política, exaltou-a e sustentou os méritos do belicismo. Na esquerda, a clássica diferença entre reformistas e revolucionários é a de que aqueles se norteiam pela mudança por meios pacíficos e estes se guiam pela aceitação e afirmação da violência revolucionária como caminho para mudanças, tendo em vista, na lição de Marx, que a violência é a parteira da História.
A violência, individual ou coletiva, no seu exercício estabelece, como aponta Sergio Cotta, uma diferença radical entre o violento e os outros, que se tornam objeto de uma despersonalização impeditiva da coexistência, cabendo apontar que é da natureza da violência não se sujeitar aos parâmetros das normas e da proporcionalidade que caracterizam o Estado de Direito. Com efeito, a violência, por princípio, decepa qualquer possibilidade de diálogo e se contrapõe às regras do Direito que pressupõem a igualdade perante a lei e a imparcialidade do julgamento. Por isso a prática da violência fere a dignidade da pessoa humana e se opõe à democracia, que postula a importância da comunicação e dos debates que fazem a mediação das diferenças na busca de um curso comum da ação.
A crítica implacável da democracia, de suas normas e seus valores caracteriza a obra de Carl Schmitt, pensador e jurista alemão de indiscutível, porém controvertida originalidade, que foi um dos coveiros da República de Weimar e integrou os quadros do nazismo. Ele se dedicou a rejeitar o papel das normas jurídicas e éticas na compreensão do que é a política. Postulou a sua autonomia, afirmando que a sua singularidade é dada pela clareza da distinção amigo/inimigo. O inimigo, para Schmitt, uma noção pública, é quem nega, na situação concreta, o modo de vida do seu oponente. Por isso deve ser repelido e combatido. A identificação do inimigo é uma decisão existencial não balizada por normas e sempre comporta na sua prática a possibilidade de sua eliminação física, que é inerente à lógica do combate configurado, na obra de Schmitt, pela absolutização da dicotomia amigo/inimigo.
Esse entendimento dicotômico e excludente da autonomia da política estimula a justificação da violência e merece registro porque a obra de Schmitt, com seu brilho satânico, continua fascinando não apenas a direita, mas significativas correntes da esquerda. Essas correntes encontram nos seus argumentos, como aponta Richard Bernstein em livro recente (Violence, 2013), elementos para questionar os méritos do normativismo de inspiração kantiana e do potencial para a convivência coletiva da democracia deliberativa e participativa e o papel da razão na tomada de decisões políticas, defendida, por exemplo, por Habermas.
A reflexão de Hannah Arendt e a diferença que ela estabelece entre poder e violência representam uma válida denegação da postura de Schmitt. É, para ela, um equívoco conceitual e prático fundir poder e violência. A violência não cria poder, destrói poder. Basta ver o que ocorre na Síria.
O poder resulta da capacidade humana de agir em conjunto e do concordar de muitos com um curso comum de ação, o que requer persuasão, palavra e debate, e não a intransitividade despersonalizada da violência. O poder, nesse sentido, é um conceito horizontal sustentado pela liberdade de associação e manifestação, cujo potencial se amplia na era digital por meio das redes e que enseja o empoderamento da cidadania. As instituições políticas são materializações do poder gerado pela ação conjunta, que se deteriora quando perde o lastro do apoio popular.
É por essa razão que a violência não só destrói o poder das instituições, como compromete a geração de poder, o que ocorre quando ela se insere, por exemplo, pela ação destrutiva dos black blocs na dinâmica das manifestações.
O século 20, que se prolonga no 21, foi qualificado como era dos extremos. Uma característica do seu extremismo é a generalizada presença e a propagação da violência, cujos efeitos visualizamos no impacto de sua repercussão globalmente difundida pelos meios de comunicação e multiplicada pelo efeito irradiador da era digital. Confrontamo-nos com a onipresença da violência ao tomar conhecimento do que se passa em escala larga e letal na Síria ou, de modo mais circunscrito, com os black blocs, que a inseriram em manifestações de rua até então pacíficas em cidades do Brasil, este ano.
Violência é palavra que provém do latim, tem a sua origem em vis, força, na acepção de tratar com força alguém, ou seja, coagi-lo, configurando uma agressão e um abuso, donde o sentido de violentar. No mundo contemporâneo a extensão da força viu-se multiplicada pela técnica, que a instrumentaliza de maneira extraordinária. Armas de destruição em massa, drones, armamentos mais ou menos sofisticados na ação de criminosos e suas redes - como o Primeiro Comando da Capital (PCC) - ou terroristas de várias vertentes são exemplos de como os implementos da violência estendem seus efeitos.
São múltiplas as proteiformes manifestações de violência, de que são exemplos a racial, a sexual, a xenófoba, a urbana e a rural, a tortura, a proveniente de fundamentalismos religiosos e políticos. Há a violência passional, impulsiva, mobilizada por medo ou ódio; e a violência calculadora, alimentada pela hostilidade, mas que racionaliza a ação para torná-la mais eficaz. É por esse motivo, dada a presença da violência no correr da História, que existem distintas reflexões que buscam explicá-la como sendo fruto da natureza humana, da ignorância, da luta de classes, do rancor, da revolta contra a injustiça, a corrupção, a hipocrisia.
A generalização da violência na era dos extremos converge com visões e perspectivas que a glorificam e a justificam como liberadora e regeneradora. O fascismo, ao se contrapor à democracia e ao papel do diálogo na vida política, exaltou-a e sustentou os méritos do belicismo. Na esquerda, a clássica diferença entre reformistas e revolucionários é a de que aqueles se norteiam pela mudança por meios pacíficos e estes se guiam pela aceitação e afirmação da violência revolucionária como caminho para mudanças, tendo em vista, na lição de Marx, que a violência é a parteira da História.
A violência, individual ou coletiva, no seu exercício estabelece, como aponta Sergio Cotta, uma diferença radical entre o violento e os outros, que se tornam objeto de uma despersonalização impeditiva da coexistência, cabendo apontar que é da natureza da violência não se sujeitar aos parâmetros das normas e da proporcionalidade que caracterizam o Estado de Direito. Com efeito, a violência, por princípio, decepa qualquer possibilidade de diálogo e se contrapõe às regras do Direito que pressupõem a igualdade perante a lei e a imparcialidade do julgamento. Por isso a prática da violência fere a dignidade da pessoa humana e se opõe à democracia, que postula a importância da comunicação e dos debates que fazem a mediação das diferenças na busca de um curso comum da ação.
A crítica implacável da democracia, de suas normas e seus valores caracteriza a obra de Carl Schmitt, pensador e jurista alemão de indiscutível, porém controvertida originalidade, que foi um dos coveiros da República de Weimar e integrou os quadros do nazismo. Ele se dedicou a rejeitar o papel das normas jurídicas e éticas na compreensão do que é a política. Postulou a sua autonomia, afirmando que a sua singularidade é dada pela clareza da distinção amigo/inimigo. O inimigo, para Schmitt, uma noção pública, é quem nega, na situação concreta, o modo de vida do seu oponente. Por isso deve ser repelido e combatido. A identificação do inimigo é uma decisão existencial não balizada por normas e sempre comporta na sua prática a possibilidade de sua eliminação física, que é inerente à lógica do combate configurado, na obra de Schmitt, pela absolutização da dicotomia amigo/inimigo.
Esse entendimento dicotômico e excludente da autonomia da política estimula a justificação da violência e merece registro porque a obra de Schmitt, com seu brilho satânico, continua fascinando não apenas a direita, mas significativas correntes da esquerda. Essas correntes encontram nos seus argumentos, como aponta Richard Bernstein em livro recente (Violence, 2013), elementos para questionar os méritos do normativismo de inspiração kantiana e do potencial para a convivência coletiva da democracia deliberativa e participativa e o papel da razão na tomada de decisões políticas, defendida, por exemplo, por Habermas.
A reflexão de Hannah Arendt e a diferença que ela estabelece entre poder e violência representam uma válida denegação da postura de Schmitt. É, para ela, um equívoco conceitual e prático fundir poder e violência. A violência não cria poder, destrói poder. Basta ver o que ocorre na Síria.
O poder resulta da capacidade humana de agir em conjunto e do concordar de muitos com um curso comum de ação, o que requer persuasão, palavra e debate, e não a intransitividade despersonalizada da violência. O poder, nesse sentido, é um conceito horizontal sustentado pela liberdade de associação e manifestação, cujo potencial se amplia na era digital por meio das redes e que enseja o empoderamento da cidadania. As instituições políticas são materializações do poder gerado pela ação conjunta, que se deteriora quando perde o lastro do apoio popular.
É por essa razão que a violência não só destrói o poder das instituições, como compromete a geração de poder, o que ocorre quando ela se insere, por exemplo, pela ação destrutiva dos black blocs na dinâmica das manifestações.
O fenômeno Dilma - PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA - 20/10
Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante!
Uma pulga passeava, irrequieta, atrás da minha orelha. Dilma Rousseff ponteia as pesquisas. Mantido o panorama atual, vencerá sem dificuldade a eleição do ano que vem. Datafolha credita-lhe, nos vários cenários, o apoio bastante firme de 40% do eleitorado. A tal pulga ia para lá e para cá, desassossegada: como pode?
Foi um feito de Lula, a primeira eleição da presidente. Guerrilheira que um dia sonhara tomar o poder pelas armas, Dilma haveria de receber esse poder _ quem diria? _ como um regalo de amigo. Coisa tipo _ “Lembrei-me de você!”. Em 2010, Lula tomou-a pela mão e saiu a apresentá-la aos brasileiros. “Muito prazer, Dilma Rousseff”, dizia ela. “Mas pode chamá-la de mãe do PAC”, completava ele, pimpão. Assim, de mão em mão, de grão em grão, as urnas foram enchendo o papo e Dilma subiu a rampa catapultada pelo voto de 55,7 milhões de brasileiros. Agora, quando seu governo sacoleja no trecho final, deve estar mandando lavar, passar e engomar a faixa presidencial para nova entronização.
Contar com 40% dos 140 milhões de eleitores brasileiros significa que Dilma inicia a nova campanha com um estoque equivalente aos votos que obteve no segundo turno de 2010. Pois bem, o que eu me proponho trazer à apreciação dos leitores é a explicação para esse fenômeno. Fácil, como se verá. O SUS, sabe-se bem, caminha para a perfeição. Todos são atendidos a tempo e hora, em condições adequadas. Não há bom médico, no mundo, que não queira trabalhar aqui. A longa espera nas emergências tem se revelado um excelente meio de integração social e formação de novas camaradagens. Os finais de turno não deveriam ser brindados com champanha? A marcação de consultas especializadas e cirurgias segue cronograma rigoroso. Pontual e mortal. Doravante, insatisfeitos, procurem Raúl Castro! Aposentados do INSS providenciam passaportes e trotam mundo afora, efetivando aquele direito que Lula oposicionista apontava como coisa normal à velhice dos povos civilizados. A Educação, seja na base, cumprindo papel de promoção social e cultural, seja no topo, alinhando o Brasil com a elite tecnológica do planeta, opera prodígios na transformação da nossa realidade. A Economia? É lunática: contabilidade nova, inflação crescente, PIB minguante, carga tributária cheia… E a segurança pública enfim promove, como nunca antes neste país, digamos assim, o encontro dos criminosos com as grades e do povo com a paz social. Corrupção? Tudo intriga, maledicência, coisa de quem não tem o que falar.
Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante! Ao final de cada locução, os auditórios se erguem e aplaudem-na em pé, seja em Itapira, seja na ONU. Durante estes anos como “presidenta”, não confirmou ela, plenamente, o que Lula assegurava a seu respeito? Observem como o governo foi bem gerenciado. Vejam o rigor com que se cumprem os prazos e se enxugam os gastos. O Brasil tem programa e cronograma, estratégias, previsões e provisões. Você duvida? Não prometera a presidente, aqui na terrinha, em 2010, que sua Porto Alegre teria, enfim, linha de metrô e nova ponte no Guaíba? Pois para desgosto dos incrédulos, as obras estão aí, novamente prometidíssimas! Basta que o Estado e o município, nos anos por vir, “casem” os bilhões que faltam. Um sucesso, o governo Dilma. Agora, se os motivos não se acham bem visíveis acima, então só resta procurá-los dentro das bolsas.
Privatização estatizante - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 20/10
BRASÍLIA - O leilão de amanhã do campo de Libra excita os leigos e divide os técnicos, mobilizando corações e mentes país afora.
A direita liberal critica a "privatização estatizante", enfatizando a contradição em termos. Já a esquerda antiquada grita que estão entregando as riquezas naturais para estrangeiros.
Em busca do equilíbrio, Dilma, a economista e gerentona, assimilou que, sem investimentos privados nacionais e externos, nem o pré- sal reverte para o bem-estar dos brasileiros nem o país avança. Contudo Dilma, a ex-pedetista e atual petista, se contorce entre o que acha melhor para o país e o que ela e seus partidos cultivavam como cláusula pétrea.
O resultado é o que os especialistas chamam de "abertura envergonhada", que fica no meio do caminho. Abre-se o mercado, mas com tantas dúvidas, condicionantes e rodeios semânticos que os grandes investidores se sentem amedrontados.
Investidor não é amigo nem benemérito. Quer ambiente favorável, confiança, regras estáveis e, obviamente, garantias razoáveis de ganhos. Em contrapartida, tem de comprovar competência e assumir responsabilidade para divi- dir o lucro do sucesso ou o prejuí- zo do insucesso.
Digamos que os investidores desejáveis sejam mais ou menos o oposto dos que ganharam a licitação dos aeroportos brasileiros, que não têm portfólio nem reconhecimento do mercado. Os grandes recuaram, eles avançaram. Deu no que deu e ninguém sabe como corrigir.
Vença quem vencer, a Petrobras tem garantido seu quinhão de 30% de participação e o governo brasileiro vai embolsar R$ 15 bilhões para cumprir o superávit fiscal. Entretanto a maioria dos consórcios estrangeiros é... estatal.
E seja o que Deus, os vencedores e a improvisação brasileira quiserem. As futuras gerações saberão avaliar.
BRASÍLIA - O leilão de amanhã do campo de Libra excita os leigos e divide os técnicos, mobilizando corações e mentes país afora.
A direita liberal critica a "privatização estatizante", enfatizando a contradição em termos. Já a esquerda antiquada grita que estão entregando as riquezas naturais para estrangeiros.
Em busca do equilíbrio, Dilma, a economista e gerentona, assimilou que, sem investimentos privados nacionais e externos, nem o pré- sal reverte para o bem-estar dos brasileiros nem o país avança. Contudo Dilma, a ex-pedetista e atual petista, se contorce entre o que acha melhor para o país e o que ela e seus partidos cultivavam como cláusula pétrea.
O resultado é o que os especialistas chamam de "abertura envergonhada", que fica no meio do caminho. Abre-se o mercado, mas com tantas dúvidas, condicionantes e rodeios semânticos que os grandes investidores se sentem amedrontados.
Investidor não é amigo nem benemérito. Quer ambiente favorável, confiança, regras estáveis e, obviamente, garantias razoáveis de ganhos. Em contrapartida, tem de comprovar competência e assumir responsabilidade para divi- dir o lucro do sucesso ou o prejuí- zo do insucesso.
Digamos que os investidores desejáveis sejam mais ou menos o oposto dos que ganharam a licitação dos aeroportos brasileiros, que não têm portfólio nem reconhecimento do mercado. Os grandes recuaram, eles avançaram. Deu no que deu e ninguém sabe como corrigir.
Vença quem vencer, a Petrobras tem garantido seu quinhão de 30% de participação e o governo brasileiro vai embolsar R$ 15 bilhões para cumprir o superávit fiscal. Entretanto a maioria dos consórcios estrangeiros é... estatal.
E seja o que Deus, os vencedores e a improvisação brasileira quiserem. As futuras gerações saberão avaliar.
Um passeio no Zoológico - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 20/10
Temos também esses parques em grandes cidades brasileiras, mas com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes
Não há motivo para pânico ainda, mas talvez para certa inquietação. Em muitas lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aqui de Berlim, estampa-se, em local visível, um peremptório aviso aos fregueses: não se aceitam, sob nenhum pretexto, notas de quinhentos euros. Nas lojas onde não postam o aviso, quem tenta usar uma nota dessas recebe um olhar suspeitíssimo, se sente um Al Capone e fica com medo de que chamem a polícia. A loja prefere receber de volta a mercadoria escolhida a sequer tocar na nota maldita, não adianta insistir. Nas grandes lojas, os caixas também fazem um ar de extrema desconfiança, mas, quando a venda vale a pena, pegam a nota como se ela estivesse contaminada por uma bactéria mortífera e a levam para um exame pericial. Já devem ter inventado uma máquina especializada nesse serviço, porque o exame leva pouco tempo e se declara um alívio geral, quase festivo, quando o funcionário volta depois da perícia, já segurando a nota com o carinho devido a quinhentos euros legítimos. Suspiros, sorrisos e manifestações quase festivas se seguem, uma verdadeira confraternização internacional.
Já tomei vários sustos, pois, como lhes disse uma vez, carrego o infortúnio de ter a cara errada em toda parte. Nos Estados Unidos, tenho cara de cucaracha e, em formulários que patenteiam a obsessão racial americana, sou classificado como “hispânico”, lembrete para que não fique me achando branco, porque lá branco é uma coisa e hispânico, mesmo se louro de olhos azuis, é uma das três “raças” mais comuns, distinta de African Americans e de brancos. Devo ser a cara de Evo Morales e suponho que dou sorte em não me acharem descendente de negros africanos, porque a barra para estes, como sabemos, costuma ser mais pesadinha do que para hispânicos. E, quando não sou hispânico, creio que minha cara é de árabe, o que certamente já foi responsável por episódios pouco gloriosos em minha movimentada existência, como no dia em que, no aeroporto de Chicago, decidiram que minha aparência se encaixava num tal perfil do terrorista que na época usavam e me fizeram um checape minucioso, antes de me liberarem com o que me pareceu alguma relutância. E também houve um dia, no aeroporto de Atlanta, em que me retiraram da fila que já estava à entrada daquele canudo pelo qual se faz o embarque no avião para me revistarem, com direito a ter o traseiro fuçado por um cachorro, que, por sinal, demorou um pouco para dar seu veredito, me deixando com temor de ser enviado imediatamente para a prisão de Obama, em Guantánamo.
Na França, também tenho cara de árabe e na Espanha, como nos Estados Unidos, tenho cara de hispânico, ou seja, imigrante de alguma ex-colônia espanhola, que não costuma (ou não costumava, antes de a crise econômica bater por lá, fazendo com que os trocados gastos pelos turistas da América do Sul abafem momentaneamente o antagonismo) ser recebido de braços abertos. Em Portugal, tenho cara e fala de brasileiro e os funcionários da Imigração não costumam responder ao bom-dia jovial com que manifesto meu contentamento em estar de volta à terrinha. Uma vez, tentando caracterizar-me como grande amigo do país, apontei para minha comenda portuguesa, orgulhosamente espetada na lapela, e me veio a impressão momentânea de que aquele esbirro de maus bofes ia pedir meu encarceramento e deportação como impostor. Na Alemanha, tenho cara de turco. E cara de nordestino no Brasil, o que, como se noticia de vez em quando, pode render-me até linchamento. É duro.
É duro, mas, mesmo com este meu aspecto de cúmplice da quadrilha responsável pela falsificação de notas de quinhentos euros, Berlim continua a ser uma das cidades mais fascinantes do mundo. Ao contrário dos estereótipos que, no Brasil, alimentamos sobre os alemães, a cidade é alegre e gentil, aberta e hospitaleira, tanto quanto uma grande cidade pode ser. Em uma mercearia da Kantstrasse, é possível até comprar farinha de Feira de Santana, ou todos os ingredientes para uma feijoada. Ou, se não se puder fazer a feijoada pessoalmente, achar um restaurante que a sirva. Não descarto nem mesmo uma moquequinha, ou um tabuleiro de baiana na Breitscheidplatz. Entre museus, exposições, concertos, performances especiais, livrarias, restaurantes de todos os tipos e categorias e uma pulsação que não cessa dia e noite, é difícil escolher e achar tempo para ver e experimentar tanta coisa.
De minha parte, não dispenso a visita de sempre ao Zoológico, que não ouso descrever, porque não me considero capaz. Na entrada, topei novamente com um grupo de crianças, percorrendo tudo na companhia de uma professora. Ir ao Zoológico, assim como a museus e correlatos, é considerado uma importante ação educativa. Um bom Jardim Zoológico faz parte da educação que todos devemos dar à juventude e me vi, mais uma vez, encantado com o que se apreende e compreende por lá, abrindo a cabeça para o muito deste mundo cujo conhecimento nos é necessário e indispensável. E aí observei, mais uma vez, como as coisas são relativas. Temos também zoológicos em grandes cidades brasileiras, mas o estado em que no geral são mantidos, com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes, como acontece no Rio de Janeiro, não é educativo, antes muitíssimo pelo contrário. O que em Berlim educa, no Brasil deseduca. Não estou propondo que se gaste dinheiro com a reabilitação dos zoológicos brasileiros, temos outras prioridades. Mas sugiro que os eliminemos, enquanto forem chiqueiros infectos e cruéis, porque, do jeito em que estão, são muito danosos à educação dos jovens e do povo em geral. Já não gastamos o necessário com a educação. Então pelo menos paremos de gastar com a deseducação e a promoção da insensibilidade. Mas não aposto nem uma nota de quinhentos euros que isto venha a acontecer.
Temos também esses parques em grandes cidades brasileiras, mas com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes
Não há motivo para pânico ainda, mas talvez para certa inquietação. Em muitas lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aqui de Berlim, estampa-se, em local visível, um peremptório aviso aos fregueses: não se aceitam, sob nenhum pretexto, notas de quinhentos euros. Nas lojas onde não postam o aviso, quem tenta usar uma nota dessas recebe um olhar suspeitíssimo, se sente um Al Capone e fica com medo de que chamem a polícia. A loja prefere receber de volta a mercadoria escolhida a sequer tocar na nota maldita, não adianta insistir. Nas grandes lojas, os caixas também fazem um ar de extrema desconfiança, mas, quando a venda vale a pena, pegam a nota como se ela estivesse contaminada por uma bactéria mortífera e a levam para um exame pericial. Já devem ter inventado uma máquina especializada nesse serviço, porque o exame leva pouco tempo e se declara um alívio geral, quase festivo, quando o funcionário volta depois da perícia, já segurando a nota com o carinho devido a quinhentos euros legítimos. Suspiros, sorrisos e manifestações quase festivas se seguem, uma verdadeira confraternização internacional.
Já tomei vários sustos, pois, como lhes disse uma vez, carrego o infortúnio de ter a cara errada em toda parte. Nos Estados Unidos, tenho cara de cucaracha e, em formulários que patenteiam a obsessão racial americana, sou classificado como “hispânico”, lembrete para que não fique me achando branco, porque lá branco é uma coisa e hispânico, mesmo se louro de olhos azuis, é uma das três “raças” mais comuns, distinta de African Americans e de brancos. Devo ser a cara de Evo Morales e suponho que dou sorte em não me acharem descendente de negros africanos, porque a barra para estes, como sabemos, costuma ser mais pesadinha do que para hispânicos. E, quando não sou hispânico, creio que minha cara é de árabe, o que certamente já foi responsável por episódios pouco gloriosos em minha movimentada existência, como no dia em que, no aeroporto de Chicago, decidiram que minha aparência se encaixava num tal perfil do terrorista que na época usavam e me fizeram um checape minucioso, antes de me liberarem com o que me pareceu alguma relutância. E também houve um dia, no aeroporto de Atlanta, em que me retiraram da fila que já estava à entrada daquele canudo pelo qual se faz o embarque no avião para me revistarem, com direito a ter o traseiro fuçado por um cachorro, que, por sinal, demorou um pouco para dar seu veredito, me deixando com temor de ser enviado imediatamente para a prisão de Obama, em Guantánamo.
Na França, também tenho cara de árabe e na Espanha, como nos Estados Unidos, tenho cara de hispânico, ou seja, imigrante de alguma ex-colônia espanhola, que não costuma (ou não costumava, antes de a crise econômica bater por lá, fazendo com que os trocados gastos pelos turistas da América do Sul abafem momentaneamente o antagonismo) ser recebido de braços abertos. Em Portugal, tenho cara e fala de brasileiro e os funcionários da Imigração não costumam responder ao bom-dia jovial com que manifesto meu contentamento em estar de volta à terrinha. Uma vez, tentando caracterizar-me como grande amigo do país, apontei para minha comenda portuguesa, orgulhosamente espetada na lapela, e me veio a impressão momentânea de que aquele esbirro de maus bofes ia pedir meu encarceramento e deportação como impostor. Na Alemanha, tenho cara de turco. E cara de nordestino no Brasil, o que, como se noticia de vez em quando, pode render-me até linchamento. É duro.
É duro, mas, mesmo com este meu aspecto de cúmplice da quadrilha responsável pela falsificação de notas de quinhentos euros, Berlim continua a ser uma das cidades mais fascinantes do mundo. Ao contrário dos estereótipos que, no Brasil, alimentamos sobre os alemães, a cidade é alegre e gentil, aberta e hospitaleira, tanto quanto uma grande cidade pode ser. Em uma mercearia da Kantstrasse, é possível até comprar farinha de Feira de Santana, ou todos os ingredientes para uma feijoada. Ou, se não se puder fazer a feijoada pessoalmente, achar um restaurante que a sirva. Não descarto nem mesmo uma moquequinha, ou um tabuleiro de baiana na Breitscheidplatz. Entre museus, exposições, concertos, performances especiais, livrarias, restaurantes de todos os tipos e categorias e uma pulsação que não cessa dia e noite, é difícil escolher e achar tempo para ver e experimentar tanta coisa.
De minha parte, não dispenso a visita de sempre ao Zoológico, que não ouso descrever, porque não me considero capaz. Na entrada, topei novamente com um grupo de crianças, percorrendo tudo na companhia de uma professora. Ir ao Zoológico, assim como a museus e correlatos, é considerado uma importante ação educativa. Um bom Jardim Zoológico faz parte da educação que todos devemos dar à juventude e me vi, mais uma vez, encantado com o que se apreende e compreende por lá, abrindo a cabeça para o muito deste mundo cujo conhecimento nos é necessário e indispensável. E aí observei, mais uma vez, como as coisas são relativas. Temos também zoológicos em grandes cidades brasileiras, mas o estado em que no geral são mantidos, com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes, como acontece no Rio de Janeiro, não é educativo, antes muitíssimo pelo contrário. O que em Berlim educa, no Brasil deseduca. Não estou propondo que se gaste dinheiro com a reabilitação dos zoológicos brasileiros, temos outras prioridades. Mas sugiro que os eliminemos, enquanto forem chiqueiros infectos e cruéis, porque, do jeito em que estão, são muito danosos à educação dos jovens e do povo em geral. Já não gastamos o necessário com a educação. Então pelo menos paremos de gastar com a deseducação e a promoção da insensibilidade. Mas não aposto nem uma nota de quinhentos euros que isto venha a acontecer.
Os olimpianos e as curvas - GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADÃO - 20/10
Um oceano de distância separa os territórios de artistas como Roberto Carlos (que saudades das curvas da estrada de Santos), Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros de áreas frequentadas por figuras exponenciais da política e do governo. Mas uma condição os torna habitantes da mesma constelação: a visibilidade de seus perfis, que lhes confere fama e poder. O mesmo ocorre com jogadores de futebol, atores e atrizes de novelas, príncipes e princesas de monarquias que ainda povoam o mapa das Nações. Ao lado de um político comum, Pelé, Neymar ou Messi, a atriz Deborah Secco, o ator Antônio Fagundes ou William e Kate, duque e duquesa de Cambridge, certamente ganhariam mais palmas, não se descartando a hipótese de apupos dirigidos ao detentor de mandato popular. Se o político, porém, dispuser de extraordinário poder, como Barack Obama, que preside a maior potência do planeta, seria razoável pensar em efusivos aplausos para ele.
A admiração por uns e a rejeição a outros decorre da simbologia que encarnam, um formidável arco de conceitos e situações que abarca o mundo das diversões; as esferas da política, com seus graus diferenciados de poder; os reinos que fazem lembrar contos de fadas, onde os olhares se embevecem com casamentos reais entre príncipes e plebeias que adentram os palácios e ascendem às alturas; as novelas noturnas, com dramas e tramas psicológicas, fontes de catarse e consolação de plateias fiéis aos personagens; os shows musicais, que permitem às multidões fruir um frenesi coletivo, abrindo as gargantas para acompanhar bandas e cantores, sob a cadência movimentada de corpos e braços; os espetáculos esportivos, onde torcedores fanáticos aplaudem seus ídolos e xingam adversários e o juiz da partida, beijando a camisa dos times e promovendo a integração de sentimentos e paixões. Essa moldura do novo Olimpo, que o filósofo e educador Edgar Morin descreve como o habitat das vedetes do Estado Espetáculo, é iluminada todos os dias pela fosforescência midiática. Os tipos, com sua dualidade divino-humana, alguns elevados à categoria de heróis do cotidiano, se tornam onipresentes em todos os setores da cultura de massa.
Essa casta desperta curiosidade e admiração. Afinal, indagam-se os mortais, eles fazem as mesmas coisas que fazemos? Enfrentam dificuldades, acordam cedo, tomam banho, têm dores de cabeça, queixam-se da dureza do dia a dia ou suas rotinas são um desfile interminável de almoços e jantares, conversas e festas? Para entrar nesses céus envoltos em mistério, as pessoas comuns se valem dos fenômenos da projeção e da identificação, que os fazem transferir seu ambiente psicológico para o habitat das celebridades, depois de conhecer seu lado humano e se identificar com seus gostos, atitudes e pensamentos. A felicidade frui quando alguém descobre: “puxa, sou um pouco parecido com ele (o ídolo)”. Nessa esteira, multiplicam-se as histórias sobre a “vida pessoal” de cantores, compositores, políticos, jogadores de futebol, ao mesmo tempo em que se expandem as revistas ilustradas e de “fait divers”, com matérias sobre o mundo artístico. As biografias não autorizadas constituem o acervo mais denso desse nicho. São ferramentas para furar as muralhas que cercam as fortalezas em que se encastelam estrelas da constelação olimpiana.
Dito isto, vem a pergunta: as vedetes da cultura de massa podem ter biografias não autorizadas sobre suas vidas ou os relatos devem receber sua prévia autorização? A resposta comporta, de início, considerar a faceta pública desses semideuses, tanto os políticos quanto os artistas. Uns e outros têm deveres para com a sociedade. Dependem do público. A partir do momento em que suas atividades são massificadas – fator de sucesso profissional – submetem-se ao ordenamento ético de prestar contas a quem os acompanha. Que inclui relatos não apenas das retas, mas das curvas de sua existência. A esse posicionamento público do artista e do político, soma-se o ditame constitucional que acolhe a manifestação de pensamento e da informação sem restrição. Se a honra, a vida privada e a imagem das pessoas são invioláveis, ainda nos termos constitucionais, lembre-se que há dispositivos no código penal contra danos morais, calúnia (art.138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), além da restrição às biografias, prevista pelo art. 20 do Código Civil. Países democráticos, como EUA, Canadá, Reino Unido, França, Espanha não admitem qualquer censura às biografias não autorizadas, ao contrário de Rússia, China e Síria, por exemplo.
Imagine-se a execração pública de Bill Clinton se censurasse biografia sobre sua trajetória presidencial, nela incluído o episódio com a estagiária Mônica Lewinski. Aliás, os norte-americanos estão lendo avidamente o livro Sexo na Casa Branca, do historiador David Eisenbach e do editor Larry Flynt, que conta histórias impactantes, algumas conhecidas, mas não relatadas com detalhes, como as que envolveram os presidentes Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, James Buchanan, Franklin Roosevelt e John Kennedy. Houvesse censura na Inglaterra, a história do príncipe Charles e Camila Parker teria sido guardada no baú. E também o caso mais escandaloso da política inglesa: o envolvimento do ministro da guerra, John Profumo, com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. Isso é importante? Sem dúvida. São as entranhas da política. Estabelecer patamar diferente para político e artista é defender tratamento privilegiado para uns. É formar uma casta dentro da casta. Biografias autorizadas são livros de autoglorificação, loas ao biografado. E querer cobrar do autor percentagem pela obra é apropriar-se de um direito que não pertence ao artista. Nas situações em que as biografias alavanquem a venda de discos, o autor da obra teria direito a uma percentagem da vendagem? Livros maldosos e mentirosos devem ir, sim, para a fogueira. Pelas mãos dos leitores, não pelo tacão da censura.
Um oceano de distância separa os territórios de artistas como Roberto Carlos (que saudades das curvas da estrada de Santos), Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros de áreas frequentadas por figuras exponenciais da política e do governo. Mas uma condição os torna habitantes da mesma constelação: a visibilidade de seus perfis, que lhes confere fama e poder. O mesmo ocorre com jogadores de futebol, atores e atrizes de novelas, príncipes e princesas de monarquias que ainda povoam o mapa das Nações. Ao lado de um político comum, Pelé, Neymar ou Messi, a atriz Deborah Secco, o ator Antônio Fagundes ou William e Kate, duque e duquesa de Cambridge, certamente ganhariam mais palmas, não se descartando a hipótese de apupos dirigidos ao detentor de mandato popular. Se o político, porém, dispuser de extraordinário poder, como Barack Obama, que preside a maior potência do planeta, seria razoável pensar em efusivos aplausos para ele.
A admiração por uns e a rejeição a outros decorre da simbologia que encarnam, um formidável arco de conceitos e situações que abarca o mundo das diversões; as esferas da política, com seus graus diferenciados de poder; os reinos que fazem lembrar contos de fadas, onde os olhares se embevecem com casamentos reais entre príncipes e plebeias que adentram os palácios e ascendem às alturas; as novelas noturnas, com dramas e tramas psicológicas, fontes de catarse e consolação de plateias fiéis aos personagens; os shows musicais, que permitem às multidões fruir um frenesi coletivo, abrindo as gargantas para acompanhar bandas e cantores, sob a cadência movimentada de corpos e braços; os espetáculos esportivos, onde torcedores fanáticos aplaudem seus ídolos e xingam adversários e o juiz da partida, beijando a camisa dos times e promovendo a integração de sentimentos e paixões. Essa moldura do novo Olimpo, que o filósofo e educador Edgar Morin descreve como o habitat das vedetes do Estado Espetáculo, é iluminada todos os dias pela fosforescência midiática. Os tipos, com sua dualidade divino-humana, alguns elevados à categoria de heróis do cotidiano, se tornam onipresentes em todos os setores da cultura de massa.
Essa casta desperta curiosidade e admiração. Afinal, indagam-se os mortais, eles fazem as mesmas coisas que fazemos? Enfrentam dificuldades, acordam cedo, tomam banho, têm dores de cabeça, queixam-se da dureza do dia a dia ou suas rotinas são um desfile interminável de almoços e jantares, conversas e festas? Para entrar nesses céus envoltos em mistério, as pessoas comuns se valem dos fenômenos da projeção e da identificação, que os fazem transferir seu ambiente psicológico para o habitat das celebridades, depois de conhecer seu lado humano e se identificar com seus gostos, atitudes e pensamentos. A felicidade frui quando alguém descobre: “puxa, sou um pouco parecido com ele (o ídolo)”. Nessa esteira, multiplicam-se as histórias sobre a “vida pessoal” de cantores, compositores, políticos, jogadores de futebol, ao mesmo tempo em que se expandem as revistas ilustradas e de “fait divers”, com matérias sobre o mundo artístico. As biografias não autorizadas constituem o acervo mais denso desse nicho. São ferramentas para furar as muralhas que cercam as fortalezas em que se encastelam estrelas da constelação olimpiana.
Dito isto, vem a pergunta: as vedetes da cultura de massa podem ter biografias não autorizadas sobre suas vidas ou os relatos devem receber sua prévia autorização? A resposta comporta, de início, considerar a faceta pública desses semideuses, tanto os políticos quanto os artistas. Uns e outros têm deveres para com a sociedade. Dependem do público. A partir do momento em que suas atividades são massificadas – fator de sucesso profissional – submetem-se ao ordenamento ético de prestar contas a quem os acompanha. Que inclui relatos não apenas das retas, mas das curvas de sua existência. A esse posicionamento público do artista e do político, soma-se o ditame constitucional que acolhe a manifestação de pensamento e da informação sem restrição. Se a honra, a vida privada e a imagem das pessoas são invioláveis, ainda nos termos constitucionais, lembre-se que há dispositivos no código penal contra danos morais, calúnia (art.138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), além da restrição às biografias, prevista pelo art. 20 do Código Civil. Países democráticos, como EUA, Canadá, Reino Unido, França, Espanha não admitem qualquer censura às biografias não autorizadas, ao contrário de Rússia, China e Síria, por exemplo.
Imagine-se a execração pública de Bill Clinton se censurasse biografia sobre sua trajetória presidencial, nela incluído o episódio com a estagiária Mônica Lewinski. Aliás, os norte-americanos estão lendo avidamente o livro Sexo na Casa Branca, do historiador David Eisenbach e do editor Larry Flynt, que conta histórias impactantes, algumas conhecidas, mas não relatadas com detalhes, como as que envolveram os presidentes Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, James Buchanan, Franklin Roosevelt e John Kennedy. Houvesse censura na Inglaterra, a história do príncipe Charles e Camila Parker teria sido guardada no baú. E também o caso mais escandaloso da política inglesa: o envolvimento do ministro da guerra, John Profumo, com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. Isso é importante? Sem dúvida. São as entranhas da política. Estabelecer patamar diferente para político e artista é defender tratamento privilegiado para uns. É formar uma casta dentro da casta. Biografias autorizadas são livros de autoglorificação, loas ao biografado. E querer cobrar do autor percentagem pela obra é apropriar-se de um direito que não pertence ao artista. Nas situações em que as biografias alavanquem a venda de discos, o autor da obra teria direito a uma percentagem da vendagem? Livros maldosos e mentirosos devem ir, sim, para a fogueira. Pelas mãos dos leitores, não pelo tacão da censura.
Debates que se perdem - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 20/10
Todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo a censura. Mas censura é isso
REAÇÃO DE última hora, e exacerbada, contra o leilão da área de Libra no pré-sal vem de uma aberração brasileira que encontra, neste episódio, o papel de exemplo perfeito. Tanto de si mesma, como do seu agravamento ameaçador.
Protesto é sempre cabível: assim caminha o regime democrático para o seu aprimoramento, aos solavancos das reafirmações e das reconsiderações. Mas a hora dos atuais protestos contra o leilão de Libra era lá atrás, quando o governo Lula projetou o modelo de exploração do pré-sal por petrolíferas privadas, com associação minoritária do Estado brasileiro.
A causa do protesto era e é perfeitamente defensável em nome de múltiplas razões nacionais. O seu confronto com os interesses empresariais, alheios às questões nacionais, por certo seria proveitoso em muitos sentidos. Não ocorreu, porém. Não pôde haver mais do que manifestações anêmicas. Por quê?
Só para lembrar um caso a mais, na mesma linha: dá-se igual com a multibilionária Copa, já presente em protestos públicos e promessa de reações maiores na hora final. Por que a reação não se deu quando podia suscitar alguma reflexão sobre o ímpeto, pouco ou nada responsável, com que Lula buscava essa inutilidade esbanjadora?
É a falta de partidos representativos. Os segmentos da sociedade estão órfãos, entregues a si mesmos. Ou, no máximo, a associações que até podem ter representatividade, mas solta no espaço, sem a necessária extensão na arena adequada que seria o Congresso.
Aos partidos compete serem as vozes da sociedade, organizá-las para serem forças, opô-las para chegar à composição de posições ou à prevalência de um lado. Mas não há partidos: são organizações comerciais, todos interessados em manter o afortunado poder ou em tomá-lo.
A aberração arrasadora e crescente. O que equivale a dizer que assim são os seus efeitos. Até quando e até onde, cada um de nós que imagine.
OUTRO NÃO DEBATE
A polêmica das biografias degringola depressa para o gaiato. Chico Buarque escreve contra a hipótese de difamação em livro praticando horrível difamação de um escrito. No mais, só deu fora: mal informado, os outros exemplos que cita como comprovações de sua opinião são inverdadeiros, e comprovam a tese contrária à sua.
No retorno, Chico Buarque engrossou: "Se for levar isso ao extremo [o direito de escrever biografia sem depender de autorização do biografado ou de parentes], o sujeito é obrigado a deixar invadir sua casa, fazerem fotografia de cueca, exporem sua mulher em trajes mínimos, sem poder recorrer". São mesmos os riscos e a tendência que uma pessoa séria vê?
O compositor, cantor e escritor Jorge Mautner compara os biógrafos com agentes da KGB, a polícia política de Stálin, personagens do que ele disse ser uma piada em que disputam quem mais inventaria para prender duas turistas inocentes. Exposta a comparação, a graça Mautner guardou para si. Um outro, jornalista cultural, encontra "situação análoga" entre a defesa de censura a biografias e a defesa de diploma universitário para jornalistas.
E todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo censura. Querem o predomínio, sobre a liberdade constitucional de expressão e informação, dos artigos do Código Civil que permitem impedir biografias contrárias à honra ou à imagem. Para sabê-lo, porém, só lendo a biografia antes, para aceitá-la ou vetar a publicação. E censura é precisamente isso, nem mais nem menos.
Os defensores da biografia necessariamente autorizada estão pondo todos os biógrafos no papel de difamadores potenciais, quando não contumazes. Os biógrafos já podem processá-los criminalmente por calúnia, injúria e difamação. E cobrar em indenizações, já que os acusadores falam também em dinheiro, o que as biografias não lhes rendem.
Todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo a censura. Mas censura é isso
REAÇÃO DE última hora, e exacerbada, contra o leilão da área de Libra no pré-sal vem de uma aberração brasileira que encontra, neste episódio, o papel de exemplo perfeito. Tanto de si mesma, como do seu agravamento ameaçador.
Protesto é sempre cabível: assim caminha o regime democrático para o seu aprimoramento, aos solavancos das reafirmações e das reconsiderações. Mas a hora dos atuais protestos contra o leilão de Libra era lá atrás, quando o governo Lula projetou o modelo de exploração do pré-sal por petrolíferas privadas, com associação minoritária do Estado brasileiro.
A causa do protesto era e é perfeitamente defensável em nome de múltiplas razões nacionais. O seu confronto com os interesses empresariais, alheios às questões nacionais, por certo seria proveitoso em muitos sentidos. Não ocorreu, porém. Não pôde haver mais do que manifestações anêmicas. Por quê?
Só para lembrar um caso a mais, na mesma linha: dá-se igual com a multibilionária Copa, já presente em protestos públicos e promessa de reações maiores na hora final. Por que a reação não se deu quando podia suscitar alguma reflexão sobre o ímpeto, pouco ou nada responsável, com que Lula buscava essa inutilidade esbanjadora?
É a falta de partidos representativos. Os segmentos da sociedade estão órfãos, entregues a si mesmos. Ou, no máximo, a associações que até podem ter representatividade, mas solta no espaço, sem a necessária extensão na arena adequada que seria o Congresso.
Aos partidos compete serem as vozes da sociedade, organizá-las para serem forças, opô-las para chegar à composição de posições ou à prevalência de um lado. Mas não há partidos: são organizações comerciais, todos interessados em manter o afortunado poder ou em tomá-lo.
A aberração arrasadora e crescente. O que equivale a dizer que assim são os seus efeitos. Até quando e até onde, cada um de nós que imagine.
OUTRO NÃO DEBATE
A polêmica das biografias degringola depressa para o gaiato. Chico Buarque escreve contra a hipótese de difamação em livro praticando horrível difamação de um escrito. No mais, só deu fora: mal informado, os outros exemplos que cita como comprovações de sua opinião são inverdadeiros, e comprovam a tese contrária à sua.
No retorno, Chico Buarque engrossou: "Se for levar isso ao extremo [o direito de escrever biografia sem depender de autorização do biografado ou de parentes], o sujeito é obrigado a deixar invadir sua casa, fazerem fotografia de cueca, exporem sua mulher em trajes mínimos, sem poder recorrer". São mesmos os riscos e a tendência que uma pessoa séria vê?
O compositor, cantor e escritor Jorge Mautner compara os biógrafos com agentes da KGB, a polícia política de Stálin, personagens do que ele disse ser uma piada em que disputam quem mais inventaria para prender duas turistas inocentes. Exposta a comparação, a graça Mautner guardou para si. Um outro, jornalista cultural, encontra "situação análoga" entre a defesa de censura a biografias e a defesa de diploma universitário para jornalistas.
E todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo censura. Querem o predomínio, sobre a liberdade constitucional de expressão e informação, dos artigos do Código Civil que permitem impedir biografias contrárias à honra ou à imagem. Para sabê-lo, porém, só lendo a biografia antes, para aceitá-la ou vetar a publicação. E censura é precisamente isso, nem mais nem menos.
Os defensores da biografia necessariamente autorizada estão pondo todos os biógrafos no papel de difamadores potenciais, quando não contumazes. Os biógrafos já podem processá-los criminalmente por calúnia, injúria e difamação. E cobrar em indenizações, já que os acusadores falam também em dinheiro, o que as biografias não lhes rendem.
Inteligência e investigação contra o vandalismo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 20/10
Trabalho preventivo é crucial para traçar estratégias de combate a grupos que pregam a violência, neutralizá-los e instruir bem inquéritos nos casos de prisão
As multidões que saíram as ruas em junho não tinham uma pauta fechada. Mobilizados a partir de uma luta contra o aumento de tarifas de transporte coletivo, os manifestantes acabaram incorporando às passeatas palavras de ordem que mostravam o descontentamento contra uma série de problemas na Educação, Saúde e na infraestrutura em geral. Previsivelmente, cada grupo puxou o tom dos protestos para sua plataforma. O ronco não foi unânime nas reivindicações, mas em torno do movimento houve um consenso: a condenação à violência e ao vandalismo nos protestos.
Não por acaso, as manifestações começaram a refluir à medida que grupos, hospedando-se nos protestos, passaram a trocar o grito pacífico por ações não só de enfrentamento do aparato de segurança, imprescindível para preservar o respeito aos limites da lei, mas principalmente de vandalismo. Ultrapassou-se, portanto, a fronteira em cujos espaços as passeatas representavam legítimos movimentos de indignação ou mesmo de reivindicações específicas de categorias de trabalhadores.
Black blocs e semelhantes não são um fenômeno novo no planeta. Suas táticas surgiram como uma alternativa à ortodoxia da chamada esquerda europeia, no início dos anos 80. Chegaram ao apogeu midiático em Seattle, em 1999, quando manifestantes com máscaras negras, em protesto contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), ilustraram as primeiras páginas de jornais de todo o mundo. A democracia convive com este tipo de ameaça, desde que o Estado acione os dispositivos que a lei lhe concede para defender a segurança e o patrimônio públicos e privados.
Agora em evidência no Brasil, eles atuam no vácuo de uma expertise de repressão que as autoridades de segurança ainda não conseguiram desenvolver. É urgente que o façam. Rio e São Paulo, onde se concentram as ações de vandalismo, parecem estar indo por esse caminho, mas ainda precisam aperfeiçoar os protocolos de segurança contra tais atos. A punição, consequência lógica para quem transgride os limites da cidadania, é uma das pontas da defesa do Estado. A prisão de pessoas envolvidas em atos de vandalismo está dentro dessa perspectiva.
Na outra ponta, a da prevenção, o poder público ainda reage com tibieza. Ações de inteligência e investigação são fundamentais para traçar antecipadamente estratégias de combate ao vandalismo e neutralizar a ação dos grupos. Também são cruciais para instruir de forma eficiente inquéritos no caso de prisão de desordeiros (não por acaso, a Justiça do Rio mandou soltar os 64 detidos no quebra-quebra de terça-feira, por achar infundadas as acusações).
A isso deve-se juntar uma força-tarefa, com Justiça e MP atuando em conjunto com a polícia, à semelhança do bem-sucedido protocolo nas ações de segurança contra o crime organizado no Rio. A democracia pressupõe respeito à manifestação do contrário, desde que dentro dos limites do estado de direito. Ultrapassada essa fronteira, a reação do Estado precisa ser firme e eficiente, sem contemporização com a violência e a baderna.
Trabalho preventivo é crucial para traçar estratégias de combate a grupos que pregam a violência, neutralizá-los e instruir bem inquéritos nos casos de prisão
As multidões que saíram as ruas em junho não tinham uma pauta fechada. Mobilizados a partir de uma luta contra o aumento de tarifas de transporte coletivo, os manifestantes acabaram incorporando às passeatas palavras de ordem que mostravam o descontentamento contra uma série de problemas na Educação, Saúde e na infraestrutura em geral. Previsivelmente, cada grupo puxou o tom dos protestos para sua plataforma. O ronco não foi unânime nas reivindicações, mas em torno do movimento houve um consenso: a condenação à violência e ao vandalismo nos protestos.
Não por acaso, as manifestações começaram a refluir à medida que grupos, hospedando-se nos protestos, passaram a trocar o grito pacífico por ações não só de enfrentamento do aparato de segurança, imprescindível para preservar o respeito aos limites da lei, mas principalmente de vandalismo. Ultrapassou-se, portanto, a fronteira em cujos espaços as passeatas representavam legítimos movimentos de indignação ou mesmo de reivindicações específicas de categorias de trabalhadores.
Black blocs e semelhantes não são um fenômeno novo no planeta. Suas táticas surgiram como uma alternativa à ortodoxia da chamada esquerda europeia, no início dos anos 80. Chegaram ao apogeu midiático em Seattle, em 1999, quando manifestantes com máscaras negras, em protesto contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), ilustraram as primeiras páginas de jornais de todo o mundo. A democracia convive com este tipo de ameaça, desde que o Estado acione os dispositivos que a lei lhe concede para defender a segurança e o patrimônio públicos e privados.
Agora em evidência no Brasil, eles atuam no vácuo de uma expertise de repressão que as autoridades de segurança ainda não conseguiram desenvolver. É urgente que o façam. Rio e São Paulo, onde se concentram as ações de vandalismo, parecem estar indo por esse caminho, mas ainda precisam aperfeiçoar os protocolos de segurança contra tais atos. A punição, consequência lógica para quem transgride os limites da cidadania, é uma das pontas da defesa do Estado. A prisão de pessoas envolvidas em atos de vandalismo está dentro dessa perspectiva.
Na outra ponta, a da prevenção, o poder público ainda reage com tibieza. Ações de inteligência e investigação são fundamentais para traçar antecipadamente estratégias de combate ao vandalismo e neutralizar a ação dos grupos. Também são cruciais para instruir de forma eficiente inquéritos no caso de prisão de desordeiros (não por acaso, a Justiça do Rio mandou soltar os 64 detidos no quebra-quebra de terça-feira, por achar infundadas as acusações).
A isso deve-se juntar uma força-tarefa, com Justiça e MP atuando em conjunto com a polícia, à semelhança do bem-sucedido protocolo nas ações de segurança contra o crime organizado no Rio. A democracia pressupõe respeito à manifestação do contrário, desde que dentro dos limites do estado de direito. Ultrapassada essa fronteira, a reação do Estado precisa ser firme e eficiente, sem contemporização com a violência e a baderna.
Volta a farra municipal - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 20/10
O calendário sugere que a cidadania fique atenta ao que os políticos andam tramando em Brasília para agradar aos cabos eleitorais, não importa o tamanho ou quão remotas venham a ser as localidades onde eles podem garimpar votos. É nessa direção que as eleições de 2014 já estão acelerando a aprovação de medidas, que, como sempre, vão terminar mexendo no bolso do contribuinte.É o caso da discreta tramitação e aprovação quase unânime pelo Senado, na semana passada, de Projeto de Lei complementar que transfere do Congresso Nacional para as assembleias legislativas a atribuição de autorizar o desmembramento e a criação de municípios. Para não parecer que estavam simplesmente reinstalando uma farra interrompida em 1996, quando uma emenda constitucional passou a exigir lei federal para a criação de entes federados, os parlamentares introduziram condições teoricamente severas.
Um deles é o número mínimo de moradores no distrito a ser emancipado. Para as regiões Norte e Centro-Oeste, 5.997 habitantes; para o Nordeste, 8.396; e para o Sul e Sudeste, 11.995. Além disso, o candidato a novo município terá de apresentar estudo sobre estimativa de receitas próprias e comprovar capacidade de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Vencidas essas etapas, deverá ser providenciada consulta popular em busca da aprovação de pelo menos 10% dos moradores.
Visto assim, parece um "regramento rígido", como chegaram a garantir defensores de projeto. Mas, no país do jeitinho, ninguém precisa ter bola de cristal para prever o que vem por aí. Tampouco se acredita que algum deputado estadual votará contra a histórica elevação de um distrito à condição de município emancipado.
O que certamente não preocupou os parlamentares foi a inconveniência da aprovação do projeto, num ano em que o governo enfrenta dificuldades de cumprir a meta do superavit fiscal. De saída, os critérios definidos no texto aprovado já permitem a 180 localidades pleitearem a emancipação. Especialistas calculam que daí vão ser criados 30 mil cargos: 180 prefeitos, 180 vice-prefeitos, 1,8 mil vereadores (10 por cidade), 5,4 mil cargos de gabinete, 1,8 mil funcionários administrativos e 18 mil outros empregados de prefeitura (média de 100 por cidade).
Só no Entorno do Distrito Federal, há cinco municípios que têm distritos e núcleos urbanos que se enquadram nas regras do projeto aprovado, segundo a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan): Jardim Ingá, em Luziânia; Campos Lindos, em Cristalina; Jardim ABC, na Cidade Ocidental; Morro Alto, em Padre Bernardo; e Girassol, em Cocalzinho de Goiás.
Sabe-se que a maioria dos atuais 5.563 municípios brasileiros é incapaz de gerar recursos para a sua manutenção. São totalmente dependentes das cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), constituído por parcelas de tributos federais, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que vêm sofrendo reduções provocadas pelas desonerações fiscais promovidas para estimular o consumo de automóveis, móveis e eletrodomésticos.
A emancipação de pequenas localidades pode satisfazer as lideranças políticas locais, interessadas nos cargos a serem criados, mas a conta da farra - R$ 9 bilhões por mês, só para os 180 primeiros municípios - vai acabar no colo da União, ou seja, de todos os contribuintes.
Um deles é o número mínimo de moradores no distrito a ser emancipado. Para as regiões Norte e Centro-Oeste, 5.997 habitantes; para o Nordeste, 8.396; e para o Sul e Sudeste, 11.995. Além disso, o candidato a novo município terá de apresentar estudo sobre estimativa de receitas próprias e comprovar capacidade de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Vencidas essas etapas, deverá ser providenciada consulta popular em busca da aprovação de pelo menos 10% dos moradores.
Visto assim, parece um "regramento rígido", como chegaram a garantir defensores de projeto. Mas, no país do jeitinho, ninguém precisa ter bola de cristal para prever o que vem por aí. Tampouco se acredita que algum deputado estadual votará contra a histórica elevação de um distrito à condição de município emancipado.
O que certamente não preocupou os parlamentares foi a inconveniência da aprovação do projeto, num ano em que o governo enfrenta dificuldades de cumprir a meta do superavit fiscal. De saída, os critérios definidos no texto aprovado já permitem a 180 localidades pleitearem a emancipação. Especialistas calculam que daí vão ser criados 30 mil cargos: 180 prefeitos, 180 vice-prefeitos, 1,8 mil vereadores (10 por cidade), 5,4 mil cargos de gabinete, 1,8 mil funcionários administrativos e 18 mil outros empregados de prefeitura (média de 100 por cidade).
Só no Entorno do Distrito Federal, há cinco municípios que têm distritos e núcleos urbanos que se enquadram nas regras do projeto aprovado, segundo a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan): Jardim Ingá, em Luziânia; Campos Lindos, em Cristalina; Jardim ABC, na Cidade Ocidental; Morro Alto, em Padre Bernardo; e Girassol, em Cocalzinho de Goiás.
Sabe-se que a maioria dos atuais 5.563 municípios brasileiros é incapaz de gerar recursos para a sua manutenção. São totalmente dependentes das cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), constituído por parcelas de tributos federais, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que vêm sofrendo reduções provocadas pelas desonerações fiscais promovidas para estimular o consumo de automóveis, móveis e eletrodomésticos.
A emancipação de pequenas localidades pode satisfazer as lideranças políticas locais, interessadas nos cargos a serem criados, mas a conta da farra - R$ 9 bilhões por mês, só para os 180 primeiros municípios - vai acabar no colo da União, ou seja, de todos os contribuintes.
Depósito judicial - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 20/10
Diminuir o total de processos acumulados levará tempo; Justiça ainda não consegue lidar com o volume de ações novas, e estoque só aumenta
Reduzir o estoque de processos judiciais do país será tarefa árdua e longa. Não só porque chegou a 92,2 milhões o número de ações em tramitação nos tribunais brasileiros, mas também --e sobretudo-- porque, a cada ano, a quantidade de novos casos que chegam ao Judiciário supera a de decisões proferidas pelos magistrados.
Segundo o mais recente relatório "Justiça em Números", organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012 os juízes decidiram ao todo 27,8 milhões de processos --em média, cada magistrado julgou 1.450 demandas. Trata-se de aumento modesto, de 1,4%, em relação à produtividade de 2011.
Entretanto cresceu em ritmo ainda maior a procura pelo Poder Judiciário. Foram 28,2 milhões de ações iniciadas em 2012 --8,4% a mais que no ano anterior.
Sem resolver nem mesmo o equivalente ao total de casos novos, a Justiça é incapaz de enfrentar o gigantesco estoque processual. Acumulam-se nos escaninhos judiciários mais de 64 milhões de demandas que não foram decididas no passado --volume 2,6% maior que o de 2011 e 8,9% superior ao de 2009, conforme o quadriênio que o CNJ utiliza para comparação.
Verdade que existem, no relatório do CNJ, sinais de que o Judiciário procura incrementar sua eficiência. No último ano, por exemplo, aumentaram em 33,9% as despesas com informática, que agora atingem a cifra de R$ 2,6 bilhões.
Não se discute que a modernização dos sistemas seja um dos caminhos a serem trilhados, mas, por enquanto, a morosidade ainda é característica predominante na Justiça brasileira.
Basta ver que a taxa de congestionamento do Judiciário permanece, há tempos, em torno de 70%. Em outras palavras, anualmente, a cada 100 processos, apenas 30 são resolvidos. O número é ainda pior nas execuções fiscais: 89% dos casos não foram decididos em 2012.
Seria injusto imaginar que o quadro desalentador resulte apenas da incúria do Poder Judiciário. Muito pode ser feito, sem dúvida, no intuito de melhorar a prestação jurisdicional, mas é preciso reconhecer que esforços são necessários de ambos os lados da porta dos tribunais --e não somente quando os processos já chegaram às cortes.
O ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, tem razão ao creditar o grande volume de casos novos à ampliação do acesso à Justiça (desejável) e à cultura de litigância (a ser combatida).
É crucial, portanto, estimular caminhos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem. Poucas iniciativas teriam sobre o Judiciário brasileiro efeito tão positivo.
Diminuir o total de processos acumulados levará tempo; Justiça ainda não consegue lidar com o volume de ações novas, e estoque só aumenta
Reduzir o estoque de processos judiciais do país será tarefa árdua e longa. Não só porque chegou a 92,2 milhões o número de ações em tramitação nos tribunais brasileiros, mas também --e sobretudo-- porque, a cada ano, a quantidade de novos casos que chegam ao Judiciário supera a de decisões proferidas pelos magistrados.
Segundo o mais recente relatório "Justiça em Números", organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012 os juízes decidiram ao todo 27,8 milhões de processos --em média, cada magistrado julgou 1.450 demandas. Trata-se de aumento modesto, de 1,4%, em relação à produtividade de 2011.
Entretanto cresceu em ritmo ainda maior a procura pelo Poder Judiciário. Foram 28,2 milhões de ações iniciadas em 2012 --8,4% a mais que no ano anterior.
Sem resolver nem mesmo o equivalente ao total de casos novos, a Justiça é incapaz de enfrentar o gigantesco estoque processual. Acumulam-se nos escaninhos judiciários mais de 64 milhões de demandas que não foram decididas no passado --volume 2,6% maior que o de 2011 e 8,9% superior ao de 2009, conforme o quadriênio que o CNJ utiliza para comparação.
Verdade que existem, no relatório do CNJ, sinais de que o Judiciário procura incrementar sua eficiência. No último ano, por exemplo, aumentaram em 33,9% as despesas com informática, que agora atingem a cifra de R$ 2,6 bilhões.
Não se discute que a modernização dos sistemas seja um dos caminhos a serem trilhados, mas, por enquanto, a morosidade ainda é característica predominante na Justiça brasileira.
Basta ver que a taxa de congestionamento do Judiciário permanece, há tempos, em torno de 70%. Em outras palavras, anualmente, a cada 100 processos, apenas 30 são resolvidos. O número é ainda pior nas execuções fiscais: 89% dos casos não foram decididos em 2012.
Seria injusto imaginar que o quadro desalentador resulte apenas da incúria do Poder Judiciário. Muito pode ser feito, sem dúvida, no intuito de melhorar a prestação jurisdicional, mas é preciso reconhecer que esforços são necessários de ambos os lados da porta dos tribunais --e não somente quando os processos já chegaram às cortes.
O ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, tem razão ao creditar o grande volume de casos novos à ampliação do acesso à Justiça (desejável) e à cultura de litigância (a ser combatida).
É crucial, portanto, estimular caminhos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem. Poucas iniciativas teriam sobre o Judiciário brasileiro efeito tão positivo.
As invasões da USP - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 20/10
No inicio da semana passada, o desembargador José Luiz Germano, da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, autorizou a reintegração de posse do prédio da Reitoria da USP, que foi invadido por um pequeno grupo de estudantes no início do mês, mas determinou que a desocupação só seja realizada dentro de 60 dias, para dar "mais uma oportunidade de diálogo" aos invasores e aos dirigentes da instituição. "Esse tempo pode servir para que as partes nego-;ciem, dialoguem e cheguem a um entendimento", disse ele, depois de afirmar que "a ocupação de prédios públicos extrapola os limites do direito de pressão".
Entre outras reivindicações, os estudantes querem a adoção da eleição direta para reitor e de um sistema de gestão tripartite, com mandatos revogáveis por decisão de assembleias universitárias. O Conselho Universitário aceitou modificar as regras para a escolha do novo reitor, mas recusou a proposta de "participacionismo" dos estudantes, por ser jurídica e funcionalmente descabida.
Dois dias após a divulgação do despacho do desembargador Germano, um pequeno grupo de estudantes invadiu um dos prédios do campus da USP em São Carlos. E, no dia seguinte, outro grupo bloqueou o acesso ao campus da Cidade Universitária, em São Paulo. Segundo os líderes estudantis, o bloqueio foi realizado para obrigar os dirigentes da USP a restabelecerem o fornecimento de energia elétrica e de água nas dependências ocupadas, que está interrompido desde a invasão. aQ que está acontecendo é uma afronta aos direitos direitos humanos", disse o diretor do DCE, Thiago Mahrenholz.
Ao apelar para atos violentos - e o bloqueio à Cidade Universitária é mais um inequívoco ato de violência os estudantes deixaram claro que não querem dialogar, mas impor unilateralmente sua vontade política. Também evidenciaram o equívoco de juízes que, em vez de aplicar a lei, para evitar a depredação do patrimônio público e a interrupção da administração central da maior universidade do País, privilegiam argumentos políticos em detrimento do direito positivo.
Ao agir dessa forma, não consideram que a ação que foi levada a julgamento é uma mera questão sucessória - tratam-na como se fosse a mudança do processo decisório da USP, o que extrapola sua competência. Em seu despacho, o desembargador José Luiz Germano afirmou que a ação sub judicie versava sobre o "direto de exercer pressão". Reconheceu que as invasões de prédios públicos impedem os órgãos governamentais de exercer suas atribuições funcionais. Observou que os protestos são legítimos, quando realizados em ruas e praças, sem prejudicar o funcionamento da administração pública, Mas, alegando que a invasão do prédio da Reitoria da USP configura uma "situação diferente" que exigiria uma "solução diferente", já que a administração central da Universidade poderia "funcionar em outro local", manifestou-se contrário à desocupação imediata. "Há que se ponderar os direitos e os interesses dos envolvidos", afirmou.
O problema é que na ação submetida ao desembargador os interesses eram absolutamente incompatíveis. Invasões de prédios públicos são ilegais e o "direito de pressão" é eufemismo para ação direta, isto é, o uso da violência física. Por gerirem um patrimônio da coletividade, os dirigentes da USP não podem ser coniventes com qualquer invasão, sob pena de incorrerem em crime de responsabilidade. Já a outra parte, integrada por pequenas facções radicais de esquerda sem maior representatividade no corpo discente da USP, que é composto por cerca de 92 mil alunos, faz da violência e da violação sistemática da lei seus instrumentos de ação, É absurdo que lhe seja concedida a legitimidade para "negociar", depois de ter desacatado a ordem jurídica.
A decisão do desembargador José Luiz Germano abriu um perigoso precedente. Seu despacho pode levar a crer que quem afronta a lei passa, por isso mesmo, a ter direitos adquiridos.
Entre outras reivindicações, os estudantes querem a adoção da eleição direta para reitor e de um sistema de gestão tripartite, com mandatos revogáveis por decisão de assembleias universitárias. O Conselho Universitário aceitou modificar as regras para a escolha do novo reitor, mas recusou a proposta de "participacionismo" dos estudantes, por ser jurídica e funcionalmente descabida.
Dois dias após a divulgação do despacho do desembargador Germano, um pequeno grupo de estudantes invadiu um dos prédios do campus da USP em São Carlos. E, no dia seguinte, outro grupo bloqueou o acesso ao campus da Cidade Universitária, em São Paulo. Segundo os líderes estudantis, o bloqueio foi realizado para obrigar os dirigentes da USP a restabelecerem o fornecimento de energia elétrica e de água nas dependências ocupadas, que está interrompido desde a invasão. aQ que está acontecendo é uma afronta aos direitos direitos humanos", disse o diretor do DCE, Thiago Mahrenholz.
Ao apelar para atos violentos - e o bloqueio à Cidade Universitária é mais um inequívoco ato de violência os estudantes deixaram claro que não querem dialogar, mas impor unilateralmente sua vontade política. Também evidenciaram o equívoco de juízes que, em vez de aplicar a lei, para evitar a depredação do patrimônio público e a interrupção da administração central da maior universidade do País, privilegiam argumentos políticos em detrimento do direito positivo.
Ao agir dessa forma, não consideram que a ação que foi levada a julgamento é uma mera questão sucessória - tratam-na como se fosse a mudança do processo decisório da USP, o que extrapola sua competência. Em seu despacho, o desembargador José Luiz Germano afirmou que a ação sub judicie versava sobre o "direto de exercer pressão". Reconheceu que as invasões de prédios públicos impedem os órgãos governamentais de exercer suas atribuições funcionais. Observou que os protestos são legítimos, quando realizados em ruas e praças, sem prejudicar o funcionamento da administração pública, Mas, alegando que a invasão do prédio da Reitoria da USP configura uma "situação diferente" que exigiria uma "solução diferente", já que a administração central da Universidade poderia "funcionar em outro local", manifestou-se contrário à desocupação imediata. "Há que se ponderar os direitos e os interesses dos envolvidos", afirmou.
O problema é que na ação submetida ao desembargador os interesses eram absolutamente incompatíveis. Invasões de prédios públicos são ilegais e o "direito de pressão" é eufemismo para ação direta, isto é, o uso da violência física. Por gerirem um patrimônio da coletividade, os dirigentes da USP não podem ser coniventes com qualquer invasão, sob pena de incorrerem em crime de responsabilidade. Já a outra parte, integrada por pequenas facções radicais de esquerda sem maior representatividade no corpo discente da USP, que é composto por cerca de 92 mil alunos, faz da violência e da violação sistemática da lei seus instrumentos de ação, É absurdo que lhe seja concedida a legitimidade para "negociar", depois de ter desacatado a ordem jurídica.
A decisão do desembargador José Luiz Germano abriu um perigoso precedente. Seu despacho pode levar a crer que quem afronta a lei passa, por isso mesmo, a ter direitos adquiridos.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Estou disponível para o partido para o que der e vier”
José Serra (PSDB) torcendo para que a pré-candidatura de Aécio Neves não decole
CONTRIBUINTE É QUEM PAGA MULTAS DOS PARTIDOS
Terminado o prazo de filiações partidárias, pré-candidatos queimam a largada antecipando campanhas em aparições públicas e programas de televisão, em flagrante desrespeito à lei e aos cidadãos. O Tribunal Superior Eleitoral distribui multas, tentando impedir as infrações. Mas o detalhe é que as penalidades aos partidos infratores são pagas pelo mesmo contribuinte desrespeitado, por meio do Fundo Partidário.
POBRE ELEITOR
Em 2010, Dilma (PT) foi multada pelo TSE em R$ 25 mil, e Aécio Neves (PSDB) em R$ 22,5 mil, mas quem pagou foi o eleitor-contribuinte.
POR NOSSA CONTA
Saem do bolso do contribuinte os quase R$ 400 milhões anuais que compõem o Fundo Partidário, objeto de desejo dos donos de siglas.
TÁ EXPLICADO
As leis são feitas pelos políticos, e eles definem como e quanto pendurar as próprias malfeitorias no Fundo Partidário.
FUNDO É UMA MÃE
Até quando a multa é pela má prestação de contas de campanhas, o dinheiro sai dos cofres públicos que abastecem o Fundo Partidário.
FARRA FEDERAL: US$ 12 MIL a DATILÓGRAFA NO JAPÃO
Só o Itamaraty pode explicar o que faz com os ideogramas japoneses a datilógrafa brasileira (CPF ***.245.211-**) que embolsa US$ 12 mil por mês no Japão: ela integra o “trem da alegria” de servidores colocados à disposição de embaixadas e consulados, burlando o “caráter excepcional” de uma lei de 2006. O vale-tudo contempla profissões já extintas e até inúteis nas representações diplomáticas, como artífice.
EXCEPCIONAIS
Os “farristas” descumprem a exigência legal de vagas nos postos, domínio do idioma local, concurso e formação educacional adequada.
MANTRA
Marina Silva bateu na tecla, em reunião do diretório do PSB, de sua aposta na alternativa política para o País, e não em projeto de poder.
AO ATAQUE
Aécio Neves planeja intensificar suas visitas a São Paulo, onde deu uma trégua para não parecer provocação ao desafeto José Serra.
SOB PRESSÃO
Testemunha em sindicância do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Itamaraty, o advogado Luis Vásques disse na quarta que chegou a responsabilizar pessoalmente diplomata Eduardo Sabóia por eventual suicídio do opositor Roger Molina na Embaixada do Brasil.
CLÉSIO 2014
O senador Clésio Andrade (PMDB) já informou a diversos personagens da política mineira, incluindo pré-candidatos como Fernando Pimentel (PT), que sua candidatura a governador de Minas Gerais é irreversível.
FALTA QUALIDADE
Após Dilma afirmar que seus adversários terão de “estudar” para ser presidente, o deputado Marcos Pestana (PSDB-MG) ironizou o eventual cursinho preparatório da presidenta: “Aécio, Eduardo e Marina não se interessariam, porque prezam muito a qualidade do ensino”.
CHAPA DOS SONHOS
O governador Jaques Wagner (PT-BA) articula para lançar o secretário Rui Costa (Casa Civil) candidato a sua sucessão, em chapa com Otto Alencar (PSD) ao Senado e Mário Negromonte (PP) candidato a vice.
BOA POLÍTICA
O chanceler Luiz Alberto Figueiredo acertou com o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) participar de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado, na próxima quinta.
ABERTO AO PÚBLICO
Líder do PSB, Beto Albuquerque (RS) sugeriu ao governador Eduardo Campos (PE) e a Marina Silva que o PSB e a Rede criem um Conselho Político com participação de lideranças políticas, artistas e intelectuais.
PEDRAS NO CAMINHO
Cotado para disputar o governo paulista, o deputado Walter Feldman (PSB) terá de enfrentar idêntica pretensão dos deputados socialistas Luiza Erundina e Márcio França. Mas Marina prefere Feldman.
BRIGA NO TO
O PSD-TO vai à Justiça contra o governador Siqueira Campos (PSDB), por ameaçar cortar verbas públicas de prefeitos da oposição e interferir em processos no TRE e no Tribunal de Contas.
PENSANDO BEM...
...com políticos, doadores de campanha e até defuntos no cadastro, o Bolsa Família deveria se chamar Mamata Família.
PODER SEM PUDOR
BOLSAS PARA TODOS
Conta-se em Urussanga (SC), cidade vizinha a Criciúma, que em 1999 estudantes pobres pediram bolsas de estudo ao vice-prefeito Sandrini, que assumira no lugar do titular, Ruberval Pilotto. Solícito, o prefeito interino chamou um assessor e determinou que fosse à papelaria adquirir todas as bolsas que fossem necessárias. E ainda reforçou, para incredulidade geral:
- Se a prefeitura não tiver dinheiro, pode colocar na minha conta, eu pago.
José Serra (PSDB) torcendo para que a pré-candidatura de Aécio Neves não decole
CONTRIBUINTE É QUEM PAGA MULTAS DOS PARTIDOS
Terminado o prazo de filiações partidárias, pré-candidatos queimam a largada antecipando campanhas em aparições públicas e programas de televisão, em flagrante desrespeito à lei e aos cidadãos. O Tribunal Superior Eleitoral distribui multas, tentando impedir as infrações. Mas o detalhe é que as penalidades aos partidos infratores são pagas pelo mesmo contribuinte desrespeitado, por meio do Fundo Partidário.
POBRE ELEITOR
Em 2010, Dilma (PT) foi multada pelo TSE em R$ 25 mil, e Aécio Neves (PSDB) em R$ 22,5 mil, mas quem pagou foi o eleitor-contribuinte.
POR NOSSA CONTA
Saem do bolso do contribuinte os quase R$ 400 milhões anuais que compõem o Fundo Partidário, objeto de desejo dos donos de siglas.
TÁ EXPLICADO
As leis são feitas pelos políticos, e eles definem como e quanto pendurar as próprias malfeitorias no Fundo Partidário.
FUNDO É UMA MÃE
Até quando a multa é pela má prestação de contas de campanhas, o dinheiro sai dos cofres públicos que abastecem o Fundo Partidário.
FARRA FEDERAL: US$ 12 MIL a DATILÓGRAFA NO JAPÃO
Só o Itamaraty pode explicar o que faz com os ideogramas japoneses a datilógrafa brasileira (CPF ***.245.211-**) que embolsa US$ 12 mil por mês no Japão: ela integra o “trem da alegria” de servidores colocados à disposição de embaixadas e consulados, burlando o “caráter excepcional” de uma lei de 2006. O vale-tudo contempla profissões já extintas e até inúteis nas representações diplomáticas, como artífice.
EXCEPCIONAIS
Os “farristas” descumprem a exigência legal de vagas nos postos, domínio do idioma local, concurso e formação educacional adequada.
MANTRA
Marina Silva bateu na tecla, em reunião do diretório do PSB, de sua aposta na alternativa política para o País, e não em projeto de poder.
AO ATAQUE
Aécio Neves planeja intensificar suas visitas a São Paulo, onde deu uma trégua para não parecer provocação ao desafeto José Serra.
SOB PRESSÃO
Testemunha em sindicância do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Itamaraty, o advogado Luis Vásques disse na quarta que chegou a responsabilizar pessoalmente diplomata Eduardo Sabóia por eventual suicídio do opositor Roger Molina na Embaixada do Brasil.
CLÉSIO 2014
O senador Clésio Andrade (PMDB) já informou a diversos personagens da política mineira, incluindo pré-candidatos como Fernando Pimentel (PT), que sua candidatura a governador de Minas Gerais é irreversível.
FALTA QUALIDADE
Após Dilma afirmar que seus adversários terão de “estudar” para ser presidente, o deputado Marcos Pestana (PSDB-MG) ironizou o eventual cursinho preparatório da presidenta: “Aécio, Eduardo e Marina não se interessariam, porque prezam muito a qualidade do ensino”.
CHAPA DOS SONHOS
O governador Jaques Wagner (PT-BA) articula para lançar o secretário Rui Costa (Casa Civil) candidato a sua sucessão, em chapa com Otto Alencar (PSD) ao Senado e Mário Negromonte (PP) candidato a vice.
BOA POLÍTICA
O chanceler Luiz Alberto Figueiredo acertou com o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) participar de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado, na próxima quinta.
ABERTO AO PÚBLICO
Líder do PSB, Beto Albuquerque (RS) sugeriu ao governador Eduardo Campos (PE) e a Marina Silva que o PSB e a Rede criem um Conselho Político com participação de lideranças políticas, artistas e intelectuais.
PEDRAS NO CAMINHO
Cotado para disputar o governo paulista, o deputado Walter Feldman (PSB) terá de enfrentar idêntica pretensão dos deputados socialistas Luiza Erundina e Márcio França. Mas Marina prefere Feldman.
BRIGA NO TO
O PSD-TO vai à Justiça contra o governador Siqueira Campos (PSDB), por ameaçar cortar verbas públicas de prefeitos da oposição e interferir em processos no TRE e no Tribunal de Contas.
PENSANDO BEM...
...com políticos, doadores de campanha e até defuntos no cadastro, o Bolsa Família deveria se chamar Mamata Família.
PODER SEM PUDOR
BOLSAS PARA TODOS
Conta-se em Urussanga (SC), cidade vizinha a Criciúma, que em 1999 estudantes pobres pediram bolsas de estudo ao vice-prefeito Sandrini, que assumira no lugar do titular, Ruberval Pilotto. Solícito, o prefeito interino chamou um assessor e determinou que fosse à papelaria adquirir todas as bolsas que fossem necessárias. E ainda reforçou, para incredulidade geral:
- Se a prefeitura não tiver dinheiro, pode colocar na minha conta, eu pago.
DOMINGO NOS JORNAIS
Globo: Na boca da urna: Campanhas eleitorais concentram corrupção
- Folha: Em 5 anos, SUS sofre desvios de R$ 500 milhões
- Estadão: Chineses podem entrar no pré-sal e em refinarias
- Correio: Sonho do brasiliense é ser servidor público
- Estado de Minas: O preço de um voto
- Jornal do Commercio: Qualidade de vida desafia o rumo do Bolsa Família
- Zero Hora: Impostos sobem 16% mais que a inflação em 10 anos