domingo, outubro 06, 2013

Tão óbvio - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 06/10


Sempre tive mais tendência a simplificar do que complicar, mas agora isso se intensificou a ponto de eu começar a flertar com o budismo. Lendo alguns livros e assistindo palestras, tenho percebido como o caminho para ser feliz é óbvio eu mesma já fui acusada de escrever sobre coisas óbvias, e não tenho como me defender contra isso: escrevo obviedades, sem dúvida. Porém me pergunto, intrigada: por que as obviedades andam tão necessárias?

É que normalmente o óbvio fica soterrado sob camadas e mais camadas de auto boicotes: as pessoas se irritam por besteiras, fazem escolhas idiotas, brigam no trânsito, não se abrem sobre o que sentem, desperdiçam energia à toa, desrespeitam o coletivo e são refratárias a tudo que seja simples e fácil, já que a dor, a culpa e o ódio faz parecer que elas têm uma vida mais profunda.

Felicidade é algo que todos desejam e ao mesmo tempo renegam, já que não saberiam lidar com algo que lhes deixaria tão soltos e leves. Com péssimo ibope junto aos intelectuais, a felicidade (que nada tem a ver com bobice, mas com paz de espírito) ficou associada à superficialidade, enquanto que o sofrimento produz arte e filosofia.

Sob esse aspecto, óbvio que ser um deprimido é mais charmoso.

Pena que isso seja um estereótipo. Ora, filosofia busca a consciência, que é chave para a felicidade, e a arte faz um bem danado a mentes atormentadas, que através dela conseguem realizar catarses e se conectar com um mundo que lhes parece hostil. Ou seja, não importa quem ou de que forma, todos querem viver melhor, sem esquecer que esse “melhor” tem sentidos diversos para uns e para outros. Seja qual for o significado de “melhor” pra você, ele é a sua perseguição. Só que alguns escolhem vias cheias de obstáculos e acabam não aproveitando a viagem.

O bem-estar vem de onde? Óbvio: da convivência com amigos, de relações saudáveis, de não permitir que frustrações e ressentimentos virem a tônica da vida, de não reagir com exagero diante de insignificâncias, da valorização das miudezas grandiosas do cotidiano, de sentir-se disponível para o novo e o diferente a fim de enriquecer a própria existência, mantendo uma espiritualidade básica que envolva a generosidade, a compaixão, a tolerância (não é obrigatório ter religião pra isso). Mais: de aceitar as mudanças, de trocar de perspectiva quando se estiver obcecado com algo, de buscar a evolução da mente.

Inventei a pólvora? Estou dizendo alguma coisa que você já não esteja careca de saber? É tudo tão evidente, tão incontestável, que dá até sono. O que você ainda está fazendo lendo essa página? Acorde e vá pra rua.

Aí você sai e cruza com centenas de outros cidadãos para quem o óbvio é uma teoria sem aplicação prática, e que continuam encrencando-se de forma absurda, a fim de voltarem para casa estressados e sentindo-se vítimas do próprio destino. Charmosos, sem dúvida. Resta saber a que custo pessoal.

Adolescentes até quando? - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Quanto mais se preparam, menos eles se sentem aptos a viver como gente grande

A adolescência agora vai até os 25 anos – e não apenas até os 18, como era previsto. Essa é a nova orientação dada a psicólogos americanos. É como se a neurociência pudesse eximir a todos de responsabilidade por um fenômeno deste século: jovens demoram muito mais a amadurecer, sair de casa e ser independentes. As pesquisas revelam que “a maturidade emocional de um jovem, sua autoimagem e seu discernimento são afetados até que o córtex pré-frontal seja totalmente desenvolvido”. E isso só acontece aos 25 anos.

Então o culpado é o córtex? Não é por falta de esforço dos filhos. Nem por superproteção dos pais. Tampouco é porque a competitividade exige mais estudos e especializações. Quanto mais eles se preparam, menos se sentem aptos a viver como gente grande. Por uma mistura de insegurança pessoal, liberdade e mordomias na casa dos pais, muitos jovens se paralisam, especialmente nas famílias de classe média para cima, no Brasil. Não é “qualquer trabalho” que os realizará. Criticam os pais. Acham que eles fizeram concessões demais à sobrevivência e à prole: “Quem mandou vocês darem tudo para mim?”.

Antes, era diferente. Aos 18 anos, os cinquentões de hoje só pensavam em sair da casa dos pais. Era preciso ter um emprego, não necessariamente o dos sonhos. Bastava que o salário fosse suficiente para não depender de pai e mãe, alugar um quarto e sala, poder dormir com o namorado ou a namorada, chegar tarde em casa. Se o emprego se relacionasse aos estudos, que privilégio! Almejávamos múltiplos destinos, mas não havia tempo nem grana para experimentar primeiro e decidir depois. Ralávamos a alma para ascender rápido. Só soube agora que meu córtex pré-frontal não estava totalmente desenvolvido quando saí de casa aos 21 anos. Se me chamassem de adolescente, me sentiria ofendida.

“A ideia de que de repente, aos 18 anos, a pessoa já é adulta não é bem verdade”, disse à BBC a psicóloga infantil Laverne Antrobus, da Clínica Tavistock, em Londres. “Minha experiência com jovens sugere que eles ainda precisam de muito apoio e ajuda além dessa idade.” Diante da extrema condescendência com quem tem 18 ou 25 anos, penso em quem tem 60 ou 80. Não sei em que idade o ser humano pode prescindir de apoio ou ajuda. Dos pais, filhos, parceiros e amigos.

“Amadurecer é um termo complexo, e sabemos que não se limita à independência financeira”, diz a psicanalista Eliane Mendlowicz. “Crescer, dar adeus à proteção dos pais, enfrentar um certo desamparo é uma tarefa árdua, mas vale a pena por seu efeito libertador.” Mesmo assim, trintões e trintonas continuam na casa de papai e mamãe. “Frequentemente se apontam razões econômicas para esse fenômeno”, diz o professor de sociologia Frank Furedi, da Universidade de Kent, na Inglaterra. “Mas houve também uma perda da aspiração por independência. Quando fui para a universidade, se fosse visto com meus pais, decretaria minha morte social.”

Muitos pais financiam filhos casados. Não é raro que filhos divorciados voltem a morar com o pai ou com a mãe. São chamados de “filhos bumerangues”. “Há também os pais que estimulam o comportamento infantil dos filhos para evitar o ‘ninho vazio’”, diz Eliane. Outros, que acreditavam ter criado o filho para ser independente, reagem com sentimentos que se alternam: resignação, preocupação, irritação e perplexidade. O que deu errado?

“Os pais desejam que seus filhos sejam lindos, magros, inteligentes, carismáticos, felizes, competentes, amados. E o que querem os jovens hoje? Buscam aflitos uma maneira de cumprir tantos ideais”, diz a psicanalista Gisela Haddad. Para ela, essa geração precisa encarar um fato: “O futuro está em aberto, e tudo pode ser possível”. Paradoxalmente, isso tem causado, segundo Gisela, pânicos, depressões, vícios em drogas.

Uma pesquisa com mais de 2 mil entrevistados entre 18 e 30 anos, em seis capitais do Brasil, mostrou que 70% não se sentem preparados para enfrentar o mercado de trabalho. Culpam a universidade por não oferecer aulas práticas e não orientar para o empreendedorismo. Sempre foi assim. A universidade nunca formou profissionais prontos.

A legislação tenta se adequar aos novos tempos. Em agosto, o Senado aprovou projeto que aumenta o limite de idade para dependentes no Imposto de Renda dos atuais 21 para 28 anos, ou mesmo 32, quando cursarem universidade ou escola técnica.

O córtex tem pouco a ver com isso. Como diz o psiquiatra Luiz Alberto Py, “o amadurecimento cortical é perfumaria, apenas um álibi”. A adolescência é cultural, depende do país e da sociedade. O fenômeno fisiológico é a puberdade. “Crianças de rua não têm adolescência, só puberdade. Rapidamente se tornam adultos.”

Prolongar a adolescência além dos 18 anos é prolongar a angústia. O jovem não é tão despreparado quanto teme. Nem tão brilhante quanto gostaria.

Professores da vida - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 06/10

Eu estudei a minha vida toda numa mesma escola, o Nossa Senhora do Morumbi. Da primeira série ao terceiro colegial. (Nem sei mais como chama hoje, "colegial" mudou pra "nono ano", sei lá, to me sentindo que nem minha mãe que falava que estudou no científico. Às vezes, a gente não envelhece, envelhecem a gente. Enfim...) Tenho as melhores lembranças possíveis de lá. A começar pelo ambiente, um pedaço de mata Atlântica no meio da cidade. Fazíamos passeios pelo meio do mato dentro da própria escola, olha que legal! Soube que estão querendo destruir a mata para a construção de condomínios e afins. Sou contra e fica aqui o meu apoio aos que lutam pra manter o verde de pé.

Lembro da minha primeira professora. Tia Itamara. Ela era ótima. Lembro que a turma toda gostava dela e ela era uma pessoa muito doce. Na segunda série, veio a Tia Ingrid (que dizia que não era nossa tia). Era severa, mas eu adorava. Talvez porque eu e o Alexandre (meu grande amigo até hoje) éramos seus preferidos. Lembro que de vez em quando, no finzinho da tarde, a Ingrid ficava fitando o horizonte com um olhar perdido, como se lembrasse de alguém, ou estivesse feliz por existir. Era nesse dia que a classe podia fazer a maior bagunça que ela nem ligava.

A Vivian (não mais tia agora) foi nossa professora na terceira e na quarta série. Ela era perfeita. Divertida, boa professora, atenciosa, propunha atividades, nos ouvia, nos aguentava, era rígida no ponto certo, coroou o fim do primeiro grau. Quando entrei pra quinta série, aconteceu o pior. Passei a estudar de manhã. Acordar às seis e quinze da manhã em São Paulo é o que eu chamo de punição/tortura/porquê. É um frio cão. Uma tristeeeeeza. No lugar de um professor, vários. Da quinta a oitava me lembro de muitos. Dona Lídia, de História, era uma das minhas favoritas. Muito por causa dela, que era divertida sem saber que o era, porque falava com um sotaque muito curioso de paulistana da Mooca, mas que ensinava muito bem, e muito também porque História sempre foi minha matéria preferida.

Dona Tereza (não sei se era com 's' ou com 'z') foi uma professora de português que me marcou muito. Ela me ensinou como ler contos e poesias. Lembro até hoje o do Café com Pão. Ela me incentivou muito a ler. Nos deixava ler, entre um clássico e outro, o livro que quiséssemos e isso foi uma maravilha. Ela era super séria, firme, mas precisa. Dona Beth me fez odiar menos a matemática. Miss Vivian era divertidíssima. Newton, meu professor de educação física era um cara boa gente, bom de papo e que adorava misturar futebol com outros esportes. Trivelato, meu professor de Ciências, era imbatível. Ótimo, e de tão fechado, hilário. Um dia jogou um apagador na parede. Todos ficaram mudos e ele: isso é velocidade e atrito. Fiquei amigo de seu filho Guilherme (cadê você?) e íamos pro seu sítio, onde passei parte da minha adolescência.

Esses e muitos outros foram responsáveis por me tornar quem eu sou hoje. E eu tenho certeza de que você também é muito daqueles seus professores. Hoje, os professores, estão nas ruas do Rio de Janeiro reivindicando um aumento de salário, melhores condições e mudanças (necessárias) na área da educação. Eles estão apanhando por isso. A polícia assassina e despreparada da cidade do Rio de Janeiro está batendo na cara daqueles que transformam crianças e adolescentes em pessoas. Na verdade, estão batendo é na nossa cara.

O jornal de domingo - ADRIANA CALCANHOTTO

O GLOBO - 06/10

Nunca este instante deste domingo, neste jornal de domingo existiu antes ou voltará a existir, ainda que o próximo possa ser bastante parecido


Domingão de sol ou de chuva, não sei, hoje é quinta-feira. Sei é que neste instante deste domingo, neste jornal de domingo sendo lido agora, neste instante, este instante é agora. Todo domingo, gostando-se ou não, é domingo. Nascem Domingas e Domenicos. Inevitável este instante deste domingo, agora. Cada palavra revelando-se nesta página deste jornal, deste domingo, neste instante deste domingo, sendo lida, agora, no instante em que está sendo lida, é esta palavra, neste instante. Nunca antes deste instante houve este instante deste domingo.

Domingo é dia de domingo, não há disfarce para este instante de agora deste domingo. O jornal de domingo não foi feito no domingo, mas é domingo quando, neste instante deste domingo, cada palavra é lida neste instante, nem antes nem depois do instante em que este domingo está sendo este domingo, agora. Domingas e Domenicos sendo velados. Nunca este instante deste domingo, neste jornal de domingo existiu antes ou voltará a existir, ainda que o próximo possa ser bastante parecido.

Enquanto está sendo lido o jornal de domingo deste domingo, neste instante de agora, este instante de agora está sendo este instante de agora. É domingo enquanto este instante de agora neste jornal de domingo está sendo este instante de agora deste domingo, enquanto Domingas e Domenicos estão sendo concebidos.

Cada palavra sendo lida neste jornal de domingo deste domingo, neste instante, agora, é lida enquanto este instante está sendo este instante. No instante de agora, este instante, neste instante, neste jornal de domingo, é o instante, neste instante.

A palavra sendo lida neste jornal de domingo, porque cada palavra só é palavra neste instante de agora em que está sendo lida, cada palavra lida neste jornal de domingo deste domingo, enquanto agora está sendo agora, irrecuperavelmente agora, cada palavra sendo lida agora neste instante, nesta contracapa do Segundo Caderno do jornal de domingo, só é palavra por estar sendo lida, agora.

É agora que este instante está sendo agora. Neste jornal de domingo deste domingo, este instante, no instante em que cada palavra é a palavra lida, e só assim ela é palavra, ela, a palavra é o instante de agora neste jornal de domingo, deste domingo. Amanhã, segunda-feira, o jornal de domingo não deixará de ser o jornal de domingo. Poderá ser o jornal de ontem, mas não escapará de ser jornal de domingo e é nesse escaninho dos acervos em que vai jazer. Os que escrevem para o jornal já vivem normalmente atormentados desde que Rubem Braga disparou “escrever para o jornal é como escrever na areia”. Imagina no domingo. Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite quando o jornal de domingo já está consumado. Como este instante, consumido, neste instante, agora. Há quem leia o jornal de domingo já no sábado, mas será este domingo neste instante, este, de agora, ainda que o jornal já esteja lido, o horóscopo dissecado, as palavras-cruzadas feitas. Nada se sabe do instante seguinte, a não ser que virá. E que já foi.

Nenhuma outra espécie de vida sobre o planeta está neste instante lendo o jornal de domingo porque para nenhuma outra espécie de vida sobre o planeta é domingo, ou deixa de ser. O jornal de domingo, neste instante sendo lido por um espécime da única espécie que lê o jornal de domingo, procurando por alguma coisa que não saberia nomear e que talvez seja por isso mesmo que procura a cada página, instante por instante. Um exemplar da espécie que está destruindo o até então único planeta que conhece bem e do qual necessita para sobreviver. Os golfinhos por exemplo, não leem os classificados do jornal de domingo, as crônicas mal traçadas ou o caderno de esportes, estão muito ocupados em ser golfinhos.

Todo mundo espera alguma coisa do jornal de domingo. Deste jornal de domingo, deste domingo, neste instante, de agora. Neste, este. Este.

Para onde vamos? - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 06/10

O mercado é um campo de batalha: quem não dispõe de armas e munição em quantidade não sobrevive


Que o sonho da sociedade comunista, onde todos seriam iguais em direitos e propriedades, acabou, não é novidade para ninguém. É verdade que, apesar disso, há quem ainda insista em defender uma opção ideológica alimentada por aquele mesmo sonho.

Não obstante, na prática social, tudo indica que os valores de esquerda foram assimilados por uma boa parte dos políticos que já não lhes atribuem propósitos revolucionários. Do meu ponto de vista, isso é um avanço, já que defende o fim das desigualdades como o caminho inevitável da sociedade humana.

De qualquer modo, o projeto da sociedade comunista se desfez. Tudo bem. E o capitalismo? Para onde vai o capitalismo? É difícil dizer para onde ele vai, mas, no meu modo de ver, ele vai mal.

Não me refiro apenas à recente crise iniciada em 2008, porque muito antes dela, mesmo nos Estados Unidos, o mais rico país capitalista do mundo, o problema da desigualdade social jamais se resolveu.

Não me refiro à eliminação definitiva da pobreza. Isso parece fora de cogitação. Se não se encontra lá o mesmo nível de pobreza que encontramos em países menos desenvolvidos, nada justifica um tal grau de exploração do trabalho humano num país que produz a riqueza que ali se produz.

Não há nenhuma novidade em dizer-se que o capitalismo é o regime da exploração. E isso independe do empresário capitalista, que pode ser um feroz explorador ou um patrão generoso. Independe, porque a exploração é inerente ao sistema, voltado para o lucro máximo. E veja bem, como isso é a essência do sistema, quem descuida disso vai à falência. Ao contrário do que Marx dizia, a luta de classes não se dá entre trabalhadores e patrões, mas, sim, entre os patrões: é um tentando engolir o outro.

Não estou dizendo nenhuma novidade. Todos os dias nascem milhares de empresas, a maioria das quais vai à falência, derrotadas pelas outras. O mercado é de fato um campo de batalha, uma zona de guerra: quem não dispõe de armas e munição em quantidade necessária e com a suficiência exigida não sobrevive. É a lei da selva, que determina a sobrevivência do mais apto; a seleção natural a que se referia Charles Darwin.

Para vencer essa guerra, o recurso fundamental é o lucro máximo, o que pode ser sinônimo de maior exploração, seja do trabalhador, seja do consumidor. Claro que não é tão simples assim, porque, hoje em dia, os trabalhadores também dispõem de meios para se defender. Não obstante, na Coreia do Sul, hoje um dos países capitalistas mais florescentes, a quantidade de trabalhadores que se suicida é espantosa. A pergunta a fazer é: por que se matam? Certamente porque não são felizes naquele paraíso capitalista.

E não é porque todo o empresário capitalista seja por definição explorador e cruel. Nada disso. Na verdade, ele (a empresa) está voltado para tirar cada vez mais vantagem dos negócios que faz, e isso não apenas resulta em explorar os empregados --fazer com que o trabalhador produza mais ao menor custo possível-- como pode provocar desastres como a bolha imobiliária norte-americana, que levou a economia do país ao desastre, arrastando consigo o sistema bancário e o empresariado europeus.

Os estudiosos do assunto garantem que, a certa altura do processo, era possível antever o que inevitavelmente ocorreria, mas a aspiração ao lucro e tudo o mais que isso envolve não permitem parar. Não por acaso, as crises do capitalismo são cíclicas.

E o mais louco de tudo isso é que o capitalista individualmente pode acumular bilhões de dólares em sua conta bancária. Mas de que lhe serve tanto dinheiro? Quem necessita de bilhões de dólares para viver?

Ninguém precisa. Por isso, Bill Gates doou sua fortuna a uma entidade beneficente que trata de crianças com Aids e, depois disso, ele mesmo abandonou a direção de sua empresa para ir dirigir aquela entidade beneficente. Em seguida, convenceu outros capitalistas a fazerem o mesmo. É que ganhar dinheiro por ganhar dinheiro, a partir de certo ponto, perde o sentido.

O que o capitalismo tem de bom é que ele estimula a produção de riqueza e isso pode ajudar a melhorar a vida das pessoas, mas desde que não se perca a noção de que o sentido da vida é o outro.

Vestidos para matar - JAIRO BOUER

O Estado de S.Paulo - 06/10

Dois crimes que ocorreram nas últimas semanas em São Paulo chocaram não só pela violência e brutalidade, mas também pela frieza dos supostos autores. Eles reagiram como se as suas ações fossem naturais e até esperadas diante das circunstâncias.

No primeiro caso, há duas semanas, o estudante de Engenharia Dênis Papa Casagrande, de 21 anos, foi assassinado em uma festa na Unicamp. Dênis teria ido ao banheiro quando, por motivos ainda pouco claros, foi esfaqueado por Maria Tereza Peregrino, de 20, e agredido por um grupo de jovens (entre eles Anderson Mamede, de 20 anos, namorado da garota).

O casal, que continua preso em Campinas, alega que Dênis teria tentado agarrar a moça à força e ela teria agido em legítima defesa. Os amigos do estudante contestam a versão. Em primeiro lugar, pela sua índole e comportamento. Em segundo, porque ele se recuperava de uma cirurgia no joelho, feita há um mês, e mal caminhava sozinho. Maria e o namorado fazem parte de um grupo punk e teriam ido à festa com facas.

Por que alguém que pretende ir a uma festa para se divertir leva uma faca escondida no bolso? O argumento de se defender de uma ameaça parece o mais óbvio e, também, o menos crível. Nessa situação, não seria melhor nem sair de casa? Parece já haver uma predisposição para se envolver em confusão e até um certo orgulho em estar preparado para qualquer tipo de situação.

Quem assistiu à entrevista de Anderson (disponível na internet), dada logo após o crime, se impressiona com os maneirismos, linguagem e frieza. É quase como se esfaquear e agredir fossem a única saída possível. Curioso notar que ele, que inicialmente disse ter sido esfaqueado na perna durante a briga, depois voltou atrás e assumiu que havia se ferido intencionalmente, para tentar evitar um linchamento.

No segundo caso, há uma semana, um racha em uma avenida apertada e escura da periferia de Mogi das Cruzes deixou seis jovens mortos e dois feridos. Reginaldo Ferreira da Silva, de 41 anos, depois de ter bebido duas garrafas de cerveja em uma festa, disse que foi provocado por outro motorista. Em uma via em que o limite de velocidade era de 50 km/h, ele teria acelerado a até 120 km/h, perdido o controle do carro e atropelado um grupo de jovens, que se reuniam com frequência na rua. Fugiu sem prestar socorro e foi preso no dia seguinte. O outro motorista, Paulo Henrique Batista, de 23, se apresentou à polícia na última semana, mas negou ter participado de um racha. Para Silva, no calor do momento, aceitar o desafio parece ter sido a atitude mais natural.

Guiar um carro depois de beber e se envolver em uma disputa perigosa, em alta velocidade, é assumir um grande risco. Guardadas as proporções é como ir a uma festa levando uma faca no bolso. O ponto a se pensar é por que, semana após semana, temos assistido ao que parece ser um escalonamento de violência gratuita, às custas de comportamentos sabidamente perigosos (dirigir embriagado ou carregar armas).

No Brasil de hoje, quase 3 em cada 4 mortes de jovens são provocadas por causas externas evitáveis. Homicídio em primeiro lugar, acidentes com carros e motos em seguida. É bem comum que o álcool (em geral, em excesso) esteja associado a essas duas situações. Se a bebida é uma potente alteradora da nossa capacidade de avaliar riscos e de fazer crítica, detonando explosões de violência, armas e carros são o uniforme perfeito para se usar nessas noites de selvageria.

Sem repensar essa agressividade gratuita e a forma de se relacionar com os outros, vamos ficar cada vez mais acostumados com cenas de brutalidade e com a indiferença dos criminosos. E muitos jovens que, por mero acaso, decidam ir ao banheiro ou conversam em uma esquina qualquer da cidade vão pagar com a sua vida por isso!

Milton: a música - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 06/10

A música de Milton Nascimento é a maior força de presença da música brasileira no mundo depois da bossa de Tom Jobim e João Gilberto


Recebi um livro que me arrebatou. Trata-se de “A música de Milton Nascimento”, escrito por Chico Amaral. Muitas das ideias a que, ao longo dos anos, esse artista excepcional tem me levado aparecem de modo articulado pelo autor, coisa que a mim mesmo não seria possível. É preciso ser muitíssimo mais músico do que sou para captar com consciência técnica as peculiaridades harmônicas e rítmicas que fazem o mundo único de Milton aflorar em timbres e formas. Quando canto que a bossa nova é foda, estou me referindo à explosão do João Gilberto dos LPs “Chega de saudade”, “O amor, o sorriso e a flor” e “João Gilberto”, com as composições de Tom Jobim, Carlos Lyra, Roberto Menescal; as letras de Vinicius, de Bôscoli, do próprio Lyra ou do próprio Tom; as releituras de sambas de Caymmi, Ary, Bid & Marçal, Lauro Maia; os arranjos econômicos e perfeitamente elegantes de Jobim (e os de Walter Wanderley em parte do terceiro disco): foi o Big Bang. As bandas jazzísticas que apareceram depois, sobretudo no Beco das Garrafas, sendo, a meus ouvidos, apenas uma pequena regressão virtuosística. Em suma, a “bossa nova” de que falo no verso desaforado não é um gênero mas um acontecimento. Respeitei seus desdobramentos mas nunca os pude pôr no mesmo nível do ápice revolucionário. O aparecimento de Milton, coincidindo cronologicamente com o do grupo tropicalista, veio a mudar esse esquema. Ou pelo menos se apresentou como algo mais que relevante (além de intenso e genuíno) nascido de uma relação diferente com essa história: Milton desenvolveu uma visão da música que dava mais atenção aos floreios do Tamba Trio do que ao rigor fundador de João.

Claro que Milton não era o único brasileiro a ser mais atraído por aqueles desdobramentos. Conheci dezenas de amantes da música que, no início dos anos 60, tendiam mais para o culto dos Zimbos e Tambas, do Donato do “Muito à vontade” — e das canções de Edu, fundamente informadas pela riqueza harmônica da bossa nova mas saindo para modos do Nordeste e para paisagens sonoras mais grandiosas. Mas Milton fez de tudo isso um mundo novo. Eu próprio, admirador de Edu (apesar de manter fidelidade estética e crítica ao minimalismo do Jobim de João), compus, em 1964, a canção “Boa palavra”, que o próprio Milton, anos depois, me disse ter sempre amado. Mas não só eu não tinha adesão estética total ao que se insinuava nessa segunda fase do momento bossanovista da nossa canção: faltava-me o talento musical para produzir algo orgânico. Terminei, no apego à exigência joãogilbertiana, indo para o ruidismo roqueiro e para a mirada pop da produção cancional.

Muito mais musical do que eu, Gil percebeu a força e o significado de Milton. Bastou-lhe ouvi-lo cantar a música de Baden no festival da TV Excelsior. Quando, pouco depois, ele tomou conhecimento das composições do mineiro, era-lhe evidente que Milton era a coisa mais importante que tinha acontecido à música brasileira. De minha parte, embora me fosse óbvio que “Canção do sal” e “Travessia” fossem composições belas, só comecei a perceber algo de especial em Milton quando o conheci pessoalmente. Desde que o vi algumas vezes no Redondo (bar que ficava em frente ao Teatro de Arena de São Paulo) tive a sensação de estar diante de alguém com conteúdos muito densos — e uma forma externa à altura: a beleza de seu rosto negro valeria por si só, não fosse o sentimento indescritível sugerido por seu olhar. Mas só vim a combinar essa experiência com a música que saía dali quando, de volta de Londres, em 72, vi o show do Teatro da Lagoa. Foi o show que encantou Wayne Shorter. Em Londres, Dubas chegou com um LP “Courage”. Ouvi, admirei mas não me deixei tomar. Vendo Milton com a banda no palco, de repente entendi tudo.

A música de Milton é a maior força de presença da música brasileira no mundo depois da bossa de Tom e João. Isso se deve a sua capacidade intuitiva para com as relações dos sons — e a forças atávicas, históricas e sociais da feitura de sua individualidade. (Quando vi, no resultado dos testes de DNA feitos com celebridades brasileiras, que Milton apresentava a mais alta percentagem de gens negros, pensei: tinha que ser no mínimo isso!) Primeiro a turma do jazz-fusion, depois a turma do rock e do pop: o mundo viu algo imenso erguer-se no Brasil.

E o próprio Brasil passou a gerar talentos grandes que tinham tido em Milton a inspiração: Ivan Lins, Djavan, Gonzaguinha, João Bosco…

Escrevo isto sob o impacto da leitura do livro de Amaral. E com o “Coração de estudante” a que o nó dos professores convida. Ainda o estou lendo, já mais perto do final. Mas não tenho outra coisa na cabeça.

Reencontro marcado - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 06/10

Eu andava pelos 12 anos de idade quando, no Colégio Estadual de Minas Gerais, um colega me mostrou um livro e segredou: tem sacanagem! E não é que tinha? Além de excitado, fiquei pasmo: seria o mesmo Fernando Sabino das crônicas semanais na revista Manchete, irmão do nosso vizinho dr. Gerson, amigo e ex-técnico de basquete do meu pai no Minas Tênis? Era.

Tratei de ter meu exemplar de O Encontro Marcado, em cujas páginas a sacanagem, aliás rala, não tardou a me interessar menos do que as estripulias com que três moços talentosos e irreverentes - um deles, Eduardo, inspirado no próprio Fernando - sacudiam a letargia da Belo Horizonte dos anos 30 e 40. Não havia como não me identificar com a rapaziada, ainda mais que era, também eu, 20 anos mais novo, um aspirante à literatura. Muitas de minhas erráticas leituras de adolescente foram guiadas pelos nomes - Drummond, García Lorca, Fitzgerald, Unamuno, Gide, Knut Hamsun - respigados nesse romance que boa parte de minha geração leu e releu quase como bíblia literária e existencial.

O Encontro Marcado foi para nós um alumbramento. A gente queria escrever daquele jeito, viver aquelas aventuras, subir nos arcos do viaduto de Santa Teresa, aprontar bagunças divertidas e inteligentes na pasmaceira belo-horizontina, a gente queria ser Fernando Sabino, que rimava intelectual com jovial, que tinha casado cedo e ido morar no Rio, que tinha passado dois anos em Nova York quando a meca era Paris. Um caso raro de escritor brasileiro que tinha matrizes também na literatura, na cultura americana. Seu grande romance (assim como tantas de suas crônicas) era, continua sendo, um fabuloso repositório de truques para narrar uma história, aqueles cortes bruscos, o vaivém no tempo, o passado insinuado no presente, a economia verbal, a velocidade... Nostalgia à parte, o encanto desse livro continua vivo para o leitor maduro - e ao mesmo tempo fala às gerações mais novas sem a rouquidão do velho. Envelheceu sem rugas.

Fui conhecer Fernando Sabino em 1962, quando, aos 39 anos, ele visitou nosso colégio - o mesmo de que, em outro prédio e com outro nome, Ginásio Mineiro, fora aluno. A visita foi assunto da edição de novembro de A Inúbia, jornal escolar que década e meia antes ele ajudara a criar. Para mim, aos 17, foi a glória fazer no mesmo número minha estreia tipográfica, com um texto gaiato, "Férias no Paraíso".

Fui reencontrar Sabino em 1967, quando, estando ele em Belo Horizonte, seu amigo Murilo Rubião (que, sete anos mais velho, o chamava de "Benjamin") no-lo apresentou, como diria Jânio Quadros. Fomos, uns tantos frangotes da literatura, tomar com os dois uma cerveja, nós muito empertigados nas nossas camisas esporte, ele super à vontade, cariocal a mais não poder, no seu terno e gravata.

Para um dos moços, que não gostaria de ver seu nome aqui, o encontro acabou mal. Ele havia publicado um livro de contos e, mesmo sem conhecê-lo, dedicou-o a Fernando Sabino. O homenageado mal folheou a obrinha de estreia, manifestando mais interesse pelo desenho da capa do que pelo conteúdo do volume mimeografado. Pior que isso, esqueceu-o no bar. O autor, orgulhoso, viu e deixou ficar. Anos mais tarde, contei a história a Fernando - e ele quis morrer. Agoniado, pediu o telefone do contista, que morava em São Paulo, e anunciou a intenção, não sei se realizada, de tomar um avião no Rio só para lhe pagar um uísque no aeroporto de Congonhas.

Em 1976, repórter da Veja, fiz com ele uma entrevista a propósito dos 20 anos de lançamento do O Encontro Marcado. Tenho ainda as fitas gravadas. Sabino estava enredado na espessa angústia de um escritor que, acossado por cobranças de um segundo romance, chegara a declarar a morte da literatura de ficção. Daria a volta por cima três anos depois, com o encorpado sucesso de O Grande Mentecapto.

Bom de crítica e melhor ainda de livraria, em 1991 Fernando Sabino teria a sua poupança literária confiscada por Zélia Cardoso de Mello - mais exatamente, por Zélia, Uma Paixão, biografia da ministra da Economia do governo Collor. Crucificaram-no. Perdeu amigos. Não exatamente por ter escrito um mau livro, mas pela escolha da, digamos, heroína. Quantos de seus detratores leram Zélia? Depois disso, fechou-se em copas, num dolorido encolhimento para o qual pesaram também o fim de um amor e a morte dos amigos fundamentais - Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende. Mas não abandonou a literatura. Consolidou a sua obra, que é de bom tamanho. Rasgou aquilo que já não queria ter sob o seu nome. Raros escritores terão sido tão fiéis à paixão literária, cultivada dos 12 anos, idade em que publicou o primeiro conto, aos 80, quando, cinco meses antes de morrer, desenganado, lançou o romance Os Movimentos Simulados. Foi, disse Silviano Santiago, um perseguidor do Santo Graal da literatura.

Nove anos se passaram desde a morte de Fernando Sabino, que no sábado que vem chegaria aos 90. É mais que hora de exorcizar musas de baixa extração e devolver a um mestre da moderna prosa brasileira o que lhe é devido.

Ueba! Partido é como banana! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 06/10

E o partido Solidariedade diz que é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E os predestinados da semana. Funcionária do Senado suspeita de lavagem de dinheiro: Flávia PERALTA! E a mãe na maternidade: "minha filha, você vai se chamar Flávia Peralta e vai fazer peraltices lá no gabinete do Renan". Médico cubano que desistiu do programa Mais Médicos: Bladimir REMÉDIOS! Era placebo! Rarará. "Acá la salud non tiene remedios". E pegou uma balsa pra Miami! E o presidente do PT, Rui Falcão, é o que mais falta na Assembleia. Então é o RUI FALTÃO! E adoro o Aécio convidando: "Vamos conversar?". "Vamos! Cadê o bafômetro?". Rarará.

E os novos partidos? O Brasil já não tem quase partido, tava precisando de mais três mesmo. Partido no Brasil é como banana, dá em penca! Tem esse partido chamado Pros! Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os parta! E um leitor sugeriu um novo nome pro Pros: PROSTÍBULO! Rarará! Esse Pros é Pros Mesmos!

E o partido Solidariedade do Paulinho da Forca Sindical: Solidariedade. Só se for auto-solidariedade! Diz que é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará! E a Marina? A Marinárvore! A tartaruga sem casco! O partido da Marina é um PSD que não come carne. Rarará.

Rede com gancho enferrujado! Nhenc nhenc. E eu bem que sugeri pra Marina pra ela chamar os gremlins. Pra multiplicar as assinaturas. Ela pegava um gremlin, jogava um copo d'água, eles se multiplicavam e formavam um partido. O Partido dos Gremlins! Rarará.

E por que a Marina tá sempre com cara de mártir? E o Paulinho tá sempre com cara de quem tá se recuperando de uma hepatite crônica! Rarará!

E o chargista Jotapê sugere um novo partido: o PQP. Partido das Questões Populares! E um monte de leitor me sugere o PUTA! Partido Unido dos Trabalhadores Autônomos. Mas o melhor partido continua sendo o meu partido; o PGN! Partido da Genitália Nacional! Rarará!

E os professores? No Rio quem leva bomba são os professores! E adorei a charge do Nani com a PM do Rio gritando pros professores: "Professoras, trouxemos a borracha!". E POW POW! Rarará.

É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Olha essa placa na lanchonete no Méier: "Sugestão do dia; Frango Assado! Coixas e sobrecoixas". Adorei, muito mais chique. Por exemplo, o Corinthians levou nas coixas! Rarará.

E essa em Santana, Bahia: "Fazemos manutenção de mega-ré".

Ueba! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

As desencaminhadoras - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 06/10

Sir Francis Bacon deu um conselho curioso aos que estudavam a natureza. Disse que deveriam suspeitar de tudo que suas mentes adotassem com muita satisfação. Era uma maneira de prevenir contra a ilusão de que qualquer descoberta humana fosse completa, ou tivesse completamente dispensado a vontade de Deus.

No momento (século 17) em que crescia a ideia quase herética de que existia um livro da natureza tão cheio de mensagens cifradas de Deus para os homens quanto a Bíblia, Bacon aconselhava a ciência a não desprezar o que diziam os mitos e as escrituras. A vontade de Deus se manifestava de várias formas, algumas eram apenas mais poéticas do que as outras.

A primeira “mensagem” assim identificada do livro secular da natureza foi o magnetismo, que os gregos e romanos já conheciam e os chineses já usavam na navegação, mas que só começou a ser estudado a fundo pelo inglês William Gilbert, contemporâneo de Francis Bacon na corte da rainha Elizabeth I, de quem era médico.

O magnetismo era a prototípica evidência de uma força invisível na natureza, a primeira alternativa à pura intenção de Deus por trás de tudo. Gilbert, que chamava a força magnética de “alma” da Terra, deduziu que todo o planeta era uma pedra magnética e que os imãs eram filhos da Terra, com quem ela compartilhava seu poder. E recorreu à linguagem poética, no caso erótica, para descrever a origem do ferro e da sua misteriosa propriedade, no ventre profundo do globo, igual a “o sangue e o sêmen na geração dos animais”.

Na linguagem poética dos mitos, o poder da Mãe Terra sobre o destino dos homens é anterior às descobertas de Gilbert. São muitas as forças femininas que norteiam a vida dos homens e os atraem para o conhecimento, o sucesso ou a ruína – ou tentam.

Desde Eva, culpada por termos trocado o paraíso eterno pelo saber, o sexo e a morte, passando pela Esfinge com suas charadas didáticas e por todas as musas inspiradoras, sereias tentadoras e ninfas sedutoras, e todas as gerações e gerações de companheiras de fé ou desencaminhadoras fatais que nos mantiveram no rumo ou nos desencaminharam, são todas filhas da grande mãe magnética, nos guiando pelo mundo.

Albert Einstein contava que ao ganhar uma bússola, quando era menino, teve a primeira sensação de uma força misteriosa por trás de tudo, e o primeiro ímpeto de desvendá-la. Mais do que ninguém, Einstein podia dizer que substituíra Deus pela Natureza na explicação do mundo, mas ele nunca abandonou sua devoção quase religiosa a um determinismo harmônico do Universo, cedendo a Deus, ou a que outro nome se quisesse dar ao indesvendável, esse último mistério, só alcançável pela metáfora.

Mas Einstein não seguiu o conselho de Francis Bacon de desconfiar do que o satisfazia. Satisfez-se tanto com suas certezas que passou os últimos anos da vida buscando uma teoria unificada da gravidade e do eletromagnetismo que refutasse a teoria quântica que as ameaçava, e tornava a matéria e seu comportamento inexplicáveis em qualquer linguagem, científica ou a poética. Pois aceitá-la seria aceitar um universo regido pelo acaso, ou pela estupidez. Ou tornado absolutamente obscuro por um Deus ciumento.

Ciência e arte - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 06/10

SÃO PAULO - "The Age of Insight" é um livro impressionante. Eric Kandel é um neurocientista de primeira. Já fora agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina em 2000 por seus trabalhos sobre a fisiologia da memória. Mas, em vez de escrever sobre axônios e dendritos, preferiu debruçar-se sobre a arte, mais especificamente sobre o modernismo vienense, e o resultado é uma obra de fôlego, tanto do ponto de vista da estética como da ciência.

Kandel, ele próprio um vienense expatriado, fala com propriedade do ambiente cultural que reinava na capital austríaca na virada do século 20. Uma das teses do autor é a de que, assim como a física de Newton inspirou o iluminismo, a biologia de Darwin está na base do modernismo.

Kandel destrincha escritos de Sigmund Freud e Arthur Schnitzler e as pinturas de Gustav Klimt, Oskar Kokoschka e Egon Schiele, para mostrar como as ideias inicialmente surgidas na Escola Médica de Viena acabaram engendrando um movimento artístico cujas influências perduram até hoje --e não apenas na arte.

Freud e Schnitzler beberam dessa biologia médica para forjar as noções de inconsciente e sexualidade em seus contornos modernos. Klimt, Kokoschka e Schiele deram tradução pictórica a esses conceitos. Mas Kandel não se limita a contar essa história. Ele também escarafuncha nossos cérebros para revelar os mecanismos neuronais da visão e da percepção que esses pintores exploraram tão bem, ainda que não tivessem tanta clareza sobre seu funcionamento.

E que não temam os puristas. As análises de Kandel, apesar de recheadas de boa ciência, lembram mais escritos de grandes historiadores da arte como Gombrich e Panofsky do que as anódinas descrições técnicas dos periódicos científicos.

Kandel consegue com felicidade juntar arte, história e ciência numa obra. É um daqueles raros livros que mostram que ciências e humanidades são perfeitamente conciliáveis.

Quebra por dentro - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 06/10

O governo e o PT tanto fizeram no sentido de sufocar os antigos aliados Eduardo Campos e Marina Silva que agora eles terminaram se unindo para tentar derrotar Dilma. Essa, nem o gênio Lula foi capaz de prever


Quem tiver o cuidado de avaliar com todas as letras o que ocorre desde o início do governo Lula, em 2003, verá que, aos poucos, o PT vai perdendo musculatura eleitoral à esquerda. Do grupo que saiu para criar ao PSol ao PSB. Lentamente, os petistas parecem cada vez mais fadados a ficar com aqueles que não sabem sobreviver longe da situação. O maior exemplo é o PSD, de Gilberto Kassab, criado basicamente de um braço do Democratas incomodado com o fato de ser oposição e optou por se sentar confortavelmente no papel de independente-quase-governo. O PT, protagonista máximo do governo, obviamente lutou contra essa debandada. Sufocou tanto que parte daqueles que saíram agora se unem nas figuras de Marina e Eduardo Campos.

A decisão de Marina de seguir o PSB é a maior vingança que ela poderia organizar no sentido de dar o troco ao PT. Ela, em todos os momentos, não deixou de culpar o PT por não ter conseguido criar a Rede Sustentabilidade. Não por acaso, na madrugada de ontem, depois da primeira conversa com Eduardo Campos no bairro do Sudoeste em Brasília, ela dizia que havia uma militância paga para difamá-la nas redes sociais. Em conversas reservadas, atribuía ao PT a rejeição de assinaturas para evitar que o novo partido fosse uma opção real aos eleitores.

As entrelinhas da entrevista que ela e Eduardo Campos concederam ontem deixaram transparecer essa revolta em relação aos petistas. Para completar, ainda houve a entrevista de João Santana à revista Época dizendo a um ano da eleição que Dima Rousseff vencerá no primeiro turno contra os “anões” da oposição. Para quem faz política há mais de 40 anos, o termo “anões” é considerado pejorativo e sinônimo de corrupção porque remonta aos “anões do orçamento”, um escândalo que levou uma gama de deputados ao Conselho de Ética da Câmara, em 1993 e 1994.

Tudo isso, somado ao movimento do PT de tentar tirar fôlego de Eduardo Campos nos últimos dias, terminou por dar um ponto de liga dos descontentes com o governo. Fracassada a tentativa de criação da Rede antes do fim do prazo de filiação partidária para os candidatos de 2014, o ingresso de Marina Silva no PSB nada mais é do que uma tentativa de unir forças daqueles que cansaram de ficar à sombra dos petistas. E com um detalhe: não tirar da Rede o sentido de partido, com um programa. Assim que ela conseguir oficializar a legenda, levará todo o seu grupo para o novo partido, tão logo termine o processo eleitoral.

Unidos, Eduardo e Marina tentarão demonstrar a partir de agora que estão vivos e não será tão fácil o governo Dilma Rousseff e o PT tirarem eles do jogo eleitoral, e da possibilidade de levar ao Planalto um novo modelo de gestão e de relação política diferente daquela que Dilma mantém hoje com o maior aliado do governo, o PMDB. Vão ainda trabalhar no sentido de angariar outros aliados de Dilma que consideram esgotada a relação com o PT.

Enquanto isso, no PSDB…
Há ainda uma preocupação em manter uma boa relação com o PSDB de Aécio Neves, que é hoje o partido da oposição mais bem estruturado. A briga agora será no sentido de tentar tirar votos de Dilma e, assim, tirar de Aécio a vaga no segundo turno. Do ponto de vista tucano, a vantagem dessa nova formação é saber que, com esse reforço de Marina, a candidatura de Eduardo Campos não tem mais recuo. Quem imaginava que ele poderia voltar atrás e apoiar Dilma agora sabe que essa hipótese está descartada.

Nos bastidores do PSB e da Rede, todos diziam ontem que na conversa reservada de Marina com Eduardo ficou acertado que ela chega para ocupar a vaga de candidata a vice, embora não faça o anúncio antecipado, até porque o momento certo de formalizar a chapa é no ano que vem. Se será suficiente para inverter a ordem natural de polarização entre PT e PSDB num segundo turno o tempo dirá. Certamente, haverá uma pressão de setores da Rede para que Marina seja cabeça da chapa. Mas, a ex-senadora rechaça desde cedo esses movimentos. A maior vingança dela agora ao PT é apoiar Eduardo Campos. No final desse primeiro ato das eleições do ano que vem, fica a lição: o governo tanto fez contra seus antigos aliados que terminou por provocar a união deles contra Dilma. Isso, nem o gênio Lula imaginou que pudesse ocorrer. E justamente no dia em que a Constituição de 1988 completou 25 anos. Para quem achava que a eleição fosse ficar no mais do mesmo, essa virada de Marina vai mexer com muitas peças. Mas essa é outra história.

Página virada - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 06/10

Com a publicação amanhã do acórdão sobre os embargos infringentes, o ministro Joaquim Barbosa avisa que dá por encerrada sua participação no processo do mensalão.
Daqui para a frente, ele não deseja ser protagonista da nova fase do julgamento, que terá como relator o ministro Luiz Fux.

CNJ...
Pretende se dedicar mais a outras frentes, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça, que combate as mazelas do Judiciário.

Democracia digital

Eduardo Paes falou um palavrão no evento do Google, no Arizona: “polisdigitocracia”. Trata-se de um novo conceito de gestão participativa, onde a população opina e vota pelas redes sociais.

Pois bem...
A prefeitura pretende experimentar este modelo de democracia direta ouvindo os moradores da Barreira do Vasco, em São Cristóvão, sobre melhorias na área.

Pra não esquecer
O Espaço Rio 1, em Botafogo, exibiu, às 22h de quinta, o filme “Fruitvale Station”.
O longa conta a história de Oscar Grant, negro de 22 anos, que, mesmo algemado, foi morto a tiros por um policial na Califórnia, em 2009. Ao final da sessão, alguém da plateia gritou: “Amarildo!” Foi ovacionado.

Lei Roberto Carlos
De um sábio sobre a participação do grupo Procure Saber, que reúne estrelas da MPB, ao lado de Roberto Carlos, na defesa da legislação que impede biografias não autorizadas:
— Mas procurar saber como, se o livro for censurado?

Homenagem ao irmão
O historiador Evaldo Cabral de Mello acaba de entregar à Companhia das Letras “A educação pela guerra”.
O título é uma espécie de homenagem ao seu irmão, o grande poeta João Cabral de Melo Neto, que publicou, em 1965, o seu famoso livro “A educação pela pedra”.

Gullar na Suécia
“Em alguma parte alguma”, de Ferreira Gullar, lançado aqui pela José Olympio, acaba de sair em Estocolmo. É o terceiro livro do grande poeta brasileiro lançado na Suécia.
“Poema sujo” e “Antologia” também foram traduzidos por Ula M. Gabrielsson.

O último livro

O livro que o saudoso Luiz Paulo Horta estava escrevendo será lançado em novembro, pela Zahar.
“De Bento a Francisco: Uma revolução na Igreja” reúne artigos dos últimos seis meses de vida do coleguinha. O livro terá um preâmbulo da filha do autor, Ana Magdalena Horta, e apresentação da editora e amiga Cristina Zahar.

Português medieval

A Casa de Rui Barbosa vai lançar até o fim do ano a versão impressa do “Vocabulário Histórico Cronológico do
Português Medieval”. São dois volumes de 1.440 páginas cada.
É um trabalho de peso — e não só porque na balança os dois livros vão pesar mais de cinco quilos. A obra foi idealizada em 1979 pelo lexicógrafo Antônio Geraldo da Cunha, já falecido, e teve duas versões em CD-ROM.

Segue...
Reúne palavras encontradas em documentos dos séculos XIII, XIV e XV que já guardavam o mesmo
significado de hoje em dia.
“É como se fosse uma fotografia do período em que a nossa língua se consolidava”, diz José Almino, diretor do Centro de Pesquisas da instituição.

Hospital da Criança
Cabral inaugura terça a unidade de quimioterapia do Hospital da Criança.

Teto novo
Bruno Gagliasso, no ar em “Joia rara”, comprou uma casa no Itanhangá. Coisa de mais de R$ 3 milhões.
‘Au, au ’, madame!
Seguindo uma tendência de alguns shoppings, como o Rio Design Barra, o Fashion Mall, em São Conrado, vai liberar a entrada de cães em seus corredores.
É que abriu lá a loja “Très ami”, espécie de butique para os totós.

É muito luxo
A burguesia tem seus encantos. Neymar contratou um tradutor para ficar o tempo todo ao seu lado na China, onde a seleção brasileira enfrenta a Zâmbia, no próximo dia 15.

'Candidata dublê' - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 06/10

Estrategistas do PSB usam a expressão cunhada por Lula sobre como atuará na campanha de Dilma Rousseff para explicar a aparente contradição no fato de Marina Silva, com 26% no último Datafolha, poder ser vice de Eduardo Campos, que tem 8%. Lula disse que será um "candidato dublê" para ajudar a presidente. Socialistas dizem que Marina vai viajar pelo país em campanha para ajudar o crescimento do governador de Pernambuco e tornar sua candidatura mais competitiva.

Me chama... Foi Marina que procurou Campos para conversar, e não o contrário. Quem conta é o deputado Miro Teixeira (Pros-RJ), um dos mais próximos conselheiros da ex-senadora durante o processo de criação da Rede.

... que eu vou "Ele refletiu por alguns segundos e, depois, disse: isso é surpreendente e inédito", diz Miro, segundo relato de Marina.

Desconfiança Na reunião que varou a madrugada de ontem, apoiadores da ex-senadora fizeram pesadas críticas ao governador de Pernambuco. Entre as restrições foi citada a sua proximidade com a família Bornhausen.

Quem herda? Surpreendido pela aliança entre Marina e Campos, o comando dilmista já programou pesquisas qualitativas para avaliar o novo cenário. A expectativa é que, inicialmente, haverá uma "orfandade" dos marineiros, ampliando a taxa de indecisos, nulos e brancos.

Arqueira O Planalto foi pego de surpresa não só pelo acordo, mas pelo discurso duro e pontuado de inusual ironia de Marina. A fala foi considerada "ressentida". Na primeira avaliação dos conselheiros de Dilma, a chapa ocupará o campo da oposição, e não da terceira via.

Bússola Antes da entrevista do PSB e da Rede, Ideli Salvatti telefonou para vários ministros, petistas e aliados perguntando qual a leitura que faziam da reviravolta.

Arco ou flecha? A aliados, Aécio Neves (PSDB) previu turbulência futura na aliança PSB/Rede. Ele acredita que a vantagem de Marina sobre Campos nas pesquisas permanecerá até meados do ano que vem, o que vai levar a que haja pressão pela inversão das posições na chapa presidencial.

Numa Nice Enquanto corria a entrevista de Campos e Marina, José Serra assistia a uma sessão de "Está Chovendo Hambúrguer 2" com os netos, em São Paulo.

Puxadinho A cúpula do PSB avisou às seções estaduais que haverá uma redistribuição de forças nos Estados para acomodar os representantes da Rede. Em São Paulo, Walter Feldman deve assumir posto de comando.

Na balança Na votação de 2011 da revisão do Código Florestal, 27 dos 30 deputados do PSB votaram a favor dos ruralistas. Em 2012, o bloco se dividiu: 16 votos para a tese ambientalista e 9 contra.

Que tal.... Dilma revelou a um dirigente do PMDB um desenho novo para o ministério do seu último ano de mandato. Ao invés de promover os secretários-executivos, como fizeram FHC e Lula, quer nomear senadores que não serão candidatos em 2014.

... assim? A fórmula pode ser usada para colocar Vital do Rêgo (PB) na Integração Nacional, como pede o PMDB, mas só a partir de dezembro, quando saírem todos os ministros candidatos.

Oremos Em aproximação com lideranças evangélicas, o PT vai em peso ao aniversário do pastor José Wellington, da Assembleia de Deus, amanhã. Lula avisou que estará lá. Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) também foi convidado.

Tiroteio

A grande novidade do dia foi essa entrevista de João Santana sobre os 'anões'. Pense numa coisa nova! Foi essa entrevista.

DE EDUARDO CAMPOS, presidenciável do PSB, sobre o marqueteiro do PT ter chamado rivais de Dilma de 'anões' e dito que ele será o que menos crescerá.

Contraponto


007 contra a cola

Em entrevista sobre a edição deste ano do Enem, o ministro Aloizio Mercadante (Educação) lembrou mais uma vez que não é permitido o uso de qualquer objeto eletrônico durante a prova, que acontece neste mês. Ele afirmou que, a exemplo do ano passado, a pasta vai fiscalizar a postagem dos candidatos em redes sociais.

-Como é esse monitoramento? - inquiriu um repórter.

Sem querer dar detalhes, Mercadante respondeu:

-Pode ter certeza de que a gente identifica na hora onde ele está, a sala dele, e ele é tirado de lá... Não é o monitoramento do Obama, mas funciona bem!

Sucesso de público - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 06/10

O ex-presidente Lula propôs um pacto pela governabilidade do Rio. Na conversa, esta semana, com Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Eduardo Paes, defendeu que PMDB e PT mantenham a aliança pelo Rio, mesmo que disputem entre si o governo estadual. O PMDB deu seu recado: sem perspectiva de poder, o partido não teria filiado nesses dias oito deputados estaduais e seis prefeitos.

O voto marineiro
Diante da indefinição dos últimos dias, cientistas políticos passaram a especular sobre o perfil dos eleitores de Marina Silva. Um tucano avalia que 20% são de eleitores contra a política. Há uma franja ambientalista. O analista, de um instituto de pesquisas, avalia que 80% deles adotam valores conservadores. E por isso, sem Marina, acredita que esses votos iriam em maior número para a presidente Dilma, como no segundo turno de 2010, e para Eduardo Campos (PSB), casado e pai de quatro filhos. Os estrategistas do Planalto sustentam que "Marina cisca no mesmo mercado da oposição" e garantem que "Marina não toma nem nunca tomou votos da presidente Dilma"



 "Marina (Silva) ficando fora do processo seria deixar a presidente Dilma a meio passo da vitória"
Arnaldo Jardim
Deputado federal (PPS-SP)


Com a História na cabeça
Um aliado de Marina Silva declamou na madrugada de sexta: "Derrotada a campanha dasDiretas, fizemos uma reunião como esta em 1984. E decidimos ir ao colégio eleitoral, porque a luta não se trava só no terreno que a gente deseja"


Sucesso de público
A série "House of Cards" do , Netflix, protagonizada por Kevin Spacey (foto), virou febre na Câmara. Dezenas de deputados estão assistindo à trama sobre um ambicioso deputado americano que controla o Congresso. Um deles relata que o ex-presidente Lula virou fã da série e que não perde nenhum dos seus capítulos.

Em tempo real
O governo está criando um sistema de alerta rápido para o surgimento de novas drogas. Com ele, as autoridades poderão adotar medidas de fòrma mais agilizada. O modelo é similar ao adótado pela União Europeia.

Um passo em falso
O Solidariedade avalia que perdeu deputados que haviam se comprometido a migrar por conta da imediata adesão à candidatura do tucano Aécio Neves (MG). Para os que recuaram, pegou mal a reunião entre ele e o presidente do partido, Paulo Pereira da Silva, um dia depois da criação da sigla. Calculam que ao menos dez desistiram porque querem manter as benesses do governo.

Na vitrine
A queda do deputado Arthur Lira (AL) da liderança do PP na Câmara está relacionada à nova relação estabelecida pela presidente Dilma com os líderes aliados. Sua presença nas reuniões do Palácio do Planalto provocou muita ciumeira.

Novo design
O presidente do PP, Ciro Nogueira (PB), quer mudar a imagem de seu partido. Ele trabalha para destituir o deputado Paulo Maluf do comando do partido em São Paulo. E quer tirar o PP de Roraima do ex-governador Neudo Campos.


O filósofo Vladimir Safatle se filiou ao PSOL. O partido quer que ele dispute a eleição ao governo de São Paulo no ano que vem.

Eduardo e Marina - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 06/10


A ex-senadora Marina Silva surpreendeu os aliados e anunciou ontem que será a vice da chapa do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que incorporaria a Rede à sua coalizão eleitoral como um partido político de fato, embora sem registro eleitoral. “É um paradoxo, somos um partido clandestino na democracia”, ironizou a ex-senadora. A decisão foi tomada na sexta-feira à noite, durante reunião com Eduardo Campos, que foi chamado a Brasília por ela.

“Eduardo, você está preparado para ser o presidente do Brasil?”, indagou Marina, que a seguir comunicou: “Serei a sua vice”. O diálogo somente foi revelado à cúpula da Rede por volta das 4h da manhã, em reunião na qual Marina ouviu calada a opinião dos aliados. Todos queriam que ela mantivesse a candidatura, inclusive seu marido. No fim da tarde de ontem, Marina se filiou ao PSB.

Durante o ato de filiação, Marina revelou que optou por um “Plano C” para manter a coerência programática e não ceder ao pragmatismo de um eventual “Plano B” — concorrer à Presidência por outra legenda — ideia que nunca lhe agradou.

As pontas// Dificilmente, partidos como PDT, PR, PSD e PTB fecharão alianças com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) ou o governador Eduardo Campos (PSB-PE). O Palácio do Planalto joga pesado para mantê-los na base do governo. A estratégia é reduzir ao máximo o tempo de televisão dos adversários.

Frustração
A decisão frustrou a cúpula do PPS, que na manhã de ontem se reuniu com Marina e tinha esperança de filiá-la ao partido. No encontro, Marina agradeceu o convite e comunicou que sua decisão de ser vice de Eduardo Campos já estava tomada. O presidente da sigla, Roberto Freire, convidado a se incorporar à coalizão, não aceitou a proposta de imediato. O PPS avalia que, sem Marina e José Serra (PSDB) na disputa, as chances de a presidente Dilma Rousseff se reeleger aumentam, inclusive já no primeiro turno.

Revolta
A ex-senadora não poupa críticas à Justiça Eleitoral. Encara a negação do registro da Rede Sustentabilidade como uma cassação branca. No ato de filiação, endossou as críticas do ministro Gilmar Mendes à decisão do Tribunal Superior Eleitoral. E denunciou que mais de 80% das filiações feitas no ABC paulista foram indevidamente desconsideradas.


Usineiro
Antonio Eduardo Tonielo, grande empresário do setor açucareiro paulista, é o vice dos sonhos dos petistas na chapa do ministro da Saúde, Alexandre Padilha (foto). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já desistiu de remover a candidatura ao Palácio dos Bandeirantes do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pelo PMDB.

Serra Pelada
Em matéria de prestígio entre os garimpeiros, o ex-deputado Virgílio Guimarães é o sucessor do famoso major Curió em Serra Pelada. Consultor de empresas, ajudou a cooperativa do garimpo a se acertar com o governo e a empresa mineradora que hoje explora o que restou de ouro na região.

Admiração
O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) está empenhado em convidar políticos, jornalistas e personalidades para o lançamento do livro do ex-senador Roberto Saturnino Braga, por quem tem grande admiração. “Saturnino, com quem tive o prazer de trabalhar, é uma de minhas maiores referências políticas”, afirma. O lançamento será na terça-feira, dia 8, na Biblioteca do Senado, às 18h.

O ponto
De Augusto de Franco, especialista em redes sociais, sobre Marina Silva e a Rede Sustentabilidade: “Marina não precisa do partido (Rede) para sair candidata à presidente da República, certo?
Ela quer um partido para ocupar o Estado e, a partir do Estado, transformar a sociedade, ou quer uma rede que atue na sociedade e seja capaz de mudar a política e democratizar o Estado?” Essa é a questão que Marina precisa responder.

Enrosco
O diplomata Eduardo Saboia (foto) não terá vida fácil no Itamaraty pelos próximos anos, mas permanecerá na carreira, mesmo sem promoções. O trabalho da comissão de sindicância que apura as circunstâncias do seu caso de indisciplina na fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina da embaixada brasileira em La Paz caminha para um beco sem saída. Quanto mais se apura, mais enrolado fica o caso para a cúpula do Ministério das Relações Exteriores.

Violência
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio e as organizações não governamentais Justiça Global e Instituto de Defesa dos Direitos Humanos vão encaminhar as denúncias de violência policial contra os professores cariocas a organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a outros nacionais, como o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Protesto
Professores realizarão hoje uma grande manifestação no Rio de Janeiro contra o novo plano de cargos e salários da categoria aprovado pela Câmara. Em protesto contra a violência policial, querem reunir na Candelária 1 milhão de pessoas

Governo castiga as estatais - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 06/10

A festa não aconteceu, porque não há o que festejar. No dia em que a Petrobrás completou 60 anos, ela não soprou velinhas, não cantou parabéns, não estourou o champanhe e ainda recebeu um amargo castigo de presente: a agência Moody's rebaixou a nota de classificação de risco de sua dívida, colocando a empresa em limite próximo da perda do chamado "grau de investimento" (investimento seguro, com baixo risco de inadimplência) - status, aliás, que seu prestígio e seu respeito mundo afora conquistaram há seis anos, antes mesmo de o Brasil tê-lo alcançado. E que agora vai perdendo em ritmo progressivamente arriscado, perigoso e ameaçador.

E por que o castigo? Por que a maior empresa brasileira, gigante na América Latina e no mundo do petróleo, encolhe de tamanho e perde prestígio tão rapidamente? Parece contraditório, e é: o governo mais estatizante pós-ditadura militar é justamente o que mais maltrata suas empresas estatais.

E o castigo não é restrito à Petrobrás, também a Eletrobrás vive momentos difíceis: além de carregar penduricalhos (distribuidoras estaduais caóticas) que não são seus, teve seu caixa abruptamente abalado pela queda de faturamento, desde que o governo federal reduziu a tarifa de energia, o que obrigou a empresa a cancelar importantes investimentos. É o que veremos adiante, depois de discorrer sobre o dilema da Petrobrás.

Petrobrás. O rebaixamento da Moody's chega num momento em que a Petrobrás mais precisa de crédito externo para investir uma montanha de dinheiro no Campo de Libra do pré-sal, que será leiloado no dia 21 de outubro. Com perspectiva de classificação de risco em queda, ela vai pagar uma conta bem mais salgada de juros nos empréstimos externos de que tanto precisa. E, como o modelo concebido pelo governo federal para o pré-sal - mais especificamente pela presidente Dilma Rousseff na gestão Lula - obriga a Petrobrás a bancar um mínimo de 30% de todo o dinheiro investido na área, a Moody's justificou o rebaixamento com dois argumentos: o rápido crescimento da dívida (mais R$ 28,5 bilhões só no último semestre, elevando-a para R$ 176,28 bilhões) vai continuar e o fluxo de caixa negativo piora a cada dia com a recusa do governo em reajustar o preço dos combustíveis.

Ou seja, a empresa vive hoje uma situação sem saída, do tipo "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come": se continuar aumentando sua dívida, a nota de risco vai baixar ainda mais (pode até perder o grau de investimento) e os juros dos empréstimos se elevam; e a porta que podia se abrir com o faturamento da venda de seus produtos é fechada porque o governo se nega a reajustar os preços.

Para piorar, sua produção interna vem caindo continuamente (falta dinheiro para investir), o que a obriga a aumentar as importações de gasolina e de outros derivados para suprir o abastecimento, gastando mais do que planejou com o dólar em alta e agravando a defasagem (prejuízo) entre o preço de importação e o que vende aqui.

Pior ainda: a renúncia fiscal estimulou a venda de automóveis no Brasil, engarrafando o tráfego nas grandes cidades e expandindo o consumo de combustíveis. E mais grave: quanto mais próximas as eleições, mais distante a solução, já que os governos do PT deram inúmeras provas de que preferem sacrificar a economia a perder votos nas urnas.

A alternativa de repetir a megacapitalização na empresa, como aconteceu em 2010, virou questão de honra para a presidente Graça Foster. Em recente entrevista ao jornal O Globo, ela respondeu irritada: "Outra capitalização? Não, com Graça não! Já disse que não farei. Já disse ao acionista (o governo) que não, não". Pudera! Como outras soluções simplistas, apressadas e absolutamente primárias - as transferências de dinheiro do Tesouro Nacional para os bancos públicos, por exemplo -, a megacapitalização também produziu prejuízos irrecuperáveis para a imagem e a credibilidade da Petrobrás: derrubou suas ações na Bovespa e em Nova York e jogou ao chão seu valor patrimonial. Pelo tom da resposta, certamente Graça Foster vem sendo pressionada pelo governo a recorrer a outra capitalização, que até pode ajudar a pagar R$ 4,5 bilhões só de bônus de assinatura no leilão de Libra, mas produz efeito devastador no curto, no médio e no longo prazos na saúde financeira da estatal.

Nem nos governos militares, que congelavam os preços, mas compensavam com apoio financeiro, a Petrobrás foi tão maltratada.

Eletrobrás. A empresa é outra vítima do governo Dilma Rousseff. Não bastasse a redução da tarifa de luz, que fez desabar o preço das ações nas bolsas, esvaziou seu caixa com a brusca queda de faturamento e levou-a a cortar 30% dos investimentos, a Eletrobrás tem sido crescentemente acionada pelos sucessivos governos a acampar distribuidoras estaduais de gestão caótica e prejuízos irrecuperáveis. As seis que ela abrigou (Amazonas, Alagoas, Piauí, Rondônia, Roraima e Acre) subtraíram de seu caixa, em 2012, R$ 1 bilhão em investimentos e mais R$ 1,33 bilhão em prejuízos.

O dilema se arrasta há anos: os governos estaduais transferiram o abacaxi financeiro para a Eletrobrás, mas não abriram mão de continuar influenciando politicamente na gestão das distribuidoras, ora delas extraindo favores políticos e eleitorais, ora ocupando cargos com apadrinhados. Numa tentativa de afastar os governadores, em 2006 foi nomeada uma única diretoria para as seis, com sede no Rio de Janeiro. Inútil, elas continuaram sangrando o balanço financeiro da Eletrobrás. Agora o Banco Santander foi contratado para propor uma solução, que seria a privatização, mas o governo não sabe o que fazer, não quer privatizar em ano eleitoral.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Donizete Rufino, diz que fiscaliza as empresas com o mesmo rigor, sejam elas estatais ou privadas. "Se a gestão é ruim, cobramos eficiência", afirma. Mas é óbvio que o tratamento dado às distribuidoras estatais é bem diferente daquele recebido pelas empresas do grupo privado Rede. "A solução para o Grupo Rede tinha de ser a intervenção. Já no caso das seis distribuidoras, a Eletrobrás não vai deixar falirem", explica. No fim de tudo, quem paga a conta da incompetência e da invasão dos políticos são todos os brasileiros, acionistas da Eletrobrás.

Retratinho do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 06/10

Apesar da boa notícia da alta da renda em 2012, vale notar as perversidades registradas na Pnad


1. O "BRASIL MELHOROU" nos últimos 19 anos, blá-blá-blá. Mas o Brasil ainda é um país ruim, um dos dez mais desiguais e violentos do mundo, mal-educado e, na sua classe de renda, um dos mais perversos. Portanto, ao menos uma vez por ano, assim como a gente faz promessas no dia 31 de dezembro, vale lembrar algumas dessas perversidades. A recém-publicada Pnad, a grande pesquisa sobre as condições de vida no país, pode servir de Réveillon social.

2. Mais de um terço dos brasileiros que trabalhava em 2012 ganhava menos de um salário mínimo.

3. Se a gente leva em conta a renda por cabeça em cada casa, verifica-se que em metade dos domicílios o rendimento mensal médio era de R$ 359 por pessoa. Coma-se, vista-se, estude-se e durma-se com um dinheiro desses.

3. O rendimento médio no Nordeste ainda é apenas 56,6% do rendimento médio no Sudeste. Melhorou, blá-blá-blá. Em 2004, a proporção era pior, de apenas 50,4%. Nesse ritmo, levaríamos 40 anos para igualar as rendas, o que não vai acontecer nem com boa vontade e inteligência. Mas a projeção ilustra a disparidade perversa.

4. O número médio de anos de estudo das pessoas de mais de dez anos no Nordeste é de 6,4. No Sudeste, 8,2 anos. Não é pouca diferença. É brutal. O número médio brasileiro é 7,5 anos. Na pobre e perversa América Latina, estamos na zona do rebaixamento.

5. A gente pode dizer que as novas gerações não vão tão mal de anos de escola, tudo bem. O pessoal de 24 a 29 anos, por exemplo, tem em média 10,6 anos de estudo no Sudeste: dá quase para completar o colegial. Trata-se da turma que nasceu em tempo de pegar a universalização da frequência à escola, incentivada no primeiro governo FHC, diga-se. Ainda assim, a média nacional do pessoal dessa idade é 9,9 anos; no Nordeste, 8,8. Isto é, a desigualdade regional na educação diminui, mas ainda é bruta.

6. Sim, houve boa notícia na pesquisa. A renda média real dos brasileiros cresceu uns 8% de 2011 para 2012, na medida da Pnad. Mas, na medida do PIB per capita, o crescimento em 2012 foi zero. Em tese, as taxas deveriam ser muito parecidas. Economistas ainda estudam o mistério.

7. Há quem atribua o avanço da renda (Pnad) de 2012 ao aumento do salário mínimo. Poderia até ser. Mas isso ainda não explica a diferença da Pnad em relação aos dados do PIB. Não explica muita coisa. Sim, a renda nominal (inflação mais aumento real) subiu uns 14% pela Pnad, mais ou menos o reajuste do mínimo em 2012. O mínimo também reajusta aposentadorias, outros benefícios sociais e serve de referência para outras faixas salariais, num efeito dominó. Mas o dominó vai parando quanto maior é a renda: salários mais altos têm o mínimo como vaga referência.

8. Isto posto, note-se que em 2012 a renda nominal dos mais ricos (1% dos domicílios no topo) subiu 23% (25% de todo aumento da renda das famílias brasileiras foi para esse 1%). A renda dos 5% mais ricos cresceu 15% (34,5% do aumento da renda total foi para esse 5%). A renda dos 10% mais ricos cresceu quase 15% (esses ficaram com 42,6% do aumento da renda). Difícil acreditar que a indexação do salário mínimo tenha escalado toda a alta e íngreme pirâmide social brasileira.

Passado incerto - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 06/10

As queixas dos empresários sobre os custos da mão de obra no Brasil não se atêm aos encargos e impostos (de aproximadamente 100% do salário) que estão obrigados a pagar. Esses custos continuam subindo, é verdade, como se vê pela decisão recente do governo de vetar o fim da multa de 10% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), paga em demissões sem justa causa. Mas há custos novos.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que, no segundo trimestre de 2013 em comparação com o mesmo período de 2012, as despesas com pessoal na indústria brasileira aumentaram 10,1% . Correspondem a 9,4% dos custos industriais.

"À primeira vista, podem parecer baixos. Mas se tornam relevantes quando se leva em conta que metade da produção industrial é vendida para a própria indústria. Quer dizer, são repassados a toda a cadeia de produção", observa Renato da Fonseca, da área de Pesquisas Econômicas da CNI.

Os problemas não param aí. Pesam cada vez mais os custos produzidos pela insegurança jurídica. A qualquer momento, todo empregador está sujeito a enfrentar contas extras despachadas pela Justiça do Trabalho. Faz parte daquilo que o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan chamava de "passado incerto".

Ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Almir Pazzianotto Pinto alerta para o que chama de "indústria dos processos trabalhistas". Nenhum empregador sabe quanto lhe vai custar um ex-funcionário. "É fator terrível de insegurança, pois é impossível prever o resultado de um processo", afirma.

O número de ações recebidas pelo TST dobrou em dez anos (veja o gráfico no Confira). Apenas neste ano, até o fim de agosto, foram julgados 195,5 mil processos. Outros 221 mil aguardavam julgamento. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Carlos Alberto Reis de Paula (foto), lamenta que empregadores e empregados não tenham assimilado "a cultura da negociação". Diante de qualquer pendência, as partes nem tentam conversar; vão para os tribunais. Ele acrescenta: "É simplista descarregar a culpa sobre a Justiça. A legislação é confusa, permite discussões sem fim".

E aí entra outro fator de insegurança. Para definir parâmetros para as instâncias inferiores, o TST tem publicado súmulas vinculantes, mecanismos com força de lei a serem observados por todos os tribunais. No entanto, por absurdo que seja, esses parâmetros podem mudar. Em setembro de 2012, por exemplo, o TST alterou a súmula anterior que previa prazo de vigência não superior a dois anos para os acordos e convenções coletivas. No novo entendimento, as cláusulas e benefícios previstos nos acordos coletivos passaram a integrar os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidos mediante negociação coletiva. Ou seja, qualquer benefício concedido por meio de norma coletiva poderá se incorporar ao contrato de trabalho.

Mas, se a confusão original está na Lei, como aponta o ministro Reis de Paula, então é preciso mudar a Lei. O diabo é que a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está na pauta há algumas décadas sem que ninguém se anime a levá-la adiante.

Política industrial e o petróleo - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 06/10

Teremos que esperar para avaliar mudança do marco regulatório, mas resultados iniciais são ruins


Na semana passada argumentei que a alteração do marco regulatório do petróleo promovida pela lei nº 12.351, sancionada em dezembro de 2010 e que estabeleceu as novas regras para a exploração na região estratégica do pré-sal, não teve como intenção --como muitos creem, e como chegou a ser argumentado pelo governo-- o aumento da receita pública em razão das novas condições geológicas.

O motivo é que a lei antiga apresenta essencialmente os mesmos instrumentos de arrecadação que a nova legislação. Alterações mínimas, possíveis de serem implantadas por meio de decretos presidenciais, teriam sido suficientes.

Assim, fica a questão: por que motivo alterou-se algo que estava funcionando bem?

Meu entendimento é que o objetivo do governo foi dotar o Estado brasileiro de instrumentos que facilitassem políticas de substituição de importação para a maioria dos elos da cadeia da indústria petroleira. Isto se refere tanto a elos à jusante da extração do petróleo (refino, por exemplo), como à montante --toda a indústria de bens de capital ligada à produção de plataformas. Ou seja, a alteração do marco regulatório constituiu uma ação de política industrial.

Dois instrumentos foram utilizados. Primeiro, estabelecer que a Petrobras será operadora única de todos os campos do pré-sal, com 30% do investimento. Segundo, a criação de uma empresa integralmente estatal, que será responsável pela defesa dos interesses da União. Esta empresa não investirá recursos, mas terá metade dos assentos no comitê operacional do consórcio formado pelas ganhadoras do direito de exploração.

Além disso, o presidente do comitê operacional será da nova estatal, de tal sorte que ela terá voto qualificado em caso de empate.

Na prática, as demais empresas participantes do consórcio serão investidores. Entrarão com o capital além dos 30% colocados pela Petrobras, mas terão participação muito menor no conselho que determina os rumos da operação.

Entende-se os motivos das empresas cujo negócio seja extrair petróleo não terem entrado. Elas não são instituições financeiras. O negócio delas é tirar petróleo debaixo da terra ou do mar, não financiar esta atividade.

O desenho regulatório descrito acima teoricamente facilita a coordenação entre a exploração e a produção de óleo, de um lado, e o desenvolvimento da indústria, de outro. O fato de a Petrobras ser operadora única ajuda a que ela celebre contratos de longo prazo com fornecedores locais. Os contratos de longo prazo dão horizonte para que esses fornecedores incorram nos custos iniciais de transferência de tecnologia para a produção local de bens e serviços, insumos da indústria até então importados.

Já o fato de a empresa pública a ser criada ter metade do conselho operacional do consórcio, com voto qualificado, garante que os interesses de exploração e comercialização do óleo serão submetidos aos interesses de desenvolvimento da indústria nacional.

Valeu a pena a alteração? Evidentemente, como dizem os ingleses, a prova do pudim é comê-lo. Teremos que esperar algumas décadas para sabermos. Os resultados iniciais são muito ruins.

A meu ver, o governo Lula, ao propor a alteração, subestimou as qualidades do marco anterior e superestimou seus defeitos. Equívoco inverso cometeu com o novo marco: subestimou os defeitos e superestimou as qualidades. Lembremos que o marco antigo foi responsável por enorme desenvolvimento da indústria nacional petrolífera.

Adicionalmente, parece-me que não se considerou outro custo --que tem que ser pago mesmo se o "status quo" for pior do que a alternativa--, que é o de transição. Estamos há diversos anos sem leilões na região do pré-sal, e, além disso, toda a alteração gerou enormes custos políticos e de gestão para o Estado brasileiro.

Dado os enormes problemas que temos de uma legislação tributária complexa, que atrasa o setor produtivo, e as dificuldades sem tamanho dos serviços públicos de saúde e educação, ter gasto tanto esforço em transformar algo que --por qualquer critério-- estava funcionando bem foi péssima alocação dos recursos extremamente escassos do Estado.