FOLHA DE SP - 14/10
O conceito de consciência política é tão científico quanto o conceito de mediunidade
Em mil anos, lembrarão de nossa época como um mundo preso ao mito da política como redenção. Os medievais esperavam a redenção do mundo pelas mãos de Deus, nós esperamos a redenção pelas mãos da política, do povo, dos black blocs.
Quase nada há de científico no tratamento da política no mundo contemporâneo, mesmo no conceito de "consciência política", que é tão científico quanto o conceito de mediunidade. Teremos que esperar mil anos para nos livrarmos dessa crendice.
A rigor, quase não existe ciência política entre nós (pensando ciência como um método de observação que induz a teorias sobre os eventos observados), apenas crenças em processos mágicos carregados pelas mãos sagradas do "povo".
O pensamento mágico em política se caracteriza, entre outras coisas, pela crença numa teoria a priori da história como processo, teoria esta por sua vez carregada de significado moral autoevidente (uma espécie de pureza moral). Já ouviu falar em algo parecido? Por exemplo, crer que quebrar coisas na rua seja um ato carregado de "justiça social" é como crer na providência divina do coquetel molotov.
Dias atrás, o editorial desta Folha falava do "fetiche da democracia" para discutir a eleição direta para reitor da USP. Eu mesmo, nesta coluna, outro dia, falava dos inúmeros fetiches que marcam o debate filosófico-político entre nós, além do fetiche da democracia, o do povo, o da revolução, o das redes sociais, entre outros.
Como antídoto a essa moléstia do pensamento, proponho a leitura do livro "Mito do Estado", uma pequena pérola do filósofo alemão Ernst Cassirer.
Obra tardia na vida de Cassirer (1946), esse livro é uma espécie de testamento pessimista deste grande neokantiano. Cassirer ficou conhecido como autor de duas grandes obras em vários volumes: "Filosofia das Formas Simbólicas" e "O Problema do Conhecimento" --não sei se existem traduções delas no Brasil.
Cassirer "saiu da moda" porque pecaria por ter pensado (devido ao componente hegeliano do neokantismo) a história nos moldes de uma evolução (um tanto hegeliana) na qual passamos do modo mítico ao modo lógico-científico de pensar.
Fugindo da perseguição nazista (ele era judeu), Cassirer morre desesperado com o que ele pensou ter visto: um regresso ao modo primitivo de pensar a política, a saber, a fé num Estado (o fascista) todo-poderoso do qual emanaria a redenção da vida. Cassirer acertou em cheio.
Ainda que o fascismo naqueles moldes tenha passado (quem sabe?), permaneceu em nós a relação mágica com a ideia da política como dimensão justificada em sua violência porque redentora da vida.
Se vivesse mais, ele veria que o mito do Estado evoluiria para o mito do "povo democrático" como soberano "sábio" e "justo", pelo simples fato de nele repousar a graça da justiça social e histórica (maldito Rousseau!). Resumo este mito como "o mito da política como redenção". Puro pensamento mágico.
Quando vemos black blocs quebrando bancos, carros e lojas, sob o efeito do mito da política, procuramos nesse simples ato de violência alguma teoria política que justifique a violência. Mas não existe.
Pensar que há é semelhante aos inquisidores que pensavam existir no ato de queimar pessoas vivas um passo necessário à salvação daquelas almas perdidas.
A "inquisição das ruas" hoje pensa que nossa sociedade está perdida e precisa ser salva por tais sacerdotes da pureza política. Mas o pior é que a classe intelectual é quase toda o alto clero dessa falácia. Rirão de nós em mil anos por crermos nessa mitologia da revolução.
Daqui a mil anos verão que a Revolução Francesa (mito fundante desta seita que dá em black blocs) foi um fato desnecessário para o fim do mundo medieval. Pessoas quebrando coisas na rua não implica em melhoria política. A Argentina "vive na rua" e sua política é risível. Os EUA nunca "vão pra rua" e são a melhor democracia do mundo.
Nosso mundo contemporâneo é superficial demais para sustentar mitos, por isso prefere o fetiche do porrete como pau duro na sua marcha redentora por "um mundo melhor".
segunda-feira, outubro 14, 2013
A maldição do petróleo e a educação - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
Em recente e concorrida cerimônia, foi sancionada a lei que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. Do mesmo modo, serão aplicados 50% do Fundo Social do pré-sal. A medida vai evitar, segundo a presidente Dilma, a "característica terrível" da "maldição do petróleo. Ela se empolgou. "Nós vamos assegurar, com esses recursos um patamar de desenvolvimento bastante similar ao dos países desenvolvidos." Será?
A "maldição do petróleo" vem do artigo de Jefírey Sachs e Andrew Warner ("Natural Resource Abundance and Economic Growth", 1995). Eles mostraram que países ricos em recursos naturais crescem menos, pois essa fonte de riqueza tende a gerar desperdícios em meio a corrupção e a entraves burocráticos. Gastos correntes crescem em detrimento de ações na infraestrutura e no fortalecimento institucional. As políticas de desenvolvimento beneficiam grupos influentes.
Ao contrário do que se pode pensar, o êxito é possível sem amplos recursos naturais. No século XVII, a Holanda eclipsou a Espanha, então detentora de minas de ouro e prata no Novo Mundo. Entre os séculos XIX e XX, o Japão superou a Rússia rica de recursos naturais. Outro exemplo é o sucesso de Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul. Há casos que não confirmam a tese daqueles autores. Na Inglaterra, o carvão mineral contribuiu para a Revolução Industrial. Os Estados Unidos enriqueceram ao tempo em que exportavam recursos naturais. No Mar do Norte, o petróleo não gerou desperdícios.
É difícil partilhar das loas da presidente Dilma à nova lei. O problema da educação não é de falta de recursos, mas de boa gestão e de prioridades, como afirmei nesta coluna. Essa é também a opinião de outro colunista e um de nossos melhores estudiosos da matéria, Gustavo Ioschpe. Cabe reconhecer, porém, que a maioria concorda com a empolgação de Dilma. Ademais, é amplo o apoio ao projeto de lei que elevaria tais gastos para 10% do PIB, mesmo que, proporcionalmente, seu nível atual (5,8% do PIB) seja próximo do observado nos Estados Unidos e na Alemanha, e supere os do Japão, da China e da Coreia do Sul.
Há quem busque provar que aplicamos pouco em educação mediante comparação dos nossos gastos por aluno com os dos países ricos. De fato, o relatório Education at a Glance 2013, da OCDE, indica que, somados os gastos públicos e privados, os Estados Unidos investem 15.171 dólares por estudante: o Brasil, apenas 3.067 dólares. Aí estaria, diz-se, a origem do fracasso brasileiro em educação. Por isso, remuneramos mal nossos professores e não investimos adequadamente em tecnologia. De fato, pouquíssimas escolas do ensino fundamental possuem laboratório de ciências.
Esse tipo de comparação é despropositado. Não é possível cotejar gastos públicos de países sem levar em conta as diferenças de renda per capita entre eles. O correto é fazer comparações em termos proporcionais (porcentuais do PIB). Os Estados Unidos despendem em educação 4.9 vezes mais do que o Brasil simplesmente porque são mais ricos. Segundo o World Economic Outlook. do FMI, em 2010 a renda per capita americana era de 46.811 dólares e a do Brasil de 10.992 dólares, ou seja, a deles é 4.3 vezes a nossa. Por aí, também ficamos próximo deles. O relatório da OCDE mostra que os gastos americanos por estudante são 65% maiores do que a média da União Européia, mas os dois grupos exibem qualidade de educação semelhante. O critério quantitativo, como se vê, nem sempre é o melhor para aferir o desempenho de distintas políticas públicas. Será ainda menos adequado quanto maior for a distância entre as rendas per capita dos países considerados.
Precisamos revolucionar a gestão das políticas educacionais. Por exemplo, remunerar os professores por desempenho e deixar de designar diretores de escolas por interesses políticos. Enquanto essas e outras mudanças não vierem, aumentar gastos públicos pode ajudar, mas é provável que gere mais desperdícios e não contribua para melhorar a qualidade da educação. Como ensinou Cristo, "ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha porque semelhante remendo rompe a roupa e faz-se maior a rotura" (Mateus 9:16).
A "maldição do petróleo" vem do artigo de Jefírey Sachs e Andrew Warner ("Natural Resource Abundance and Economic Growth", 1995). Eles mostraram que países ricos em recursos naturais crescem menos, pois essa fonte de riqueza tende a gerar desperdícios em meio a corrupção e a entraves burocráticos. Gastos correntes crescem em detrimento de ações na infraestrutura e no fortalecimento institucional. As políticas de desenvolvimento beneficiam grupos influentes.
Ao contrário do que se pode pensar, o êxito é possível sem amplos recursos naturais. No século XVII, a Holanda eclipsou a Espanha, então detentora de minas de ouro e prata no Novo Mundo. Entre os séculos XIX e XX, o Japão superou a Rússia rica de recursos naturais. Outro exemplo é o sucesso de Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul. Há casos que não confirmam a tese daqueles autores. Na Inglaterra, o carvão mineral contribuiu para a Revolução Industrial. Os Estados Unidos enriqueceram ao tempo em que exportavam recursos naturais. No Mar do Norte, o petróleo não gerou desperdícios.
É difícil partilhar das loas da presidente Dilma à nova lei. O problema da educação não é de falta de recursos, mas de boa gestão e de prioridades, como afirmei nesta coluna. Essa é também a opinião de outro colunista e um de nossos melhores estudiosos da matéria, Gustavo Ioschpe. Cabe reconhecer, porém, que a maioria concorda com a empolgação de Dilma. Ademais, é amplo o apoio ao projeto de lei que elevaria tais gastos para 10% do PIB, mesmo que, proporcionalmente, seu nível atual (5,8% do PIB) seja próximo do observado nos Estados Unidos e na Alemanha, e supere os do Japão, da China e da Coreia do Sul.
Há quem busque provar que aplicamos pouco em educação mediante comparação dos nossos gastos por aluno com os dos países ricos. De fato, o relatório Education at a Glance 2013, da OCDE, indica que, somados os gastos públicos e privados, os Estados Unidos investem 15.171 dólares por estudante: o Brasil, apenas 3.067 dólares. Aí estaria, diz-se, a origem do fracasso brasileiro em educação. Por isso, remuneramos mal nossos professores e não investimos adequadamente em tecnologia. De fato, pouquíssimas escolas do ensino fundamental possuem laboratório de ciências.
Esse tipo de comparação é despropositado. Não é possível cotejar gastos públicos de países sem levar em conta as diferenças de renda per capita entre eles. O correto é fazer comparações em termos proporcionais (porcentuais do PIB). Os Estados Unidos despendem em educação 4.9 vezes mais do que o Brasil simplesmente porque são mais ricos. Segundo o World Economic Outlook. do FMI, em 2010 a renda per capita americana era de 46.811 dólares e a do Brasil de 10.992 dólares, ou seja, a deles é 4.3 vezes a nossa. Por aí, também ficamos próximo deles. O relatório da OCDE mostra que os gastos americanos por estudante são 65% maiores do que a média da União Européia, mas os dois grupos exibem qualidade de educação semelhante. O critério quantitativo, como se vê, nem sempre é o melhor para aferir o desempenho de distintas políticas públicas. Será ainda menos adequado quanto maior for a distância entre as rendas per capita dos países considerados.
Precisamos revolucionar a gestão das políticas educacionais. Por exemplo, remunerar os professores por desempenho e deixar de designar diretores de escolas por interesses políticos. Enquanto essas e outras mudanças não vierem, aumentar gastos públicos pode ajudar, mas é provável que gere mais desperdícios e não contribua para melhorar a qualidade da educação. Como ensinou Cristo, "ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha porque semelhante remendo rompe a roupa e faz-se maior a rotura" (Mateus 9:16).
Sociedades mornas - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 14/10
SÃO PAULO - Além de ter detestado a baía de Guanabara --segundo o verso biográfico não autorizado de Caetano Veloso--, o antropólogo Claude Lévi-Strauss inventou uma tipologia para diferenciar os agrupamentos humanos de acordo com sua inclinação pela mudança.
Sociedades quentes, como as da Europa ocidental, transformam-se constantemente. Sua narrativa é a história. Em contraponto, as sociedades frias, como algumas ameríndias, preservam seus contornos culturais e organizacionais ao longo dos séculos. Sua narrativa são os mitos.
Entre o quente e o frio, o Brasil fica no meio da escala, morno. Aqui sempre haverá reservas de gelo para neutralizar ou atenuar os vetores flamejantes do conflito e da mudança.
A batalha cultural típica dos EUA, entre os conservadores e os progressistas, ensaia repetir-se aqui. Mas nosso campo gravitacional macunaímico modera sua belicosidade e embaralha seus pelotões. O que de lá sai guerra aqui chega gincana.
O Datafolha mostra os brasileiros francamente progressistas na aceitação da homossexualidade, na defesa da proibição do porte de armas e no reconhecimento da falta de oportunidades iguais como causa da pobreza. Maiorias também expressivas, contudo, agrupam-se em torno de ideias conservadoras, como a proibição do uso de drogas, a preferência por tratar como adultos os adolescentes que cometam crimes e a vantagem intrínseca da crença divina.
Aceita como causa da pobreza, a falta de oportunidades é porém recusada pela maioria como responsável pela criminalidade. É a maldade das pessoas que leva à delinquência.
Poucos são os temas, como a pena de morte e o papel dos sindicatos, que instilam polarização equilibrada, à americana. Fora disso, as maiorias são folgadas e constantes ao longo dos estratos socioeconômicos.
É o Brasil de Caetano e de Kassab. Nem quente, nem frio. Nem à esquerda, nem ao centro, nem à direita.
SÃO PAULO - Além de ter detestado a baía de Guanabara --segundo o verso biográfico não autorizado de Caetano Veloso--, o antropólogo Claude Lévi-Strauss inventou uma tipologia para diferenciar os agrupamentos humanos de acordo com sua inclinação pela mudança.
Sociedades quentes, como as da Europa ocidental, transformam-se constantemente. Sua narrativa é a história. Em contraponto, as sociedades frias, como algumas ameríndias, preservam seus contornos culturais e organizacionais ao longo dos séculos. Sua narrativa são os mitos.
Entre o quente e o frio, o Brasil fica no meio da escala, morno. Aqui sempre haverá reservas de gelo para neutralizar ou atenuar os vetores flamejantes do conflito e da mudança.
A batalha cultural típica dos EUA, entre os conservadores e os progressistas, ensaia repetir-se aqui. Mas nosso campo gravitacional macunaímico modera sua belicosidade e embaralha seus pelotões. O que de lá sai guerra aqui chega gincana.
O Datafolha mostra os brasileiros francamente progressistas na aceitação da homossexualidade, na defesa da proibição do porte de armas e no reconhecimento da falta de oportunidades iguais como causa da pobreza. Maiorias também expressivas, contudo, agrupam-se em torno de ideias conservadoras, como a proibição do uso de drogas, a preferência por tratar como adultos os adolescentes que cometam crimes e a vantagem intrínseca da crença divina.
Aceita como causa da pobreza, a falta de oportunidades é porém recusada pela maioria como responsável pela criminalidade. É a maldade das pessoas que leva à delinquência.
Poucos são os temas, como a pena de morte e o papel dos sindicatos, que instilam polarização equilibrada, à americana. Fora disso, as maiorias são folgadas e constantes ao longo dos estratos socioeconômicos.
É o Brasil de Caetano e de Kassab. Nem quente, nem frio. Nem à esquerda, nem ao centro, nem à direita.
Sob o risco de uma contrarreforma fiscal - CLAUDIA SAFATLE
Valor Econômico - 14/10
Em um contorcionismo financeiro e legal, o governo e sua base aliada removem os últimos diques que ainda seguravam o endividamento dos Estados e municípios, cuja renegociação de pesados débitos no fim dos anos 90 culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Simultaneamente, o governo determinou que o BNDES prepare uma linha como o Proinvest para financiar as prefeituras das capitais, tal como fez com os Estados, que tiveram R$ 20 bilhões disponíveis.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 238/13, que altera o indexador das dívidas dos entes da federação, foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados anteontem. No plenário vai receber uma emenda substitutiva global para, entre outras mudanças, autorizar o recálculo das dívidas retroativo à data original dos contratos (a partir de 1997).
Pela nova regra, os contratos de refinanciamento dos Estados e municípios com a União serão revistos e passam a ser reajustados, a partir de janeiro de 2013, pelo IPCA mais 4% ao ano, ou pela taxa Selic, o que for menor. Hoje, as dívidas são corrigidas com base na variação do IGP-DI mais 6%, 7,5%, ou 9%, ao ano, conforme cada contrato.
A Prefeitura de São Paulo será a maior beneficiária da retroatividade do indexador. O município ficou com um custo financeiro maior - IGP-DI mais 9% ao ano - porque, ao contrário dos demais, não pagou a entrada para amortizar parte da dívida na assinatura do contrato.
A dívida da prefeitura paulistana será reduzida em R$ 24 bilhões. A dos Estados em geral, em cerca de R$ 1 bilhão. Segundo o Tesouro Nacional, outras 179 prefeituras serão beneficiadas, mas a secretaria não informou quais nem em quanto.
Com o abatimento do estoque da dívida, o município de SP e o Estado do Rio Grande do Sul vão poder contratar novos empréstimos, o que até então não podiam por desenquadramento nos limites legais de endividamento.
Para ajudar Fernando Haddad a reduzir a dívida da prefeitura paulistana e ainda poder obter novos empréstimos, o projeto de lei complementar deve ser votado no plenário da Câmara na próxima semana, em seguida, irá para o Senado e, posteriormente, para sanção presidencial.
Apesar de o Ministério da Fazenda atestar que o projeto não fere o artigo 35 da LRF - que veda a realização de nova renegociação de dívida entre os entes da federação - essa é uma avaliação questionável.
"É uma contrarreforma", disse o economista Fábio Giambiagi, sobre o projeto de lei complementar. "Estão reproduzindo a situação pré-LRF", alertou o economista José Roberto Afonso, referindo-se ao quadro de falência que imperava nas finanças estaduais e municipais nos anos 90. Ambos são especialistas em contas públicas e Afonso foi um atuante colaborador na elaboração da LRF.
As bases da responsabilidade fiscal - cuja lei instituiu um novo padrão de comportamento dos entes públicos em relação ao dinheiro do contribuinte - começaram a ser minadas há mais tempo, através de liberalizações daqui e dali do Tesouro Nacional, mediante concessão de garantias para operações de crédito a Estados e municípios e outras decisões administrativas.
Hoje, os Estados têm à disposição R$ 61,13 bilhões de empréstimos já contratados e mais R$ 27,82 bilhões de dívida autorizada a ser contratada, perfazendo um total de R$ 88,96 bilhões em novos empréstimos. Cerca de 40% desse montante é para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, segundo dados do Tesouro enviados à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Isso corresponde a um aumento de 22% na dívida líquida total e de 95%, em média, na dívida dos Estados, quando tudo estiver liberado.
A dívida da prefeitura de SP é impagável e o município precisava mesmo de um alívio. Quando fez a rolagem, em 2000, o saldo da dívida era de R$ 11,3 bilhões. Mesmo pagando R$ 19,5 bilhões desde então, a dívida subiu para R$ 54 bilhões. A demanda de governadores e prefeitos era, reduzir os fluxos de pagamento da dívida, esticando os prazos.
O PLC 238 vai por outro caminho: diminui o estoque e cria as condições para destravar o crédito na medida em que reduz o saldo das dívidas para um patamar abaixo dos tetos estabelecidos pelos contratos de refinanciamento e pelo Senado. Os demais Estados já estavam liberados para participar da "festa" e foram em busca de crédito com a anuência do Tesouro Nacional.
Entre maio e agosto, a União concedeu R$ 24 bilhões em aval para empréstimos contraídos por Estados e municípios, além de garantias de mais de R$ 12 bilhões de maio a setembro. Os créditos são contratados junto ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa, em nome do estímulo ao investimento e para programas de mobilidade urbana.
Se o passado é uma lição para o futuro, esse é um processo de endividamento que pode recolocar os entes da federação na situação falimentar que estavam nos anos 90, quando a União teve que assumir suas dívidas, renegociá-las por 30 anos e vedar novos empréstimos.
Atualmente eles pagam entre 11% a 13% da receita corrente líquida mensal para o Tesouro Nacional, pela rolagem passada. O desconto do estoque da dívida vai reduzir um pouco esses desembolsos, mas os Estados e municípios estão contratando novos empréstimos. Com os prazos de carência dos créditos recentes, a conta ficará para os próximos governadores e prefeitos. Se, lá na frente, eles tiverem que comprometer 15%, 18% ou 20% com o pagamento de dívidas, não terão como arcar com as demais despesas - como segurança pública, saúde ou educação. E a única saída será uma nova rolagem.
Simultaneamente, o governo determinou que o BNDES prepare uma linha como o Proinvest para financiar as prefeituras das capitais, tal como fez com os Estados, que tiveram R$ 20 bilhões disponíveis.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 238/13, que altera o indexador das dívidas dos entes da federação, foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados anteontem. No plenário vai receber uma emenda substitutiva global para, entre outras mudanças, autorizar o recálculo das dívidas retroativo à data original dos contratos (a partir de 1997).
Pela nova regra, os contratos de refinanciamento dos Estados e municípios com a União serão revistos e passam a ser reajustados, a partir de janeiro de 2013, pelo IPCA mais 4% ao ano, ou pela taxa Selic, o que for menor. Hoje, as dívidas são corrigidas com base na variação do IGP-DI mais 6%, 7,5%, ou 9%, ao ano, conforme cada contrato.
A Prefeitura de São Paulo será a maior beneficiária da retroatividade do indexador. O município ficou com um custo financeiro maior - IGP-DI mais 9% ao ano - porque, ao contrário dos demais, não pagou a entrada para amortizar parte da dívida na assinatura do contrato.
A dívida da prefeitura paulistana será reduzida em R$ 24 bilhões. A dos Estados em geral, em cerca de R$ 1 bilhão. Segundo o Tesouro Nacional, outras 179 prefeituras serão beneficiadas, mas a secretaria não informou quais nem em quanto.
Com o abatimento do estoque da dívida, o município de SP e o Estado do Rio Grande do Sul vão poder contratar novos empréstimos, o que até então não podiam por desenquadramento nos limites legais de endividamento.
Para ajudar Fernando Haddad a reduzir a dívida da prefeitura paulistana e ainda poder obter novos empréstimos, o projeto de lei complementar deve ser votado no plenário da Câmara na próxima semana, em seguida, irá para o Senado e, posteriormente, para sanção presidencial.
Apesar de o Ministério da Fazenda atestar que o projeto não fere o artigo 35 da LRF - que veda a realização de nova renegociação de dívida entre os entes da federação - essa é uma avaliação questionável.
"É uma contrarreforma", disse o economista Fábio Giambiagi, sobre o projeto de lei complementar. "Estão reproduzindo a situação pré-LRF", alertou o economista José Roberto Afonso, referindo-se ao quadro de falência que imperava nas finanças estaduais e municipais nos anos 90. Ambos são especialistas em contas públicas e Afonso foi um atuante colaborador na elaboração da LRF.
As bases da responsabilidade fiscal - cuja lei instituiu um novo padrão de comportamento dos entes públicos em relação ao dinheiro do contribuinte - começaram a ser minadas há mais tempo, através de liberalizações daqui e dali do Tesouro Nacional, mediante concessão de garantias para operações de crédito a Estados e municípios e outras decisões administrativas.
Hoje, os Estados têm à disposição R$ 61,13 bilhões de empréstimos já contratados e mais R$ 27,82 bilhões de dívida autorizada a ser contratada, perfazendo um total de R$ 88,96 bilhões em novos empréstimos. Cerca de 40% desse montante é para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, segundo dados do Tesouro enviados à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Isso corresponde a um aumento de 22% na dívida líquida total e de 95%, em média, na dívida dos Estados, quando tudo estiver liberado.
A dívida da prefeitura de SP é impagável e o município precisava mesmo de um alívio. Quando fez a rolagem, em 2000, o saldo da dívida era de R$ 11,3 bilhões. Mesmo pagando R$ 19,5 bilhões desde então, a dívida subiu para R$ 54 bilhões. A demanda de governadores e prefeitos era, reduzir os fluxos de pagamento da dívida, esticando os prazos.
O PLC 238 vai por outro caminho: diminui o estoque e cria as condições para destravar o crédito na medida em que reduz o saldo das dívidas para um patamar abaixo dos tetos estabelecidos pelos contratos de refinanciamento e pelo Senado. Os demais Estados já estavam liberados para participar da "festa" e foram em busca de crédito com a anuência do Tesouro Nacional.
Entre maio e agosto, a União concedeu R$ 24 bilhões em aval para empréstimos contraídos por Estados e municípios, além de garantias de mais de R$ 12 bilhões de maio a setembro. Os créditos são contratados junto ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa, em nome do estímulo ao investimento e para programas de mobilidade urbana.
Se o passado é uma lição para o futuro, esse é um processo de endividamento que pode recolocar os entes da federação na situação falimentar que estavam nos anos 90, quando a União teve que assumir suas dívidas, renegociá-las por 30 anos e vedar novos empréstimos.
Atualmente eles pagam entre 11% a 13% da receita corrente líquida mensal para o Tesouro Nacional, pela rolagem passada. O desconto do estoque da dívida vai reduzir um pouco esses desembolsos, mas os Estados e municípios estão contratando novos empréstimos. Com os prazos de carência dos créditos recentes, a conta ficará para os próximos governadores e prefeitos. Se, lá na frente, eles tiverem que comprometer 15%, 18% ou 20% com o pagamento de dívidas, não terão como arcar com as demais despesas - como segurança pública, saúde ou educação. E a única saída será uma nova rolagem.
A visita de Estado que não houve - PETER HAKIM
O Estado de S.Paulo - 14/10
O "adiamento" da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff revela muito sobre as relações Brasil-EUA. Praticamente desde o início estava claro que a visita não renderia muito. Questões importantes de interesse mútuo seriam discutidas, mas ninguém esperava um real progresso na solução dos múltiplos desacordos dos dois países ou um aumento de sua cooperação regional e internacional. Para o Brasil, essa visita seria uma expressão de alto nível de sua estatura global. Para os EUA, uma forma de acolher o gigante sul-americano e manter uma relação estranha e problemática em curso amigável.
Líderes brasileiros e americanos geralmente se referem uns aos outros como parceiros, aliados até - e regularmente pedem uma relação mais robusta, estratégica. Mas seus governos não investem muito no avanço da relação. Os recentes acordos bilaterais são periféricos às preocupações prioritárias dos dois países. A relação é superficialmente amistosa, com cooperação limitada, discordâncias consideráveis e choques eventuais.
Mesmo quando identificam objetivos comuns, raramente os perseguem. Os dois governos falam com frequência de interesses econômicos comuns. Mas não assinaram um único grande pacto econômico em uma geração - Washington fez acordos comerciais com cerca de 20 países em todo o mundo, 11 na América Latina. Na condição de maiores exportadores agrícolas mundiais, Brasil e EUA se beneficiariam imensamente de uma redução das barreiras comerciais globais - porém jamais foram capazes de cooperar para tal.
São inúmeras as oportunidades de cooperação. Os EUA são a economia mais rica e tecnologicamente mais avançada do mundo e o Brasil ostenta o 6.º ou 7.º maior mercado mundial. Apesar de a China ser hoje o principal parceiro econômico do País, o comércio com os EUA prospera. Os EUA são os maiores compradores de manufaturados do Brasil e sua principal fonte de capital estrangeiro e novas tecnologias. O petróleo offshore poderia transformar o País num dos maiores fornecedores de energia aos EUA, superando Venezuela e México. O Brasil é a sede da maioria das empresas americanas na América do Sul.
Os desentendimentos, todavia, têm bloqueado o progresso rumo a tratados fundamentais sobre comércio bilateral, tributos e investimentos. São responsáveis também pelo fracasso de negociações comerciais hemisféricas e impediram as duas nações de cooperar em conversações globais. Tarifas e subsídios agrícolas americanos limitam as exportações brasileiras para os EUA e globalmente. Já o Brasil mantém altas barreiras à importação de serviços e manufaturas e rejeita salvaguardas mais fortes à propriedade intelectual.
Um problema ainda maior seria a persistente desconfiança. Washington acha que Brasília não está disposta a fazer concessões, enquanto pede concessões demais. O Brasil é cauteloso na abertura de sua economia. Apesar dos êxitos brasileiros, muitas autoridades públicas e líderes empresariais têm dúvidas quanto à capacidade do País de competir com as principais economias mundiais.
As diferenças entre os dois países, contudo, vão além de questões econômicas e comerciais. Os EUA veem o Brasil principalmente como uma potência regional e estão interessados, sobretudo, em sua cooperação em assuntos hemisféricos. À luz das discordâncias sobre não proliferação nuclear, Irã e sublevações árabes, os EUA não consideram o Brasil um ator global confiável. Falta a Washington confiança nos juízos brasileiros em questões internacionais. Em nível regional, os EUA estão frustrados com a relutância brasileira em se engajar em temas críticos fora de suas fronteiras. Por exemplo, o Brasil pouco fez para ajudar a Colômbia na luta contra guerrilhas e narcotraficantes e ignorou sistematicamente violações da democracia e de direitos humanos na Venezuela, em Cuba e alhures. E onde agiu, o Brasil frequentemente se chocou com os EUA - como em Honduras e no Paraguai.
Para o Brasil, a cooperação regional significa principalmente trabalhar com nações sul-americanas. O envolvimento dos EUA em questões de política e segurança na região em geral não é bem-vindo no Brasil, embora haja colaborações eventuais. O Brasil elogiou a ajuda dos EUA para reduzir o contrabando de cocaína da Bolívia e os dois países são parceiros no Haiti desde 2004.
Nenhum dos países pode mudar facilmente sua abordagem de política externa. O Brasil atingiu a estatura e a influência atuais agindo por conta própria e dizendo não a Washington. Os EUA acautelam-se contra um Brasil poderoso. Suas reações às revelações de Snowden são ilustrativas: o governo americano considera a brasileira exacerbada e exagerada. Acham que o Brasil deveria compreender melhor as necessidades de segurança americanas e reconhecer que os EUA não pretendem prejudicá-lo. Os brasileiros veem os EUA como um "valentão" que não joga limpo. A vigilância massiva de Washington seria uma demonstração de sua disposição de empregar vastos poderes econômicos e tecnológicos para obter vantagens impróprias (e, talvez, intimidar outras nações).
Os dois países têm conseguido desde longa data acomodar suas diferenças e manter sob controle seus desacordos e embates. Essa habilidade, porém, pode não persistir indefinidamente. Houve dois choques sérios - sobre o Irã, em 2010, e agora sobre a espionagem - nos três últimos anos. A visita de Estado da sra. Rousseff, é quase certo, teria ajudado a recarregar uma reserva minguante de boa vontade nas relações bilaterais. A chance, contudo, foi perdida e a reserva está mais baixa que nunca. O melhor caminho é evitar recriminações mútuas e fazer baixar a temperatura. EUA e Brasil precisarão usar o que restou de boa vontade para resolver amigavelmente a questão da vigilância. As inquietações brasileiras merecem, claro, consideração e resposta mais cuidadosa do que até agora. A Casa Branca e o Planalto deveriam começar a trabalhar para definir outra data para a visita presidencial.
O "adiamento" da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff revela muito sobre as relações Brasil-EUA. Praticamente desde o início estava claro que a visita não renderia muito. Questões importantes de interesse mútuo seriam discutidas, mas ninguém esperava um real progresso na solução dos múltiplos desacordos dos dois países ou um aumento de sua cooperação regional e internacional. Para o Brasil, essa visita seria uma expressão de alto nível de sua estatura global. Para os EUA, uma forma de acolher o gigante sul-americano e manter uma relação estranha e problemática em curso amigável.
Líderes brasileiros e americanos geralmente se referem uns aos outros como parceiros, aliados até - e regularmente pedem uma relação mais robusta, estratégica. Mas seus governos não investem muito no avanço da relação. Os recentes acordos bilaterais são periféricos às preocupações prioritárias dos dois países. A relação é superficialmente amistosa, com cooperação limitada, discordâncias consideráveis e choques eventuais.
Mesmo quando identificam objetivos comuns, raramente os perseguem. Os dois governos falam com frequência de interesses econômicos comuns. Mas não assinaram um único grande pacto econômico em uma geração - Washington fez acordos comerciais com cerca de 20 países em todo o mundo, 11 na América Latina. Na condição de maiores exportadores agrícolas mundiais, Brasil e EUA se beneficiariam imensamente de uma redução das barreiras comerciais globais - porém jamais foram capazes de cooperar para tal.
São inúmeras as oportunidades de cooperação. Os EUA são a economia mais rica e tecnologicamente mais avançada do mundo e o Brasil ostenta o 6.º ou 7.º maior mercado mundial. Apesar de a China ser hoje o principal parceiro econômico do País, o comércio com os EUA prospera. Os EUA são os maiores compradores de manufaturados do Brasil e sua principal fonte de capital estrangeiro e novas tecnologias. O petróleo offshore poderia transformar o País num dos maiores fornecedores de energia aos EUA, superando Venezuela e México. O Brasil é a sede da maioria das empresas americanas na América do Sul.
Os desentendimentos, todavia, têm bloqueado o progresso rumo a tratados fundamentais sobre comércio bilateral, tributos e investimentos. São responsáveis também pelo fracasso de negociações comerciais hemisféricas e impediram as duas nações de cooperar em conversações globais. Tarifas e subsídios agrícolas americanos limitam as exportações brasileiras para os EUA e globalmente. Já o Brasil mantém altas barreiras à importação de serviços e manufaturas e rejeita salvaguardas mais fortes à propriedade intelectual.
Um problema ainda maior seria a persistente desconfiança. Washington acha que Brasília não está disposta a fazer concessões, enquanto pede concessões demais. O Brasil é cauteloso na abertura de sua economia. Apesar dos êxitos brasileiros, muitas autoridades públicas e líderes empresariais têm dúvidas quanto à capacidade do País de competir com as principais economias mundiais.
As diferenças entre os dois países, contudo, vão além de questões econômicas e comerciais. Os EUA veem o Brasil principalmente como uma potência regional e estão interessados, sobretudo, em sua cooperação em assuntos hemisféricos. À luz das discordâncias sobre não proliferação nuclear, Irã e sublevações árabes, os EUA não consideram o Brasil um ator global confiável. Falta a Washington confiança nos juízos brasileiros em questões internacionais. Em nível regional, os EUA estão frustrados com a relutância brasileira em se engajar em temas críticos fora de suas fronteiras. Por exemplo, o Brasil pouco fez para ajudar a Colômbia na luta contra guerrilhas e narcotraficantes e ignorou sistematicamente violações da democracia e de direitos humanos na Venezuela, em Cuba e alhures. E onde agiu, o Brasil frequentemente se chocou com os EUA - como em Honduras e no Paraguai.
Para o Brasil, a cooperação regional significa principalmente trabalhar com nações sul-americanas. O envolvimento dos EUA em questões de política e segurança na região em geral não é bem-vindo no Brasil, embora haja colaborações eventuais. O Brasil elogiou a ajuda dos EUA para reduzir o contrabando de cocaína da Bolívia e os dois países são parceiros no Haiti desde 2004.
Nenhum dos países pode mudar facilmente sua abordagem de política externa. O Brasil atingiu a estatura e a influência atuais agindo por conta própria e dizendo não a Washington. Os EUA acautelam-se contra um Brasil poderoso. Suas reações às revelações de Snowden são ilustrativas: o governo americano considera a brasileira exacerbada e exagerada. Acham que o Brasil deveria compreender melhor as necessidades de segurança americanas e reconhecer que os EUA não pretendem prejudicá-lo. Os brasileiros veem os EUA como um "valentão" que não joga limpo. A vigilância massiva de Washington seria uma demonstração de sua disposição de empregar vastos poderes econômicos e tecnológicos para obter vantagens impróprias (e, talvez, intimidar outras nações).
Os dois países têm conseguido desde longa data acomodar suas diferenças e manter sob controle seus desacordos e embates. Essa habilidade, porém, pode não persistir indefinidamente. Houve dois choques sérios - sobre o Irã, em 2010, e agora sobre a espionagem - nos três últimos anos. A visita de Estado da sra. Rousseff, é quase certo, teria ajudado a recarregar uma reserva minguante de boa vontade nas relações bilaterais. A chance, contudo, foi perdida e a reserva está mais baixa que nunca. O melhor caminho é evitar recriminações mútuas e fazer baixar a temperatura. EUA e Brasil precisarão usar o que restou de boa vontade para resolver amigavelmente a questão da vigilância. As inquietações brasileiras merecem, claro, consideração e resposta mais cuidadosa do que até agora. A Casa Branca e o Planalto deveriam começar a trabalhar para definir outra data para a visita presidencial.
A viga e a vida - SÉRGIO RANGEL
FOLHA DE SP - 14/10
RIO DE JANEIRO - "Ninguém aqui se escandaliza com nada. Qualquer um pode desaparecer. Não precisa nem ter coração", diz a sucateira Patrícia Preta, dando uma longa gargalhada no meio do terreno baldio na entrada da favela do Caju.
O local ganhou notoriedade na semana passada, após o desaparecimento das seis vigas de aço, cada uma com 20 t, retiradas do início do desmonte do elevado da Perimetral, uma das grandes obras que prometem modernizar a região portuária do Rio.
O terreno, que não tem muros e mais parece o lixão da novela "Avenida Brasil", foi o local escolhido pelos responsáveis pela obra para guardar o primeiro lote das gigantescas peças.
A ousadia do roubo chocou os cariocas. O prefeito Eduardo Paes classificou o sumiço como "inacreditável".
Espremida entre duas favelas enormes, a empoeirada e quase deserta rua onde fica o terreno é um cenário desolador. No dia seguinte à divulgação do desaparecimento das vigas, Preta era a única das dezenas de sucateiros que trabalham no local a aparecer por lá.
Segurando um retrovisor quebrado que servia para "dar um jeito na sobrancelha", a carioca fala sem parar sobre "a vida abandonada dos trabalhadores" desse canto do Rio. De chinelo sujo de poeira e unhas pintadas de rosa, ela conta que engravidou na adolescência, só teve um emprego com carteira assinada, que durou três meses, e mora com os três filhos e o marido num quarto de um hospital desativado na vizinhança. Até 2008, o local era especializado no tratamento de doenças infectocontagiosas.
"Não entendo o motivo de tanto alvoroço pelo desaparecimento das vigas. O governo me deixa morando naquele lugar. Estamos abandonados há anos e ninguém fala nada", diz Preta, que logo indaga: "Será que um dia todo o pessoal da nossa ocupação vai valer o preço de uma viga?". Será?
RIO DE JANEIRO - "Ninguém aqui se escandaliza com nada. Qualquer um pode desaparecer. Não precisa nem ter coração", diz a sucateira Patrícia Preta, dando uma longa gargalhada no meio do terreno baldio na entrada da favela do Caju.
O local ganhou notoriedade na semana passada, após o desaparecimento das seis vigas de aço, cada uma com 20 t, retiradas do início do desmonte do elevado da Perimetral, uma das grandes obras que prometem modernizar a região portuária do Rio.
O terreno, que não tem muros e mais parece o lixão da novela "Avenida Brasil", foi o local escolhido pelos responsáveis pela obra para guardar o primeiro lote das gigantescas peças.
A ousadia do roubo chocou os cariocas. O prefeito Eduardo Paes classificou o sumiço como "inacreditável".
Espremida entre duas favelas enormes, a empoeirada e quase deserta rua onde fica o terreno é um cenário desolador. No dia seguinte à divulgação do desaparecimento das vigas, Preta era a única das dezenas de sucateiros que trabalham no local a aparecer por lá.
Segurando um retrovisor quebrado que servia para "dar um jeito na sobrancelha", a carioca fala sem parar sobre "a vida abandonada dos trabalhadores" desse canto do Rio. De chinelo sujo de poeira e unhas pintadas de rosa, ela conta que engravidou na adolescência, só teve um emprego com carteira assinada, que durou três meses, e mora com os três filhos e o marido num quarto de um hospital desativado na vizinhança. Até 2008, o local era especializado no tratamento de doenças infectocontagiosas.
"Não entendo o motivo de tanto alvoroço pelo desaparecimento das vigas. O governo me deixa morando naquele lugar. Estamos abandonados há anos e ninguém fala nada", diz Preta, que logo indaga: "Será que um dia todo o pessoal da nossa ocupação vai valer o preço de uma viga?". Será?
Partidos são, de fato, necessários? - RENATO JANINE RIBEIRO
VALOR ECONÔMICO - 14/10
As decisões do TSE, negando registro ao Rede e concedendo-o a dois partidos desconhecidos, suscitam uma pergunta radical: partidos são mesmo necessários? Ainda mais porque o Rede, embora seja partido, defende candidaturas avulsas, como há em vários países do mundo. O assunto merece debate.
Uma forma de democracia - a democracia dos partidos - triunfou após a II Guerra Mundial. A democracia é o poder do povo, mas há vários modos de implantá-lo. A democracia dos partidos é típica só de nossa época, tão diferente da Atenas antiga, mas tem o grande mérito de ser o modo pelo qual ela, finalmente, se globalizou. Só que isso traz problemas sérios. Convém apontá-los, até porque um lugar comum brasileiro sobre o aprimoramento da democracia passa pelo mantra de que a democracia depende de partidos fortes, ponto esse que foi contestado nas ruas em junho.
Essa forma de democracia é criação anglo-saxônica. Consolida-se no Reino Unido, Estados Unidos, Canadá. Espraia-se pela Europa ocidental. Ganha o mundo ao se difundir pela Ásia (Índia, Japão), América Latina e Europa oriental. Só que exige uma sociedade constituída por indivíduos livres, mas individualistas. Supõe que cada um de nós tome decisões rompendo com seus vínculos de grupo. Essa liberdade do indivíduo em face dos outros e de sua história é sua maior condição. Mas não é óbvio que isso sempre seja bom. E essa não é a única forma boa de democracia.
Porque esse experimento histórico é problemático. Primeiro, exclui do poder quem não pertence ao partido (ou à coligação) que vença as eleições. Quem perde a eleição não pode cooperar com o poder. Isso é desnecessário e mesquinho. A divisão em facções faz que o vencedor não só assuma a liderança política, mas aparelhe o Estado. Disso é acusado o PT, mas o PSDB não faz por menos - basta ver a preferência da TV Cultura por entrevistados tucanos numa área, o jornalismo, que deveria ser imune a injunções partidárias. Assim é a democracia dos partidos.
Isso decorre de um segundo defeito. A frase do catolicismo triunfante - "Não há salvação fora da Igreja" - cabe aqui: não há política fora dos partidos competitivos. Temos poucas opções de participação política. Há partidos para vários gostos. Mas quem não se encaixar nos poucos com chances de êxito eleitoral só haverá de falar, sem agir: "Verba, non acta".
Terceiro, cai a pluralidade de opiniões. Quando o PDT se constituiu, fez um debate para tomar posição sobre a condição feminina. O tema é crucial, mas não é óbvio que um partido deva ter posição única a respeito. Recordo uma reunião da revista "Teoria e Debate", do PT, de cujo conselho eu era membro, na qual um militante defendeu que o periódico discutisse o que seria o modo petista de amar. Ora, petistas amariam de forma diferente de peemedebistas? Entendo a preocupação generosa de democratizar o mundo afetivo. Mas me choca ver até onde vai a partidarização de um mundo complexo.
Partidos evocam o verbo partir: cindir, rachar, dividir. Nascem da ideia de que a sociedade não precisa ver o mundo de uma só forma, de que o conflito é legítimo e até mesmo a norma em nosso mundo - uma tese positiva, aberta, com a qual concordo. Mas o máximo que conseguimos é, em vez do pensamento único, dois ou três pensamentos.
Essa política não serve em sociedades de forte teor grupal. Para nós, ocidentais, soa absurdo que em eleições democráticas tribos votem de forma unida, tribalizando a política, rachando a sociedade segundo linhas étnicas, negando a liberdade individual de cada um escolher livremente o seu caminho. Mas, se para mim o principal for o laço com meus próximos, por que não? Se na Bolívia, hoje um Estado plurinacional, uma aldeia discutir o que lhe convém mais nas políticas públicas e seus moradores votarem coesos nas eleições, por que não? Mas, aí, a liberdade individual não faz sentido. O indivíduo faz pouco sentido.
Uma expressão resume essa visão que contrasta com a democracia vitoriosa de nosso tempo. É a palavra Ubuntu, a grande contribuição da África do Sul ao pensamento mundial. Quer dizer algo como "Somos, logo sou" - uma alternativa ao "Penso, logo existo", que desde Descartes molda a experiência ocidental com base no indivíduo racional. Ubuntu é "eu existo a partir de minha rede de relações sociais". Nada sou, sozinho. É uma ideia que faz sucesso, mundo afora, na área da educação. Vejam na internet o "Vamos ubuntar", que Lia Diskin escreveu para a Unesco. Devemos levar essa ideia para a organização política - porque pode criar uma sociedade na qual se dispute, sim, a hegemonia, mas não com base em indivíduos e sim em redes, e na qual não mais se promova a exclusão do derrotado.
Não estranha que o partido que não conseguiu registro de partido se chame "rede". Uma rede é horizontal, não vertical. Procura juntar o maior mundo de pessoas, em vez de excluir. Sequer deveria estabelecer lideranças - embora seja difícil fazer política sem elas, e Marina seja a líder mais inconteste que o Brasil viu desde Brizola e Lula. Não acredito que uma política funcione sem hegemonias atribuídas pelo voto. Mas dá para fazer política sem impor, a todos, que para participar do poder se encaixem numa das poucas identidades disponíveis (no Brasil, o duelo petistas/tucanos), e sem que o derrotado na disputa perca tudo. Abrir mais as identidades e admitir a participação no poder mesmo dos vencidos já bastaria para um avanço político notável. Mas isso supõe uma redução significativa do poder dos partidos, e que se aposente o mantra de que não há salvação fora deles.
Democracia demanda jornalismo independente - CARLOS ALBERTO DI FRANCO
O Estado de S.Paulo - 14/10
A democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. A agenda pública é determinada pela imprensa tradicional. Não há um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona. Por isso são tão fustigadas pelos que costuram projetos autoritários de poder.
Arthur Sulzberger Jr., chairman e publisher do The New York Times, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, sublinhou a importância de uma marca de credibilidade, independentemente da plataforma informativa: "A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo no qual se pode confiar. Mudar para o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é essencialmente única".
É isso aí. Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Só isso atrairá consumidores, no papel, no tablet, no celular, em qualquer plataforma. E só isso garantirá a permanência da democracia. Por isso governos autoritários, apoiados em currais eleitorais comprados com o preço da cruel perenização da ignorância e, consequentemente, da falta de senso crítico, investem contra a imprensa de qualidade e contra os formadores de opinião que não admitem barganha com a verdade.
A crise do jornalismo está intimamente relacionada com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do "velho ofício". É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.
A sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
Os diários têm conseguido preservar o seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só foram possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
A revalorização da reportagem, pautas próprias e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. Menos Brasília e mais País real. O leitor quer menos show político e mais informação de qualidade. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
Apostar em boas pautas - não muitas, mas relevantes - é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.
Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. As empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.
Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar. Também na internet. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
A democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. A agenda pública é determinada pela imprensa tradicional. Não há um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona. Por isso são tão fustigadas pelos que costuram projetos autoritários de poder.
Arthur Sulzberger Jr., chairman e publisher do The New York Times, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, sublinhou a importância de uma marca de credibilidade, independentemente da plataforma informativa: "A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo no qual se pode confiar. Mudar para o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é essencialmente única".
É isso aí. Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Só isso atrairá consumidores, no papel, no tablet, no celular, em qualquer plataforma. E só isso garantirá a permanência da democracia. Por isso governos autoritários, apoiados em currais eleitorais comprados com o preço da cruel perenização da ignorância e, consequentemente, da falta de senso crítico, investem contra a imprensa de qualidade e contra os formadores de opinião que não admitem barganha com a verdade.
A crise do jornalismo está intimamente relacionada com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do "velho ofício". É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.
A sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
Os diários têm conseguido preservar o seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só foram possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
A revalorização da reportagem, pautas próprias e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. Menos Brasília e mais País real. O leitor quer menos show político e mais informação de qualidade. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
Apostar em boas pautas - não muitas, mas relevantes - é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.
Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. As empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.
Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar. Também na internet. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
A revisão populacional do IBGE - FABIO GIAMBIAGI
O GLOBO - 14/10
A demografia não tem partido. Dar uma roupagem ideológica ao assunto equivale a imaginar que procriar mais seria ‘de direita’
Entre os muitos pontos positivos do IBGE — um órgão técnico que é um ativo do país e do qual todos os brasileiros têm motivos para se orgulhar — está o de possuir uma área voltada para projeções demográficas, que apresenta estimativas populacionais extremamente pormenorizadas, essenciais para o traçado das políticas públicas de longo prazo.
Por melhores que sejam tais estimativas, porém, elas não conseguem evitar um problema inerente a qualquer projeção: ninguém possui uma bola de cristal. Assim, ao projetar qual se estima que seja o comportamento de parâmetros como taxa de fecundidade ou de mortalidade, o órgão possui pontos referentes ao passado e com base neles projeta qual espera que seja o comportamento futuro das variáveis. Pequenos desvios em relação aos parâmetros utilizados, entretanto, geram no longo prazo diferenças muito grandes. Imaginemos por exemplo um universo de 100 milhões de pessoas. Um crescimento de 0,8% durante 40 anos levará a variável a alcançar o nível de 138 milhões de pessoas. Já um crescimento anual de 1,0% implicaria ter, 40 anos depois, um número muito maior, de 149 milhões de pessoas.
Muitos anos atrás, quando ainda não se dispunha dos resultados do Censo do ano 2000, o IBGE publicou a “Revisão 2000” com projeções demográficas até o ano de 2050. Em 2004, voltou a refazer as contas e em 2008 repetiu o exercício. As mudanças entre uma revisão e outra costumam ser bastante significativas. Nas revisões de 2004 e 2008, foram constatadas uma maior longevidade e uma redução da fecundidade. Agora, em 2013, a nova revisão foi parecida com a de 2008, mas estendendo as projeções até 2060. Hoje, 11% da população tem 60 anos ou mais. Em 2060, essa proporção será de 34%. Que país legaremos a nossos filhos? Convém que o Brasil se prepare para uma nova realidade demográfica. Paul Mc Cartney disse certa vez que “yesterday came suddenly”. Temos que pavimentar o caminho do futuro para que as gerações vindouras possam lidar com a combinação de uma maior sobrevida e de um menor número de filhos.
Confesso que considero as manifestações radicais contra mudanças da Previdência, feitas em nome de um posicionamento ideológico, expressões que se situam entre a ignorância e o delírio. É claro que compreendo por que as pessoas se opõem a trabalhar por um maior número de anos — não é preciso ser um luminar para entender por que se trata de uma temática impopular. O que não faz sentido é associar as teses reformistas na matéria a uma matriz política. A demografia não tem partido. Dar uma roupagem ideológica ao assunto equivale a imaginar que procriar mais — diminuindo a necessidade de uma reforma — seria “de esquerda”, enquanto que viver mais — o que aumenta o desafio da sustentabilidade previdenciária — seria “de direita”. Isso é ridículo. Bertrand Russell declarou certa vez que “nenhuma opinião deveria ser defendida com fervor. Ninguém mantém fervorosamente que 7x8 = 56, pois se pode mostrar que esse é o caso. O fervor apenas se faz necessário quando se trata de sustentar uma opinião que é duvidosa ou falsa”. O fervor antirreformista em matéria previdenciária dos grupos que se opõem a uma mudança em nome da ideologia os aproxima de quem defende que 7x8 = 44. Sempre digo nas minhas palestras sobre o tema que a Previdência jamais pode ser encarada como uma simples questão matemática — mas ela é também uma questão matemática. A chave está em combinar a fundamentação técnica com as condições políticas para fazer o que deve ser feito — e isso é uma arte.
Um ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde dizia que “é duro chegar à velhice. É quando percebemos que nosso tempo passou e a esperança de antes se transforma em desespero”. Numa etapa mais difícil da vida, é compreensível que os idosos se sintam ameaçados. Entretanto, nenhuma reforma vai mudar os direitos dos idosos. É para aqueles que estão hoje no mercado de trabalho e ainda não estão aposentados que uma reforma deve ser dirigida. Podemos manter a inércia e não fazer nada. O IBGE, porém, nos informa que nesse caso seremos atropelados por um trem. Está na hora de o governo parar de fazer cara de paisagem diante do problema e assumir a liderança desse debate.
A demografia não tem partido. Dar uma roupagem ideológica ao assunto equivale a imaginar que procriar mais seria ‘de direita’
Entre os muitos pontos positivos do IBGE — um órgão técnico que é um ativo do país e do qual todos os brasileiros têm motivos para se orgulhar — está o de possuir uma área voltada para projeções demográficas, que apresenta estimativas populacionais extremamente pormenorizadas, essenciais para o traçado das políticas públicas de longo prazo.
Por melhores que sejam tais estimativas, porém, elas não conseguem evitar um problema inerente a qualquer projeção: ninguém possui uma bola de cristal. Assim, ao projetar qual se estima que seja o comportamento de parâmetros como taxa de fecundidade ou de mortalidade, o órgão possui pontos referentes ao passado e com base neles projeta qual espera que seja o comportamento futuro das variáveis. Pequenos desvios em relação aos parâmetros utilizados, entretanto, geram no longo prazo diferenças muito grandes. Imaginemos por exemplo um universo de 100 milhões de pessoas. Um crescimento de 0,8% durante 40 anos levará a variável a alcançar o nível de 138 milhões de pessoas. Já um crescimento anual de 1,0% implicaria ter, 40 anos depois, um número muito maior, de 149 milhões de pessoas.
Muitos anos atrás, quando ainda não se dispunha dos resultados do Censo do ano 2000, o IBGE publicou a “Revisão 2000” com projeções demográficas até o ano de 2050. Em 2004, voltou a refazer as contas e em 2008 repetiu o exercício. As mudanças entre uma revisão e outra costumam ser bastante significativas. Nas revisões de 2004 e 2008, foram constatadas uma maior longevidade e uma redução da fecundidade. Agora, em 2013, a nova revisão foi parecida com a de 2008, mas estendendo as projeções até 2060. Hoje, 11% da população tem 60 anos ou mais. Em 2060, essa proporção será de 34%. Que país legaremos a nossos filhos? Convém que o Brasil se prepare para uma nova realidade demográfica. Paul Mc Cartney disse certa vez que “yesterday came suddenly”. Temos que pavimentar o caminho do futuro para que as gerações vindouras possam lidar com a combinação de uma maior sobrevida e de um menor número de filhos.
Confesso que considero as manifestações radicais contra mudanças da Previdência, feitas em nome de um posicionamento ideológico, expressões que se situam entre a ignorância e o delírio. É claro que compreendo por que as pessoas se opõem a trabalhar por um maior número de anos — não é preciso ser um luminar para entender por que se trata de uma temática impopular. O que não faz sentido é associar as teses reformistas na matéria a uma matriz política. A demografia não tem partido. Dar uma roupagem ideológica ao assunto equivale a imaginar que procriar mais — diminuindo a necessidade de uma reforma — seria “de esquerda”, enquanto que viver mais — o que aumenta o desafio da sustentabilidade previdenciária — seria “de direita”. Isso é ridículo. Bertrand Russell declarou certa vez que “nenhuma opinião deveria ser defendida com fervor. Ninguém mantém fervorosamente que 7x8 = 56, pois se pode mostrar que esse é o caso. O fervor apenas se faz necessário quando se trata de sustentar uma opinião que é duvidosa ou falsa”. O fervor antirreformista em matéria previdenciária dos grupos que se opõem a uma mudança em nome da ideologia os aproxima de quem defende que 7x8 = 44. Sempre digo nas minhas palestras sobre o tema que a Previdência jamais pode ser encarada como uma simples questão matemática — mas ela é também uma questão matemática. A chave está em combinar a fundamentação técnica com as condições políticas para fazer o que deve ser feito — e isso é uma arte.
Um ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde dizia que “é duro chegar à velhice. É quando percebemos que nosso tempo passou e a esperança de antes se transforma em desespero”. Numa etapa mais difícil da vida, é compreensível que os idosos se sintam ameaçados. Entretanto, nenhuma reforma vai mudar os direitos dos idosos. É para aqueles que estão hoje no mercado de trabalho e ainda não estão aposentados que uma reforma deve ser dirigida. Podemos manter a inércia e não fazer nada. O IBGE, porém, nos informa que nesse caso seremos atropelados por um trem. Está na hora de o governo parar de fazer cara de paisagem diante do problema e assumir a liderança desse debate.
Lembrando Raul Pilla - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 14/10
Faz alguns dias, o mundo inteiro divulgou e comentou a vitória do Partido União Democrata-Cristã (CDU), do qual é líder a senhora Angela Merkel; um dos jornais que tenho sob os olhos, em meia dúzia de palavras, resumiu o fato dizendo: “Alemanha elege Merkel pela terceira vez”, e me lembrei do deputado Raul Pilla, o incansável defensor do sistema parlamentar de governo, e que, mercê de seu apostolado, chegou a contar com o apoio da maioria da Câmara dos Deputados. A lembrança não foi gratuita, pois o ocorrido na Alemanha deixou transparecer de maneira objetiva uma das superioridades do parlamentarismo com relação ao sistema presidencial. Neste, no mesmo dia, o mesmo eleitorado, em regra, elege tanto o presidente da República quanto o Congresso e pode ocorrer que o presidente eleito não venha a contar com o apoio da maioria do Congresso, e durante o quadriênio os poderes políticos por excelência, ambos de origem popular, podem viver em testilhas permanentes um puxando para o norte e outro para o sul; no caso do país que tenha adotado o sistema parlamentar de governo normalmente os evita ou supera. O ocorrido na Alemanha ilustra a hipótese; note-se que o eleitorado não elege o chanceler que conduzirá o governo e a administração, mas o líder do partido mais numeroso tem assegurada sua consagração como chefe do governo, pela circunstância de ele representar a maioria. De uma forma simplificada, se pode dizer que à maioria compete governar, enquanto fiscalizar cabe à minoria.
Abro um parêntese para trazer à colação fato recente ocorrido na Itália. Como é sabido, a representação parlamentar dos três maiores partidos poderia formar uma coligação que desse estabilidade ao governo por ele constituído, mas o desacordo predominou e ficou claro que nem uma nova eleição resolveria o dissenso; declarando que a nação não podia continuar sem governo, e inexistindo precedente a respeito, usando de poderes não expressos, mas imanentes ao seu cargo e à gravidade da situação, o presidente da República escolheu personalidades expressivas de cada um dos três maiores e a singularidade da emergência e da judiciosa solução adotada pelo presidente convalidou a construção e a Itália voltou a ter governo graças ao engenho e arte do chefe do Estado.
Voltando ao tema, se no sistema presidencialista o presidente tem dia certo para assumir e concluir seu período, seja ele excelente ou desastroso, no sistema parlamentar não há prazo certo para o mesmo fim, enquanto o primeiro-ministro contar com a maioria parlamentar, ele continuará primeiro-ministro, no momento em que o apoio da maioria lhe faltar, ele deixará o poder, a menos que o presidente se valha da prerrogativa de dissolver a casa legislativa e convocar simultaneamente eleição e, desse modo, o eleitorado resolverá o conflito.
Haveria muita coisa a dizer, mas se a história é longa o espaço é curto, devo finalizar encarando apenas um aspecto do problema, e que o leitor concordará com a lembrança de figura modelar de homem público, em longos anos de atividade pública e fidelidade democrática.
Faz alguns dias, o mundo inteiro divulgou e comentou a vitória do Partido União Democrata-Cristã (CDU), do qual é líder a senhora Angela Merkel; um dos jornais que tenho sob os olhos, em meia dúzia de palavras, resumiu o fato dizendo: “Alemanha elege Merkel pela terceira vez”, e me lembrei do deputado Raul Pilla, o incansável defensor do sistema parlamentar de governo, e que, mercê de seu apostolado, chegou a contar com o apoio da maioria da Câmara dos Deputados. A lembrança não foi gratuita, pois o ocorrido na Alemanha deixou transparecer de maneira objetiva uma das superioridades do parlamentarismo com relação ao sistema presidencial. Neste, no mesmo dia, o mesmo eleitorado, em regra, elege tanto o presidente da República quanto o Congresso e pode ocorrer que o presidente eleito não venha a contar com o apoio da maioria do Congresso, e durante o quadriênio os poderes políticos por excelência, ambos de origem popular, podem viver em testilhas permanentes um puxando para o norte e outro para o sul; no caso do país que tenha adotado o sistema parlamentar de governo normalmente os evita ou supera. O ocorrido na Alemanha ilustra a hipótese; note-se que o eleitorado não elege o chanceler que conduzirá o governo e a administração, mas o líder do partido mais numeroso tem assegurada sua consagração como chefe do governo, pela circunstância de ele representar a maioria. De uma forma simplificada, se pode dizer que à maioria compete governar, enquanto fiscalizar cabe à minoria.
Abro um parêntese para trazer à colação fato recente ocorrido na Itália. Como é sabido, a representação parlamentar dos três maiores partidos poderia formar uma coligação que desse estabilidade ao governo por ele constituído, mas o desacordo predominou e ficou claro que nem uma nova eleição resolveria o dissenso; declarando que a nação não podia continuar sem governo, e inexistindo precedente a respeito, usando de poderes não expressos, mas imanentes ao seu cargo e à gravidade da situação, o presidente da República escolheu personalidades expressivas de cada um dos três maiores e a singularidade da emergência e da judiciosa solução adotada pelo presidente convalidou a construção e a Itália voltou a ter governo graças ao engenho e arte do chefe do Estado.
Voltando ao tema, se no sistema presidencialista o presidente tem dia certo para assumir e concluir seu período, seja ele excelente ou desastroso, no sistema parlamentar não há prazo certo para o mesmo fim, enquanto o primeiro-ministro contar com a maioria parlamentar, ele continuará primeiro-ministro, no momento em que o apoio da maioria lhe faltar, ele deixará o poder, a menos que o presidente se valha da prerrogativa de dissolver a casa legislativa e convocar simultaneamente eleição e, desse modo, o eleitorado resolverá o conflito.
Haveria muita coisa a dizer, mas se a história é longa o espaço é curto, devo finalizar encarando apenas um aspecto do problema, e que o leitor concordará com a lembrança de figura modelar de homem público, em longos anos de atividade pública e fidelidade democrática.
Bases para o crescimento - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 14/10
Entre os muitos desafios a serem enfrentados para a retomada do nosso crescimento, um deles, o demográfico, tem sido pouco considerado como fator de grande impacto sobre a economia brasileira.
Passamos por um rápido processo de transição demográfica: o grupo etário de 15 a 59 anos, que cresceu a uma taxa de 1,6% ao ano na última década, passará a crescer 0,8% ao ano. Ou seja, teremos menor crescimento na oferta de mão de obra. Esse dado, aliado a uma taxa de desemprego que hoje está em 5,6% significa que não haverá uma massa grande de desempregados a ser incorporada ao processo produtivo, como ocorreu nos anos recentes.
A baixa taxa de poupança doméstica (16% do PIB), que tende a diminuir ainda mais com o envelhecimento de nossa população, representa um limite ao crescimento esperado da taxa de investimento. A única forma do país crescer mais rápido é promovendo a produtividade. Infelizmente, não há propostas eficazes para lidar com desafios como esses.
Na verdade, o governo acabou aprisionado na armadilha do curto prazo. Passou a intervir de forma excessiva na economia, conceder subsídios para empresas e setores escolhidos, se fechar para o resto do mundo e ainda modificou marcos regulatórios que precisavam apenas de ajustes.
A percepção de investidores estrangeiros é que o governo brasileiro não se preparou para as mudanças estruturais em curso aqui e no resto do mundo. Adicionalmente, aumentou a incerteza, ao combinar o excesso de intervenção na economia com uma atitude leniente no combate à inflação.
Ao final, estamos sem uma agenda para o crescimento.
No curto prazo, é preciso resgatar a matriz econômica que prevaleceu até recentemente: controle fiscal, taxa de câmbio flutuante e regime de metas de inflação com liberdade de atuação para o Banco Central. Essa agenda deve ser complementada por um esforço imediato de simplificação tributária, redução do número de impostos e estabilidade de regras para o investimento.
No longo prazo, como venho alertando, precisamos resgatar a agenda de reformas estruturais, que passa pela contenção do crescimento do gasto público, maior integração comercial, incentivos à inovação e à competitividade e redução gradual da carga tributária, além da educação como prioridade nacional. Vencer esses desafios depende de um novo sentido de liderança política, capaz de compartilhar com a população e com o Congresso as grandes tarefas que a economia globalizada impõe a países emergentes como o nosso.
Temos todos os ativos para crescer e mudar o atual patamar de desenvolvimento. Precisamos de projeto claro, planejamento rigoroso e mobilização em torno das grandes causas nacionais.
Entre os muitos desafios a serem enfrentados para a retomada do nosso crescimento, um deles, o demográfico, tem sido pouco considerado como fator de grande impacto sobre a economia brasileira.
Passamos por um rápido processo de transição demográfica: o grupo etário de 15 a 59 anos, que cresceu a uma taxa de 1,6% ao ano na última década, passará a crescer 0,8% ao ano. Ou seja, teremos menor crescimento na oferta de mão de obra. Esse dado, aliado a uma taxa de desemprego que hoje está em 5,6% significa que não haverá uma massa grande de desempregados a ser incorporada ao processo produtivo, como ocorreu nos anos recentes.
A baixa taxa de poupança doméstica (16% do PIB), que tende a diminuir ainda mais com o envelhecimento de nossa população, representa um limite ao crescimento esperado da taxa de investimento. A única forma do país crescer mais rápido é promovendo a produtividade. Infelizmente, não há propostas eficazes para lidar com desafios como esses.
Na verdade, o governo acabou aprisionado na armadilha do curto prazo. Passou a intervir de forma excessiva na economia, conceder subsídios para empresas e setores escolhidos, se fechar para o resto do mundo e ainda modificou marcos regulatórios que precisavam apenas de ajustes.
A percepção de investidores estrangeiros é que o governo brasileiro não se preparou para as mudanças estruturais em curso aqui e no resto do mundo. Adicionalmente, aumentou a incerteza, ao combinar o excesso de intervenção na economia com uma atitude leniente no combate à inflação.
Ao final, estamos sem uma agenda para o crescimento.
No curto prazo, é preciso resgatar a matriz econômica que prevaleceu até recentemente: controle fiscal, taxa de câmbio flutuante e regime de metas de inflação com liberdade de atuação para o Banco Central. Essa agenda deve ser complementada por um esforço imediato de simplificação tributária, redução do número de impostos e estabilidade de regras para o investimento.
No longo prazo, como venho alertando, precisamos resgatar a agenda de reformas estruturais, que passa pela contenção do crescimento do gasto público, maior integração comercial, incentivos à inovação e à competitividade e redução gradual da carga tributária, além da educação como prioridade nacional. Vencer esses desafios depende de um novo sentido de liderança política, capaz de compartilhar com a população e com o Congresso as grandes tarefas que a economia globalizada impõe a países emergentes como o nosso.
Temos todos os ativos para crescer e mudar o atual patamar de desenvolvimento. Precisamos de projeto claro, planejamento rigoroso e mobilização em torno das grandes causas nacionais.
Incômodos & incertezas - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 14/10
As desconfianças da classe política e empresarial em relação ao estilo da presidente Dilma Rousseff, somadas à perda de força eleitoral do Bolsa Família, formam uma mistura tão perigosa quanto beber e dirigir
Para os petistas que se dedicaram à leitura dos jornais no último fim de semana, a pior notícia foi que o Bolsa Família vem perdendo força eleitoral, conforme demonstrou a reportagem de Paulo de Tarso Lyra, Renata Mariz e Étore Medeiros, nas páginas dos Diários Associados. Especialmente, agora, num momento em que a economia dá alguns sinais preocupantes, o partido esperava contar com o prestígio de seus programas sociais para obtenção de votos.
Mesmo aqueles que se mostram mais tranquilos depois da pesquisa do Datafolha - em que a presidente Dilma surgiu com intenções de voto acima de 40% - estão preocupados com a queda de influência eleitoral do programa. Isso significa, na avaliação de muitos, que a população absorveu o Bolsa Família e agora quer mais. E esse "querer mais" pode levar o eleitor a outras opções partidárias. Por enquanto, isso ainda não ocorreu, mas nada nas pesquisas feitas até agora garante a permanência da maioria do eleitorado no mesmo lugar daqui a um ano. E isso incomoda o PT sob vários aspectos.
Um desses aspectos é a política. Os petistas sabem que a maioria da base aliada não gosta do jeitão da presidente. Os partidos só estão com ela hoje porque sabem que o eleitor está. No momento em que o eleitor olhar para o outro lado, será a hora de a classe política dar "tchau, Dilma", pois, da mesma forma que o PT se incomoda com a perda de força eleitoral do Bolsa Família, os políticos se incomodam e muito com uma presidente que mal os recebe e tem pouco diálogo.
É bem verdade que a presidente tem mudado o jeitão. Ela recebe os aliados, conversa. Nos últimos tempos, tem ouvido bastante, por exemplo, o vice-presidente Michel Temer, e dedicado mais atenção à base. Além disso, tem maioria e se sai bem em público, caso dos taxistas na semana passada.
Ocorre que, do ponto de vista dos políticos, isso é apenas jogo de cena. O raciocínio deles é o de que, se Dilma levou três anos para prestar atenção à classe política e, ainda assim, não são raras as vezes em que faz pouco caso dos partidos e dos aliados, "imagine como não será se ela se reeleger"? Essa é a pergunta que a maioria da base aliada hoje faz a si própria. Quem tiver curiosidade e tempo para conversar com os aliados da presidente ouvirá esse questionamento dezenas de vezes, inclusive dos petistas.
A maioria deles acredita que Dilma, se reeleita, "dará uma banana" para os congressistas, fará tudo da cabeça dela sem a menor atenção, seja com a classe política seja com a classe empresarial.
Por falar em empresários...
O partido anda meio nervoso também em relação ao empresariado. Há alguns dias, um petista ilustre me disse que os empresários estão muito incomodados porque Dilma simplesmente não quer que eles ganhem dinheiro. Se dependesse dela, trabalhariam sem margem de lucro. Para completar, os empresários reclamam ainda da insegurança jurídica em vários setores, especialmente, energia, onde as regras do jogo mudaram e toda mudança que pareça maior intervenção estatal termina afastando os investidores.
Diante de tantos incômodos e a certeza de que a oposição está a mil por hora tentando desconstruir a imagem do partido, surgirá nos próximos dias alguma pressão para que Dilma assine uma carta aos brasileiros, mais necessariamente aos políticos, no sentido de deixar claro que não pretende isolar a sua maioria num segundo governo. Se houver o menor sinal de que os congressistas devem ser mantidos em terceiro plano no futuro governo, a diáspora virá, ainda que de maneira silenciosa, no sentido de tentar minar a popularidade presidencial. E esse jeito é o mais perigoso, porque aquele que está no poder custa a perceber.
No momento, a conclusão de muitos petistas é a de que esses ingredientes, somados à perda de influência do Bolsa Família, representam uma mistura tão perigosa quanto beber e dirigir. Embora, muitas vezes, o sujeito chegue em casa inteiro, o risco de acidente não está descartado.
Mesmo aqueles que se mostram mais tranquilos depois da pesquisa do Datafolha - em que a presidente Dilma surgiu com intenções de voto acima de 40% - estão preocupados com a queda de influência eleitoral do programa. Isso significa, na avaliação de muitos, que a população absorveu o Bolsa Família e agora quer mais. E esse "querer mais" pode levar o eleitor a outras opções partidárias. Por enquanto, isso ainda não ocorreu, mas nada nas pesquisas feitas até agora garante a permanência da maioria do eleitorado no mesmo lugar daqui a um ano. E isso incomoda o PT sob vários aspectos.
Um desses aspectos é a política. Os petistas sabem que a maioria da base aliada não gosta do jeitão da presidente. Os partidos só estão com ela hoje porque sabem que o eleitor está. No momento em que o eleitor olhar para o outro lado, será a hora de a classe política dar "tchau, Dilma", pois, da mesma forma que o PT se incomoda com a perda de força eleitoral do Bolsa Família, os políticos se incomodam e muito com uma presidente que mal os recebe e tem pouco diálogo.
É bem verdade que a presidente tem mudado o jeitão. Ela recebe os aliados, conversa. Nos últimos tempos, tem ouvido bastante, por exemplo, o vice-presidente Michel Temer, e dedicado mais atenção à base. Além disso, tem maioria e se sai bem em público, caso dos taxistas na semana passada.
Ocorre que, do ponto de vista dos políticos, isso é apenas jogo de cena. O raciocínio deles é o de que, se Dilma levou três anos para prestar atenção à classe política e, ainda assim, não são raras as vezes em que faz pouco caso dos partidos e dos aliados, "imagine como não será se ela se reeleger"? Essa é a pergunta que a maioria da base aliada hoje faz a si própria. Quem tiver curiosidade e tempo para conversar com os aliados da presidente ouvirá esse questionamento dezenas de vezes, inclusive dos petistas.
A maioria deles acredita que Dilma, se reeleita, "dará uma banana" para os congressistas, fará tudo da cabeça dela sem a menor atenção, seja com a classe política seja com a classe empresarial.
Por falar em empresários...
O partido anda meio nervoso também em relação ao empresariado. Há alguns dias, um petista ilustre me disse que os empresários estão muito incomodados porque Dilma simplesmente não quer que eles ganhem dinheiro. Se dependesse dela, trabalhariam sem margem de lucro. Para completar, os empresários reclamam ainda da insegurança jurídica em vários setores, especialmente, energia, onde as regras do jogo mudaram e toda mudança que pareça maior intervenção estatal termina afastando os investidores.
Diante de tantos incômodos e a certeza de que a oposição está a mil por hora tentando desconstruir a imagem do partido, surgirá nos próximos dias alguma pressão para que Dilma assine uma carta aos brasileiros, mais necessariamente aos políticos, no sentido de deixar claro que não pretende isolar a sua maioria num segundo governo. Se houver o menor sinal de que os congressistas devem ser mantidos em terceiro plano no futuro governo, a diáspora virá, ainda que de maneira silenciosa, no sentido de tentar minar a popularidade presidencial. E esse jeito é o mais perigoso, porque aquele que está no poder custa a perceber.
No momento, a conclusão de muitos petistas é a de que esses ingredientes, somados à perda de influência do Bolsa Família, representam uma mistura tão perigosa quanto beber e dirigir. Embora, muitas vezes, o sujeito chegue em casa inteiro, o risco de acidente não está descartado.
Fotografia razoável, filme ruim - RAUL VELLOSO
O GLOBO - 14/10
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo
No curto prazo, a economia vive uma situação curiosa: a taxa de desemprego é baixa, e os salários têm crescido. Mas a inflação, além de situar-se ao redor de 6% ao ano, é cada vez mais renitente. Imagine se o câmbio voltar a pressionar. Parecia que a taxa de juros Selic tinha baixado para sempre. Voltou a subir e já é quase, de novo, recorde mundial. Como o governo não contrai o crescimento de seus gastos correntes e mantém inalterado o programa de desonerações tributárias a setores específicos, o Banco Central tem pouca escolha — reza para que choques favoráveis de determinados preços atuem a seu favor. A inflação resiste mesmo sob o controle artificial dos preços administrados. Enquanto o aumento dos preços livres chega à casa dos 9% ao ano, o daqueles é mantido próximo de 2%. Corremos o risco de atrair uma inflação corretiva difícil de equacionar, como já vimos no passado. Ela traz junto os efeitos desfavoráveis sobre os investimentos e, portanto, sobre a evolução futura da produção.
Dois outros problemas interligados tiram o sono do governo desde 2008: a queda dos investimentos em relação ao PIB e a estagnação da indústria de transformação, nesse caso porque os salários crescem acima da produtividade. A perda localiza-se mais na esfera de atuação privada, porque o governo já não investe bem há muito tempo. Por isso o PIB cresce pouco e não se vê um caminho claro para sua recuperação, ainda que parecido com o da fase 2004-2008, com percentuais ao redor de 4,5% ao ano. Como as baixas taxas de desemprego e as conquistas salariais recentes poderão se manter no futuro próximo, com a economia crescendo a taxas pífias? Ou seja, a fotografia é razoável, mas o filme pode ficar ruim.
A concessão de serviços públicos de infraestrutura, especialmente transportes e energia elétrica, tem sido pensada como solução para a carência dos investimentos. Aqui, infelizmente, o governo vem batendo cabeças, e o processo não decola satisfatoriamente. As intenções são as melhores possíveis, embora na prática, como tenho repetidamente ressaltado, ideologia e gestão pública de baixa qualidade têm travado o melhor andamento das concessões.
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo. Na raiz de muitos dos problemas acima mencionados estão os atuais resultados fiscais insuficientes e a subjacente rigidez da despesa pública, em boa medida associados à implementação da Carta de 1988. Cabe, então, entender o processo que levou a isso e discutir o que vem pela frente.
Trata-se de outro trecho do roteiro em que o retrato razoável pode comprometer a fita. País pobre relativamente à média do mundo ocidental, o Brasil resolveu adotar uma rede de proteção comparável às vigentes nas principais democracias. O resultado é que hoje a União paga benefícios assistenciais e previdenciários a 50 milhões de pessoas, comprometendo 60% do orçamento. E deve atender, com transferência de dinheiro financiada por impostos, a mais da metade da população, se admitirmos que cada contracheque beneficia duas pessoas. Um exagero para um País no estágio do nosso, onde os programas assistenciais nem sempre contemplam os efetivamente mais pobres.
Em áreas como educação, até que não há carência aguda de recursos. O problema maior é a baixa eficiência do gasto público. Mas certamente ficou faltando dinheiro para investir em infraestrutura, crucial para o País crescer, e esse difícil quadro tende a piorar. Ainda somos uma economia de renda média, e, mesmo com uma população relativamente jovem, o percentual de idosos cresce a uma velocidade avassaladora. Estima-se, assim, que o gasto real total com benefícios previdenciários e assistenciais deva simplesmente dobrar nos próximos quarenta anos. Como vamos dar conta de pagar tudo isso? Um agravante: boa parte desses benefícios paga um salário mínimo, obra da Constituição de 1988. Uma vez que atualmente ele é reajustado pela inflação mais o crescimento do PIB, a conta implícita é explosiva.
Outro grande obstáculo é a exigência constitucional de o serviço público empregar exclusivamente por meio do regime estatutário, responsável por estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Primeiro porque, em muitas atividades, a existência de um regime de pessoal mais flexível é fundamental para assegurar serviços de qualidade mínima. Segundo porque cria um grupo privilegiado de trabalhadores, admissível apenas em casos muito especiais.
Para financiar todos os aumentos de gastos, a carga tributária subiu assustadoramente nos últimos anos, situando-se acima da média mundial de grupos de países comparáveis ao Brasil. Além de sufocar o setor privado, terá, na ausência de reformas, de aumentar ainda mais para atender às demandas futuras. Ou, então, a hiperinflação terá de voltar para fazer o ajuste. Nesse caso, em vez de cenas de ação, poderemos assistir a um filme de terror.
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo
No curto prazo, a economia vive uma situação curiosa: a taxa de desemprego é baixa, e os salários têm crescido. Mas a inflação, além de situar-se ao redor de 6% ao ano, é cada vez mais renitente. Imagine se o câmbio voltar a pressionar. Parecia que a taxa de juros Selic tinha baixado para sempre. Voltou a subir e já é quase, de novo, recorde mundial. Como o governo não contrai o crescimento de seus gastos correntes e mantém inalterado o programa de desonerações tributárias a setores específicos, o Banco Central tem pouca escolha — reza para que choques favoráveis de determinados preços atuem a seu favor. A inflação resiste mesmo sob o controle artificial dos preços administrados. Enquanto o aumento dos preços livres chega à casa dos 9% ao ano, o daqueles é mantido próximo de 2%. Corremos o risco de atrair uma inflação corretiva difícil de equacionar, como já vimos no passado. Ela traz junto os efeitos desfavoráveis sobre os investimentos e, portanto, sobre a evolução futura da produção.
Dois outros problemas interligados tiram o sono do governo desde 2008: a queda dos investimentos em relação ao PIB e a estagnação da indústria de transformação, nesse caso porque os salários crescem acima da produtividade. A perda localiza-se mais na esfera de atuação privada, porque o governo já não investe bem há muito tempo. Por isso o PIB cresce pouco e não se vê um caminho claro para sua recuperação, ainda que parecido com o da fase 2004-2008, com percentuais ao redor de 4,5% ao ano. Como as baixas taxas de desemprego e as conquistas salariais recentes poderão se manter no futuro próximo, com a economia crescendo a taxas pífias? Ou seja, a fotografia é razoável, mas o filme pode ficar ruim.
A concessão de serviços públicos de infraestrutura, especialmente transportes e energia elétrica, tem sido pensada como solução para a carência dos investimentos. Aqui, infelizmente, o governo vem batendo cabeças, e o processo não decola satisfatoriamente. As intenções são as melhores possíveis, embora na prática, como tenho repetidamente ressaltado, ideologia e gestão pública de baixa qualidade têm travado o melhor andamento das concessões.
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo. Na raiz de muitos dos problemas acima mencionados estão os atuais resultados fiscais insuficientes e a subjacente rigidez da despesa pública, em boa medida associados à implementação da Carta de 1988. Cabe, então, entender o processo que levou a isso e discutir o que vem pela frente.
Trata-se de outro trecho do roteiro em que o retrato razoável pode comprometer a fita. País pobre relativamente à média do mundo ocidental, o Brasil resolveu adotar uma rede de proteção comparável às vigentes nas principais democracias. O resultado é que hoje a União paga benefícios assistenciais e previdenciários a 50 milhões de pessoas, comprometendo 60% do orçamento. E deve atender, com transferência de dinheiro financiada por impostos, a mais da metade da população, se admitirmos que cada contracheque beneficia duas pessoas. Um exagero para um País no estágio do nosso, onde os programas assistenciais nem sempre contemplam os efetivamente mais pobres.
Em áreas como educação, até que não há carência aguda de recursos. O problema maior é a baixa eficiência do gasto público. Mas certamente ficou faltando dinheiro para investir em infraestrutura, crucial para o País crescer, e esse difícil quadro tende a piorar. Ainda somos uma economia de renda média, e, mesmo com uma população relativamente jovem, o percentual de idosos cresce a uma velocidade avassaladora. Estima-se, assim, que o gasto real total com benefícios previdenciários e assistenciais deva simplesmente dobrar nos próximos quarenta anos. Como vamos dar conta de pagar tudo isso? Um agravante: boa parte desses benefícios paga um salário mínimo, obra da Constituição de 1988. Uma vez que atualmente ele é reajustado pela inflação mais o crescimento do PIB, a conta implícita é explosiva.
Outro grande obstáculo é a exigência constitucional de o serviço público empregar exclusivamente por meio do regime estatutário, responsável por estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Primeiro porque, em muitas atividades, a existência de um regime de pessoal mais flexível é fundamental para assegurar serviços de qualidade mínima. Segundo porque cria um grupo privilegiado de trabalhadores, admissível apenas em casos muito especiais.
Para financiar todos os aumentos de gastos, a carga tributária subiu assustadoramente nos últimos anos, situando-se acima da média mundial de grupos de países comparáveis ao Brasil. Além de sufocar o setor privado, terá, na ausência de reformas, de aumentar ainda mais para atender às demandas futuras. Ou, então, a hiperinflação terá de voltar para fazer o ajuste. Nesse caso, em vez de cenas de ação, poderemos assistir a um filme de terror.
Zona de confusão - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 14/10
O Datafolha mostra a mesma divisão medial do eleitorado que levou as eleições de 2002, 2006 e 2010 ao segundo turno. Mas uma diferença pode mudar o fim da história. A chapa "EduMarina" pretende-se uma frente antigoverno. Aposta na clivagem enquanto busca monopolizar os votos de quem quer mudança no poder. Se bem-sucedida, aumenta a chance de tudo acabar em 5 de outubro.
Os governistas podem acreditar na simplória conta aritmética que dá maioria absoluta a Dilma Rousseff (PT) ou se prepararem para enfrentar uma frente única antipetista cuja estratégia é transformar a votação em plebiscito sobre o governo. Embora a primeira versão seja sedutora, a segunda encontra mais amparo nas pesquisas de intenção de voto.
Qual a maior diferença entre os dois cenários que têm Dilma e Aécio Neves (PSDB), mas alternam Eduardo Campos (PSB) e Marina (PSB)? A taxa daqueles que dizem que votarão em branco, anularão ou não sabem responder. Com Marina na disputa, os eleitores sem candidato são 15%. Com Eduardo, 23%.
Na hora da urna, a história mostra que essa taxa tende a ficar abaixo de 10%. Logo, a questão é para quem penderão os 13% extras de eleitores que ficam sem candidato quando Eduardo Campos é o nome do PSB: à candidata governista ou aos oposicionistas.
Sem Marina na cabeça de chapa, Dilma ganha três pontos, e Aécio leva quatro a mais. A diferença mínima é inconclusiva. Outros elementos são necessários à comparação. Eles existem.
Eduardo tem metade dos votos de Marina, mas é desconhecido por 43% dos eleitores, quase quatro vezes mais do que sua nova companheira de partido. Se, à medida que a campanha avançar, ela pedir votos para ele como Lula pede para Dilma, é possível que o candidato do PSB conquiste mais eleitores do que a presidente entre os que ficam sem candidato diante da saída de Marina.
Por dois motivos:
1) Dilma tem rejeição muito mais alta do que Eduardo entre os eleitores de Marina. Pesquisa do Ibope em meados de setembro mostrou que 60% dos que declaravam voto em Marina não votariam de jeito nenhum em Dilma para presidente. A proporção cai a menos da metade (27%) com Eduardo, porque 36% dos eleitores de Marina dizem que não o conhecem o suficiente para opinar;
2) O Datafolha fez experiência heterodoxa e testou dois cenários de segundo turno citando nomes de candidatos a presidente e a vice. A chapa Eduardo/Marina perderia por 37% a 46% para Dilma/Michel Temer. Mas a chapa invertida do PSB, Marina/Eduardo, aparece tecnicamente empatada com Dilma/Michel: 42% a 44%. A diferença vem do grau de conhecimento de Campos.
Tudo depende, portanto, de quão dedicada e eficiente será a campanha de Marina por Eduardo. Não está claro qual a melhor tática: se apostar na confusão, como aparentam por ora, não deixando claro quem é o cabeça de chapa; ou se definindo logo quem é a locomotiva e quem é o vagão. Seja quem vier a ser o candidato, ele será fruto da decisão de Eduardo Campos.
A chapa "EduMarina" não é o fim da polarização eleitoral brasileira. Quer é substituir um dos polos, o do PSDB. Tem chances, por vários motivos: decadência eleitoral dos tucanos e o apelo de novidade que carrega são dois dos principais.
Se continuar avançando nas pesquisas de intenção de voto, "EduMarina" colocará a candidatura de Aécio em xeque. O tucano se segura em dois ativos eleitorais que fazem falta à dupla contra quem disputa o protagonismo da oposição: tempo de TV e palanques estaduais.
Nas últimas cinco eleições presidenciais, a diferença entre o primeiro colocado e a soma dos adversários nunca superou 5% dos votos válidos do primeiro turno. Em 1994 e 1998, a seu favor; nas outras três, contra. A margem é tão apertada que prognósticos são tão bons quanto um cara ou coroa. Nada indica que em 2014 essa zona de confusão será menos decisiva.
O Datafolha mostra a mesma divisão medial do eleitorado que levou as eleições de 2002, 2006 e 2010 ao segundo turno. Mas uma diferença pode mudar o fim da história. A chapa "EduMarina" pretende-se uma frente antigoverno. Aposta na clivagem enquanto busca monopolizar os votos de quem quer mudança no poder. Se bem-sucedida, aumenta a chance de tudo acabar em 5 de outubro.
Os governistas podem acreditar na simplória conta aritmética que dá maioria absoluta a Dilma Rousseff (PT) ou se prepararem para enfrentar uma frente única antipetista cuja estratégia é transformar a votação em plebiscito sobre o governo. Embora a primeira versão seja sedutora, a segunda encontra mais amparo nas pesquisas de intenção de voto.
Qual a maior diferença entre os dois cenários que têm Dilma e Aécio Neves (PSDB), mas alternam Eduardo Campos (PSB) e Marina (PSB)? A taxa daqueles que dizem que votarão em branco, anularão ou não sabem responder. Com Marina na disputa, os eleitores sem candidato são 15%. Com Eduardo, 23%.
Na hora da urna, a história mostra que essa taxa tende a ficar abaixo de 10%. Logo, a questão é para quem penderão os 13% extras de eleitores que ficam sem candidato quando Eduardo Campos é o nome do PSB: à candidata governista ou aos oposicionistas.
Sem Marina na cabeça de chapa, Dilma ganha três pontos, e Aécio leva quatro a mais. A diferença mínima é inconclusiva. Outros elementos são necessários à comparação. Eles existem.
Eduardo tem metade dos votos de Marina, mas é desconhecido por 43% dos eleitores, quase quatro vezes mais do que sua nova companheira de partido. Se, à medida que a campanha avançar, ela pedir votos para ele como Lula pede para Dilma, é possível que o candidato do PSB conquiste mais eleitores do que a presidente entre os que ficam sem candidato diante da saída de Marina.
Por dois motivos:
1) Dilma tem rejeição muito mais alta do que Eduardo entre os eleitores de Marina. Pesquisa do Ibope em meados de setembro mostrou que 60% dos que declaravam voto em Marina não votariam de jeito nenhum em Dilma para presidente. A proporção cai a menos da metade (27%) com Eduardo, porque 36% dos eleitores de Marina dizem que não o conhecem o suficiente para opinar;
2) O Datafolha fez experiência heterodoxa e testou dois cenários de segundo turno citando nomes de candidatos a presidente e a vice. A chapa Eduardo/Marina perderia por 37% a 46% para Dilma/Michel Temer. Mas a chapa invertida do PSB, Marina/Eduardo, aparece tecnicamente empatada com Dilma/Michel: 42% a 44%. A diferença vem do grau de conhecimento de Campos.
Tudo depende, portanto, de quão dedicada e eficiente será a campanha de Marina por Eduardo. Não está claro qual a melhor tática: se apostar na confusão, como aparentam por ora, não deixando claro quem é o cabeça de chapa; ou se definindo logo quem é a locomotiva e quem é o vagão. Seja quem vier a ser o candidato, ele será fruto da decisão de Eduardo Campos.
A chapa "EduMarina" não é o fim da polarização eleitoral brasileira. Quer é substituir um dos polos, o do PSDB. Tem chances, por vários motivos: decadência eleitoral dos tucanos e o apelo de novidade que carrega são dois dos principais.
Se continuar avançando nas pesquisas de intenção de voto, "EduMarina" colocará a candidatura de Aécio em xeque. O tucano se segura em dois ativos eleitorais que fazem falta à dupla contra quem disputa o protagonismo da oposição: tempo de TV e palanques estaduais.
Nas últimas cinco eleições presidenciais, a diferença entre o primeiro colocado e a soma dos adversários nunca superou 5% dos votos válidos do primeiro turno. Em 1994 e 1998, a seu favor; nas outras três, contra. A margem é tão apertada que prognósticos são tão bons quanto um cara ou coroa. Nada indica que em 2014 essa zona de confusão será menos decisiva.
Ao gosto do freguês - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 14/10
BRASÍLIA - Digamos que a pesquisa Datafolha permite leituras favoráveis ao gosto do freguês. Dilmistas ficaram felizes, aecistas, idem. Campistas, também. Marinistas tiveram motivos para sonhar e até serristas vislumbram uma janela.
Vista, porém, como ponto de partida e sendo a base, com pequenas oscilações, para o ano que vem, fica praticamente certo que a eleição será disputada por Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos.
Impossível imaginar o presidente do PSB abrindo mão de sua candidatura em favor de Marina com intenções de voto na casa de 15%. E com chances de subir diante de seu baixo conhecimento nacional.
Difícil acreditar que o tucano José Serra consiga tirar a vez de Aécio com os dois na mesma faixa de preferência do eleitorado. Ainda mais com o paulista tendo rejeição bem maior do que a do mineiro.
Dilma, claro, está em posição privilegiada. À frente em todos os cenários, depende, como num campeonato de futebol, basicamente dela para levar a taça da reeleição.
Tem trunfos à mão na reta final. Além da caneta presidencial, vai colher frutos de programas como Mais Médicos e Minha Casa Melhor.
O título, porém, não está garantido. O ponto fraco dilmista foi cultivado pela própria presidente. A inflação não está fora de controle, mas segue sendo uma incerteza.
Dilma errou ao acreditar que era possível conviver com uma inflação rodando na casa dos 6% em troca de mais crescimento. Receita velha e comprovadamente ineficaz.
Deu no que deu. Crescimento medíocre e risco sempre à porta de os preços dispararem. Basta apenas uma pequena faísca vinda do cenário externo para a inflação superar o teto da meta, de 6,5%.
Não por outro motivo o Banco Central reagiu e ensaia levar os juros para casa dos dois dígitos, pondo fim a uma das bandeiras eleitorais da petista. Pode dar certo, mas pode ter vindo tarde demais.
BRASÍLIA - Digamos que a pesquisa Datafolha permite leituras favoráveis ao gosto do freguês. Dilmistas ficaram felizes, aecistas, idem. Campistas, também. Marinistas tiveram motivos para sonhar e até serristas vislumbram uma janela.
Vista, porém, como ponto de partida e sendo a base, com pequenas oscilações, para o ano que vem, fica praticamente certo que a eleição será disputada por Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos.
Impossível imaginar o presidente do PSB abrindo mão de sua candidatura em favor de Marina com intenções de voto na casa de 15%. E com chances de subir diante de seu baixo conhecimento nacional.
Difícil acreditar que o tucano José Serra consiga tirar a vez de Aécio com os dois na mesma faixa de preferência do eleitorado. Ainda mais com o paulista tendo rejeição bem maior do que a do mineiro.
Dilma, claro, está em posição privilegiada. À frente em todos os cenários, depende, como num campeonato de futebol, basicamente dela para levar a taça da reeleição.
Tem trunfos à mão na reta final. Além da caneta presidencial, vai colher frutos de programas como Mais Médicos e Minha Casa Melhor.
O título, porém, não está garantido. O ponto fraco dilmista foi cultivado pela própria presidente. A inflação não está fora de controle, mas segue sendo uma incerteza.
Dilma errou ao acreditar que era possível conviver com uma inflação rodando na casa dos 6% em troca de mais crescimento. Receita velha e comprovadamente ineficaz.
Deu no que deu. Crescimento medíocre e risco sempre à porta de os preços dispararem. Basta apenas uma pequena faísca vinda do cenário externo para a inflação superar o teto da meta, de 6,5%.
Não por outro motivo o Banco Central reagiu e ensaia levar os juros para casa dos dois dígitos, pondo fim a uma das bandeiras eleitorais da petista. Pode dar certo, mas pode ter vindo tarde demais.
Dinheiro não basta para formar campeões - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 14/10
A política dos “campeões nacionais” adotada pelo BNDES falhou – e o prejuízo é de todos. Não foi por falta de aviso
Na semana que passou, o país teve uma boa notícia no que se refere ao financiamento de empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Luciano Coutinho, presidente da instituição, disse “não” aos boatos de que viria do BNDES o socorro para as combalidas operações de Eike Batista.
Há menos de dois meses, Coutinho apresentou-se à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi questionado diversas vezes sobre o relacionamento do banco com o grupo EBX. Disse que os empréstimos para as empresas X somam R$ 10 bilhões, aproximadamente, mas que o desembolso efetivo não passaria de R$ 6 bilhões – isso porque algumas parcelas (conhecidas como tranches no jargão financeiro) não chegaram a ser liberadas em razão do cronograma dos financiamentos. Afirmou também, sem dar maiores detalhes, que o BNDES não perdeu dinheiro com as operações que envolveram a petrolífera OGX. Explicações adicionais ainda são necessárias: se acionistas e credores internacionais tiveram perdas intensas com a companhia, qual foi a mágica contratual do banco para sair ileso?
Nos últimos anos, a feitiçaria contábil do BNDES exigiu sempre a participação do Tesouro Nacional. Só no primeiro semestre deste ano, o banco absorveu R$ 88 bilhões. No ano passado, foram R$ 153 bilhões. Esses aportes fazem com que seja o Estado brasileiro quem, de fato, subsidia os empréstimos feitos pelo banco.
Tais empréstimos têm sido destinados, prioritariamente, a grandes empresas – estas absorveram 57,1% dos R$ 375,9 bilhões desembolsados no período abril-junho, de acordo com boletim trimestral de transparência editado pela instituição. Ainda segundo o boletim, essa concentração ocorre em “decorrência da predominância das grandes empresas nos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital sob encomenda”, setores que o BNDES vem incentivando, com especial preferência aos projetos que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um guarda-chuva desenhado para dar aparência estatal a investimentos privados.
Setores preferenciais ou empresas preferenciais? Nos últimos dez anos, o BNDES converteu-se em um poderoso braço financeiro a serviço do governo, capaz de escolher quais grupos empresariais prosperariam. É a política dos “campeões nacionais”, que teve no grupo EBX um de seus principais representantes. Houve outros, como BRF, JBS, LBR, Fibria e Oi. A ideia era abastecer de recursos empresas escolhidas e dar a elas condições de se tornarem grandes operadores no mercado internacional, de forma a ampliar a presença global brasileira. Fusões e aquisições foram incentivadas, tendo o BNDES e o Tesouro como casamenteiros.
Deu errado. Muitas dessas empresas naufragaram por inépcia administrativa; outras, porque a união forçada de grupos rivais não deu tão certo quanto se imaginava. Não basta dar dinheiro a uma empresa para torná-la relevante.
Não foi por falta de aviso, porque algo parecido já havia ocorrido antes. Nos anos 70, o Brasil, sob o comando de uma ditadura, também incentivou companhias nacionais sob uma política de escolhas seletivas. Associada à reserva de mercado na informática e ao veto à importação de bens não essenciais, essa política tornou-se uma das causas da paradeira econômica nacional que marcou os anos 80 e boa parte da década de 90.
O BNDES acena com o fim da política dos campeões nacionais, e parece confirmar isso ao negar socorro à OGX. Não era sem tempo.
A política dos “campeões nacionais” adotada pelo BNDES falhou – e o prejuízo é de todos. Não foi por falta de aviso
Na semana que passou, o país teve uma boa notícia no que se refere ao financiamento de empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Luciano Coutinho, presidente da instituição, disse “não” aos boatos de que viria do BNDES o socorro para as combalidas operações de Eike Batista.
Há menos de dois meses, Coutinho apresentou-se à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi questionado diversas vezes sobre o relacionamento do banco com o grupo EBX. Disse que os empréstimos para as empresas X somam R$ 10 bilhões, aproximadamente, mas que o desembolso efetivo não passaria de R$ 6 bilhões – isso porque algumas parcelas (conhecidas como tranches no jargão financeiro) não chegaram a ser liberadas em razão do cronograma dos financiamentos. Afirmou também, sem dar maiores detalhes, que o BNDES não perdeu dinheiro com as operações que envolveram a petrolífera OGX. Explicações adicionais ainda são necessárias: se acionistas e credores internacionais tiveram perdas intensas com a companhia, qual foi a mágica contratual do banco para sair ileso?
Nos últimos anos, a feitiçaria contábil do BNDES exigiu sempre a participação do Tesouro Nacional. Só no primeiro semestre deste ano, o banco absorveu R$ 88 bilhões. No ano passado, foram R$ 153 bilhões. Esses aportes fazem com que seja o Estado brasileiro quem, de fato, subsidia os empréstimos feitos pelo banco.
Tais empréstimos têm sido destinados, prioritariamente, a grandes empresas – estas absorveram 57,1% dos R$ 375,9 bilhões desembolsados no período abril-junho, de acordo com boletim trimestral de transparência editado pela instituição. Ainda segundo o boletim, essa concentração ocorre em “decorrência da predominância das grandes empresas nos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital sob encomenda”, setores que o BNDES vem incentivando, com especial preferência aos projetos que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um guarda-chuva desenhado para dar aparência estatal a investimentos privados.
Setores preferenciais ou empresas preferenciais? Nos últimos dez anos, o BNDES converteu-se em um poderoso braço financeiro a serviço do governo, capaz de escolher quais grupos empresariais prosperariam. É a política dos “campeões nacionais”, que teve no grupo EBX um de seus principais representantes. Houve outros, como BRF, JBS, LBR, Fibria e Oi. A ideia era abastecer de recursos empresas escolhidas e dar a elas condições de se tornarem grandes operadores no mercado internacional, de forma a ampliar a presença global brasileira. Fusões e aquisições foram incentivadas, tendo o BNDES e o Tesouro como casamenteiros.
Deu errado. Muitas dessas empresas naufragaram por inépcia administrativa; outras, porque a união forçada de grupos rivais não deu tão certo quanto se imaginava. Não basta dar dinheiro a uma empresa para torná-la relevante.
Não foi por falta de aviso, porque algo parecido já havia ocorrido antes. Nos anos 70, o Brasil, sob o comando de uma ditadura, também incentivou companhias nacionais sob uma política de escolhas seletivas. Associada à reserva de mercado na informática e ao veto à importação de bens não essenciais, essa política tornou-se uma das causas da paradeira econômica nacional que marcou os anos 80 e boa parte da década de 90.
O BNDES acena com o fim da política dos campeões nacionais, e parece confirmar isso ao negar socorro à OGX. Não era sem tempo.
O Brasil e os riscos externos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 14/10
Terminada a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), todos os governos continuarão olhando para Washington, à espera de decisões que podem afetar todos os mercados e tumultuar a transição para o mundo pós-crise. Os temores causados pelo impasse em torno do orçamento e da dívida pública americana apenas agravaram a tensão presente desde maio, quando o Federal Reserve (banco central dos EUA) anunciou a intenção de reduzir os estímulos à reativação econômica - a emissão mensal de até US$ 85 bilhões para facilitar o crédito. Sem data prevista para o início da mudança, o suspense continua. Se nenhum desastre maior for causado pelos políticos de Washington, a nova estratégia do Fed, mesmo conduzida com mão leve, já será mais que suficiente para impor cuidados a todos os governos. Estará Brasília preparada para o teste, especialmente quando as eleições ocupam o topo da agenda governamental?
Na primeira fase das turbulências, o real foi uma das moedas mais desvalorizadas, mas a ação do Banco Central (BC) foi elogiada por especialistas do FMI. A política de aumento de juros havia sido retomada em abril e, quando a agitação cambial começou, as autoridades monetárias implantaram um bem definido programa de intervenções. Garantiram uma boa oferta de dólares, para acalmar o mercado, e, ao mesmo tempo, evitaram a queima de reservas, mantidas até agora no patamar de US$ 370 bilhões. Restou alguma depreciação cambial, bem-vinda, por enquanto, por causa de seus possíveis efeitos benéficos para o comércio exterior.
Mas o jogo continua e novas pressões são esperadas. A redução dos estímulos do Fed é só um componente das incertezas. O sistema bancário internacional terá de avançar em seu programa de reformas e também isso poderá afetar as condições do crédito e complicar a recuperação global.
Entre julho e outubro os economistas do FMI reduziram de 3,2% para 2,9% e de 3,8% para 3,6% as projeções de expansão da economia mundial para este e para o próximo ano. Apesar disso, o cenário contém alguns elementos animadores. A zona do euro começa a vencer a recessão e a economia americana avança em ritmo ainda lento, mas firme, com mais investimentos, mais exportações e reanimação do setor imobiliário. Para os emergentes a previsão é de crescimento menor, tanto por fatores cíclicos quanto pela redução de seu potencial de expansão. Apesar disso, os mais dinâmicos desse grupo devem continuar avançando mais rapidamente do que os países desenvolvidos.
O Brasil, nesse quadro, tem uma posição especial, embora as autoridades brasileiras evitem reconhecê-la ou só a reconheçam parcialmente. As projeções para a economia brasileira indicam crescimento de 2,5% neste ano e no próximo, bem abaixo das médias estimadas para os países emergentes e em desenvolvimento - 4,5% em 2013 e 5,1% em 2014. Nos cinco anos até 2018 o PIB do Brasil poderá crescer 3,5% ao ano. Mesmo com a expectativa de algumas ações corretivas, o potencial de expansão permanecerá muito inferior ao de outros países da mesma categoria.
Mas o quadro fica ainda menos animador quando se levam em conta o endividamento público - quase o dobro da média dos emergentes - e a inflação muito alta pelos padrões internacionais. Pelos critérios do FMI, a dívida pública bruta no Brasil equivalia no ano passado a 68% do PIB, deve chegar a 68,3% neste ano e alcançar 69% em 2014. A média dos emergentes era de 36,5% em 2012, deve cair para 35,3% neste ano e bater em 34,1% em 2014. Autoridades brasileiras costumam confrontar a dívida pública nacional com as do mundo rico, em torno de 100% do PIB, mas a comparação é enganadora. Bastaria confrontar as classificações de risco e os custos de financiamento das dívidas para desfazer a ilusão.
A inflação, o baixo potencial de crescimento, a dívida pública e a piora das contas externas tornam os desafios para o governo brasileiro bem maiores que os enfrentados em outras economias emergentes e limitam severamente o espaço de manobra diante de novos perigos. Nenhum desses problemas será atenuado com maquiagem e medidas eleitoreiras.
Terminada a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), todos os governos continuarão olhando para Washington, à espera de decisões que podem afetar todos os mercados e tumultuar a transição para o mundo pós-crise. Os temores causados pelo impasse em torno do orçamento e da dívida pública americana apenas agravaram a tensão presente desde maio, quando o Federal Reserve (banco central dos EUA) anunciou a intenção de reduzir os estímulos à reativação econômica - a emissão mensal de até US$ 85 bilhões para facilitar o crédito. Sem data prevista para o início da mudança, o suspense continua. Se nenhum desastre maior for causado pelos políticos de Washington, a nova estratégia do Fed, mesmo conduzida com mão leve, já será mais que suficiente para impor cuidados a todos os governos. Estará Brasília preparada para o teste, especialmente quando as eleições ocupam o topo da agenda governamental?
Na primeira fase das turbulências, o real foi uma das moedas mais desvalorizadas, mas a ação do Banco Central (BC) foi elogiada por especialistas do FMI. A política de aumento de juros havia sido retomada em abril e, quando a agitação cambial começou, as autoridades monetárias implantaram um bem definido programa de intervenções. Garantiram uma boa oferta de dólares, para acalmar o mercado, e, ao mesmo tempo, evitaram a queima de reservas, mantidas até agora no patamar de US$ 370 bilhões. Restou alguma depreciação cambial, bem-vinda, por enquanto, por causa de seus possíveis efeitos benéficos para o comércio exterior.
Mas o jogo continua e novas pressões são esperadas. A redução dos estímulos do Fed é só um componente das incertezas. O sistema bancário internacional terá de avançar em seu programa de reformas e também isso poderá afetar as condições do crédito e complicar a recuperação global.
Entre julho e outubro os economistas do FMI reduziram de 3,2% para 2,9% e de 3,8% para 3,6% as projeções de expansão da economia mundial para este e para o próximo ano. Apesar disso, o cenário contém alguns elementos animadores. A zona do euro começa a vencer a recessão e a economia americana avança em ritmo ainda lento, mas firme, com mais investimentos, mais exportações e reanimação do setor imobiliário. Para os emergentes a previsão é de crescimento menor, tanto por fatores cíclicos quanto pela redução de seu potencial de expansão. Apesar disso, os mais dinâmicos desse grupo devem continuar avançando mais rapidamente do que os países desenvolvidos.
O Brasil, nesse quadro, tem uma posição especial, embora as autoridades brasileiras evitem reconhecê-la ou só a reconheçam parcialmente. As projeções para a economia brasileira indicam crescimento de 2,5% neste ano e no próximo, bem abaixo das médias estimadas para os países emergentes e em desenvolvimento - 4,5% em 2013 e 5,1% em 2014. Nos cinco anos até 2018 o PIB do Brasil poderá crescer 3,5% ao ano. Mesmo com a expectativa de algumas ações corretivas, o potencial de expansão permanecerá muito inferior ao de outros países da mesma categoria.
Mas o quadro fica ainda menos animador quando se levam em conta o endividamento público - quase o dobro da média dos emergentes - e a inflação muito alta pelos padrões internacionais. Pelos critérios do FMI, a dívida pública bruta no Brasil equivalia no ano passado a 68% do PIB, deve chegar a 68,3% neste ano e alcançar 69% em 2014. A média dos emergentes era de 36,5% em 2012, deve cair para 35,3% neste ano e bater em 34,1% em 2014. Autoridades brasileiras costumam confrontar a dívida pública nacional com as do mundo rico, em torno de 100% do PIB, mas a comparação é enganadora. Bastaria confrontar as classificações de risco e os custos de financiamento das dívidas para desfazer a ilusão.
A inflação, o baixo potencial de crescimento, a dívida pública e a piora das contas externas tornam os desafios para o governo brasileiro bem maiores que os enfrentados em outras economias emergentes e limitam severamente o espaço de manobra diante de novos perigos. Nenhum desses problemas será atenuado com maquiagem e medidas eleitoreiras.
Finança sem barganha - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 14/10
Não é possível tolerar guerra fiscal, tampouco conceder privilégios descabidos a São Paulo na renegociação de sua dívida pública com a União
O Congresso Nacional está prestes a tomar duas decisões cruciais a respeito das finanças de Estados e municípios brasileiros.
Uma delas trata das reduções de impostos que Estados concederam a empresas com o objetivo de atraí-las para seus territórios.
Tais incentivos, do modo como foram concedidos, eram instrumentos da chamada guerra fiscal e foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. São objeto de uma proposta de súmula vinculante (com efeito imediato sobre casos semelhantes) apresentada em 2012 que, se adotada, encerrará a concessão dessas perniciosas vantagens tributárias.
O passivo dessa decisão por certo é um novo imbróglio. As empresas deveriam devolver os benefícios, o que causaria tumulto econômico e jurídico? A súmula do Supremo valeria apenas de sua aprovação em diante?
Vê-se que, apesar de ilegais e daninhos, os incentivos da guerra fiscal não podem ser revertidos sem mais, sem criar desordem.
O Congresso associou a solução do problema ao da renegociação das dívidas estaduais e municipais.
Entre 1997 e 2000, a União assumiu as dívidas de Estados e municípios, que se comprometeram, entre outras metas fiscais, a pagar o débito em 30 anos, passivo reajustado pela inflação mais juros que variam de 6% a 9% ao ano.
O governo federal, a pedido não só de aliados mas também de oposicionistas, propôs recalcular a dívida inicial por um indexador menor. Assim, o montante seria reduzido, os débitos seriam pagos mais cedo e entes da Federação poderiam voltar a tomar empréstimos.
O Congresso propõe uma espécie de barganha. Validam-se os incentivos fiscais --ideia defendida por quase todos os Estados-- em troca da mudança do indexador da dívida --o que beneficiaria em especial a cidade de São Paulo, estratégica no cálculo eleitoral do PT.
A Prefeitura de São Paulo paga juros de 9% sobre sua dívida com a União, taxa que faz anos supera as dos juros básicos de mercado. O peso do refinanciamento tornou-se excessivo. Limita as possibilidades de a maior cidade do país investir e atenuar sua crise urbana, o que tem impactos nacionais.
Mas não convém admitir a prodigalidade e o imediatismo do acordo que se costura no Congresso. O recálculo da dívida não pode ser integral, pois isso implicaria ainda mais subsídios que recairiam sobre as contas do governo federal --ou seja, do país inteiro.
Por outro lado, não se pode dar solução ao passivo da guerra fiscal sem a contrapartida de normas que venham a disciplinar e limitar a concessão de incentivos. Mais importante, é preciso que a validação dos incentivos seja acompanhada da simplificação do ICMS, tributo de tantas alíquotas e normas que provoca ineficiências e custos altos para as empresas.
Em suma, nem se pode tolerar a guerra fiscal nem conceder privilégios descabidos a uma cidade governada por um aliado do Planalto, interessado em ter recursos para impulsionar uma candidatura ao governo paulista.
Não é possível tolerar guerra fiscal, tampouco conceder privilégios descabidos a São Paulo na renegociação de sua dívida pública com a União
O Congresso Nacional está prestes a tomar duas decisões cruciais a respeito das finanças de Estados e municípios brasileiros.
Uma delas trata das reduções de impostos que Estados concederam a empresas com o objetivo de atraí-las para seus territórios.
Tais incentivos, do modo como foram concedidos, eram instrumentos da chamada guerra fiscal e foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. São objeto de uma proposta de súmula vinculante (com efeito imediato sobre casos semelhantes) apresentada em 2012 que, se adotada, encerrará a concessão dessas perniciosas vantagens tributárias.
O passivo dessa decisão por certo é um novo imbróglio. As empresas deveriam devolver os benefícios, o que causaria tumulto econômico e jurídico? A súmula do Supremo valeria apenas de sua aprovação em diante?
Vê-se que, apesar de ilegais e daninhos, os incentivos da guerra fiscal não podem ser revertidos sem mais, sem criar desordem.
O Congresso associou a solução do problema ao da renegociação das dívidas estaduais e municipais.
Entre 1997 e 2000, a União assumiu as dívidas de Estados e municípios, que se comprometeram, entre outras metas fiscais, a pagar o débito em 30 anos, passivo reajustado pela inflação mais juros que variam de 6% a 9% ao ano.
O governo federal, a pedido não só de aliados mas também de oposicionistas, propôs recalcular a dívida inicial por um indexador menor. Assim, o montante seria reduzido, os débitos seriam pagos mais cedo e entes da Federação poderiam voltar a tomar empréstimos.
O Congresso propõe uma espécie de barganha. Validam-se os incentivos fiscais --ideia defendida por quase todos os Estados-- em troca da mudança do indexador da dívida --o que beneficiaria em especial a cidade de São Paulo, estratégica no cálculo eleitoral do PT.
A Prefeitura de São Paulo paga juros de 9% sobre sua dívida com a União, taxa que faz anos supera as dos juros básicos de mercado. O peso do refinanciamento tornou-se excessivo. Limita as possibilidades de a maior cidade do país investir e atenuar sua crise urbana, o que tem impactos nacionais.
Mas não convém admitir a prodigalidade e o imediatismo do acordo que se costura no Congresso. O recálculo da dívida não pode ser integral, pois isso implicaria ainda mais subsídios que recairiam sobre as contas do governo federal --ou seja, do país inteiro.
Por outro lado, não se pode dar solução ao passivo da guerra fiscal sem a contrapartida de normas que venham a disciplinar e limitar a concessão de incentivos. Mais importante, é preciso que a validação dos incentivos seja acompanhada da simplificação do ICMS, tributo de tantas alíquotas e normas que provoca ineficiências e custos altos para as empresas.
Em suma, nem se pode tolerar a guerra fiscal nem conceder privilégios descabidos a uma cidade governada por um aliado do Planalto, interessado em ter recursos para impulsionar uma candidatura ao governo paulista.
FGTS: multa injustificada - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 14/10
O Supremo tribunal Federal (STF) recebeu, na semana passada, três ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) questionando a manutenção da cobrança do acréscimo de 10 pontos percentuais à multa por demissão sem justa causa sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O acréscimo foi instituído em 2001, para cobrir rombos na conta do Fundo, provocados pelos planos Verão (1989) e Collor 1 (1990), que falharam no combate à hiperinflação.
Originalmente fixada em 40% do FGTS acumulado na conta do trabalhador da iniciativa privada, essa multa passou, então, a 50%. Mas o acréscimo não foi transferido automaticamente ao trabalhador demitido, como é feito com os 40%. Os recursos formaram um fundo especial, que bancou, em várias prestações, a correção de todas as contas do FGTS que estavam abertas durante aqueles planos econômicos, conforme determinação da Justiça.
A limpeza desse passivo foi concluída em 2012, com a indenização dos titulares das contas e o reequilíbrio do Fundo. Estava, portanto, esgotada a razão que justificou o acréscimo. Mas, como a lei que o criou não estabeleceu data para a extinção, o governo não se moveu para deixar de arrecadá-lo, apesar de inúmeros apelos de entidades empresariais. Tampouco transferiu o dinheiro extra para a conta do trabalhador demitido. Discretamente, o governo passou a destinar esses recursos para seus programas, como se eles lhes pertencessem, dando-lhes, portanto, tratamento fiscal de legalidade no mínimo discutível.
Coube ao Congresso aprovar lei acabando com a cobrança, ainda que de forma gradual. Não adiantou. A presidente da República alegou que os recursos dos 10% sobre o FGTS (R$ 3 bilhões em 2013) farão falta ao programa Minha casa, Minha vida e vetou a lei discutida e aprovada pelas duas Casas do Congresso. Por sua vez, a maioria governista aceitou a argumentação do Planalto e manteve o veto.
É contra isso que se insurgem entidades como as confederações Nacional do Comércio (CNC), Nacional da Indústria (CNI) e Nacional das Empresas de Seguros (CNSeg), autoras das Adins. Elas têm boas chances de vitória, não apenas pelo bom senso e pela obrigação de cumprir o combinado, mas porque não deve ser a conveniência do governo o que orienta a criação e a modalidade dos tributos e, sim, a sua destinação.
Diferentemente da arrecadação dos impostos - obrigatoriamente recolhidos ao Tesouro, sem vinculação predeterminada -, as contribuições, como as do FGTS e as do INSS, exigem a especificação clara do fim a que se destinam. Não se trata de mais uma firula jurídica, mas de proteção ao bolso do contribuinte, que não pode ficar à mercê da vontade do governante de plantão.
Originalmente fixada em 40% do FGTS acumulado na conta do trabalhador da iniciativa privada, essa multa passou, então, a 50%. Mas o acréscimo não foi transferido automaticamente ao trabalhador demitido, como é feito com os 40%. Os recursos formaram um fundo especial, que bancou, em várias prestações, a correção de todas as contas do FGTS que estavam abertas durante aqueles planos econômicos, conforme determinação da Justiça.
A limpeza desse passivo foi concluída em 2012, com a indenização dos titulares das contas e o reequilíbrio do Fundo. Estava, portanto, esgotada a razão que justificou o acréscimo. Mas, como a lei que o criou não estabeleceu data para a extinção, o governo não se moveu para deixar de arrecadá-lo, apesar de inúmeros apelos de entidades empresariais. Tampouco transferiu o dinheiro extra para a conta do trabalhador demitido. Discretamente, o governo passou a destinar esses recursos para seus programas, como se eles lhes pertencessem, dando-lhes, portanto, tratamento fiscal de legalidade no mínimo discutível.
Coube ao Congresso aprovar lei acabando com a cobrança, ainda que de forma gradual. Não adiantou. A presidente da República alegou que os recursos dos 10% sobre o FGTS (R$ 3 bilhões em 2013) farão falta ao programa Minha casa, Minha vida e vetou a lei discutida e aprovada pelas duas Casas do Congresso. Por sua vez, a maioria governista aceitou a argumentação do Planalto e manteve o veto.
É contra isso que se insurgem entidades como as confederações Nacional do Comércio (CNC), Nacional da Indústria (CNI) e Nacional das Empresas de Seguros (CNSeg), autoras das Adins. Elas têm boas chances de vitória, não apenas pelo bom senso e pela obrigação de cumprir o combinado, mas porque não deve ser a conveniência do governo o que orienta a criação e a modalidade dos tributos e, sim, a sua destinação.
Diferentemente da arrecadação dos impostos - obrigatoriamente recolhidos ao Tesouro, sem vinculação predeterminada -, as contribuições, como as do FGTS e as do INSS, exigem a especificação clara do fim a que se destinam. Não se trata de mais uma firula jurídica, mas de proteção ao bolso do contribuinte, que não pode ficar à mercê da vontade do governante de plantão.
Corporativo e perdulário - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 14/10
A máquina pública brasileira é gigantesca, perdulária e pouco eficaz. Com a provável exceção dos órgãos e mecanismos de arrecadação, eficientes no avanço sobre rendas dos cidadãos, e uma ou outra demonstração de competência na administração, o monstrengo burocrático move-se pesadamente, em geral de modo a procrastinar obrigações do Estado, uma afronta a direitos da sociedade.
Quando se fala em resolver demandas para melhorar os serviços, a invariável receita prescreve remédios pontuais, quase sempre envolvendo mais gastos públicos. Reformas estruturais, com racionalização dos serviços e da força de trabalho, modernização de métodos gerenciais e outras ações capazes de melhorar o atendimento, não são consideradas.
Não é diferente na discussão sobre novos tribunais federais. Sob o argumento de que é preciso cobrir demandas de atendimento, segue-se o rito da criação, à custa do Erário, de mais organismos para engordar a já obesa máquina judiciária.
O excesso de processos nas Cortes não se deve a falta de pessoal e de tribunais — ao contrário, como prova o inchaço nas folhas de pagamento do Judiciário. O recente julgamento do mensalão deu uma boa pista sobre as razões do acúmulo de ações: as brechas que permitem procrastinar a execução de sentenças são um evidente embargo na agilização da Justiça.
Por que não pensar, como ponto de partida para a melhora global, inclusive de salários e de condições de trabalho, em agilizar os ritos processuais (por óbvio, com a garantia da preservação do amplo direito de defesa)? Também é conhecida, por exemplo, a resistência dos tribunais à ação do Conselho Nacional de Justiça, no campo ético e administrativo. O cumprimento de metas de produtividade estabelecidas pelo CNJ nem sempre é obedecido pelos juízes. No âmbito dos TRs existentes, apenas dois dos cinco atingiram em 2012 os objetivos fixados. O aperfeiçoamento passa mais pela revisão de métodos do que pela ampliação das estruturas e gastos.
É salgada a conta — em torno de R$ 1 bilhão — da criação de quatro tribunais regionais em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus, propósito da Emenda Constitucional 73. Nessa fatura, não há garantias da contrapartida em serviços eficientes para o cidadão. Os fins são meramente corporativistas.
Não à toa, tem sido objeto de críticas. Em julho, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, suspendeu liminarmente os efeitos do projeto; presidentes de dois dos cinco tribunais federais condenaram a proposta, assim como a Advocacia Geral da União e a Fundação Getúlio Vargas. Mesmo assim, a emenda foi promulgada no início de setembro, durante a breve interinidade do senador André Vargas (PT-PR), na Presidência do Senado — em si, uma suspeita pressa na aprovação de tema tão polêmico.
A obstrução dos efeitos da emenda pelo STF pode ser um freio nessa nova gastança, uma vez que falta julgar o mérito da liminar do ministro Barbosa. A conferir. De qualquer forma, a prevalecer a insanidade, terá perdido o contribuinte mais um embate para o corporativismo.
A máquina pública brasileira é gigantesca, perdulária e pouco eficaz. Com a provável exceção dos órgãos e mecanismos de arrecadação, eficientes no avanço sobre rendas dos cidadãos, e uma ou outra demonstração de competência na administração, o monstrengo burocrático move-se pesadamente, em geral de modo a procrastinar obrigações do Estado, uma afronta a direitos da sociedade.
Quando se fala em resolver demandas para melhorar os serviços, a invariável receita prescreve remédios pontuais, quase sempre envolvendo mais gastos públicos. Reformas estruturais, com racionalização dos serviços e da força de trabalho, modernização de métodos gerenciais e outras ações capazes de melhorar o atendimento, não são consideradas.
Não é diferente na discussão sobre novos tribunais federais. Sob o argumento de que é preciso cobrir demandas de atendimento, segue-se o rito da criação, à custa do Erário, de mais organismos para engordar a já obesa máquina judiciária.
O excesso de processos nas Cortes não se deve a falta de pessoal e de tribunais — ao contrário, como prova o inchaço nas folhas de pagamento do Judiciário. O recente julgamento do mensalão deu uma boa pista sobre as razões do acúmulo de ações: as brechas que permitem procrastinar a execução de sentenças são um evidente embargo na agilização da Justiça.
Por que não pensar, como ponto de partida para a melhora global, inclusive de salários e de condições de trabalho, em agilizar os ritos processuais (por óbvio, com a garantia da preservação do amplo direito de defesa)? Também é conhecida, por exemplo, a resistência dos tribunais à ação do Conselho Nacional de Justiça, no campo ético e administrativo. O cumprimento de metas de produtividade estabelecidas pelo CNJ nem sempre é obedecido pelos juízes. No âmbito dos TRs existentes, apenas dois dos cinco atingiram em 2012 os objetivos fixados. O aperfeiçoamento passa mais pela revisão de métodos do que pela ampliação das estruturas e gastos.
É salgada a conta — em torno de R$ 1 bilhão — da criação de quatro tribunais regionais em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus, propósito da Emenda Constitucional 73. Nessa fatura, não há garantias da contrapartida em serviços eficientes para o cidadão. Os fins são meramente corporativistas.
Não à toa, tem sido objeto de críticas. Em julho, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, suspendeu liminarmente os efeitos do projeto; presidentes de dois dos cinco tribunais federais condenaram a proposta, assim como a Advocacia Geral da União e a Fundação Getúlio Vargas. Mesmo assim, a emenda foi promulgada no início de setembro, durante a breve interinidade do senador André Vargas (PT-PR), na Presidência do Senado — em si, uma suspeita pressa na aprovação de tema tão polêmico.
A obstrução dos efeitos da emenda pelo STF pode ser um freio nessa nova gastança, uma vez que falta julgar o mérito da liminar do ministro Barbosa. A conferir. De qualquer forma, a prevalecer a insanidade, terá perdido o contribuinte mais um embate para o corporativismo.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
PT E PMDB TOMAM R$ 100 MI DO FUNDO PARTIDÁRIO
O PT foi o recordista no recebimento de recursos (públicos) do fundo partidário, embolsando R$ 53 milhões durante o ano de 2012. O PMDB, segundo maior bancada na Câmara dos Deputados, saboreou a tunga de R$ 44,4 milhões dos cofres públicos. Como é democrático o acesso ao fundo partidário, a oposição também garante seu botim: o PSDB levou R$ 37 milhões no ano passado e o DEM, R$ 22,3 milhões.
SANGRIA IMPARÁVEL
Somente no mês de setembro foram distribuídos R$ 24,5 milhões do inesgotável fundo partidário entre 29 dos 32 partidos.
FUNDO DO GOVERNO
O PT da presidenta Dilma ficou com a maior fatia do fundo no mês de setembro: R$ 3,9 milhões, seguido pelo PMDB, com R$ 3 milhões.
FUNDO DA OPOSIÇÃO
A oposição também recebe dinheiro público sem fazer campanha: em setembro o PSDB embolsou R$ 2,6 milhões e o DEM, R$ 1,2 milhão.
NOVATOS CAROS
Mal foi criado, o Pros já garantiu R$ 2,9 milhões do fundo partidário, em 2013. Já o Solidariedade (SDD), cerca de R$ 5,6 milhões.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA EM CARTÓRIO AJUDOU SDD
Partido apoiado por falecidos e servidores desavisados, o Solidariedade (SDD), de Paulinho da Força, contou com a colaboração da falta de transparência na publicação das listas de apoiadores. Contrariando a Resolução 23.282, do TSE, a 14ª Zona Eleitoral da Asa Norte, em Brasília, por exemplo, não divulgou os nomes dos 648 filiados. Sem a lista afixada por 5 dias no cartório, uma ação de impugnação é cabível.
POR POUCO
O Solidariedade teve 495.573 assinaturas de filiados consideradas válidas. Eram necessárias 492 mil. Passou raspando…
REFLEXO DO CHEFE
Dono do SDD, Paulinho da Força não quis comentar. Apenas gritou, antes de desligar o telefone: “Vocês ainda estão com esta putaria?!”
ALÔ, ELEITOR
O Ipespe, de Antonio Lavareda, apresentou ao governador Eduardo Campos (PE) pesquisa nacional, que o aponta com mais de 16%.
O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
A governadora Roseana Sarney (PMDB-MA) considera desistir da disputa ao Senado para ficar no governo e aumentar chances de eleger o sucessor de sua confiança contra o opositor Flávio Dino (PCdoB).
PALAVRAS AO VENTO
Apesar da articulação do Planalto para dar musculatura ao Pros, o líder do partido, deputado Givaldo Carimbão (AL), tem dito que não há alinhamento automático com governo. Mas o Planalto ainda não sabe.
MEGALOMANIA
A Bolívia vai de vento em popa vendendo gás, quinoa e folha de coca: o presidente maluquete Evo Morales quer comprar um novo jato Falcon por US$ 7 milhões, e construir uma nova sede do governo em La Paz.
ESPERTA QUE SÓ
Surpresa com a aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos (PSB), a deputada Perpétua Almeida (PT-AC) afirmou que a conterrânea “não tem nada de besta. Não é a toa que ela é conhecida como Jaguatirica”.
PADARIA PLANALTO
Não há dieta que resista: a Presidência da República pretende gastar até dezembro R$ 50,4 mil em pães, biscoitos e outras guloseimas, na maioria brioches: serão 5 mil unidades.
TODO SEU
Aconselhado pelo ex-presidente Lula, o PT pretende entregar nesta segunda (14) os cargos que possui no governo de Pernambuco e na prefeitura de Recife, sob comando do presidenciável Eduardo Campos.
NA CABECEIRA
O vice-primeiro-ministro de Portugal, Paulo Portas, e vice o Michel Temer encontraram uma afinidade: ambos estão lendo livros da trilogia sobre Getúlio, de Lira Neto, e o 1889, de Laurentino Gomes.
FELICIANO NO HORIZONTE
Vice-presidente do PSC, o Pastor Everaldo prometeu a correligionários que, se seu nome não decolar até março nas pesquisas de intenção de voto, vai abrir mão da disputa à Presidência da República em 2014.
PENSANDO BEM…
…Rosemary Noronha é o Amarildo de Lula. Só se fala nela, mas ninguém encontra.
PODER SEM PUDOR
À DISTÂNCIA ELE É ÓTIMO
O ex-senador José Serra não é exatamente um amor de pessoa, até para os aliados. Quando disputou a prefeitura de São Paulo em 1996, o ministro José Gregori (Justiça), reuniu tucanos ilustres em sua casa para encontrar uma maneira de ajudar a candidatura, de baixos índices. Mas a reunião se transformou numa sessão de queixas contra Serra. Gregori cortou:
- Olha, vocês têm que trabalhar, senão o Serra vai voltar para Brasília…
Santo remédio: todos ficaram preocupados e começaram a dar ideias. Teve ministro que até se ofereceu para fazer boca de urna, no dia da eleição.
O PT foi o recordista no recebimento de recursos (públicos) do fundo partidário, embolsando R$ 53 milhões durante o ano de 2012. O PMDB, segundo maior bancada na Câmara dos Deputados, saboreou a tunga de R$ 44,4 milhões dos cofres públicos. Como é democrático o acesso ao fundo partidário, a oposição também garante seu botim: o PSDB levou R$ 37 milhões no ano passado e o DEM, R$ 22,3 milhões.
SANGRIA IMPARÁVEL
Somente no mês de setembro foram distribuídos R$ 24,5 milhões do inesgotável fundo partidário entre 29 dos 32 partidos.
FUNDO DO GOVERNO
O PT da presidenta Dilma ficou com a maior fatia do fundo no mês de setembro: R$ 3,9 milhões, seguido pelo PMDB, com R$ 3 milhões.
FUNDO DA OPOSIÇÃO
A oposição também recebe dinheiro público sem fazer campanha: em setembro o PSDB embolsou R$ 2,6 milhões e o DEM, R$ 1,2 milhão.
NOVATOS CAROS
Mal foi criado, o Pros já garantiu R$ 2,9 milhões do fundo partidário, em 2013. Já o Solidariedade (SDD), cerca de R$ 5,6 milhões.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA EM CARTÓRIO AJUDOU SDD
Partido apoiado por falecidos e servidores desavisados, o Solidariedade (SDD), de Paulinho da Força, contou com a colaboração da falta de transparência na publicação das listas de apoiadores. Contrariando a Resolução 23.282, do TSE, a 14ª Zona Eleitoral da Asa Norte, em Brasília, por exemplo, não divulgou os nomes dos 648 filiados. Sem a lista afixada por 5 dias no cartório, uma ação de impugnação é cabível.
POR POUCO
O Solidariedade teve 495.573 assinaturas de filiados consideradas válidas. Eram necessárias 492 mil. Passou raspando…
REFLEXO DO CHEFE
Dono do SDD, Paulinho da Força não quis comentar. Apenas gritou, antes de desligar o telefone: “Vocês ainda estão com esta putaria?!”
ALÔ, ELEITOR
O Ipespe, de Antonio Lavareda, apresentou ao governador Eduardo Campos (PE) pesquisa nacional, que o aponta com mais de 16%.
O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
A governadora Roseana Sarney (PMDB-MA) considera desistir da disputa ao Senado para ficar no governo e aumentar chances de eleger o sucessor de sua confiança contra o opositor Flávio Dino (PCdoB).
PALAVRAS AO VENTO
Apesar da articulação do Planalto para dar musculatura ao Pros, o líder do partido, deputado Givaldo Carimbão (AL), tem dito que não há alinhamento automático com governo. Mas o Planalto ainda não sabe.
MEGALOMANIA
A Bolívia vai de vento em popa vendendo gás, quinoa e folha de coca: o presidente maluquete Evo Morales quer comprar um novo jato Falcon por US$ 7 milhões, e construir uma nova sede do governo em La Paz.
ESPERTA QUE SÓ
Surpresa com a aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos (PSB), a deputada Perpétua Almeida (PT-AC) afirmou que a conterrânea “não tem nada de besta. Não é a toa que ela é conhecida como Jaguatirica”.
PADARIA PLANALTO
Não há dieta que resista: a Presidência da República pretende gastar até dezembro R$ 50,4 mil em pães, biscoitos e outras guloseimas, na maioria brioches: serão 5 mil unidades.
TODO SEU
Aconselhado pelo ex-presidente Lula, o PT pretende entregar nesta segunda (14) os cargos que possui no governo de Pernambuco e na prefeitura de Recife, sob comando do presidenciável Eduardo Campos.
NA CABECEIRA
O vice-primeiro-ministro de Portugal, Paulo Portas, e vice o Michel Temer encontraram uma afinidade: ambos estão lendo livros da trilogia sobre Getúlio, de Lira Neto, e o 1889, de Laurentino Gomes.
FELICIANO NO HORIZONTE
Vice-presidente do PSC, o Pastor Everaldo prometeu a correligionários que, se seu nome não decolar até março nas pesquisas de intenção de voto, vai abrir mão da disputa à Presidência da República em 2014.
PENSANDO BEM…
…Rosemary Noronha é o Amarildo de Lula. Só se fala nela, mas ninguém encontra.
PODER SEM PUDOR
À DISTÂNCIA ELE É ÓTIMO
O ex-senador José Serra não é exatamente um amor de pessoa, até para os aliados. Quando disputou a prefeitura de São Paulo em 1996, o ministro José Gregori (Justiça), reuniu tucanos ilustres em sua casa para encontrar uma maneira de ajudar a candidatura, de baixos índices. Mas a reunião se transformou numa sessão de queixas contra Serra. Gregori cortou:
- Olha, vocês têm que trabalhar, senão o Serra vai voltar para Brasília…
Santo remédio: todos ficaram preocupados e começaram a dar ideias. Teve ministro que até se ofereceu para fazer boca de urna, no dia da eleição.
SEGUNDA NOS JORNAIS
- Globo: Tragédia sobre duas rodas: Acidentes de motos com crianças no Rio disparam
- Folha: Bilhete aéreo durante Copa já custa até 10 vezes mais
- Estadão: EUA não têm acordo sobre dívida a 4 dias do prazo final
- Correio: Servidores ameaçados de perder plano de saúde
- Zero Hora: Teste de direção reprova 61% dos candidatos no RS
- Brasil Econômico: “São Paulo,que já foi locomotiva, pode ser supersônico”
- Valor Econômico: Marina crítica Dilma e defende volta do tripé
- Jornal do Commercio: Maioria do PT vai entregar os cargos