ZERO HORA - 02/10
Uma casa e um smartphone: você precisa de mais alguma coisa? Hoje a gente se enclausura e faz uma vida. O que fica do lado de fora da janela é apenas uma cidade com ruas que levam a outras clausuras: a do escritório, a da academia, a da igreja, a do shopping, a do estádio, a da casa de amigos e familiares. Durante o trajeto, de um ponto a outro entre as clausuras, vamos reclamando do trânsito e olhando para os lados com aflição, a fim de conferir se não há ninguém nos seguindo, à espreita.
A cidade em que vivemos deveria despertar o mesmo sentido de lar que nossa casa desperta. Também é uma referência emocional, e o natural seria que circulássemos por ela com desenvoltura, alegria, entusiasmo – valorizando os passeios e nos sentindo acolhidos. Uma cidade é um espaço de integração e dinamismo, um elemento vivo. Ela deve ser boa para nós, deve nos reservar um futuro. Uma cidade – a nossa cidade – deve nos convidar para fazer parte dela com profundidade, como um chamado amoroso. Mas para amá-la precisamos confiar nela, admirá-la e considerá-la protetora.
Que condição de cidadania pode haver em transitar apressadamente entre clausuras, em não desfrutarmos do acolhimento que uma cidade, qualquer cidade, deveria oferecer a quem nela vive?
Uma amiga teve o carro roubado às 14h de um lindo dia de sol enquanto estacionava aqui perto de casa. Minha cunhada resgatou o filho na escola enquanto acontecia um tiroteio na praça em frente. Uma conhecida foi assaltada duas vezes no mesmo mês e no mesmo quarteirão. Isso restrito à minha vizinhança, imagino que você também colecione histórias sobre a sua.
Quem já teve o privilégio de viajar para locais mais seguros não se conforma com a indignidade de caminhar pela própria cidade desconfiando de quem cruza pela calçada. Comerciantes atendem por trás de grades depois de certa hora – como se ainda houvesse um horário mais perigoso do que outro. É ridículo se sentir ameaçado pelo lugar onde se vive.
É por isso que apoio os que lutam para atualizar nosso Código Penal. Prisão perpétua para crimes hediondos, fim do regime de progressão (que o preso cumpra sua pena integralmente) e redução da maioridade penal para 16 anos quando houver prática de assassinato, estupro, sequestro, pedofilia, tráfico de drogas, de órgãos, de armas. Chega do prende e solta.
Política é a arte de se deixar seduzir pelo poder, mas que poder? Nossos engravatados discursam pomposamente, cortam fitas de inauguração, vivem em reuniões, fazem de conta que representam o povo, enquanto o povo continua negligenciado pela retórica, pela burocracia, pela lerdeza, por leis obsoletas, por interesses eleitoreiros e pelo DNA defeituoso deste país que, em vez de permitir que nos encantemos por nossas cidades, faz apenas com que tenhamos medo delas.
quarta-feira, outubro 02, 2013
Pergunte para quem sabe - FERNANDO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR - 02/10
Quem usou máquina de escrever – o que hoje parece ser um objeto pré-histórico – sabe que redigir um texto numa Olivetti era muito diferente de escrevê-lo num computador. Como não era possível apagar e alterar grandes trechos (muito menos copiar e colar), o redator obrigava-se a ter uma boa ideia do começo, meio e fim do que pretendia pôr no papel. Tinha de pensar na estrutura da narrativa. Conceber mentalmente frases inteiras antes de datilografá-las. Planejar, por assim dizer, a redação. Ou então era obrigado a amassar as folhas e a começar tudo de novo. Hoje é possível deixar o pensamento fluir na tela e ir corrigindo-o posteriormente.
Assim como ocorreu com os softwares de edição de textos, qualquer nova tecnologia muda a forma como o homem se relaciona com o mundo e até mesmo como raciocina. E talvez poucas sejam tão onipresentes e tenham alterado tanto o cotidiano como o Google – para o bem e para o mal.
Com apenas 15 anos, completados na última sexta-feira, o principal buscador da internet brindou a humanidade com a possibilidade de encontrar uma profusão de dados sem precedentes. Hoje parece estranho viver sem ele. “Pergunta para quem sabe” tem sido uma expressão usada corriqueiramente para orientar alguém a recorrer ao Google. Assim, o buscador virou o maior professor de que se tem notícia. Um professor que tenta inclusive se antecipar ao anseio por respostas. Quem nunca começou a digitar a informação que procura e a viu aparecer no monitor antes mesmo de terminar de escrevê-la?
Mas a “googledependência”, em troca, condiciona a informação a que se tem acesso e, consequentemente, o que se pensa acerca daquilo. O que não tem relevância para os algoritmos do buscador tende a ser desimportante. É como se não existisse, ainda que eventualmente seja do interesse de alguém. A importância deixa, assim, de existir por si só e passa a ser tão somente o resultado de critérios que foram previamente definidos por programadores – que são, não nos esqueçamos, humanos com sua própria visão acerca do que é relevante.
O esquecimento, por sinal, é outra consequência da soberania do Google. Quando se sabe que uma informação estará facilmente disponível a qualquer momento, fica mais fácil não memorizá-la. E, como há a impressão de que tudo está virtualmente disponível na web, a memória humana tem ficado mais preguiçosa.
Ainda é cedo para saber exatamente aonde o Google vai nos levar, como vai moldar nossa percepção de mundo. Essa, aliás, é uma pergunta para a qual nem mesmo o buscador tem uma resposta pronta. Tente fazê-la para ver no que dá.
Quem usou máquina de escrever – o que hoje parece ser um objeto pré-histórico – sabe que redigir um texto numa Olivetti era muito diferente de escrevê-lo num computador. Como não era possível apagar e alterar grandes trechos (muito menos copiar e colar), o redator obrigava-se a ter uma boa ideia do começo, meio e fim do que pretendia pôr no papel. Tinha de pensar na estrutura da narrativa. Conceber mentalmente frases inteiras antes de datilografá-las. Planejar, por assim dizer, a redação. Ou então era obrigado a amassar as folhas e a começar tudo de novo. Hoje é possível deixar o pensamento fluir na tela e ir corrigindo-o posteriormente.
Assim como ocorreu com os softwares de edição de textos, qualquer nova tecnologia muda a forma como o homem se relaciona com o mundo e até mesmo como raciocina. E talvez poucas sejam tão onipresentes e tenham alterado tanto o cotidiano como o Google – para o bem e para o mal.
Com apenas 15 anos, completados na última sexta-feira, o principal buscador da internet brindou a humanidade com a possibilidade de encontrar uma profusão de dados sem precedentes. Hoje parece estranho viver sem ele. “Pergunta para quem sabe” tem sido uma expressão usada corriqueiramente para orientar alguém a recorrer ao Google. Assim, o buscador virou o maior professor de que se tem notícia. Um professor que tenta inclusive se antecipar ao anseio por respostas. Quem nunca começou a digitar a informação que procura e a viu aparecer no monitor antes mesmo de terminar de escrevê-la?
Mas a “googledependência”, em troca, condiciona a informação a que se tem acesso e, consequentemente, o que se pensa acerca daquilo. O que não tem relevância para os algoritmos do buscador tende a ser desimportante. É como se não existisse, ainda que eventualmente seja do interesse de alguém. A importância deixa, assim, de existir por si só e passa a ser tão somente o resultado de critérios que foram previamente definidos por programadores – que são, não nos esqueçamos, humanos com sua própria visão acerca do que é relevante.
O esquecimento, por sinal, é outra consequência da soberania do Google. Quando se sabe que uma informação estará facilmente disponível a qualquer momento, fica mais fácil não memorizá-la. E, como há a impressão de que tudo está virtualmente disponível na web, a memória humana tem ficado mais preguiçosa.
Ainda é cedo para saber exatamente aonde o Google vai nos levar, como vai moldar nossa percepção de mundo. Essa, aliás, é uma pergunta para a qual nem mesmo o buscador tem uma resposta pronta. Tente fazê-la para ver no que dá.
As forças da história - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 02/10
SÃO PAULO - A troca de Mahmoud Ahmadinejad, o incorrigível, por Hasan Rowhani, o moderado, fará Ocidente e Irã finalmente se entenderem na questão nuclear? Personalidades e fatores ainda mais caprichosos como o próprio acaso influenciam a história ou sua marcha é ditada por forças mais profundas?
Durante boa parte do século 20, prevaleceram concepções que enfatizam os grandes movimentos. Aí se incluem os marxistas, com a luta de classes e o materialismo histórico, a turma dos Annales, com sua "longue durée" e o pessoal da geopolítica, para quem características topográficas, climáticas e demográficas são decisivas. Somam-se a eles os chamados institucionalistas, que destacam o papel de estruturas como tipo de governo, grau de liberdade, eficiência do Judiciário etc.
Representantes de todas essas escolas produziram boas análises, com grande poder explicativo e que geram interessantes "insights". Não há dúvida de que todos os elementos citados e outros não citados têm sua importância. Mas isso é tudo?
Não parece absurdo imaginar, no rastro dos proponentes da chamada história contrafactual, que, se Hitler tivesse se dedicado à arte e não à política, ou tivesse morrido na Primeira Guerra, os acontecimentos subsequentes teriam sido bem diferentes.
De forma mais jocosa, Matthew White defende que, se o nacionalista sérvio Gavrilo Princip não tivesse assassinado o arquiduque Francisco Ferdinando em 1914, não teria havido a Primeira Guerra, nem consequentemente a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, nem a assunção de Hitler na Alemanha. Princip, sozinho, responde pelas mortes de 80.000.001 pessoas.
White avança o sinal, mas é difícil dizer quanto. Se os achados dos cientistas que estudam sistemas complexos valem para a história, pequenas variações podem produzir resultados dramáticos --e isso sem contrariar as tais das forças profundas.
SÃO PAULO - A troca de Mahmoud Ahmadinejad, o incorrigível, por Hasan Rowhani, o moderado, fará Ocidente e Irã finalmente se entenderem na questão nuclear? Personalidades e fatores ainda mais caprichosos como o próprio acaso influenciam a história ou sua marcha é ditada por forças mais profundas?
Durante boa parte do século 20, prevaleceram concepções que enfatizam os grandes movimentos. Aí se incluem os marxistas, com a luta de classes e o materialismo histórico, a turma dos Annales, com sua "longue durée" e o pessoal da geopolítica, para quem características topográficas, climáticas e demográficas são decisivas. Somam-se a eles os chamados institucionalistas, que destacam o papel de estruturas como tipo de governo, grau de liberdade, eficiência do Judiciário etc.
Representantes de todas essas escolas produziram boas análises, com grande poder explicativo e que geram interessantes "insights". Não há dúvida de que todos os elementos citados e outros não citados têm sua importância. Mas isso é tudo?
Não parece absurdo imaginar, no rastro dos proponentes da chamada história contrafactual, que, se Hitler tivesse se dedicado à arte e não à política, ou tivesse morrido na Primeira Guerra, os acontecimentos subsequentes teriam sido bem diferentes.
De forma mais jocosa, Matthew White defende que, se o nacionalista sérvio Gavrilo Princip não tivesse assassinado o arquiduque Francisco Ferdinando em 1914, não teria havido a Primeira Guerra, nem consequentemente a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, nem a assunção de Hitler na Alemanha. Princip, sozinho, responde pelas mortes de 80.000.001 pessoas.
White avança o sinal, mas é difícil dizer quanto. Se os achados dos cientistas que estudam sistemas complexos valem para a história, pequenas variações podem produzir resultados dramáticos --e isso sem contrariar as tais das forças profundas.
Como ser ouvido? - ROBERTO DAMATTA
O GLOBO - 02/10
Naquele encontro do bem-sucedido governador progressista com lideres estudantis, alguns altamente ambiciosos, outros tocados pela curiosidade, Frederico percebeu que era só o cara que falava. Falava alto, falava de modo pausado, falava simples; suas palavras seduziam todo mundo, mas ele não ouvia.
Frederico, meu amigo e também estudante de História, era o único inconformado. O não ouvir era um protocolo. Todo o grupo foi avisado por um ajudante de ordens que Frederico antipaticamente chamou de “puxa-saco profissional” que estávamos ali para ouvir, não para falar. O “governador” admitia somente perguntas rápidas e objetivas, jamais “questionamentos”.
E assim foi. “Os poderosos não ouvem!”, disse-me Frederico outro dia numa breve e arriscada visita que fez à minha casa em Niterói. Levou 3 ou 4 horas do Baixo Gávea ou do Alto Leblon (eu tendo a me confundir com as hierarquias dos bairros dessa cidade altamente democrática que é o Rio de Janeiro), onde reside. “No Brasil, uma prerrogativa do poder é não ouvir. Você pode medir numa escala: quanto menos espera, menos ouve, mais faz esperar, mais é capaz de prorrogar e mais fala — mais poder!”
“E Deus”, perguntei provocativamente, “ouve?”
“Ele recebe muitas mensagens. Mais do que os bilhões de interceptações da National Security Agency do governo americano, mas, pelo visto, em vinte ou trinta anos haverá um empate. E olha que, como Deus, eles têm um arsenal de armas de destruição em massa!” — ponderou um Frederico agora careca, trêmulo e totalmente míope.
“Como assim?”
“Você se lembra daquele nosso encontro com o governador nos anos sessenta? Pois então. Eles não respondem porque são envolvidos em pedidos e coagidos por favores. Recebem tantas mensagens que não têm como respondê-las. O volume de comunicação em rede os aprisiona a um perpétuo imediatismo. Sabem tudo, ouvem tudo, mas não têm tempo para escutar...”
“Como assim?” — reiterei.
“Deus, por exemplo, recebe milhões de pedidos de milagre e de perdão. Mas apenas dúzias de arrependimentos. Hoje rezam mais para o Diabo. Deus sofre com uma brutal indiferença. Já os poderosos recebem pedidos instrumentais de emprego e negociatas. Em geral, eles fingem e mentem, discursando sem parar.”
“Mas Deus escuta!”, disse uma voz pequenina que saía de dentro de mim e eu mesmo não sabia donde.
“Ah! Essa é a diferença!” — animou-se Frederico. “Deus sempre ouve os angustiados. Os que chegam no fundo do poço. Mas os políticos e os poderosos não ouvem — a menos que se sintam ameaçados.”
O mundo vai se acabando e nós falamos do trivial variado. Discutimos se vamos comer carne ou salada enquanto a temperatura da Terra está próxima do insuportável. Cientistas apelam aos poderosos e eles não ouvem.
Deveriam apelar para Deus por meio de um telescópio eletrônico?
Dick Ranger, cientista atômico e cosmógrafo internado num manicômio em 1955, no estado de Oklahoma, propunha que Deus seria visto não por telescópios, mas por microscópios. Ele estaria no infinitamente pequeno e não no grandiosamente enorme. Seria o caso?, pergunta o meu lado adolescente que guardou essa possibilidade de um Gibi. Afinal, Deus estaria no fundo invisível de cada um de nós. Tão pequeno que jamais seria visto ou ouvido. Sua imagem como um ser enorme e abrangente é uma óbvia projeção do poder, nosso imenso poder tecnológico com seu lado construtivo e destrutivo. A conectá-los, há uma liminaridade positiva que junta o corpo com a alma e uma outra, negativa, que engendra a indiferença ou o nosso famoso e humaníssimo “deixa prá lá...”
Seria o tal Leviatã um mero dragãozinho de livro de Harry Potter?
Que ninguém, contudo, se iluda. O alta temperatura revela a agonia de uma Terra torturada pelos seus filhos.
E como todos estão tão ocupados e presos às suas subjetividades — falamos, fazemos e planejamos, mas não ouvimos.
“Como salvar um mundo que jamais teve uma alma?”, repete Frederico. “Se as ideias nada mais são — como dizem os mestres da sociologia — do que uma representação de interesses, então o Deus dos Puritanos que inventaram o capitalismo sem querer exprime a irracionalidade e o anonimato do mercado. Se Nietzsche falava do cristianismo como um mero reflexo do ressentimento dos escravos, seria preciso avançar mais na destruição da Terra para que ela possa ser salva. A gente só ouve depois do desastre.” Frederico — meu velho ex-colega e companheiro de pesquisa — cala-se e toma um gole de cerveja.
Sim, mas talvez antes do fim inexorável de tudo, como sábia e melancolicamente diz Lévi-Strauss no final das suas extraordinárias “Mitológicas”, apareça o inesperado decorrente de todos os nossos “projetos individuais”, como gostava de dizer um saudoso Gilberto Velho.
E, dessas contradições, talvez nos venha a roupa para esse Homem que se vê cada vez mais nu.
Naquele encontro do bem-sucedido governador progressista com lideres estudantis, alguns altamente ambiciosos, outros tocados pela curiosidade, Frederico percebeu que era só o cara que falava. Falava alto, falava de modo pausado, falava simples; suas palavras seduziam todo mundo, mas ele não ouvia.
Frederico, meu amigo e também estudante de História, era o único inconformado. O não ouvir era um protocolo. Todo o grupo foi avisado por um ajudante de ordens que Frederico antipaticamente chamou de “puxa-saco profissional” que estávamos ali para ouvir, não para falar. O “governador” admitia somente perguntas rápidas e objetivas, jamais “questionamentos”.
E assim foi. “Os poderosos não ouvem!”, disse-me Frederico outro dia numa breve e arriscada visita que fez à minha casa em Niterói. Levou 3 ou 4 horas do Baixo Gávea ou do Alto Leblon (eu tendo a me confundir com as hierarquias dos bairros dessa cidade altamente democrática que é o Rio de Janeiro), onde reside. “No Brasil, uma prerrogativa do poder é não ouvir. Você pode medir numa escala: quanto menos espera, menos ouve, mais faz esperar, mais é capaz de prorrogar e mais fala — mais poder!”
“E Deus”, perguntei provocativamente, “ouve?”
“Ele recebe muitas mensagens. Mais do que os bilhões de interceptações da National Security Agency do governo americano, mas, pelo visto, em vinte ou trinta anos haverá um empate. E olha que, como Deus, eles têm um arsenal de armas de destruição em massa!” — ponderou um Frederico agora careca, trêmulo e totalmente míope.
“Como assim?”
“Você se lembra daquele nosso encontro com o governador nos anos sessenta? Pois então. Eles não respondem porque são envolvidos em pedidos e coagidos por favores. Recebem tantas mensagens que não têm como respondê-las. O volume de comunicação em rede os aprisiona a um perpétuo imediatismo. Sabem tudo, ouvem tudo, mas não têm tempo para escutar...”
“Como assim?” — reiterei.
“Deus, por exemplo, recebe milhões de pedidos de milagre e de perdão. Mas apenas dúzias de arrependimentos. Hoje rezam mais para o Diabo. Deus sofre com uma brutal indiferença. Já os poderosos recebem pedidos instrumentais de emprego e negociatas. Em geral, eles fingem e mentem, discursando sem parar.”
“Mas Deus escuta!”, disse uma voz pequenina que saía de dentro de mim e eu mesmo não sabia donde.
“Ah! Essa é a diferença!” — animou-se Frederico. “Deus sempre ouve os angustiados. Os que chegam no fundo do poço. Mas os políticos e os poderosos não ouvem — a menos que se sintam ameaçados.”
O mundo vai se acabando e nós falamos do trivial variado. Discutimos se vamos comer carne ou salada enquanto a temperatura da Terra está próxima do insuportável. Cientistas apelam aos poderosos e eles não ouvem.
Deveriam apelar para Deus por meio de um telescópio eletrônico?
Dick Ranger, cientista atômico e cosmógrafo internado num manicômio em 1955, no estado de Oklahoma, propunha que Deus seria visto não por telescópios, mas por microscópios. Ele estaria no infinitamente pequeno e não no grandiosamente enorme. Seria o caso?, pergunta o meu lado adolescente que guardou essa possibilidade de um Gibi. Afinal, Deus estaria no fundo invisível de cada um de nós. Tão pequeno que jamais seria visto ou ouvido. Sua imagem como um ser enorme e abrangente é uma óbvia projeção do poder, nosso imenso poder tecnológico com seu lado construtivo e destrutivo. A conectá-los, há uma liminaridade positiva que junta o corpo com a alma e uma outra, negativa, que engendra a indiferença ou o nosso famoso e humaníssimo “deixa prá lá...”
Seria o tal Leviatã um mero dragãozinho de livro de Harry Potter?
Que ninguém, contudo, se iluda. O alta temperatura revela a agonia de uma Terra torturada pelos seus filhos.
E como todos estão tão ocupados e presos às suas subjetividades — falamos, fazemos e planejamos, mas não ouvimos.
“Como salvar um mundo que jamais teve uma alma?”, repete Frederico. “Se as ideias nada mais são — como dizem os mestres da sociologia — do que uma representação de interesses, então o Deus dos Puritanos que inventaram o capitalismo sem querer exprime a irracionalidade e o anonimato do mercado. Se Nietzsche falava do cristianismo como um mero reflexo do ressentimento dos escravos, seria preciso avançar mais na destruição da Terra para que ela possa ser salva. A gente só ouve depois do desastre.” Frederico — meu velho ex-colega e companheiro de pesquisa — cala-se e toma um gole de cerveja.
Sim, mas talvez antes do fim inexorável de tudo, como sábia e melancolicamente diz Lévi-Strauss no final das suas extraordinárias “Mitológicas”, apareça o inesperado decorrente de todos os nossos “projetos individuais”, como gostava de dizer um saudoso Gilberto Velho.
E, dessas contradições, talvez nos venha a roupa para esse Homem que se vê cada vez mais nu.
Ueba! Marina chama os gremlins! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 02/10
Agora temos esse partido Pros. Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os partam!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Partido no Brasil é como banana, dá em penca! Partidos, não. Repartidos. Porque vão repartir tudo mesmo! E o presidente do PT, Rui Falcão, é o que mais falta na Assembleia. Então é o RUI FALTÃO!
E adoro quando o Aécio implora: "Vamos conversar?". "Vamos! Cadê o bafômetro?". Rarará! Receita para fazer um partido novo: pega um monte de peça velha e faz um carro novo. É a mesma coisa! Você pega as portas de um Chevette 1971, as rodas de um Corcel 1984, o motor de um Monza e funda um novíssimo partido político. Um novelho!
Agora temos esse partido Pros. Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os partam!
E o Paulinho da Força Sindical fundou o Solidariedade. Auto-solidariedade! E o Paulinho tá sempre com aquela cara de quem tá se recuperando de uma hepatite crônica! E diz que o partido é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará!
E a Marinárvore? A tartaruga sem casco? E um amigo me disse que o partido da Marina é "um PSD que não come carne!" Rarará!
A Marina tem que chamar os gremlins. Só assim alcança as assinaturas necessárias! Ela pega um gremlin, joga um copo d'água, ele se multiplica e funda um partido. O Partido dos Gremlins! Rarará! E a Rede da Marina tá com gancho enferrujado! Nhenc, nhenc, nhenc! E por que a Marina tá sempre com cara de mártir?
Falando em mártir, e o Timão? Continuam zoando o Timão. As últimas do Timão! Ops, Timão vira ULTIMÃO! Rarará!
E um leitor me enviou essa charada: "O que é o que é: começou com um selinho numa casa francesa e terminou de quatro pra Portuguesa!". Rarará!
E como diz o site FuteboldaDepressão: "Na Síria tá tudo em paz, a coisa tá feia mesmo é no Corinthians!". E adorei que o Itaquerão foi feito com entulho do Palmeiras. Entulhão! "Moço, onde eu posso jogar esse entulho?". "No Itaquerão!" Rarará. É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é lúdico! Olha essa placa numa lanchonete no Méier: "Sugestão do dia: frango assado, COIXA E SOBRECOIXA!". Adorei, achei mais chique: coixa e sobrecoixa. Por exemplo, o Corinthians levou nas coixas! Rarará! E essa placa em Santana na Bahia: "Fazemos manutenção de MEGA-RÉ!". Ueba!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Agora temos esse partido Pros. Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os partam!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Partido no Brasil é como banana, dá em penca! Partidos, não. Repartidos. Porque vão repartir tudo mesmo! E o presidente do PT, Rui Falcão, é o que mais falta na Assembleia. Então é o RUI FALTÃO!
E adoro quando o Aécio implora: "Vamos conversar?". "Vamos! Cadê o bafômetro?". Rarará! Receita para fazer um partido novo: pega um monte de peça velha e faz um carro novo. É a mesma coisa! Você pega as portas de um Chevette 1971, as rodas de um Corcel 1984, o motor de um Monza e funda um novíssimo partido político. Um novelho!
Agora temos esse partido Pros. Pros filhos, pros netos, pros genros e pros raios que os partam!
E o Paulinho da Força Sindical fundou o Solidariedade. Auto-solidariedade! E o Paulinho tá sempre com aquela cara de quem tá se recuperando de uma hepatite crônica! E diz que o partido é de centro-esquerda. Só se for de centro espírita. Até morto eles filiaram. Rarará!
E a Marinárvore? A tartaruga sem casco? E um amigo me disse que o partido da Marina é "um PSD que não come carne!" Rarará!
A Marina tem que chamar os gremlins. Só assim alcança as assinaturas necessárias! Ela pega um gremlin, joga um copo d'água, ele se multiplica e funda um partido. O Partido dos Gremlins! Rarará! E a Rede da Marina tá com gancho enferrujado! Nhenc, nhenc, nhenc! E por que a Marina tá sempre com cara de mártir?
Falando em mártir, e o Timão? Continuam zoando o Timão. As últimas do Timão! Ops, Timão vira ULTIMÃO! Rarará!
E um leitor me enviou essa charada: "O que é o que é: começou com um selinho numa casa francesa e terminou de quatro pra Portuguesa!". Rarará!
E como diz o site FuteboldaDepressão: "Na Síria tá tudo em paz, a coisa tá feia mesmo é no Corinthians!". E adorei que o Itaquerão foi feito com entulho do Palmeiras. Entulhão! "Moço, onde eu posso jogar esse entulho?". "No Itaquerão!" Rarará. É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é lúdico! Olha essa placa numa lanchonete no Méier: "Sugestão do dia: frango assado, COIXA E SOBRECOIXA!". Adorei, achei mais chique: coixa e sobrecoixa. Por exemplo, o Corinthians levou nas coixas! Rarará! E essa placa em Santana na Bahia: "Fazemos manutenção de MEGA-RÉ!". Ueba!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Os primeiros enigmas - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 02/10
Já chegaram à redação os primeiros votos para a eleição dos vencedores da segunda edição do Troféu Zum de Besouro. Como todo mundo sabe, o Zum de Besouro premia, sem muita constância, os versos mais enigmáticos da música brasileira. E, nesta primeira fornada de votos, é importante que se repare uma injustiça. A maioria dos leitores se surpreendeu ao saber que a obra de Luiz Melodia não estava entre os mais votados da primeira edição. Como diz o leitor Pedro Jorge Caldas Pereira: “Pode escolher qualquer verso de ‘Fadas’.”
Fico com o primeiro:
“Devo de ir... fadas/ Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi... nada/ Ou fada borboleta ou fada canção
As ilusões... fartas/ Fada com varinha virei condão.”
Nunca entendi uma só palavra desta canção. Mas esse negócio de “fada com varinha virei condão” sempre me cheirou a algum apelo sexual.
Mas a mais lembrada é “Juventude transviada” com seu início inesquecível: “Lava roupa todo dia, que agonia!,/ na quebrada da soleira, que chovia/ Até sonhar de madrugada/ Uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve vacilar.”
Sempre vi algo de feminista na canção. Afinal, “uma mulher não deve vacilar”. Mas o mais difícil sempre foi tentar entender como é que uma quebrada da soleira pode chover. Ou não?
Nesta primeira contagem de votos do Zum de Besouro, vamos abrir um espaço para a dupla Fernando Brant e Toninho Horta, autores de “Durango Kid”: “Propriamente eu sou/ Durango Kid/ Eu vim trazer, eu vim mostrar/ Novo jornal, novo sorriso...”
Põe enigmático nisso.
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O Twitter está em chamas. Estreou, na última segunda-feira, no Canal Viva, a reprise de “Água viva”, novela de Gilberto Braga que marcou época. Produzida em 1980, “Água viva” é a novela mais antiga da série de reprises do Viva. Na época, foi um estouro. Substituindo uma atração não muito bem sucedida, “Os gigantes”, de Lauro Cesar Muniz, “Água viva” deu certo desde o primeiro capítulo. Até hoje, alguns de seus personagens são lembrados com nome e sobrenome, como se fizessem parte do passado dos espectadores. Miguel Fragonard, Stella Simpson, Lurdes Mesquita...
Quem viu o primeiro capítulo exibido há dois dias já percebeu que a novela tem muitos elementos para alimentar a nostalgia da audiência. Uma sequência inteira foi gravada no Trem de Prata, que fazia a ligação entre Rio e São Paulo, com cenas no vagão-restaurante e numa cabine com cama beliche. Muito deste primeiro capítulo também foi dedicado a cenas de pesca em alto mar, esporte a que o galã (Reginaldo Faria como Nelson Fragonard) se dedica, mas todo mundo sabe que o esporte que a novela divulgou mesmo foi o windsurf, na época, uma novidade. E ainda vem aí Lucélia Santos na pele de Janete, a canequete, que era como eram chamadas as fotógrafas que registravam instantâneos do público no Canecão.
Outra surpresa foi ver nos créditos de abertura o nome de Claudio Cavalcanti. Eu não me lembrava de sua participação. Ele faz o genro de Lurdes Mesquita (Beatriz Segall), eterno alvo da sogra-vilã. Claudio era um nome meio esquecido pela televisão ultimamente. Andou fazendo novelas na Record e no SBT, mas há muito tempo não ganhava um papel de destaque. Pois agora, depois de morto, estreia na série “Sessão de terapia” e volta ao ar com “Água viva”. Até parece que uma segunda carreira se anunciava para ele. Mas chegou tarde demais.
O limite do humor é um tema sempre em discussão. Seja qual for, um pouco dele foi ultrapassado com a estreia, na semana passada, na TV americana, do “The Michael J. Fox Show”. Como todo mundo sabe, Fox sofre do Mal de Parkinson e há alguns anos está afastado do trabalho de ator. Este programa é sua volta à programação semanal da televisão. No show, ele interpreta um âncora famoso de um telejornal, que afastou-se há alguns anos do trabalho por sofrer... do Mal de Parkinson. É uma comédia. E quase todas as piadas são centradas na doença do ator/personagem. Na série, o protagonista é convencido pela família a voltar ao trabalho pois ninguém aguenta mais conviver com ele dentro de casa. Fox enfrenta seus medos e retorna ao telejornal. Melhor de tudo: o programa é engraçado, e Fox está dando um banho. Não há Parkinson capaz de fazer tremer o seu carisma.
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Recebi muitos e-mails reclamando do suposto spoiler (quando é que a gente começou a chamar desmancha-prazer de spoiler?) que deixei aqui, há duas colunas, quando comentei a morte do personagem Matthew em “Downton Abbey”. Bem, quando a terceira temporada da série estreou no Reino Unido, o ator Dan Stevens deu entrevista para todos os jornais britânicos dizendo que estava deixando o programa. Imediatamente, os produtores da série anunciaram que o personagem morreria. Sobrou como surpresa para o espectador apenas a maneira como Matthew sairia de cena. E esta surpresa, eu mantive. Essa obsessão por não revelar spoilers (olha ele aí de novo) ainda vai fazer com que leitores achem um absurdo a gente comentar quem é o assassino de “Psicose”.
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Ao ver manifestantes vaiando os artistas que chegavam ao Cine Odeon para participar da abertura do Festival do Rio, pouco depois de vaiarem e xingarem os espectadores que, não longe dali, formavam fila para comprar ingressos para o show do Teatro Rival, faço minhas velhas palavras de Caetano: “E é essa a juventude que quer tomar o poder?” Caetano sempre atual.
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Visto entre os cartazes de uma manifestação do movimento dos professores: “Greve até o fim do capitalismo”. Não sei não, mas acho que vai demorar.
Já chegaram à redação os primeiros votos para a eleição dos vencedores da segunda edição do Troféu Zum de Besouro. Como todo mundo sabe, o Zum de Besouro premia, sem muita constância, os versos mais enigmáticos da música brasileira. E, nesta primeira fornada de votos, é importante que se repare uma injustiça. A maioria dos leitores se surpreendeu ao saber que a obra de Luiz Melodia não estava entre os mais votados da primeira edição. Como diz o leitor Pedro Jorge Caldas Pereira: “Pode escolher qualquer verso de ‘Fadas’.”
Fico com o primeiro:
“Devo de ir... fadas/ Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi... nada/ Ou fada borboleta ou fada canção
As ilusões... fartas/ Fada com varinha virei condão.”
Nunca entendi uma só palavra desta canção. Mas esse negócio de “fada com varinha virei condão” sempre me cheirou a algum apelo sexual.
Mas a mais lembrada é “Juventude transviada” com seu início inesquecível: “Lava roupa todo dia, que agonia!,/ na quebrada da soleira, que chovia/ Até sonhar de madrugada/ Uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve vacilar.”
Sempre vi algo de feminista na canção. Afinal, “uma mulher não deve vacilar”. Mas o mais difícil sempre foi tentar entender como é que uma quebrada da soleira pode chover. Ou não?
Nesta primeira contagem de votos do Zum de Besouro, vamos abrir um espaço para a dupla Fernando Brant e Toninho Horta, autores de “Durango Kid”: “Propriamente eu sou/ Durango Kid/ Eu vim trazer, eu vim mostrar/ Novo jornal, novo sorriso...”
Põe enigmático nisso.
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O Twitter está em chamas. Estreou, na última segunda-feira, no Canal Viva, a reprise de “Água viva”, novela de Gilberto Braga que marcou época. Produzida em 1980, “Água viva” é a novela mais antiga da série de reprises do Viva. Na época, foi um estouro. Substituindo uma atração não muito bem sucedida, “Os gigantes”, de Lauro Cesar Muniz, “Água viva” deu certo desde o primeiro capítulo. Até hoje, alguns de seus personagens são lembrados com nome e sobrenome, como se fizessem parte do passado dos espectadores. Miguel Fragonard, Stella Simpson, Lurdes Mesquita...
Quem viu o primeiro capítulo exibido há dois dias já percebeu que a novela tem muitos elementos para alimentar a nostalgia da audiência. Uma sequência inteira foi gravada no Trem de Prata, que fazia a ligação entre Rio e São Paulo, com cenas no vagão-restaurante e numa cabine com cama beliche. Muito deste primeiro capítulo também foi dedicado a cenas de pesca em alto mar, esporte a que o galã (Reginaldo Faria como Nelson Fragonard) se dedica, mas todo mundo sabe que o esporte que a novela divulgou mesmo foi o windsurf, na época, uma novidade. E ainda vem aí Lucélia Santos na pele de Janete, a canequete, que era como eram chamadas as fotógrafas que registravam instantâneos do público no Canecão.
Outra surpresa foi ver nos créditos de abertura o nome de Claudio Cavalcanti. Eu não me lembrava de sua participação. Ele faz o genro de Lurdes Mesquita (Beatriz Segall), eterno alvo da sogra-vilã. Claudio era um nome meio esquecido pela televisão ultimamente. Andou fazendo novelas na Record e no SBT, mas há muito tempo não ganhava um papel de destaque. Pois agora, depois de morto, estreia na série “Sessão de terapia” e volta ao ar com “Água viva”. Até parece que uma segunda carreira se anunciava para ele. Mas chegou tarde demais.
O limite do humor é um tema sempre em discussão. Seja qual for, um pouco dele foi ultrapassado com a estreia, na semana passada, na TV americana, do “The Michael J. Fox Show”. Como todo mundo sabe, Fox sofre do Mal de Parkinson e há alguns anos está afastado do trabalho de ator. Este programa é sua volta à programação semanal da televisão. No show, ele interpreta um âncora famoso de um telejornal, que afastou-se há alguns anos do trabalho por sofrer... do Mal de Parkinson. É uma comédia. E quase todas as piadas são centradas na doença do ator/personagem. Na série, o protagonista é convencido pela família a voltar ao trabalho pois ninguém aguenta mais conviver com ele dentro de casa. Fox enfrenta seus medos e retorna ao telejornal. Melhor de tudo: o programa é engraçado, e Fox está dando um banho. Não há Parkinson capaz de fazer tremer o seu carisma.
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Recebi muitos e-mails reclamando do suposto spoiler (quando é que a gente começou a chamar desmancha-prazer de spoiler?) que deixei aqui, há duas colunas, quando comentei a morte do personagem Matthew em “Downton Abbey”. Bem, quando a terceira temporada da série estreou no Reino Unido, o ator Dan Stevens deu entrevista para todos os jornais britânicos dizendo que estava deixando o programa. Imediatamente, os produtores da série anunciaram que o personagem morreria. Sobrou como surpresa para o espectador apenas a maneira como Matthew sairia de cena. E esta surpresa, eu mantive. Essa obsessão por não revelar spoilers (olha ele aí de novo) ainda vai fazer com que leitores achem um absurdo a gente comentar quem é o assassino de “Psicose”.
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Ao ver manifestantes vaiando os artistas que chegavam ao Cine Odeon para participar da abertura do Festival do Rio, pouco depois de vaiarem e xingarem os espectadores que, não longe dali, formavam fila para comprar ingressos para o show do Teatro Rival, faço minhas velhas palavras de Caetano: “E é essa a juventude que quer tomar o poder?” Caetano sempre atual.
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Visto entre os cartazes de uma manifestação do movimento dos professores: “Greve até o fim do capitalismo”. Não sei não, mas acho que vai demorar.
A psicologia da infraestrutura - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 02/10
Confiança tem sido um insumo escasso na economia nacional, admitiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante seminário em São Paulo. Talvez ele tenha reconhecido mais do que pretendia ao acrescentar: essa confiança está em recuperação e o pessimismo será revertido mais velozmente com o sucesso das concessões no setor de infraestrutura.
Segundo a avaliação ministerial, esse tipo de licitação, no Brasil, tem hoje, portanto, dupla função. A primeira é observada em países com padrões mais saudáveis de gestão pública: facilitar investimentos em logística e energia, para tornar a economia mais eficiente e permitir um crescimento equilibrado. A segunda tem sentido na atual paisagem brasileira: restabelecer a boa disposição dos consumidores e, principalmente, dos empresários industriais, depois de uma longa estagnação e de sérios tropeços na política de investimentos.
Como principal atração do 10.º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o ministro da Fazenda anunciou nada menos que um "novo ciclo de desenvolvimento" nos anos de 2013 a 2022. No fim desse período o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante deverá ter aumentado 40%, em termos reais, segundo o panorama apresentado.
Para isso, o PIB terá de crescer em média 4% ao ano, mas o investimento em capital fixo, isto é, em máquinas, equipamentos, obras civis e infraestrutura, deverá aumentar à taxa anual média de 7%. Não há muito mistério nesses números. Com a combinação apresentada, o investimento corresponderá, em 2022, a 24% do PIB, proporção verificada nos anos 70 e adotada há algum tempo como objetivo pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
Quanto à expansão econômica de 4%, pode parecer modesta, quando comparada com o desempenho de outros países emergentes. Mas o pessoal do Ministério da Fazenda parece ter levado em conta, em suas projeções, as sérias limitações atuais da economia brasileira. Muitos economistas estimam um potencial de crescimento bem abaixo da média apresentada pelo ministro. Mas isso deverá mudar, dentro de alguns anos, com mais investimentos públicos e privados e ganhos de produtividade e inovação.
O ministro chegou a mencionar, em sua apresentação, o investimento em capital humano. Só falta decidir como essas condições serão preenchidas. Nos últimos dez anos a administração petista menosprezou quase todas as políticas necessárias à elevação da eficiência da economia nacional. Na maior parte dos casos, seguiu o caminho oposto. Exemplo: deu prioridade à ampliação do número de universitários, por meio de políticas obviamente populistas, quando as maiores e mais danosas deficiências estavam na educação fundamental e no ensino médio. A escassez de mão de obra para a indústria é uma das muitas provas desse erro, assim como a permanência de uma enorme taxa - 18,5% em 2012 - de analfabetos funcionais na população com idade igual ou superior a 15 anos.
A taxa de investimento continua baixíssima. Na melhor hipótese, poderá superar ligeiramente 19% do PIB neste ano. As primeiras licitações de infraestrutura, um ano depois de lançado o plano de logística, foram, para dizer o mínimo, decepcionantes. O ministro da Fazenda prometeu boas condições de rentabilidade, nas próximas ofertas de concessões, mas isso ainda será conferido. Na semana passada, depois da reunião com investidores potenciais em Nova York, nenhum empresário manifestou grande entusiasmo e muitos manifestaram dúvidas.
Técnicos e ministros andaram revendo os critérios das concessões, em mais uma tentativa de falar a língua dos investidores privados. Muito tempo já foi perdido e o governo gastou quase três anos com resultados abaixo de pífios.
Velhos preconceitos petistas, somados a muita teimosia, explicam a maior parte dos fracassos. Irrealismo e voluntarismo têm dificultado o entendimento do governo com o setor privado. Mas têm atrapalhado igualmente a articulação com as estatais. O problema dos preços dos combustíveis, importantíssimo para a Petrobrás, continua sem solução. Esse é só um exemplo de uma política de insistência no erro.
Confiança tem sido um insumo escasso na economia nacional, admitiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante seminário em São Paulo. Talvez ele tenha reconhecido mais do que pretendia ao acrescentar: essa confiança está em recuperação e o pessimismo será revertido mais velozmente com o sucesso das concessões no setor de infraestrutura.
Segundo a avaliação ministerial, esse tipo de licitação, no Brasil, tem hoje, portanto, dupla função. A primeira é observada em países com padrões mais saudáveis de gestão pública: facilitar investimentos em logística e energia, para tornar a economia mais eficiente e permitir um crescimento equilibrado. A segunda tem sentido na atual paisagem brasileira: restabelecer a boa disposição dos consumidores e, principalmente, dos empresários industriais, depois de uma longa estagnação e de sérios tropeços na política de investimentos.
Como principal atração do 10.º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o ministro da Fazenda anunciou nada menos que um "novo ciclo de desenvolvimento" nos anos de 2013 a 2022. No fim desse período o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante deverá ter aumentado 40%, em termos reais, segundo o panorama apresentado.
Para isso, o PIB terá de crescer em média 4% ao ano, mas o investimento em capital fixo, isto é, em máquinas, equipamentos, obras civis e infraestrutura, deverá aumentar à taxa anual média de 7%. Não há muito mistério nesses números. Com a combinação apresentada, o investimento corresponderá, em 2022, a 24% do PIB, proporção verificada nos anos 70 e adotada há algum tempo como objetivo pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
Quanto à expansão econômica de 4%, pode parecer modesta, quando comparada com o desempenho de outros países emergentes. Mas o pessoal do Ministério da Fazenda parece ter levado em conta, em suas projeções, as sérias limitações atuais da economia brasileira. Muitos economistas estimam um potencial de crescimento bem abaixo da média apresentada pelo ministro. Mas isso deverá mudar, dentro de alguns anos, com mais investimentos públicos e privados e ganhos de produtividade e inovação.
O ministro chegou a mencionar, em sua apresentação, o investimento em capital humano. Só falta decidir como essas condições serão preenchidas. Nos últimos dez anos a administração petista menosprezou quase todas as políticas necessárias à elevação da eficiência da economia nacional. Na maior parte dos casos, seguiu o caminho oposto. Exemplo: deu prioridade à ampliação do número de universitários, por meio de políticas obviamente populistas, quando as maiores e mais danosas deficiências estavam na educação fundamental e no ensino médio. A escassez de mão de obra para a indústria é uma das muitas provas desse erro, assim como a permanência de uma enorme taxa - 18,5% em 2012 - de analfabetos funcionais na população com idade igual ou superior a 15 anos.
A taxa de investimento continua baixíssima. Na melhor hipótese, poderá superar ligeiramente 19% do PIB neste ano. As primeiras licitações de infraestrutura, um ano depois de lançado o plano de logística, foram, para dizer o mínimo, decepcionantes. O ministro da Fazenda prometeu boas condições de rentabilidade, nas próximas ofertas de concessões, mas isso ainda será conferido. Na semana passada, depois da reunião com investidores potenciais em Nova York, nenhum empresário manifestou grande entusiasmo e muitos manifestaram dúvidas.
Técnicos e ministros andaram revendo os critérios das concessões, em mais uma tentativa de falar a língua dos investidores privados. Muito tempo já foi perdido e o governo gastou quase três anos com resultados abaixo de pífios.
Velhos preconceitos petistas, somados a muita teimosia, explicam a maior parte dos fracassos. Irrealismo e voluntarismo têm dificultado o entendimento do governo com o setor privado. Mas têm atrapalhado igualmente a articulação com as estatais. O problema dos preços dos combustíveis, importantíssimo para a Petrobrás, continua sem solução. Esse é só um exemplo de uma política de insistência no erro.
Os pingos nos is - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 02/10
Os protestos continuam sendo feitos no Rio, depois de terem cessado no resto do país. Agora, há faixas que dizem “Fora Cabral e Pezão!”. Candidato ao governo, o vice Pezão detona: “O povo saiu da rua, só ficou o pessoal da política”. Ele está convencido de que seus adversários embalam os protestos. Ele não cita Garotinho, Lindbergh e Freixo, mas diz que “tem de tudo” nesse “caldeirão”.
Exaltação, torcida e desdém
Empolgado com a filiação de Josué Gomes da Silva ao PMDB, o ex-presidente Lula proclamou no Jaburu: "Duvido que no mundo todo alguém tenha tido um vice da qualidade que eu tive", Falava de José Alencar, pai de Josué. Mas os tucanos fizeram pouco caso. Um eles, copa e cozinha de Aécio Neves, prevê que Josué não agrega nada à candidatura de Fernando Pimentel (PT). Diz que ele mora em São Paulo e sentencia: “o carisma de Alencar não se transfere por patrimônio genético”. Os tucanos torcem para que Josué, ao invés de agregar, amplie a disputa entre o deputado Leonardo Quintão, o senador Clésio Andrade e o ministro Antonio Andrade.
A Operação Saqueador só alcançou estes resultados porque decidimos, na CPI do Cachoeira , mandar todos os documentos para a PF e o Ministério Público”
Miro Teixeira
Deputado (PDT-RJ) e ex-integrante da CPI do Cachoeira
As pedras no tabuleiro
O fundador do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, e cerca de 20 deputados, estiveram ontem com a ministra Ideli Salvatti no Planalto. Muitos governistas se filiaram ao partido e não querem nem ouvir falar de apoiar a oposição em 2014.
Bola cheia
O ex-presidente Lula vai receber a medalha da Suprema Distinção da Câmara dos Deputados. Ele foi informado, pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que receberá a honraria no próximo dia 29. A medalha só foi dada antes ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando Aécio Neves presidia a Câmara.
Vacina
Depois que o presidenciável Aécio Neves foi para a TV criticar a falta de silos para estocagem de grãos, o governo colocou no ar em horário nobre comercial vendendo linha de crédito do Banco do Brasil para construção de silos e armazéns.
De volta ao passado
O ex-ministro Nelson Jobim (Justiça) foi à Câmara ontem debater a tramitação das Medidas Provisórias e acabou dando uma sugestão que agradou os deputados: devolver a tramitação das MPs para o Congresso, destravando as pautas de votação da Câmara e do Senado. O atual sistema, que está sendo alvo de queixas e dor de cabeça, foi aprovado no início desta Legislatura.
Água mole em pedra dura
Na noite de segunda-feira, o presidente do PSB, Eduardo Campos, e ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins (PT) conversaram sobre mudança de partido. O encontro, num hotel de São Paulo, ocorreu depois de Luizianne se reunir com o PT.
Pé no freio
A despeito das especulações sobre a sucessão em Alagoas, o governador Teotônio Vilela (PSDB) avisa: “Só vou conversar sobre minha eventual candidatura ao Senado e sobre quem terá meu apoio para o governo estadual em 2014”.
A presidente Dilma não vai tratar com o PMDB só do nome do próximo ministro da Integração, mas também de mudanças na direção do DNOCS.
Os protestos continuam sendo feitos no Rio, depois de terem cessado no resto do país. Agora, há faixas que dizem “Fora Cabral e Pezão!”. Candidato ao governo, o vice Pezão detona: “O povo saiu da rua, só ficou o pessoal da política”. Ele está convencido de que seus adversários embalam os protestos. Ele não cita Garotinho, Lindbergh e Freixo, mas diz que “tem de tudo” nesse “caldeirão”.
Exaltação, torcida e desdém
Empolgado com a filiação de Josué Gomes da Silva ao PMDB, o ex-presidente Lula proclamou no Jaburu: "Duvido que no mundo todo alguém tenha tido um vice da qualidade que eu tive", Falava de José Alencar, pai de Josué. Mas os tucanos fizeram pouco caso. Um eles, copa e cozinha de Aécio Neves, prevê que Josué não agrega nada à candidatura de Fernando Pimentel (PT). Diz que ele mora em São Paulo e sentencia: “o carisma de Alencar não se transfere por patrimônio genético”. Os tucanos torcem para que Josué, ao invés de agregar, amplie a disputa entre o deputado Leonardo Quintão, o senador Clésio Andrade e o ministro Antonio Andrade.
A Operação Saqueador só alcançou estes resultados porque decidimos, na CPI do Cachoeira , mandar todos os documentos para a PF e o Ministério Público”
Miro Teixeira
Deputado (PDT-RJ) e ex-integrante da CPI do Cachoeira
As pedras no tabuleiro
O fundador do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, e cerca de 20 deputados, estiveram ontem com a ministra Ideli Salvatti no Planalto. Muitos governistas se filiaram ao partido e não querem nem ouvir falar de apoiar a oposição em 2014.
Bola cheia
O ex-presidente Lula vai receber a medalha da Suprema Distinção da Câmara dos Deputados. Ele foi informado, pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que receberá a honraria no próximo dia 29. A medalha só foi dada antes ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando Aécio Neves presidia a Câmara.
Vacina
Depois que o presidenciável Aécio Neves foi para a TV criticar a falta de silos para estocagem de grãos, o governo colocou no ar em horário nobre comercial vendendo linha de crédito do Banco do Brasil para construção de silos e armazéns.
De volta ao passado
O ex-ministro Nelson Jobim (Justiça) foi à Câmara ontem debater a tramitação das Medidas Provisórias e acabou dando uma sugestão que agradou os deputados: devolver a tramitação das MPs para o Congresso, destravando as pautas de votação da Câmara e do Senado. O atual sistema, que está sendo alvo de queixas e dor de cabeça, foi aprovado no início desta Legislatura.
Água mole em pedra dura
Na noite de segunda-feira, o presidente do PSB, Eduardo Campos, e ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins (PT) conversaram sobre mudança de partido. O encontro, num hotel de São Paulo, ocorreu depois de Luizianne se reunir com o PT.
Pé no freio
A despeito das especulações sobre a sucessão em Alagoas, o governador Teotônio Vilela (PSDB) avisa: “Só vou conversar sobre minha eventual candidatura ao Senado e sobre quem terá meu apoio para o governo estadual em 2014”.
A presidente Dilma não vai tratar com o PMDB só do nome do próximo ministro da Integração, mas também de mudanças na direção do DNOCS.
Acordo pré-nupcial - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 02/03
Nas várias e longas conversas anteriores à decisão de José Serra de permanecer no PSDB, ele e o presidente do partido, Aécio Neves, fizeram um acordo de convivência "salutar". Aécio não vai minar a pretensão de Serra de discutir suas ideias e viajar pelo país como pré-candidato à Presidência. Os serristas, por seu turno, não devem fazer coro por prévias para a escolha do candidato. Ficou acertado que a definição se dará até março de 2014, preferencialmente de forma consensual.
Café Serra se encontrou ontem, em São Paulo, com Eduardo Campos (PSB). Analisaram o quadro eleitoral a partir da decisão do tucano de não mudar de partido e da dúvida sobre a criação da Rede de Marina Silva.
DDI Fernando Henrique Cardoso foi informado, na Suíça, sobre a decisão de Serra. Dias antes de viajar, o ex-presidente conversou com o ex-governador paulista.
Sem pai... Com a desistência de Serra, dirigentes do PPS e aliados de Marina concordam que o partido "perdeu o timing" para tentar atrair a ex-senadora, caso a Rede não obtenha registro.
... nem mãe De um lado, marineiros torcem o nariz para a gestão de Roberto Freire na sigla. Já dirigentes da ala histórica do PPS têm resistência a posições consideradas conservadoras de Marina.
Tamos aí Nos spots de TV que exibe a partir de hoje, o PPS-SP mostra a expansão do Poupatempo, sob seu guarda-chuva no governo, num sinal de que apoiará a reeleição de Geraldo Alckmin.
Cestas O senador Armando Monteiro (PTB-PE), virtual candidato ao governo contra o grupo de Eduardo Campos, tirou dois deputados federais do próprio partido e os alocou no PSC: Silvio Costa e José Augusto Maia.
Gol contra A jogada de Monteiro lhe dá mais um partido para a aliança, mas fragiliza a bancada nacional do PTB, que viu na manobra um dedo do Palácio do Planalto.
Olha eu Carlos Lupi (PDT) discutiu ontem com Fernando Haddad (PT) parceria na capital paulista. Hoje, os pedetistas não participam da administração municipal e não têm vereadores na Câmara.
Esqueceram de nós Em reunião no Palácio do Jaburu, peemedebistas que esperavam ocupar o Ministério da Integração se queixaram com o vice-presidente, Michel Temer. Segundo relatos de dois parlamentares, Lula, que estava presente, opinou que eles precisavam "provocar" Dilma sobre o assunto.
Estocada O interino da pasta, Francisco Teixeira, é ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes, que deixou o PSB após desavenças com Eduardo Campos.
Enfim, sós Henrique Alves (PMDB-RN) abriu mão de acompanhar a visita de Dilma ao Rio Grande do Norte e embarca hoje para lua de mel na Itália. Ele se casou com Laurita Arruda na sexta-feira.
RT O porta-voz da Presidência, Thomas Traumann, conversou com executivos do Twitter antes de Dilma reativar sua conta e lembrou que Hillary Clinton também estreou na rede social dialogando com seu perfil fake.
Selado Os Correios formalizaram ontem a adesão ao Vale-Cultura. Dilma e Marta Suplicy (Cultura) farão um evento, previsto para dia 15, quando a presidente entregará a um carteiro o primeiro cartão com o benefício.
Micro O Orçamento de 2014 da Prefeitura de São Paulo vai apresentar, pela primeira vez, listas de investimentos previstos para cada subprefeitura, antiga demanda de líderes dos bairros.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"Josué deveria se filiar ao PMDB paulista. O pai era mineiro da gema, mas ele é vice da Fiesp, mora e tem negócios em São Paulo."
DO DEPUTADO MARCUS PESTANA, presidente do PSDB-MG, sobre a ida de Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar, para o PMDB mineiro.
contraponto
Economia de palavras
Nas décadas de 60 e 70, quando foi prefeito de Salvador e senador pela Bahia, Heitor Dias (UDN e Arena) guardava um discurso na ponta da língua para responder aos pedidos de dinheiro que eram feitos por seus eleitores --prática comum à época.
Ao ser abordado nas ruas da capital baiana ou em Brasília, Dias, que chamava seus interlocutores de "parentes" costumava responder:
--Parente, eu tenho 14 motivos para não emprestar dinheiro para você. O primeiro deles é porque eu não tenho. E acho desnecessário explicar os outros 13!
Nas várias e longas conversas anteriores à decisão de José Serra de permanecer no PSDB, ele e o presidente do partido, Aécio Neves, fizeram um acordo de convivência "salutar". Aécio não vai minar a pretensão de Serra de discutir suas ideias e viajar pelo país como pré-candidato à Presidência. Os serristas, por seu turno, não devem fazer coro por prévias para a escolha do candidato. Ficou acertado que a definição se dará até março de 2014, preferencialmente de forma consensual.
Café Serra se encontrou ontem, em São Paulo, com Eduardo Campos (PSB). Analisaram o quadro eleitoral a partir da decisão do tucano de não mudar de partido e da dúvida sobre a criação da Rede de Marina Silva.
DDI Fernando Henrique Cardoso foi informado, na Suíça, sobre a decisão de Serra. Dias antes de viajar, o ex-presidente conversou com o ex-governador paulista.
Sem pai... Com a desistência de Serra, dirigentes do PPS e aliados de Marina concordam que o partido "perdeu o timing" para tentar atrair a ex-senadora, caso a Rede não obtenha registro.
... nem mãe De um lado, marineiros torcem o nariz para a gestão de Roberto Freire na sigla. Já dirigentes da ala histórica do PPS têm resistência a posições consideradas conservadoras de Marina.
Tamos aí Nos spots de TV que exibe a partir de hoje, o PPS-SP mostra a expansão do Poupatempo, sob seu guarda-chuva no governo, num sinal de que apoiará a reeleição de Geraldo Alckmin.
Cestas O senador Armando Monteiro (PTB-PE), virtual candidato ao governo contra o grupo de Eduardo Campos, tirou dois deputados federais do próprio partido e os alocou no PSC: Silvio Costa e José Augusto Maia.
Gol contra A jogada de Monteiro lhe dá mais um partido para a aliança, mas fragiliza a bancada nacional do PTB, que viu na manobra um dedo do Palácio do Planalto.
Olha eu Carlos Lupi (PDT) discutiu ontem com Fernando Haddad (PT) parceria na capital paulista. Hoje, os pedetistas não participam da administração municipal e não têm vereadores na Câmara.
Esqueceram de nós Em reunião no Palácio do Jaburu, peemedebistas que esperavam ocupar o Ministério da Integração se queixaram com o vice-presidente, Michel Temer. Segundo relatos de dois parlamentares, Lula, que estava presente, opinou que eles precisavam "provocar" Dilma sobre o assunto.
Estocada O interino da pasta, Francisco Teixeira, é ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes, que deixou o PSB após desavenças com Eduardo Campos.
Enfim, sós Henrique Alves (PMDB-RN) abriu mão de acompanhar a visita de Dilma ao Rio Grande do Norte e embarca hoje para lua de mel na Itália. Ele se casou com Laurita Arruda na sexta-feira.
RT O porta-voz da Presidência, Thomas Traumann, conversou com executivos do Twitter antes de Dilma reativar sua conta e lembrou que Hillary Clinton também estreou na rede social dialogando com seu perfil fake.
Selado Os Correios formalizaram ontem a adesão ao Vale-Cultura. Dilma e Marta Suplicy (Cultura) farão um evento, previsto para dia 15, quando a presidente entregará a um carteiro o primeiro cartão com o benefício.
Micro O Orçamento de 2014 da Prefeitura de São Paulo vai apresentar, pela primeira vez, listas de investimentos previstos para cada subprefeitura, antiga demanda de líderes dos bairros.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"Josué deveria se filiar ao PMDB paulista. O pai era mineiro da gema, mas ele é vice da Fiesp, mora e tem negócios em São Paulo."
DO DEPUTADO MARCUS PESTANA, presidente do PSDB-MG, sobre a ida de Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar, para o PMDB mineiro.
contraponto
Economia de palavras
Nas décadas de 60 e 70, quando foi prefeito de Salvador e senador pela Bahia, Heitor Dias (UDN e Arena) guardava um discurso na ponta da língua para responder aos pedidos de dinheiro que eram feitos por seus eleitores --prática comum à época.
Ao ser abordado nas ruas da capital baiana ou em Brasília, Dias, que chamava seus interlocutores de "parentes" costumava responder:
--Parente, eu tenho 14 motivos para não emprestar dinheiro para você. O primeiro deles é porque eu não tenho. E acho desnecessário explicar os outros 13!
O fico de Serra - LUIZ CARLOS AZEDO
CORREIO BRAZILIENSE - 02/10
Ontem foi o dia do fico de José Serra, depois de muitas especulações de que deixaria o PSDB. Diga-se de passagem, alimentadas pelo próprio tucano, que chegou a estudar a hipótese de filiar-se ao PPS. O grande vitorioso com a decisão é o senador Aécio Neves (MG), que assumiu o comando da legenda e soube administrar o conflito de maneira a evitar uma ruptura com aquele que já foi a maior liderança do PSDB, depois do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Coube a Aécio Neves anunciar a decisão de Serra, que publicamente nunca assumiu o desejo de deixar o partido. “A permanência de José Serra no PSDB vai ao encontro das nossas melhores expectativas. No PSDB, que é a casa do Serra, haverá sempre enorme espaço para que ele possa nos ajudar naquele que é o nosso grande objetivo: colocar fim a esse ciclo de governo do PT que tão mal vem fazendo hoje ao Brasil”, disse em entrevista coletiva.
Segundo Aécio, Serra não “colocou nenhuma condicionante para ficar no PSDB”. Com controle absoluto da legenda, o senador disse que sua candidatura a presidente da República não é fato consumado, mas descartou a realização de prévias. Isso significa que está tudo acertado entre os dois? Ainda não, Serra não disse o que pretende fazer na eleição. Provavelmente, será candidato ao Senado por São Paulo. Aécio demonstrou tolerância e capacidade de agregação no contencioso com Serra. São características importantes para quem deseja ser presidente.
Exocet// O drama de Marina Silva só se agrava. O vice-procurador eleitoral Eugênio Aragão encaminhou parecer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a concessão de registro a Rede Sustentabilidade, fundada pela ex-senadora. Marina avalia que a Justiça Eleitoral rejeitará o parecer, na próxima quinta-feira, e registrará o partido.
Filiações
A Rede Sustentabilidade não obteve o número mínimo necessário de apoiamentos de 492 mil assinaturas para obtenção do registro. O vice-procurador eleitoral considerou válidas apenas 442.500 assinaturas.
Índios/ Temeroso de mais confusão com os índios, que ameaçavam invadir novamente o plenário, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), retirou de pauta a emenda constitucional que altera os critérios para demarcação de terras indígenas. Conflitos entre índios e produtores rurais se agravaram por causa das demarcações.
Mais cargos/ A Câmara aprovou ontem a criação de 518 funções comissionadas no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes. O texto extingue outras funções no órgão, principalmente, as comissionadas técnicas (FCT). A matéria vai ao Senado.
Riscos
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse ontem que o governo acompanha a situação da petroleira OGX, do empresário Eike Batista, que poderá entrar com pedido de falência, mas não acredita que isso represente risco para a imagem do Brasil. A OGX deu um calote nos credores de US$ 45 milhões. São dívidas emitidas no exterior. O governo não colocará mais dinheiro no grupo.
Médicos
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou ontem proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que obriga os graduados em Medicina, cujos diplomas foram custeados com recursos públicos, tanto em instituições públicas quanto privadas, a realizarem um período de dois anos de “exercício social” da profissão no Sistema Único de Saúde (SUS), imediatamente após a conclusão do curso.
Rapidez
Ao participar de audiência pública na comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da tramitação das medidas provisórias (MPs), o jurista Nelson Jobim defendeu a apreciação das MPs em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Atualmente, elas são analisadas pelas duas Casas separadamente. “É muito mais rápido”, avalia.
Matraca
Entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, o governador do Ceará, Cid Gomes (foto), mais uma vez empunhou sua metralhadora giratória. Além de espinafrar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), por se candidatar a presidente da República, também disparou contra o programa Mais Médicos do governo federal: “é oportunismo político rasteiro”. Cid e seu irmão, o ex-ministro Ciro Gomes, devem se filiar ao Pros ou ao PDT.
Puxador
O ex-senador Heráclito Fortes (foto), do Piauí, comunicou ao presidente do DEM, senador José Agripino (RN), que está deixando a legenda. Aceitou o convite do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para ser o puxador de votos da chapa do PSB à Câmara Federal. Heráclito era um dos caciques da sigla.
Coube a Aécio Neves anunciar a decisão de Serra, que publicamente nunca assumiu o desejo de deixar o partido. “A permanência de José Serra no PSDB vai ao encontro das nossas melhores expectativas. No PSDB, que é a casa do Serra, haverá sempre enorme espaço para que ele possa nos ajudar naquele que é o nosso grande objetivo: colocar fim a esse ciclo de governo do PT que tão mal vem fazendo hoje ao Brasil”, disse em entrevista coletiva.
Segundo Aécio, Serra não “colocou nenhuma condicionante para ficar no PSDB”. Com controle absoluto da legenda, o senador disse que sua candidatura a presidente da República não é fato consumado, mas descartou a realização de prévias. Isso significa que está tudo acertado entre os dois? Ainda não, Serra não disse o que pretende fazer na eleição. Provavelmente, será candidato ao Senado por São Paulo. Aécio demonstrou tolerância e capacidade de agregação no contencioso com Serra. São características importantes para quem deseja ser presidente.
Exocet// O drama de Marina Silva só se agrava. O vice-procurador eleitoral Eugênio Aragão encaminhou parecer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a concessão de registro a Rede Sustentabilidade, fundada pela ex-senadora. Marina avalia que a Justiça Eleitoral rejeitará o parecer, na próxima quinta-feira, e registrará o partido.
Filiações
A Rede Sustentabilidade não obteve o número mínimo necessário de apoiamentos de 492 mil assinaturas para obtenção do registro. O vice-procurador eleitoral considerou válidas apenas 442.500 assinaturas.
Índios/ Temeroso de mais confusão com os índios, que ameaçavam invadir novamente o plenário, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), retirou de pauta a emenda constitucional que altera os critérios para demarcação de terras indígenas. Conflitos entre índios e produtores rurais se agravaram por causa das demarcações.
Mais cargos/ A Câmara aprovou ontem a criação de 518 funções comissionadas no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes. O texto extingue outras funções no órgão, principalmente, as comissionadas técnicas (FCT). A matéria vai ao Senado.
Riscos
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse ontem que o governo acompanha a situação da petroleira OGX, do empresário Eike Batista, que poderá entrar com pedido de falência, mas não acredita que isso represente risco para a imagem do Brasil. A OGX deu um calote nos credores de US$ 45 milhões. São dívidas emitidas no exterior. O governo não colocará mais dinheiro no grupo.
Médicos
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou ontem proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que obriga os graduados em Medicina, cujos diplomas foram custeados com recursos públicos, tanto em instituições públicas quanto privadas, a realizarem um período de dois anos de “exercício social” da profissão no Sistema Único de Saúde (SUS), imediatamente após a conclusão do curso.
Rapidez
Ao participar de audiência pública na comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da tramitação das medidas provisórias (MPs), o jurista Nelson Jobim defendeu a apreciação das MPs em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Atualmente, elas são analisadas pelas duas Casas separadamente. “É muito mais rápido”, avalia.
Matraca
Entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, o governador do Ceará, Cid Gomes (foto), mais uma vez empunhou sua metralhadora giratória. Além de espinafrar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), por se candidatar a presidente da República, também disparou contra o programa Mais Médicos do governo federal: “é oportunismo político rasteiro”. Cid e seu irmão, o ex-ministro Ciro Gomes, devem se filiar ao Pros ou ao PDT.
Puxador
O ex-senador Heráclito Fortes (foto), do Piauí, comunicou ao presidente do DEM, senador José Agripino (RN), que está deixando a legenda. Aceitou o convite do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para ser o puxador de votos da chapa do PSB à Câmara Federal. Heráclito era um dos caciques da sigla.
Os frutos do descaso - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 02/10
Crescimento mais rápido da economia de 2003 a 2010 não poderia ser mantido sem causar desequilíbrios
Deu muito o que falar a mais recente capa da "Economist": depois da famosa foto do Cristo Redentor decolando como um foguete, símbolo de um país que parecia finalmente se reencontrar com o crescimento, agora se vê um projétil sem rumo, mais uma oportunidade perdida. Fã que sou da revista, desta vez vou discordar dela, embora não da mesma forma que o governo brasileiro, cuja incapacidade para entender críticas atinge níveis lendários.
Não creio que o Brasil estivesse de fato decolando naquele momento; na verdade, nosso pífio desempenho nos últimos anos é um reencontro, mas com a dura realidade: o crescimento brasileiro, ainda que visivelmente mais rápido entre 2003 e 2010, nunca foi sustentável, no preciso sentido de poder ser mantido indefinidamente sem causar desequilíbrios, tanto internos quanto externos.
De fato, ao decompor a expansão do PIB entre o aumento do emprego e a elevação do produto por trabalhador, não há como evitar uma triste conclusão: a maior parcela do nosso crescimento não resultou de fazermos mais coisas com os mesmo recursos, mas, sim, de empregarmos mais recursos para fazer as mesmas coisas.
Soa um tanto abstrato, mas alguns números podem ajudar. Entre 2003 e 2013, o PIB cresceu, em média, 3,8% ao ano; destes, 2,3% resultaram do aumento do emprego e apenas 1,4% da maior produtividade. E o que é pior: nos últimos anos a contribuição da produtividade tem sido decrescente. Mesmo se desconsiderarmos as flutuações cíclicas, menos de 30% do crescimento do PIB dos últimos três ou quatro anos advém do aumento do produto por trabalhador. Trata-se de expansão baseada na força bruta.
O esforço reformista no Brasil, que se manteve até o começo de 2006, trouxe frutos, mas estes parecem ter durado apenas até 2009, quando a contribuição do aumento da produtividade representou um impulso da ordem de 1,7% ao ano para o PIB (ante 2,4% ao ano advindos do emprego).
Já nos últimos 12 trimestres até metade de 2013, a contribuição da produtividade se reduziu para 0,9% ao ano, enquanto a do emprego caiu para 2,2% ao ano.
Não é preciso um salto de imaginação para entender os entraves a este processo. A população em idade ativa (PIA) cresce cerca de 1% ao ano, o que implica limites muito claros à continuidade de uma estratégia que se ampare principalmente no aumento do emprego para a expansão do produto. Funciona bem quando a taxa de desemprego é alta, como era no começo do século, mas não pode ser mantida indefinidamente.
Já a produtividade, com boa vontade, tem crescido de 1% a 1,5% ao ano, o que significa que nossa velocidade de cruzeiro, dada a expansão da PIA, não pode ser muito diferente de 2% a 2,5% ao ano.
O que a "Economist" entendeu como um fracasso, em face de um crescimento mais vigoroso durante alguns anos, é apenas o reconhecimento dos limites existentes ao aumento do produto.
Como tenho insistido, não é esta a percepção que prevalece no governo (o que não chega a ser surpreendente, dada sua imunidade às críticas). Pelo contrário, todo arranjo de política econômica sugere que a visão oficial acerca da desaceleração é que se trata de fenômeno passageiro, resultado da crise externa, e que pode ser combatida com aumento do gasto e do crédito.
O resultado é um descompasso crescente entre a demanda (anabolizada pelo governo) e a capacidade limitada de resposta do setor produtivo. Do lado dos produtos que não podem ser facilmente importados e exportados, isto implica pressões sobre preços, expressas na alta inflação de serviços. Já no que se refere aos produtos que podem ser comercializados, resulta em piora das contas externas, também visível nos números mais recentes.
Concluindo, nossa chance já havia sido perdida antes de 2009, quando, embalados pelo aumento extraordinário dos preços de commodities, decretamos o fim prematuro do esforço reformista. Colhemos agora os frutos deste descaso.
Crescimento mais rápido da economia de 2003 a 2010 não poderia ser mantido sem causar desequilíbrios
Deu muito o que falar a mais recente capa da "Economist": depois da famosa foto do Cristo Redentor decolando como um foguete, símbolo de um país que parecia finalmente se reencontrar com o crescimento, agora se vê um projétil sem rumo, mais uma oportunidade perdida. Fã que sou da revista, desta vez vou discordar dela, embora não da mesma forma que o governo brasileiro, cuja incapacidade para entender críticas atinge níveis lendários.
Não creio que o Brasil estivesse de fato decolando naquele momento; na verdade, nosso pífio desempenho nos últimos anos é um reencontro, mas com a dura realidade: o crescimento brasileiro, ainda que visivelmente mais rápido entre 2003 e 2010, nunca foi sustentável, no preciso sentido de poder ser mantido indefinidamente sem causar desequilíbrios, tanto internos quanto externos.
De fato, ao decompor a expansão do PIB entre o aumento do emprego e a elevação do produto por trabalhador, não há como evitar uma triste conclusão: a maior parcela do nosso crescimento não resultou de fazermos mais coisas com os mesmo recursos, mas, sim, de empregarmos mais recursos para fazer as mesmas coisas.
Soa um tanto abstrato, mas alguns números podem ajudar. Entre 2003 e 2013, o PIB cresceu, em média, 3,8% ao ano; destes, 2,3% resultaram do aumento do emprego e apenas 1,4% da maior produtividade. E o que é pior: nos últimos anos a contribuição da produtividade tem sido decrescente. Mesmo se desconsiderarmos as flutuações cíclicas, menos de 30% do crescimento do PIB dos últimos três ou quatro anos advém do aumento do produto por trabalhador. Trata-se de expansão baseada na força bruta.
O esforço reformista no Brasil, que se manteve até o começo de 2006, trouxe frutos, mas estes parecem ter durado apenas até 2009, quando a contribuição do aumento da produtividade representou um impulso da ordem de 1,7% ao ano para o PIB (ante 2,4% ao ano advindos do emprego).
Já nos últimos 12 trimestres até metade de 2013, a contribuição da produtividade se reduziu para 0,9% ao ano, enquanto a do emprego caiu para 2,2% ao ano.
Não é preciso um salto de imaginação para entender os entraves a este processo. A população em idade ativa (PIA) cresce cerca de 1% ao ano, o que implica limites muito claros à continuidade de uma estratégia que se ampare principalmente no aumento do emprego para a expansão do produto. Funciona bem quando a taxa de desemprego é alta, como era no começo do século, mas não pode ser mantida indefinidamente.
Já a produtividade, com boa vontade, tem crescido de 1% a 1,5% ao ano, o que significa que nossa velocidade de cruzeiro, dada a expansão da PIA, não pode ser muito diferente de 2% a 2,5% ao ano.
O que a "Economist" entendeu como um fracasso, em face de um crescimento mais vigoroso durante alguns anos, é apenas o reconhecimento dos limites existentes ao aumento do produto.
Como tenho insistido, não é esta a percepção que prevalece no governo (o que não chega a ser surpreendente, dada sua imunidade às críticas). Pelo contrário, todo arranjo de política econômica sugere que a visão oficial acerca da desaceleração é que se trata de fenômeno passageiro, resultado da crise externa, e que pode ser combatida com aumento do gasto e do crédito.
O resultado é um descompasso crescente entre a demanda (anabolizada pelo governo) e a capacidade limitada de resposta do setor produtivo. Do lado dos produtos que não podem ser facilmente importados e exportados, isto implica pressões sobre preços, expressas na alta inflação de serviços. Já no que se refere aos produtos que podem ser comercializados, resulta em piora das contas externas, também visível nos números mais recentes.
Concluindo, nossa chance já havia sido perdida antes de 2009, quando, embalados pelo aumento extraordinário dos preços de commodities, decretamos o fim prematuro do esforço reformista. Colhemos agora os frutos deste descaso.
Falta de clareza - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 02/10
Difícil saber o que é pior: a forte deterioração das contas públicas ou a insistência do governo (e também do Banco Central) em negá-la, apesar das evidências em contrário?
Os números oficiais divulgados segunda-feira mostram um agosto desastroso. É o pior da série histórica, reconheceu o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Tulio Maciel.
Apenas para comparar, em agosto do ano passado houve sobra (superávit primário) de R$ 3,0 bilhões. Neste ano, o rombo é de R$ 432 milhões. No acumulado dos oito primeiros meses, em 2012, o superávit foi de 3,56% do PIB; neste ano, o superávit é bem menor, de apenas 1,73% do PIB.
Não fossem receitas excepcionais com dividendos pagos por estatais, o rombo fiscal de agosto saltaria para acima de R$ 4,5 bilhões.
Esses cálculos não incluem as despesas com juros da dívida. Se incluídas, o déficit nominal de janeiro a agosto saltou para R$ 109,3 bilhões ou 49,1% acima do apresentado no mesmo período em 2012.
Quando fala em dívida, o governo prefere ater-se à dívida líquida, porque desconta as reservas que estão aplicadas em dólares. Com a alta da moeda americana no câmbio interno, o efeito em reais deixa a dívida líquida aparentemente mais baixa em relação ao PIB, em 33,8% (veja o gráfico). A dívida bruta continua muito elevada, em 59,1% do PIB, e ameaça a perda pelo Brasil do grau de investimento dos títulos públicos, o que encareceria a dívida.
Não é sincero o governo, especialmente as autoridades da Fazenda, quando afirma que não há nada de errado nas contas públicas. Como acontece com outras metas, as fiscais não são cumpridas. O governo promete uma coisa e entrega uma fração. Mas vá lá: a gente está tão acostumado com distorções desse tipo que acaba achando normal que o governo esconda coisas ou as pinte com cores luminosas.
Mas quando é o Banco Central, que tem um corpo técnico de respeito, que assume um discurso ininteligível para favorecer o governo, então, o que já não era lá confiável ganha ares suspeitos.
Depois de passar meses falando e escrevendo que as contas públicas estavam excessivamente expansionistas, o Banco Central deu de afirmar que "estão criadas as condições para que, num horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade", ou seja, deixará de produzir inflação. Em nenhum momento ficou demonstrado como o Banco Central chegou a essa conclusão. As razões pelas quais vai empurrando esse novo "acredite se quiser" também não estão claras.
O resultado das contas públicas diz o contrário. A perspectiva de um ano eleitoral, com os trens da alegria que em geral vêm junto, também. E o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, reconhece que "há muito trabalho a ser feito pela política monetária (política de juros)" para conter a inflação. Quer dizer, se a política monetária tem de forçar é porque não tem colaboração da política fiscal.
Difícil saber o que é pior: a forte deterioração das contas públicas ou a insistência do governo (e também do Banco Central) em negá-la, apesar das evidências em contrário?
Os números oficiais divulgados segunda-feira mostram um agosto desastroso. É o pior da série histórica, reconheceu o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Tulio Maciel.
Apenas para comparar, em agosto do ano passado houve sobra (superávit primário) de R$ 3,0 bilhões. Neste ano, o rombo é de R$ 432 milhões. No acumulado dos oito primeiros meses, em 2012, o superávit foi de 3,56% do PIB; neste ano, o superávit é bem menor, de apenas 1,73% do PIB.
Não fossem receitas excepcionais com dividendos pagos por estatais, o rombo fiscal de agosto saltaria para acima de R$ 4,5 bilhões.
Esses cálculos não incluem as despesas com juros da dívida. Se incluídas, o déficit nominal de janeiro a agosto saltou para R$ 109,3 bilhões ou 49,1% acima do apresentado no mesmo período em 2012.
Quando fala em dívida, o governo prefere ater-se à dívida líquida, porque desconta as reservas que estão aplicadas em dólares. Com a alta da moeda americana no câmbio interno, o efeito em reais deixa a dívida líquida aparentemente mais baixa em relação ao PIB, em 33,8% (veja o gráfico). A dívida bruta continua muito elevada, em 59,1% do PIB, e ameaça a perda pelo Brasil do grau de investimento dos títulos públicos, o que encareceria a dívida.
Não é sincero o governo, especialmente as autoridades da Fazenda, quando afirma que não há nada de errado nas contas públicas. Como acontece com outras metas, as fiscais não são cumpridas. O governo promete uma coisa e entrega uma fração. Mas vá lá: a gente está tão acostumado com distorções desse tipo que acaba achando normal que o governo esconda coisas ou as pinte com cores luminosas.
Mas quando é o Banco Central, que tem um corpo técnico de respeito, que assume um discurso ininteligível para favorecer o governo, então, o que já não era lá confiável ganha ares suspeitos.
Depois de passar meses falando e escrevendo que as contas públicas estavam excessivamente expansionistas, o Banco Central deu de afirmar que "estão criadas as condições para que, num horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade", ou seja, deixará de produzir inflação. Em nenhum momento ficou demonstrado como o Banco Central chegou a essa conclusão. As razões pelas quais vai empurrando esse novo "acredite se quiser" também não estão claras.
O resultado das contas públicas diz o contrário. A perspectiva de um ano eleitoral, com os trens da alegria que em geral vêm junto, também. E o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, reconhece que "há muito trabalho a ser feito pela política monetária (política de juros)" para conter a inflação. Quer dizer, se a política monetária tem de forçar é porque não tem colaboração da política fiscal.
Bloqueio político - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 02/10
O impasse político americano passou a ser uma fonte inesgotável de incerteza para a economia mundial. A polarização entre os dois partidos, fomentada principalmente pela ala radical do Tea Party, faz com que frequentemente o maior país do mundo fique pendurado no abismo. Ou com o risco de não conseguir rolar a dívida ou com a ameaça de paralisação das atividades do governo. Na segunda-feira, o presidente Barack Obama tentou até o último minuto romper o impasse, mas não conseguiu. Ontem, o governo fechou as portas. Os turistas encontraram museus, parques e até a Estátua da Liberdade fechados, a Nasa fechou quase inteiramente, os escritórios do governo não funcionaram. Os serviços essenciais estão sendo executados, médicos, controladores de voo, soldados trabalham, mas não receberão seus salários. E o governo é o maior empregador do país: são dois milhões de funcionários civis e 1,4 milhão de militares. Nada demoveu o Partido Republicano, que controla a Câmara dos deputados, e o Orçamento não foi aprovado.
Agora não se sabe quanto tempo vai durar esse fechamento do governo. E já está marcado no calendário um outro dia D: se até o dia 17 não se resolver o impasse da elevação do teto da dívida, o mundo reviverá aquela aflição que já ocorreu no governo Obama. O país cuja dívida é considerada a aplicação mais segura do mundo, para onde os investidores correm em tempo de incerteza, quase parou de pagar os juros dos títulos porque o Congresso, em sua queda de braço com o governo, negou até o último segundo a elevação do teto da dívida.
Neste momento, a economia americana está claramente se recuperando. O país saiu da recessão na qual entrou, pela crise que estourou ao fim do governo Bush, e já criou, segundo Obama, sete milhões e meio de empregos nos últimos três anos e meio. O mercado imobiliário está melhorando e o déficit público tem sido reduzido.
Uma economia americana forte é benéfica para o mundo inteiro, mas hoje o grande problema que trava a economia dos Estados Unidos é político. Com o Partido Republicano sendo puxado para mais à direita pela facção mais radical, o país tem vivido situações apocalípticas.
Os republicanos exigiram, para votar o orçamento, o adiamento da reforma da saúde. O Obamacare foi aprovado nas duas casas, já é lei promulgada e aceita como constitucional pela Suprema Corte. Portanto, eles querem mudar o que o ritual democrático consagrou. A nova lei permite que filhos até 26 anos estejam nos planos de saúde dos pais, idosos têm acesso a remédio mais barato, impõe limites para os planos.de saúde nas suas ações contra as pessoas mais velhas.
Essa crise vai passar, mas essas constantes visitas à beira do precipício fiscal, orçamentário, monetário deixam o mundo em suspense vezes demais. A economia do resto do planeta ainda sofre os efeitos da crise de 2008. A Europa ainda está em recessão. Os movimentos de capital flutuam em direções opostas a cada momento que um impasse desses acontece. E isso acaba afetando a economia real de outros países.
No governo Bill Clinton aconteceu um evento parecido de paralisação das atividades governamentais por causa do atraso na aprovação do orçamento, mas a radicalização política nunca foi tão forte quanto agora.
O governo paralisado e a dívida com o risco de calote são um cenário tão fim de mundo que é impensável. Por isso, muita gente acredita que a solução sairá antes do dia 17. Mas nos últimos tempos tem sido assim nos Estados Unidos. O sistema político estica a corda o máximo que pode, para só então entrar em entendimento. Nada disso é bom para a economia americana ou mundial.
Agora não se sabe quanto tempo vai durar esse fechamento do governo. E já está marcado no calendário um outro dia D: se até o dia 17 não se resolver o impasse da elevação do teto da dívida, o mundo reviverá aquela aflição que já ocorreu no governo Obama. O país cuja dívida é considerada a aplicação mais segura do mundo, para onde os investidores correm em tempo de incerteza, quase parou de pagar os juros dos títulos porque o Congresso, em sua queda de braço com o governo, negou até o último segundo a elevação do teto da dívida.
Neste momento, a economia americana está claramente se recuperando. O país saiu da recessão na qual entrou, pela crise que estourou ao fim do governo Bush, e já criou, segundo Obama, sete milhões e meio de empregos nos últimos três anos e meio. O mercado imobiliário está melhorando e o déficit público tem sido reduzido.
Uma economia americana forte é benéfica para o mundo inteiro, mas hoje o grande problema que trava a economia dos Estados Unidos é político. Com o Partido Republicano sendo puxado para mais à direita pela facção mais radical, o país tem vivido situações apocalípticas.
Os republicanos exigiram, para votar o orçamento, o adiamento da reforma da saúde. O Obamacare foi aprovado nas duas casas, já é lei promulgada e aceita como constitucional pela Suprema Corte. Portanto, eles querem mudar o que o ritual democrático consagrou. A nova lei permite que filhos até 26 anos estejam nos planos de saúde dos pais, idosos têm acesso a remédio mais barato, impõe limites para os planos.de saúde nas suas ações contra as pessoas mais velhas.
Essa crise vai passar, mas essas constantes visitas à beira do precipício fiscal, orçamentário, monetário deixam o mundo em suspense vezes demais. A economia do resto do planeta ainda sofre os efeitos da crise de 2008. A Europa ainda está em recessão. Os movimentos de capital flutuam em direções opostas a cada momento que um impasse desses acontece. E isso acaba afetando a economia real de outros países.
No governo Bill Clinton aconteceu um evento parecido de paralisação das atividades governamentais por causa do atraso na aprovação do orçamento, mas a radicalização política nunca foi tão forte quanto agora.
O governo paralisado e a dívida com o risco de calote são um cenário tão fim de mundo que é impensável. Por isso, muita gente acredita que a solução sairá antes do dia 17. Mas nos últimos tempos tem sido assim nos Estados Unidos. O sistema político estica a corda o máximo que pode, para só então entrar em entendimento. Nada disso é bom para a economia americana ou mundial.
Em busca da felicidade - LUCIANO NAKABASHI
GAZETA DO POVO - PR - 02/10
Nós, economistas, somos obcecados por desvendar os fatores fundamentais na determinação do crescimento e desenvolvimento econômico. A razão para isso é que esse campo de pesquisa analisa o comportamento do ser humano enquanto indivíduo que se relaciona no mercado, ou seja: considerando todas as outras variáveis constantes, maior renda gera mais consumo, que, por sua vez, reflete-se em níveis mais elevados de satisfação e felicidade.
Essa relação entre renda, consumo e satisfação apontada pelos economistas não é tão restrita quanto possa parecer à primeira vista. As pessoas, em grande parte do mundo, inclusive no Brasil, têm uma grande demanda reprimida por moradia, vestimentas e alimentação, entre outros elementos básicos necessários à sobrevivência. Nessas regiões, uma pequena elevação da renda e do consumo tem um grande potencial em aliviar suas vidas sofridas.
Adicionalmente, a definição da palavra “consumo” é bem ampla. Por exemplo, a demanda por serviços de saúde que melhoram a vida da população de diversas maneiras é uma das que mais aumentam atualmente, sendo possível graças à elevação da renda per capita, pois o preço dessa categoria de serviços é bem elevado. Que cidadão não gostaria de chegar à terceira idade com saúde para aproveitar bem a aposentadoria?
O consumo também vem na forma de mais segurança – não apenas de forma privada, ao contratar seguranças, instalar portões eletrônicos e cercas elétricas, mas sobretudo sob a forma de gastos em melhorias dos sistemas judiciário e de segurança pública. Em países onde esses sistemas têm um bom funcionamento, não é necessária a realização de gastos privados substanciais em segurança como na instalação de portões, grades e, muito menos, cercas elétricas e vigias.
Podemos pensar também na educação. Mesmo sendo um tipo de investimento, pois eleva a produtividade do trabalho, a educação também é uma forma de consumo. Não colocamos nossos filhos na escola pensando somente em seus retornos salariais futuros. Uma boa formação traz uma satisfação pessoal que vai muito além dos rendimentos, inclusive com potencial de redução da criminalidade quando existe um bom sistema educacional em nível nacional.
Poderíamos nos estender nos tipos de consumo que são decorrentes da elevação da renda e que levam a melhorias no nível de bem-estar social. No entanto, os exemplos citados são suficientes para entender o excesso de foco sobre os determinantes da renda (que gera consumo) por parte dos economistas.
O problema é que existem outros fatores tão importantes quanto a renda na determinação do nível de bem-estar social, mas que são praticamente desconsiderados nas análises econômicas, como aqueles ressaltados no relatório de felicidade global divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Alguns elementos considerados no relatório, além da renda per capita e saúde, são índices que tentam mensurar companheirismo (ter alguém em quem confiar), liberdade de escolhas, corrupção e generosidade. Poderíamos pensar também em fé em Deus e em vida após a morte, aceitação em relação às diferenças individuais e sociais, círculos de amizade, sustentabilidade ambiental, nível de estresse no trabalho, família e lazer, para citar alguns elementos importantes.
Portanto, os economistas, em suas análises voltadas para o nível de bem-estar social, precisam se concentrar mais em outros elementos importantes na sua determinação, visto que um dos nossos principais objetivos é justamente entender as determinantes do nível de bem-estar social, do qual a renda (que gera consumo) é somente um deles.
Nós, economistas, somos obcecados por desvendar os fatores fundamentais na determinação do crescimento e desenvolvimento econômico. A razão para isso é que esse campo de pesquisa analisa o comportamento do ser humano enquanto indivíduo que se relaciona no mercado, ou seja: considerando todas as outras variáveis constantes, maior renda gera mais consumo, que, por sua vez, reflete-se em níveis mais elevados de satisfação e felicidade.
Essa relação entre renda, consumo e satisfação apontada pelos economistas não é tão restrita quanto possa parecer à primeira vista. As pessoas, em grande parte do mundo, inclusive no Brasil, têm uma grande demanda reprimida por moradia, vestimentas e alimentação, entre outros elementos básicos necessários à sobrevivência. Nessas regiões, uma pequena elevação da renda e do consumo tem um grande potencial em aliviar suas vidas sofridas.
Adicionalmente, a definição da palavra “consumo” é bem ampla. Por exemplo, a demanda por serviços de saúde que melhoram a vida da população de diversas maneiras é uma das que mais aumentam atualmente, sendo possível graças à elevação da renda per capita, pois o preço dessa categoria de serviços é bem elevado. Que cidadão não gostaria de chegar à terceira idade com saúde para aproveitar bem a aposentadoria?
O consumo também vem na forma de mais segurança – não apenas de forma privada, ao contratar seguranças, instalar portões eletrônicos e cercas elétricas, mas sobretudo sob a forma de gastos em melhorias dos sistemas judiciário e de segurança pública. Em países onde esses sistemas têm um bom funcionamento, não é necessária a realização de gastos privados substanciais em segurança como na instalação de portões, grades e, muito menos, cercas elétricas e vigias.
Podemos pensar também na educação. Mesmo sendo um tipo de investimento, pois eleva a produtividade do trabalho, a educação também é uma forma de consumo. Não colocamos nossos filhos na escola pensando somente em seus retornos salariais futuros. Uma boa formação traz uma satisfação pessoal que vai muito além dos rendimentos, inclusive com potencial de redução da criminalidade quando existe um bom sistema educacional em nível nacional.
Poderíamos nos estender nos tipos de consumo que são decorrentes da elevação da renda e que levam a melhorias no nível de bem-estar social. No entanto, os exemplos citados são suficientes para entender o excesso de foco sobre os determinantes da renda (que gera consumo) por parte dos economistas.
O problema é que existem outros fatores tão importantes quanto a renda na determinação do nível de bem-estar social, mas que são praticamente desconsiderados nas análises econômicas, como aqueles ressaltados no relatório de felicidade global divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Alguns elementos considerados no relatório, além da renda per capita e saúde, são índices que tentam mensurar companheirismo (ter alguém em quem confiar), liberdade de escolhas, corrupção e generosidade. Poderíamos pensar também em fé em Deus e em vida após a morte, aceitação em relação às diferenças individuais e sociais, círculos de amizade, sustentabilidade ambiental, nível de estresse no trabalho, família e lazer, para citar alguns elementos importantes.
Portanto, os economistas, em suas análises voltadas para o nível de bem-estar social, precisam se concentrar mais em outros elementos importantes na sua determinação, visto que um dos nossos principais objetivos é justamente entender as determinantes do nível de bem-estar social, do qual a renda (que gera consumo) é somente um deles.
Saúde e doença política nos EUA - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 02/10
Fundamentalistas de direita americanos parecem não ter objetivo prático a não ser barbarizar
UM BRASILEIRO sente-se meio esquisito de dizer que a política parlamentar americana tornou-se selvagem desde a eleição de Barack Obama. Nem se pode dizer que tenhamos telhado de vidro, fácil de quebrar a menor das críticas, que seriam tantas. Nós nem ao menos temos um telhado.
Mas trata-se de selvageria a guerra sem limites nem fundamentos que o Partido Republicano move contra Obama. O presidente é, com boa vontade, um político de centro. Ou melhor, seria de centro, segundo critérios válidos pelo menos até o surgimento de uma direita extremista de peso, o Tea Party, que esticou o espectro político de tal modo que chama Obama de socialista.
Os economistas de Obama, grosso modo, são da mesma escola da turma que assessorou Bill Clinton, o presidente "terceira via", amiga da finança desembestada, "de direita" para o padrão que vigia no Partido Democrata até o início dos 1970.
Obama decerto propôs esse seu plano de subsidiar seguro-saúde para uns 30 milhões de pobres desassistidos. Mas trata-se de pequeno reparo no vexame de o país mais rico do planeta ter o pior sistema de saúde do mundo civilizado, apesar de ser o mais gastador na área (tanto na despesa privada quando na do governo). O setor público americano gasta, em termos de PIB, quase o mesmo que a "socialista" França em saúde.
Obama deu um tempo nas guerras do Oriente Médio-Ásia em parte porque o governo federal está sem dinheiro. Deu cabo de algumas violações piores que armas e agentes americanos cometiam contra o direito internacional, mas nem tanto assim. Seu governo, enfim, não tem marca afora esse plano de saúde.
O gasto público e os deficit fiscais explodiram sob seu governo (aliás, no fim do governo de George W. Bush) porque o Estado teve de limpar a lambança promovida pelos financistas. Não promoveu um avanço do Estado sobre cofres e direitos individuais. A política fiscal de republicanos como Ronald Reagan e George Bush foi muito mais folgada, para não dizer francamente irresponsável. Reagan promoveu a maior gastança e os maiores deficit depois da Segunda Guerra.
A direita republicana não pode racionalmente bater em Obama devido a ideologia macroeconômica.
Obama é ligeiramente pró-minorias (gays, não brancos etc.), mas mais no gogó do que na prática. É ligeiramente ambientalista, mas não barrou os avanços da exploração do petróleo. Muito difícil dizer que Obama cria problemas para o "big business". Ao contrário.
Com qual objetivo um partido chantageia o governo com chicanas baixas, prejudica diretamente sua economia e cidadãos e litiga de péssima fé a céu aberto? Apenas para derrubar uma lei aprovada pelo Congresso, referendada pela Suprema Corte e, politicamente, pela reeleição de Obama? Ainda que Obama fosse o novo Roosevelt (rir, rir, rir), não faria sentido pragmático, ao menos.
Obama decerto é negro, estudou em grandes universidades, é da elite ilustrada. É por isso? Algo teratológico aconteceu em parte da cultura americana, no Sul mais pobre, celeiro do fundamentalismo político e sociocultural, que está arruinando a governabilidade dos Estados Unidos (alguém aí acha que menos partidos resolvem alguma coisa?).
Fundamentalistas de direita americanos parecem não ter objetivo prático a não ser barbarizar
UM BRASILEIRO sente-se meio esquisito de dizer que a política parlamentar americana tornou-se selvagem desde a eleição de Barack Obama. Nem se pode dizer que tenhamos telhado de vidro, fácil de quebrar a menor das críticas, que seriam tantas. Nós nem ao menos temos um telhado.
Mas trata-se de selvageria a guerra sem limites nem fundamentos que o Partido Republicano move contra Obama. O presidente é, com boa vontade, um político de centro. Ou melhor, seria de centro, segundo critérios válidos pelo menos até o surgimento de uma direita extremista de peso, o Tea Party, que esticou o espectro político de tal modo que chama Obama de socialista.
Os economistas de Obama, grosso modo, são da mesma escola da turma que assessorou Bill Clinton, o presidente "terceira via", amiga da finança desembestada, "de direita" para o padrão que vigia no Partido Democrata até o início dos 1970.
Obama decerto propôs esse seu plano de subsidiar seguro-saúde para uns 30 milhões de pobres desassistidos. Mas trata-se de pequeno reparo no vexame de o país mais rico do planeta ter o pior sistema de saúde do mundo civilizado, apesar de ser o mais gastador na área (tanto na despesa privada quando na do governo). O setor público americano gasta, em termos de PIB, quase o mesmo que a "socialista" França em saúde.
Obama deu um tempo nas guerras do Oriente Médio-Ásia em parte porque o governo federal está sem dinheiro. Deu cabo de algumas violações piores que armas e agentes americanos cometiam contra o direito internacional, mas nem tanto assim. Seu governo, enfim, não tem marca afora esse plano de saúde.
O gasto público e os deficit fiscais explodiram sob seu governo (aliás, no fim do governo de George W. Bush) porque o Estado teve de limpar a lambança promovida pelos financistas. Não promoveu um avanço do Estado sobre cofres e direitos individuais. A política fiscal de republicanos como Ronald Reagan e George Bush foi muito mais folgada, para não dizer francamente irresponsável. Reagan promoveu a maior gastança e os maiores deficit depois da Segunda Guerra.
A direita republicana não pode racionalmente bater em Obama devido a ideologia macroeconômica.
Obama é ligeiramente pró-minorias (gays, não brancos etc.), mas mais no gogó do que na prática. É ligeiramente ambientalista, mas não barrou os avanços da exploração do petróleo. Muito difícil dizer que Obama cria problemas para o "big business". Ao contrário.
Com qual objetivo um partido chantageia o governo com chicanas baixas, prejudica diretamente sua economia e cidadãos e litiga de péssima fé a céu aberto? Apenas para derrubar uma lei aprovada pelo Congresso, referendada pela Suprema Corte e, politicamente, pela reeleição de Obama? Ainda que Obama fosse o novo Roosevelt (rir, rir, rir), não faria sentido pragmático, ao menos.
Obama decerto é negro, estudou em grandes universidades, é da elite ilustrada. É por isso? Algo teratológico aconteceu em parte da cultura americana, no Sul mais pobre, celeiro do fundamentalismo político e sociocultural, que está arruinando a governabilidade dos Estados Unidos (alguém aí acha que menos partidos resolvem alguma coisa?).
Contrato de gestão merece todo o respeito - FERNANDO PROENÇA DE GOUVÊA
O Estado de S.Paulo - 02/10
Na área da saúde, objeto deste artigo, o poder público dispõe de uma importante opção de apoio complementar explicitamente previsto na Constituição federal, em seus artigos 197 e 199: os contratos de gestão com organizações do terceiro setor, pessoas jurídicas de direito privado, preferencialmente entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos, prévia e criteriosamente credenciadas para auxiliar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Esses contratos são responsáveis, de fato, por grande parte dos serviços de saúde que hoje estão à disposição da população da periferia das grandes áreas metropolitanas. São Paulo é um bom exemplo.
Desde logo é importante ressaltar uma característica fundamental desses contratos. Eles não provocam, como por falta de informação ou má-fé há quem apregoe, a privatização do serviço contratado. Os contratos de gestão promovem, isso sim, o estabelecimento de uma parceria entre poder público e entidades sem fins lucrativos, de modo a permitir que o governo cumpra melhor, com maior eficácia, aquelas responsabilidades em que reconhece dificuldades para dar conta sozinho - como a de garantir a todos os cidadãos o direito à saúde. Contrato de gestão na administração pública, pois, é um instrumento de fortalecimento do Estado, e não de seu estiolamento, como alega o dogmatismo ideológico.
Muito bem-sucedido na área da saúde em vários países e em diversos Estados e municípios brasileiros, o modelo de contrato de gestão com as Organizações Sociais (OS) chegou à cidade de São Paulo em 2007. Desde então foram convidadas e, após criteriosa avaliação, credenciadas, entre outras, OS vinculadas a entidades do porte e do prestígio dos Hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês, Santa Catarina, Santa Marcelina, Santas Casas, Hospital das Clínicas, etc.
Com essas parcerias o SUS passou a ter condições de oferecer à população mais carente do Município uma ampla rede de Unidades Básicas de Saúde (UBS), ambulatórios e hospitais, em cogestão com entidades de comprovadas competência e idoneidade. Tanto para montar como para administrar diretamente uma rede de atendimento nas dimensões da que hoje oferece em parceria com várias OS, a Prefeitura teria de enfrentar toda sorte de entraves burocráticos próprios da administração direta. Isso lhe custaria, desde logo, um tempo precioso quando se trata de dar resposta a demandas há muito reprimidas na área da saúde pública. E resultaria também, inevitavelmente, em comprometimento da agilidade operacional exigida por esses serviços.
É importante observar que para a implantação dos contratos de gestão na área da saúde a Prefeitura paulistana se cercou sempre das mais rigorosas precauções legais e da exigência de garantias sólidas no que se refere a idoneidade e habilitação dos futuros parceiros. Todas as entidades selecionadas, com, no mínimo, cinco anos de experiência em serviços de saúde e estatutariamente definidas como sem fins lucrativos, cumprem também a exigência da apresentação de propostas de trabalho meticulosamente avaliadas e aprovadas pelo poder público.
Estabelecido o contrato, o cumprimento do plano de trabalho por ele previsto é acompanhado de perto tanto por técnicos do governo municipal, em particular da Secretaria Municipal de Saúde, quanto por representantes da comunidade - em geral, em conselhos gestores -, inclusive para avaliar a qualidade do atendimento.
Regularmente, a cada mês e/ou ao fim de cada exercício financeiro, as entidades encaminham à hierarquia municipal relatórios circunstanciados de seu trabalho e as devidas prestações de contas. Informações que, de resto, atendendo ao mandamento da mais absoluta transparência, as OS a serviço do SUS divulgam permanentemente, por meios próprios, em publicações periódicas e na internet, de maneira ampla e detalhada. Essa divulgação abrange estatutos, composição dos conselhos e do corpo diretivo, regulamentos de compra, contratações de pessoal e contratos de serviços. No caso do Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim" (Cejam), OS parceira da Prefeitura de que sou superintendente, essa divulgação inclui os vários cursos que oferecemos a profissionais da saúde, bem como noticiário completo sobre nossas inúmeras atividades comunitárias.
Nem tudo, porém, são flores nesse universo. As OS a serviço do SUS enfrentam muitas dificuldades, sendo a mais ameaçadora delas a hostilidade de grupos ideológicos alocados ou com influência na alta hierarquia da administração municipal, obcecados pela ideia de que os contratos de gestão nada mais fazem do que transformar o atendimento básico de saúde numa atividade privada divorciada dos interesses da população e indiferente ao sofrimento dos mais carentes. Trata-se, no mínimo, de um desrespeito aos milhares de abnegados profissionais da saúde que mourejam diuturnamente na periferia da cidade.
Mas essa atitude sectária é nociva também na medida em que acaba de alguma maneira contaminando os vários níveis da hierarquia municipal. E isso resulta, frequentemente, na criação de dificuldades no relacionamento com as OS e no cumprimento dos contratos de gestão. Tudo resultando, em última instância, em graves prejuízos para o usuário do SUS.
É claro que muitas das dificuldades opostas ao tranquilo cumprimento dos contratos de gestão resultam de restrições orçamentárias a que os administradores municipais não podem fugir. E, felizmente, na sua maioria eles são dirigentes públicos ciosos do cumprimento do seu dever e conscientes da responsabilidade social que seu trabalho implica. Sabem que, em benefício da população, os contratos de gestão devem ser tratados com respeito.
Na área da saúde, objeto deste artigo, o poder público dispõe de uma importante opção de apoio complementar explicitamente previsto na Constituição federal, em seus artigos 197 e 199: os contratos de gestão com organizações do terceiro setor, pessoas jurídicas de direito privado, preferencialmente entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos, prévia e criteriosamente credenciadas para auxiliar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Esses contratos são responsáveis, de fato, por grande parte dos serviços de saúde que hoje estão à disposição da população da periferia das grandes áreas metropolitanas. São Paulo é um bom exemplo.
Desde logo é importante ressaltar uma característica fundamental desses contratos. Eles não provocam, como por falta de informação ou má-fé há quem apregoe, a privatização do serviço contratado. Os contratos de gestão promovem, isso sim, o estabelecimento de uma parceria entre poder público e entidades sem fins lucrativos, de modo a permitir que o governo cumpra melhor, com maior eficácia, aquelas responsabilidades em que reconhece dificuldades para dar conta sozinho - como a de garantir a todos os cidadãos o direito à saúde. Contrato de gestão na administração pública, pois, é um instrumento de fortalecimento do Estado, e não de seu estiolamento, como alega o dogmatismo ideológico.
Muito bem-sucedido na área da saúde em vários países e em diversos Estados e municípios brasileiros, o modelo de contrato de gestão com as Organizações Sociais (OS) chegou à cidade de São Paulo em 2007. Desde então foram convidadas e, após criteriosa avaliação, credenciadas, entre outras, OS vinculadas a entidades do porte e do prestígio dos Hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês, Santa Catarina, Santa Marcelina, Santas Casas, Hospital das Clínicas, etc.
Com essas parcerias o SUS passou a ter condições de oferecer à população mais carente do Município uma ampla rede de Unidades Básicas de Saúde (UBS), ambulatórios e hospitais, em cogestão com entidades de comprovadas competência e idoneidade. Tanto para montar como para administrar diretamente uma rede de atendimento nas dimensões da que hoje oferece em parceria com várias OS, a Prefeitura teria de enfrentar toda sorte de entraves burocráticos próprios da administração direta. Isso lhe custaria, desde logo, um tempo precioso quando se trata de dar resposta a demandas há muito reprimidas na área da saúde pública. E resultaria também, inevitavelmente, em comprometimento da agilidade operacional exigida por esses serviços.
É importante observar que para a implantação dos contratos de gestão na área da saúde a Prefeitura paulistana se cercou sempre das mais rigorosas precauções legais e da exigência de garantias sólidas no que se refere a idoneidade e habilitação dos futuros parceiros. Todas as entidades selecionadas, com, no mínimo, cinco anos de experiência em serviços de saúde e estatutariamente definidas como sem fins lucrativos, cumprem também a exigência da apresentação de propostas de trabalho meticulosamente avaliadas e aprovadas pelo poder público.
Estabelecido o contrato, o cumprimento do plano de trabalho por ele previsto é acompanhado de perto tanto por técnicos do governo municipal, em particular da Secretaria Municipal de Saúde, quanto por representantes da comunidade - em geral, em conselhos gestores -, inclusive para avaliar a qualidade do atendimento.
Regularmente, a cada mês e/ou ao fim de cada exercício financeiro, as entidades encaminham à hierarquia municipal relatórios circunstanciados de seu trabalho e as devidas prestações de contas. Informações que, de resto, atendendo ao mandamento da mais absoluta transparência, as OS a serviço do SUS divulgam permanentemente, por meios próprios, em publicações periódicas e na internet, de maneira ampla e detalhada. Essa divulgação abrange estatutos, composição dos conselhos e do corpo diretivo, regulamentos de compra, contratações de pessoal e contratos de serviços. No caso do Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim" (Cejam), OS parceira da Prefeitura de que sou superintendente, essa divulgação inclui os vários cursos que oferecemos a profissionais da saúde, bem como noticiário completo sobre nossas inúmeras atividades comunitárias.
Nem tudo, porém, são flores nesse universo. As OS a serviço do SUS enfrentam muitas dificuldades, sendo a mais ameaçadora delas a hostilidade de grupos ideológicos alocados ou com influência na alta hierarquia da administração municipal, obcecados pela ideia de que os contratos de gestão nada mais fazem do que transformar o atendimento básico de saúde numa atividade privada divorciada dos interesses da população e indiferente ao sofrimento dos mais carentes. Trata-se, no mínimo, de um desrespeito aos milhares de abnegados profissionais da saúde que mourejam diuturnamente na periferia da cidade.
Mas essa atitude sectária é nociva também na medida em que acaba de alguma maneira contaminando os vários níveis da hierarquia municipal. E isso resulta, frequentemente, na criação de dificuldades no relacionamento com as OS e no cumprimento dos contratos de gestão. Tudo resultando, em última instância, em graves prejuízos para o usuário do SUS.
É claro que muitas das dificuldades opostas ao tranquilo cumprimento dos contratos de gestão resultam de restrições orçamentárias a que os administradores municipais não podem fugir. E, felizmente, na sua maioria eles são dirigentes públicos ciosos do cumprimento do seu dever e conscientes da responsabilidade social que seu trabalho implica. Sabem que, em benefício da população, os contratos de gestão devem ser tratados com respeito.
Terceirizar é empreender - GILBERTO STÜRMER
ZERO HORA - 02/10
Existe um ditado que diz: “O justo paga pelo pecador”. Em termos de empreendedorismo e relações de trabalho, esta máxima não pode ser aplicada.
Explico.
O Projeto de Lei nº 4.330, que é de 2004 e dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, tem sido “demonizado” por pessoas que sequer sabem o que ele significa. Pior. Há pessoas que sabem bem o que significa a terceirização responsável das relações de trabalho e ainda assim o critica de forma pesada.
O Direito do Trabalho brasileiro não dispõe de lei que regule a prestação de serviços a terceiros. Há muitos anos quem regula a matéria é a jurisprudência pacificada do Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula nº 331, que proíbe terceirizar atividade-fim da empresa (objeto social), admitindo a terceirização das chamadas atividades-meio, tais como vigilância e limpeza.
No momento em que novamente o PL nº 4.330/2004 vem à baila, é preciso entender que o objetivo do mesmo é exatamente contrário àquilo que se preconiza: a lei, uma vez aprovada, vai definir regras, procedimentos e responsabilidades decorrentes do trabalho terceirizado para que, enfim, o justo não pague mais pelo pecador.
Desta forma, as terceirizações fraudulentas serão, como devem ser, punidas exemplarmente. As terceirizações que, contudo, visam empreender e abrir postos de trabalho, serão beneficiadas.
Não se pode colocar todos “no mesmo saco”. É preciso separar o joio do trigo e o PL 4.330/2004 vem exatamente para cobrir uma lacuna cancerígena nas relações de trabalho que coloca empresas sérias na mesma condição dos que, a rigor, não são empresários.
Aprovada a lei, a cadeia produtiva se expandirá em um virtuoso efeito dominó.
Os direitos dos empregados das empresas que prestarão os serviços a outras empresas para desenvolver atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante são rigorosamente os mesmos dos empregados diretos. Da mesma forma dar-se-á a responsabilidade pela higiene, saúde e segurança dos empregados. É claro, contudo, que cada empregador é responsável pelo adimplemento dos direitos dos seus empregados.
É preciso entender que o mundo do trabalho mudou. Não há mais falar em antagonismo “capital-trabalho”. O social e o econômico devem caminhar de mãos dadas a fim de que se possa construir uma sociedade melhor para todos.
Para isso, a aprovação do PL 4.330/2004 se impõe. Terceirizar é empreender!
Existe um ditado que diz: “O justo paga pelo pecador”. Em termos de empreendedorismo e relações de trabalho, esta máxima não pode ser aplicada.
Explico.
O Projeto de Lei nº 4.330, que é de 2004 e dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, tem sido “demonizado” por pessoas que sequer sabem o que ele significa. Pior. Há pessoas que sabem bem o que significa a terceirização responsável das relações de trabalho e ainda assim o critica de forma pesada.
O Direito do Trabalho brasileiro não dispõe de lei que regule a prestação de serviços a terceiros. Há muitos anos quem regula a matéria é a jurisprudência pacificada do Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula nº 331, que proíbe terceirizar atividade-fim da empresa (objeto social), admitindo a terceirização das chamadas atividades-meio, tais como vigilância e limpeza.
No momento em que novamente o PL nº 4.330/2004 vem à baila, é preciso entender que o objetivo do mesmo é exatamente contrário àquilo que se preconiza: a lei, uma vez aprovada, vai definir regras, procedimentos e responsabilidades decorrentes do trabalho terceirizado para que, enfim, o justo não pague mais pelo pecador.
Desta forma, as terceirizações fraudulentas serão, como devem ser, punidas exemplarmente. As terceirizações que, contudo, visam empreender e abrir postos de trabalho, serão beneficiadas.
Não se pode colocar todos “no mesmo saco”. É preciso separar o joio do trigo e o PL 4.330/2004 vem exatamente para cobrir uma lacuna cancerígena nas relações de trabalho que coloca empresas sérias na mesma condição dos que, a rigor, não são empresários.
Aprovada a lei, a cadeia produtiva se expandirá em um virtuoso efeito dominó.
Os direitos dos empregados das empresas que prestarão os serviços a outras empresas para desenvolver atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante são rigorosamente os mesmos dos empregados diretos. Da mesma forma dar-se-á a responsabilidade pela higiene, saúde e segurança dos empregados. É claro, contudo, que cada empregador é responsável pelo adimplemento dos direitos dos seus empregados.
É preciso entender que o mundo do trabalho mudou. Não há mais falar em antagonismo “capital-trabalho”. O social e o econômico devem caminhar de mãos dadas a fim de que se possa construir uma sociedade melhor para todos.
Para isso, a aprovação do PL 4.330/2004 se impõe. Terceirizar é empreender!
Desconforto - ANTONIO DELFIM NETTO
FOLHA DE SP - 02/10
A situação econômica no Brasil tem feito pouco progresso, mas não justifica o enorme pessimismo que se criou em torno dela. Os resultados das políticas fiscal e monetária não são confortáveis, mas não há qualquer indicação que a primeira seja insustentável, ainda que no longo prazo existam nuvens negras como a seguridade social não resolvida; ou que a segunda seja incapaz de manter a inflação dentro do intervalo da meta, ainda que o seu retorno ao centro exija a absorção de alguma inflação reprimida.
A política cambial foi corrigida pela ação do próprio mercado, não sem antes ter comprometido o setor industrial e acumulado mais de US$ 280 bilhões de deficit em conta corrente nos últimos seis anos.
Não há nada, portanto, que ponha em risco a nossa estabilidade. É o desconforto persistente e acumulado --sem clara resposta de reformas de longo prazo para atenuá-lo-- que: 1º) aumenta a dúvida do setor privado, reduz seus investimentos e sua confiança no governo; 2º) leva as agências de rating a ameaçar a classificação do Brasil e 3º) estimula reações raivosas de parte dos intermediários financeiros nacionais e internacionais aos quais não faltam "novidades" produzidas por 12 índices de preços semanais, quinzenais e mensais gratuitos e um índice diário oneroso. Por fim, mas não menos importante, 4º) propiciam mudanças rápidas de opiniões importantes como a da "Economist", na última semana.
No mesmo momento em que a presidente Dilma reafirmava num seminário em Nova York "que o equilíbrio das contas públicas é precondição para nosso crescimento" e que "precisamos não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é mais eficiente, mais ágil e de menor custo, a "Economist", que colocara numa capa de 2009 o Cristo Redentor (o Brasil) decolando, reviu suas expectativas e publicou agora nova capa com Ele "estolando" e perguntando: "Eles estragaram tudo?".
A primeira observação é que a economia brasileira parece ter importância para merecer duas capas! A segunda é, gostemos ou não, a "Economist" é a revista econômica semanal mais lida no mundo por leigos e acadêmicos de todas as convicções ideológicas. Trata-se de uma instituição com as certezas e a arrogância que lhe conferem os seus 170 anos bem vividos (foi fundada em 1843 e já passou por dificuldades financeiras) na defesa intransigente da mesma tese: a liberdade dos mercados é a melhor solução para os problemas econômicos.
Deve ser entendida na sua importância e no seu dogmatismo, com o mesmo humor e ironia britânicos com que elogia ou critica. Certamente exagerou para o bem em 2009. Vingou-se exagerando para o mal em 2013. Exagerou, mas não inventou nada.
A situação econômica no Brasil tem feito pouco progresso, mas não justifica o enorme pessimismo que se criou em torno dela. Os resultados das políticas fiscal e monetária não são confortáveis, mas não há qualquer indicação que a primeira seja insustentável, ainda que no longo prazo existam nuvens negras como a seguridade social não resolvida; ou que a segunda seja incapaz de manter a inflação dentro do intervalo da meta, ainda que o seu retorno ao centro exija a absorção de alguma inflação reprimida.
A política cambial foi corrigida pela ação do próprio mercado, não sem antes ter comprometido o setor industrial e acumulado mais de US$ 280 bilhões de deficit em conta corrente nos últimos seis anos.
Não há nada, portanto, que ponha em risco a nossa estabilidade. É o desconforto persistente e acumulado --sem clara resposta de reformas de longo prazo para atenuá-lo-- que: 1º) aumenta a dúvida do setor privado, reduz seus investimentos e sua confiança no governo; 2º) leva as agências de rating a ameaçar a classificação do Brasil e 3º) estimula reações raivosas de parte dos intermediários financeiros nacionais e internacionais aos quais não faltam "novidades" produzidas por 12 índices de preços semanais, quinzenais e mensais gratuitos e um índice diário oneroso. Por fim, mas não menos importante, 4º) propiciam mudanças rápidas de opiniões importantes como a da "Economist", na última semana.
No mesmo momento em que a presidente Dilma reafirmava num seminário em Nova York "que o equilíbrio das contas públicas é precondição para nosso crescimento" e que "precisamos não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é mais eficiente, mais ágil e de menor custo, a "Economist", que colocara numa capa de 2009 o Cristo Redentor (o Brasil) decolando, reviu suas expectativas e publicou agora nova capa com Ele "estolando" e perguntando: "Eles estragaram tudo?".
A primeira observação é que a economia brasileira parece ter importância para merecer duas capas! A segunda é, gostemos ou não, a "Economist" é a revista econômica semanal mais lida no mundo por leigos e acadêmicos de todas as convicções ideológicas. Trata-se de uma instituição com as certezas e a arrogância que lhe conferem os seus 170 anos bem vividos (foi fundada em 1843 e já passou por dificuldades financeiras) na defesa intransigente da mesma tese: a liberdade dos mercados é a melhor solução para os problemas econômicos.
Deve ser entendida na sua importância e no seu dogmatismo, com o mesmo humor e ironia britânicos com que elogia ou critica. Certamente exagerou para o bem em 2009. Vingou-se exagerando para o mal em 2013. Exagerou, mas não inventou nada.
Palavra de juiz - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 02/10
"Estamos pisando em espinho. Não sabemos a consequência que isso trará ao quadro político brasileiro e tenho certeza de que não será boa."
A frase foi dita, ou melhor, o vaticínio foi feito pelo ministro Joaquim Barbosa em meados do ano passado assim que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o PSD, mesmo não tendo passado pelo crivo das urnas, teria direito a tempo de televisão e acesso aos recursos do Fundo Partidário para a eleição de 2012, na proporção da bancada dos 50 deputados que o então prefeito Gilberto Kassab conseguira atrair para a legenda criada em 2011.
Antecipando a piora do que já estava ruim, Barbosa votou contra, bem como a atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen Lúcia. O TSE à época decidiu o mesmo que o Supremo e por unanimidade. Ambos os tribunais ignoraram solenemente duas leis: a eleitoral e a dos partidos que determinam com clareza meridiana que a distribuição de tempo e dinheiro deve obedecer à proporcionalidade das bancadas resultantes da eleição anterior.
Em miúdos, na letra fria da lei, o PSD não teria direito aos benefícios porque havia sido criado entre as eleições de 2010 e 2012 e os deputados que conseguiu filiar haviam recebido votos em outros partidos. Mas o STF e o TSE resolveram entender diferente.
Os argumentos variaram desde a necessidade de se considerar "o dinamismo do processo político eleitoral" até a necessidade de se levar em conta a realidade. Qual seja a de que não se poderia impedir um partido já estabelecido como uma das principais forças do Congresso e em funcionamento em diversos Estados, de ter direito às condições proporcionadas aos outros.
Isso ao arrepio dos métodos adotados e da regra ainda em vigor, dado que as referidas leis (eleitoral e dos partidos) não foram revogadas. Mas, por que voltar ao assunto agora? Porque por analogia, a interpretação ultraliberal (no sentido da liberalidade) da legislação poderia - se é que não deveria - ser aplicada ao caso da criação do partido da ex-senadora Marina Silva.
Segundo o TSE, faltam 50 mil assinaturas e, pelas contas dos idealizadores da Rede Sustentabilidade, restam 30 mil para que seja alcançado o número exigido pela Justiça Eleitoral para a obtenção do registro. Marina Silva pede o beneficio da dúvida a respeito de 95 mil firmas rejeitadas pelos cartórios País afora sem justificativa.
Reivindica um "jeitinho"? Depende da interpretação. À primeira vista, sim. Porém, não deixa mesmo de ser esquisito que, enquanto a média do porcentual de rejeições no Brasil seja de 24%, no ABC paulista, reduto do PT cujo interesse que Marina concorra à Presidência é nenhum, esses índices cheguem a 78% (São Bernardo do Campo), 72% (Mauá) ou 69% (Santo André).
Em tese, caberia uma verificação; se é que há condições objetivas para tal. Mas a ligação com aquela decisão que favoreceu o partido de Gilberto Kassab é outra.
Partindo do princípio de que estejam corretíssimas as alegações sobre a necessidade de se observar o "dinamismo" do sistema eleitoral e de se levar em conta o dado de realidade, o que se passa com a Rede cabe perfeitamente nesse figurino.
Nada menos dinâmico que a metodologia de conferência de assinaturas, nada mais nebuloso que a recusa sem justificativa de um montante significativo delas e nada mais irrealista que ignorar a legitimidade de uma legenda com inequívoca representatividade social, como bem demonstrado pela votação obtida por Marina Silva em 2010 e os índices de intenções de votos nas pesquisas para 2014.
Se o peso e a medida dos fatos foram mais fortes que a lei para o partido de Kassab obter benefícios é de se perguntar por qual razão não se aplicaria o mesmo critério para assegurar aos eleitores de Marina o sagrado direito à escolha.
"Estamos pisando em espinho. Não sabemos a consequência que isso trará ao quadro político brasileiro e tenho certeza de que não será boa."
A frase foi dita, ou melhor, o vaticínio foi feito pelo ministro Joaquim Barbosa em meados do ano passado assim que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o PSD, mesmo não tendo passado pelo crivo das urnas, teria direito a tempo de televisão e acesso aos recursos do Fundo Partidário para a eleição de 2012, na proporção da bancada dos 50 deputados que o então prefeito Gilberto Kassab conseguira atrair para a legenda criada em 2011.
Antecipando a piora do que já estava ruim, Barbosa votou contra, bem como a atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen Lúcia. O TSE à época decidiu o mesmo que o Supremo e por unanimidade. Ambos os tribunais ignoraram solenemente duas leis: a eleitoral e a dos partidos que determinam com clareza meridiana que a distribuição de tempo e dinheiro deve obedecer à proporcionalidade das bancadas resultantes da eleição anterior.
Em miúdos, na letra fria da lei, o PSD não teria direito aos benefícios porque havia sido criado entre as eleições de 2010 e 2012 e os deputados que conseguiu filiar haviam recebido votos em outros partidos. Mas o STF e o TSE resolveram entender diferente.
Os argumentos variaram desde a necessidade de se considerar "o dinamismo do processo político eleitoral" até a necessidade de se levar em conta a realidade. Qual seja a de que não se poderia impedir um partido já estabelecido como uma das principais forças do Congresso e em funcionamento em diversos Estados, de ter direito às condições proporcionadas aos outros.
Isso ao arrepio dos métodos adotados e da regra ainda em vigor, dado que as referidas leis (eleitoral e dos partidos) não foram revogadas. Mas, por que voltar ao assunto agora? Porque por analogia, a interpretação ultraliberal (no sentido da liberalidade) da legislação poderia - se é que não deveria - ser aplicada ao caso da criação do partido da ex-senadora Marina Silva.
Segundo o TSE, faltam 50 mil assinaturas e, pelas contas dos idealizadores da Rede Sustentabilidade, restam 30 mil para que seja alcançado o número exigido pela Justiça Eleitoral para a obtenção do registro. Marina Silva pede o beneficio da dúvida a respeito de 95 mil firmas rejeitadas pelos cartórios País afora sem justificativa.
Reivindica um "jeitinho"? Depende da interpretação. À primeira vista, sim. Porém, não deixa mesmo de ser esquisito que, enquanto a média do porcentual de rejeições no Brasil seja de 24%, no ABC paulista, reduto do PT cujo interesse que Marina concorra à Presidência é nenhum, esses índices cheguem a 78% (São Bernardo do Campo), 72% (Mauá) ou 69% (Santo André).
Em tese, caberia uma verificação; se é que há condições objetivas para tal. Mas a ligação com aquela decisão que favoreceu o partido de Gilberto Kassab é outra.
Partindo do princípio de que estejam corretíssimas as alegações sobre a necessidade de se observar o "dinamismo" do sistema eleitoral e de se levar em conta o dado de realidade, o que se passa com a Rede cabe perfeitamente nesse figurino.
Nada menos dinâmico que a metodologia de conferência de assinaturas, nada mais nebuloso que a recusa sem justificativa de um montante significativo delas e nada mais irrealista que ignorar a legitimidade de uma legenda com inequívoca representatividade social, como bem demonstrado pela votação obtida por Marina Silva em 2010 e os índices de intenções de votos nas pesquisas para 2014.
Se o peso e a medida dos fatos foram mais fortes que a lei para o partido de Kassab obter benefícios é de se perguntar por qual razão não se aplicaria o mesmo critério para assegurar aos eleitores de Marina o sagrado direito à escolha.
Hora do plano B? - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 02/10
Com o parecer do Ministério Público de que o partido Rede Sustentabilidade continua sem condições de ser atendido , fica cada vez mais claro que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) optará pela letra fria da lei, em vez de interpretar o espírito do legislador ao criar as condições para a formação de um partido político.
Todas as exigências da lei são para dar um caráter nacional ao partido que quer ser criado, mas a condição básica para essa demonstração é possuir pelo menos o número de apoiadores equivalente a 5% do eleitorado que participou da última eleição para a Câmara dos Deputados, o que equivale a 492 mil assinaturas autenticadas em cartórios eleitorais. O partido da ex-senadora Marina Silva provou que tem caráter nacional, pois já tem diretórios reconhecidos pelos Tribunais Regionais Eleitorais de 16 estados. Além disso, conseguiu em todas as unidades da Federação um mínimo de assinaturas equivalente a 1/10 do eleitorado, outra exigência da legislação. As 50 mil assinaturas certificadas que faltam não demonstram que o partido não tenha organização nacional, mas são uma espécie de cláusula de barreira que a Rede não conseguiu superar.
O subprocurador Eugenio Aragão, ao afirmar que o partido ainda não tem condições de ser aprovado, disse que o fazia com pesar , mas deu uma estocada na ex-senadora, que é vista por grande parte do eleitorado como representante de uma nova maneira de fazer política. Disse Aragão: Criar o partido com vistas, apenas, a determinado escrutínio (eleições de 2014) é atitude que o amesquinha, o diminui aos olhos dos eleitores.
Como se os demais partidos que foram criados nos últimos tempos não tivessem o objetivo precípuo de participar das eleições.
Se prevalecer a visão de que o número mínimo de assinaturas é condição primeira para a formação de partidos, não restará nada a Marina além de denunciar as manobras de que se considera vítima mais explicitamente do que tem feito até agora.
A partir de amanhã à noite, Marina terá de ter um plano B, se é que pretende disputar as eleições presidenciais. Sua tendência atual é seguir tentando organizar seu partido sem disputar eleição em que é uma das favoritas. No entanto, é difícil saber qual será sua reação diante da realidade que ela se nega a ver até o momento. Pode ser que aceite as ponderações de seus apoiadores políticos, que querem que ela se filie a um partido já existente para se manter na disputa.
Com a desistência do ex-governador José Serra de ir para o PPS a fim de também se candidatar à Presidência da República, a sigla presidida pelo deputado Roberto Freire está aberta ao grupo de Marina. O PPS, oriundo do antigo Partidão, não é uma legenda de aluguel e teria legitimidade para apoiar uma candidatura como a de Marina, mas há questões programáticas que a afastam da legenda, como o apoio ao Código Florestal.
É inegável que o PPS está mais próximo de políticos tradicionais como Serra ou Eduardo Campos, a quem deve acabar apoiando, do que de Marina.
A celeuma em torno do partido de Marina, que, mesmo o subprocurador eleitoral admite, ao contrário dos outros recentemente aprovados, não tem denúncias de fraude na sua lista de assinaturas, trouxe ao debate novamente a necessidade de uma reforma no sistema eleitoral brasileiro para reduzir o número de partidos em funcionamento no país.
O problema não é nem mesmo que sejam 32, mas, sim, o direito que têm a verbas federais assim que são aprovados pelo TSE. Esse estímulo financeiro, e o negócio que se tornou ter tempo de televisão para a propaganda eleitoral, é o que estimula a criação de partidos de aluguel.
A cláusula de desempenho, que deveria ter entrado em vigor na eleição de 2006, acabou sendo reprovada pelo Supremo tribunal Federal, onde prevaleceu a tese de que elas impedem a pluralidade partidária e seriam maléficas à democracia, e por isso mesmo inconstitucionais.
O teor do voto do relator, Ministro Marco Aurélio Mello, foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, e o julgamento passou a ser não sobre a necessidade de reorganização partidária, mas sobre a defesa da possibilidade de expressão das correntes e dos pensamentos políticos minoritários, que ficariam ameaçados.
Agora, ministros do STF já começam a falar novamente na necessidade de medidas para restringir o número de partidos, inclusive as cláusulas de desempenho. Vai começar tudo de novo.
Despertador - IGOR GIELOW
FOLHA DE SP - 02/10
BRASÍLIA - Independentemente do desfecho da novela de criação da Rede, Marina Silva só perdeu com o episódio. Além de poder ficar sem sua legenda, ela viu expostas contradições originadas na formação de sua imagem pública.
Marina tenta capitalizar desde 2010 a fama de uma "outsider" dada a gerenciar de forma horizontalizada, seja lá o que for isso, o sonho dos milhões que a apoiaram.
Só que esta hagiografia, calcada na narrativa da superação da miséria e no peculiar cruzamento entre ideologia "povo da floresta" e populismo evangélico, escamoteia o fato de que Marina é política de carteirinha.
A dinastia petista do Acre, de onde vem, é tão viciada quanto qualquer outra. A forma envergonhada com a qual lida com empresários revela mais sobre a tradicional simbiose público-privado da política do que possam fazer crer mil palavras de ordem.
Por fim, ensaia o papel de salvadora da pátria, "deus ex machina" da política. É personagem recorrente no Brasil, como Jânio e Collor não nos deixam esquecer.
O processo de criação da Rede explicita a dificuldade de convivência entre a verdadeira Marina e a musa idealizada dos sonháticos. As regras são ridículas? São, mas é o que temos hoje; cláusula de barreira é o nome da melhoria possível.
A Rede achou que seria possível montar um partido a partir de 500 mil curtidas no Facebook, e que o direito divino estaria a seu lado --a soberba de Marina em suas declarações é reveladora disso. Nesse sentido, o parecer negativo do Ministério Público vai ao ponto quando questiona a criação da sigla com fim exclusivo de eleger uma candidata.
Se a lei for levada ao pé da letra pelo TSE, o fracasso empurrará Marina ou ao exílio orgulhoso ou à lambança de fazer tudo o que prometia não fazer. Se for rasgada, a vitória a manchará com a pecha de que apelou ao jeitinho como todo mundo. Sonhar é fácil. Despertar, nem tanto.
BRASÍLIA - Independentemente do desfecho da novela de criação da Rede, Marina Silva só perdeu com o episódio. Além de poder ficar sem sua legenda, ela viu expostas contradições originadas na formação de sua imagem pública.
Marina tenta capitalizar desde 2010 a fama de uma "outsider" dada a gerenciar de forma horizontalizada, seja lá o que for isso, o sonho dos milhões que a apoiaram.
Só que esta hagiografia, calcada na narrativa da superação da miséria e no peculiar cruzamento entre ideologia "povo da floresta" e populismo evangélico, escamoteia o fato de que Marina é política de carteirinha.
A dinastia petista do Acre, de onde vem, é tão viciada quanto qualquer outra. A forma envergonhada com a qual lida com empresários revela mais sobre a tradicional simbiose público-privado da política do que possam fazer crer mil palavras de ordem.
Por fim, ensaia o papel de salvadora da pátria, "deus ex machina" da política. É personagem recorrente no Brasil, como Jânio e Collor não nos deixam esquecer.
O processo de criação da Rede explicita a dificuldade de convivência entre a verdadeira Marina e a musa idealizada dos sonháticos. As regras são ridículas? São, mas é o que temos hoje; cláusula de barreira é o nome da melhoria possível.
A Rede achou que seria possível montar um partido a partir de 500 mil curtidas no Facebook, e que o direito divino estaria a seu lado --a soberba de Marina em suas declarações é reveladora disso. Nesse sentido, o parecer negativo do Ministério Público vai ao ponto quando questiona a criação da sigla com fim exclusivo de eleger uma candidata.
Se a lei for levada ao pé da letra pelo TSE, o fracasso empurrará Marina ou ao exílio orgulhoso ou à lambança de fazer tudo o que prometia não fazer. Se for rasgada, a vitória a manchará com a pecha de que apelou ao jeitinho como todo mundo. Sonhar é fácil. Despertar, nem tanto.
Uma resolução torta - IVAN IUNES
CORREIO BRAZILIENSE - 02/10
A profusão de novos partidos no Brasil nos últimos três anos mostra que o país não apenas retrocedeu no campo das regras para criação de legendas, como pode voltar, politicamente, aos patamares das década de 1980 e 1990, quando a democracia ainda era um modelo a ser consolidado no país. Nos 10 anos que marcaram o fim do período militar, foram criadas 16 siglas - sete das quais já extintas. Na década seguinte, marcada pela estabilização da economia, o ritmo diminuiu, com 11 novos partidos, sendo que outros quatro nasceram da fusão entre agremiações.
Nos primeiros anos do século 21, a corrida para fundar novos partidos caiu dramaticamente. "Apenas" três conseguiram registro no Tribunal Superior Eleitoral entre 2000 e 2009 - mais três nasceram de fusões ou apenas da troca de nomes de antigas agremiações. Nos últimos três anos, porém, a tendência se inverteu. Caso a Rede Sustentabilidade seja aprovada, serão quatro novos partidos em três anos. Mas o que mudou em termos de legislação eleitoral no país para que as novas legendas se tornassem mais atrativas do que as velhas? Por incrível que pareça, uma medida que, em tese, veio para moralizar o troca-troca partidário: a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que ficou conhecida como Lei da Fidelidade Partidária.
Ao estabelecer a perda automática de mandato para quem trocasse de partido, a Corte liberou uma janela de infidelidade para os recém-criados. Com isso, acabou por incentivar a corrida para a criação de siglas. Pior, quanto mais parlamentares migrarem, maior a pujança em tempo de tevê e fundo partidário, para legendas mal iniciadas no jogo político. É difícil esperar que o Congresso, por si só, elimine a última fresta deixada pela Justiça Eleitoral para a infidelidade partidária. A questão interessa, em tese, aos grandes partidos, de olho em evitar o êxodo de parlamentares. Ocorre que, na mesma medida, é ótima para o governo federal, que sempre consegue surrupiar deputados da oposição, utilizando-se da brecha. Melhor seria se o próprio TSE revisse, enfim, a resolução da Lei Partidária, retirando o mandato também daqueles que migram para novas siglas. Em uma eleição proporcional, quando a maior parte dos deputados sai vitoriosa das urnas com votos dados a outros políticos da mesma legenda, nada mais correto do que o mandato ficar com a legenda. Independentemente do que motivou a troca de partido.
Nos primeiros anos do século 21, a corrida para fundar novos partidos caiu dramaticamente. "Apenas" três conseguiram registro no Tribunal Superior Eleitoral entre 2000 e 2009 - mais três nasceram de fusões ou apenas da troca de nomes de antigas agremiações. Nos últimos três anos, porém, a tendência se inverteu. Caso a Rede Sustentabilidade seja aprovada, serão quatro novos partidos em três anos. Mas o que mudou em termos de legislação eleitoral no país para que as novas legendas se tornassem mais atrativas do que as velhas? Por incrível que pareça, uma medida que, em tese, veio para moralizar o troca-troca partidário: a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que ficou conhecida como Lei da Fidelidade Partidária.
Ao estabelecer a perda automática de mandato para quem trocasse de partido, a Corte liberou uma janela de infidelidade para os recém-criados. Com isso, acabou por incentivar a corrida para a criação de siglas. Pior, quanto mais parlamentares migrarem, maior a pujança em tempo de tevê e fundo partidário, para legendas mal iniciadas no jogo político. É difícil esperar que o Congresso, por si só, elimine a última fresta deixada pela Justiça Eleitoral para a infidelidade partidária. A questão interessa, em tese, aos grandes partidos, de olho em evitar o êxodo de parlamentares. Ocorre que, na mesma medida, é ótima para o governo federal, que sempre consegue surrupiar deputados da oposição, utilizando-se da brecha. Melhor seria se o próprio TSE revisse, enfim, a resolução da Lei Partidária, retirando o mandato também daqueles que migram para novas siglas. Em uma eleição proporcional, quando a maior parte dos deputados sai vitoriosa das urnas com votos dados a outros políticos da mesma legenda, nada mais correto do que o mandato ficar com a legenda. Independentemente do que motivou a troca de partido.
Primeiros capítulos - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 02/10
Aos poucos, vai se montando o cenário e seus principais atores. Na novela eleitoral, José Serra recebeu o gesto de carinho que esperava, um apelo do presidente do partido, Aécio Neves. Assim, não vai sair do PSDB. Com Cid Gomes fora do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, em carreira solo, rumo a uma candidatura própria para colocar a legenda no elenco de protagonistas. Falta apenas definir que papel caberá à ex-ministra Marina Silva e qual arranjo Dilma fará nos ministérios no fim deste ano para se ter uma ideia clara de que rumo seguirá essa trama.
Vamos começar por Dilma. Ontem, ela deu um jeito de adiar a disputa entre PT e PMDB por cargos no governo. Os dois partidos brigavam pela Integração Nacional. Diante das incertezas para 2014, ela não teria alternativa senão entregar a pasta ao PMDB, preterindo seu próprio partido, que deseja a vaga. Diante dessa queda de braço, Dilma não deu a vitória nem a um nem a outro. Simplesmente nomeou um técnico, Francisco Teixeira, ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes.
A atitude da presidente, de escolher um técnico, foi tomada para tentar diluir as pressões do PMDB e do próprio PT. De quebra, “gruda” ainda mais Cid Gomes ao projeto da reeleição. Embora Francisco Teixeira assuma interinamente, todo mundo sabe que em janeiro haverá outros ministérios vagos e ela não precisará necessariamente entregar a Integração Nacional ao PMDB. A expectativa é a de que pelo menos 10 ministros deixem o cargo para concorrer às eleições do ano que vem. Assim, Dilma incluirá a Integração Nacional nesse bolo a ser distribuído entre os diversos apoiadores e não apenas aos peemedebistas. Obviamente, isso não será mencionado, mas, nas entrelinhas, a leitura foi a de que Dilma não deseja dar a pasta da Integração Nacional de mão beijada aos peemedebistas. Quer primeiro, saber dali quem está com ela e quem tem ouros projetos.
Em certo ponto, a presidente tem lá suas razões. Afinal, se entregasse a um determinado grupo, deixaria vários insatisfeitos. Assim, diante da expectativa de poder futuro, todos permanecem na base governista, sonhando com a Integração e suas obras, que saltam aos olhos do eleitor, em especial, do Nordeste.
Enquanto isso, no mercado futuro...
O problema é que, ao adiar a disputa para janeiro, Dilma não tem a certeza de que a briga será transformada num “amistoso” entre os principais aliados. Se a avidez por cargos não for menor, a tendência é uma geração de insatisfeitos, pronta para seguir outros caminhos na temporada eleitoral de fato. A aposta da presidente, entretanto, é a de que sua popularidade, em alta novamente, será suficiente para conter arroubos de rebeldia de quem se sentir preterido na distribuição dos ministérios em dezembro ou janeiro. Afinal, ninguém quer brigar com presidente da República, ainda mais com a possibilidade concreta de reeleição.
Se a perspectiva de aumento de popularidade avistada pelo Planalto não se confirmar, Dilma verá os insatisfeitos seguirem outros rumos, seja Eduardo Campos, seja Aécio Neves. O PSDB do senador Aécio deu ontem uma demonstração de habilidade ao garantir a permanência de José Serra no partido. Mostrou que tem interesse em agregar os seus. Da parte de Eduardo Campos, a sensação é a de que, depois da saída do governo Dilma, o governador voltou a agir de forma mais silenciosa, deixando para chamar a atenção depois de 5 de outubro. Afinal, algumas de suas apostas deram água. A ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins ficou no PT graças à promessa de Lula de que será candidata ao que desejar em 2014. Além disso, ela deve integrar o conselho de uma estatal. O PSB, por sua vez, fica exclusivo de Sérgio Novaes, ex-marido de Luizianne.
A negociação em torno de Luizianne e o reforço que Dilma deu ao governador Cid Gomes dentro da estrutura de governo mostram que ela não vai brincar na hora de aproveitar tudo o que tem ao seu dispor para angariar apoios. Nesse jogo, não conseguiu, entretanto, tirar José Serra do campo da oposição. Afinal, ainda que ficasse fora do PSDB, Serra não trabalharia para o PT nem trabalhará. O problema agora dele é resolver como fica a distribuição de poder em São Paulo entre Serra e o governador Geraldo Alckmin. Essa, entretanto, é outro capítulo a ser apresentado mais adiante. Os de hoje e o de amanhã estão a cargo de Marina Silva e a sua Rede.
Aos poucos, vai se montando o cenário e seus principais atores. Na novela eleitoral, José Serra recebeu o gesto de carinho que esperava, um apelo do presidente do partido, Aécio Neves. Assim, não vai sair do PSDB. Com Cid Gomes fora do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, em carreira solo, rumo a uma candidatura própria para colocar a legenda no elenco de protagonistas. Falta apenas definir que papel caberá à ex-ministra Marina Silva e qual arranjo Dilma fará nos ministérios no fim deste ano para se ter uma ideia clara de que rumo seguirá essa trama.
Vamos começar por Dilma. Ontem, ela deu um jeito de adiar a disputa entre PT e PMDB por cargos no governo. Os dois partidos brigavam pela Integração Nacional. Diante das incertezas para 2014, ela não teria alternativa senão entregar a pasta ao PMDB, preterindo seu próprio partido, que deseja a vaga. Diante dessa queda de braço, Dilma não deu a vitória nem a um nem a outro. Simplesmente nomeou um técnico, Francisco Teixeira, ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes.
A atitude da presidente, de escolher um técnico, foi tomada para tentar diluir as pressões do PMDB e do próprio PT. De quebra, “gruda” ainda mais Cid Gomes ao projeto da reeleição. Embora Francisco Teixeira assuma interinamente, todo mundo sabe que em janeiro haverá outros ministérios vagos e ela não precisará necessariamente entregar a Integração Nacional ao PMDB. A expectativa é a de que pelo menos 10 ministros deixem o cargo para concorrer às eleições do ano que vem. Assim, Dilma incluirá a Integração Nacional nesse bolo a ser distribuído entre os diversos apoiadores e não apenas aos peemedebistas. Obviamente, isso não será mencionado, mas, nas entrelinhas, a leitura foi a de que Dilma não deseja dar a pasta da Integração Nacional de mão beijada aos peemedebistas. Quer primeiro, saber dali quem está com ela e quem tem ouros projetos.
Em certo ponto, a presidente tem lá suas razões. Afinal, se entregasse a um determinado grupo, deixaria vários insatisfeitos. Assim, diante da expectativa de poder futuro, todos permanecem na base governista, sonhando com a Integração e suas obras, que saltam aos olhos do eleitor, em especial, do Nordeste.
Enquanto isso, no mercado futuro...
O problema é que, ao adiar a disputa para janeiro, Dilma não tem a certeza de que a briga será transformada num “amistoso” entre os principais aliados. Se a avidez por cargos não for menor, a tendência é uma geração de insatisfeitos, pronta para seguir outros caminhos na temporada eleitoral de fato. A aposta da presidente, entretanto, é a de que sua popularidade, em alta novamente, será suficiente para conter arroubos de rebeldia de quem se sentir preterido na distribuição dos ministérios em dezembro ou janeiro. Afinal, ninguém quer brigar com presidente da República, ainda mais com a possibilidade concreta de reeleição.
Se a perspectiva de aumento de popularidade avistada pelo Planalto não se confirmar, Dilma verá os insatisfeitos seguirem outros rumos, seja Eduardo Campos, seja Aécio Neves. O PSDB do senador Aécio deu ontem uma demonstração de habilidade ao garantir a permanência de José Serra no partido. Mostrou que tem interesse em agregar os seus. Da parte de Eduardo Campos, a sensação é a de que, depois da saída do governo Dilma, o governador voltou a agir de forma mais silenciosa, deixando para chamar a atenção depois de 5 de outubro. Afinal, algumas de suas apostas deram água. A ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins ficou no PT graças à promessa de Lula de que será candidata ao que desejar em 2014. Além disso, ela deve integrar o conselho de uma estatal. O PSB, por sua vez, fica exclusivo de Sérgio Novaes, ex-marido de Luizianne.
A negociação em torno de Luizianne e o reforço que Dilma deu ao governador Cid Gomes dentro da estrutura de governo mostram que ela não vai brincar na hora de aproveitar tudo o que tem ao seu dispor para angariar apoios. Nesse jogo, não conseguiu, entretanto, tirar José Serra do campo da oposição. Afinal, ainda que ficasse fora do PSDB, Serra não trabalharia para o PT nem trabalhará. O problema agora dele é resolver como fica a distribuição de poder em São Paulo entre Serra e o governador Geraldo Alckmin. Essa, entretanto, é outro capítulo a ser apresentado mais adiante. Os de hoje e o de amanhã estão a cargo de Marina Silva e a sua Rede.
Qual voz das ruas? - CONRADO HÜBNER MENDES
O Estado de S.Paulo - 02/10
Traído pelos embargos infringentes, o sistema processual brasileiro saiu do armário outra vez. Após extensas discussões sobre a Ação Penal 470, observadores procuram compreender o sentido de um dos recursos mais esotéricos de nosso Judiciário. É improvável que outro recurso tenha atingido, rápido assim, tamanha popularidade no jargão político nacional (o que não se deve à sua excentricidade, e sim à transcendência política do caso).
Segundo os pensadores do processo, os embargos infringentes buscam submeter uma decisão colegiada não unânime a uma rodada deliberativa extra dentro do mesmo tribunal. Descontadas as especificidades que qualificam os requisitos desse recurso nos tribunais de segunda instância e nos tribunais superiores (como STF e STJ), levar o desacordo a sério é, como se diz, a "inteligência" do instituto.
À primeira vista, não há nada errado com ele. Sua presença no processo do STF, porém, causa surpresa: ao contrário do que se passa nos demais tribunais, o mesmo grupo de juízes do STF que toma a decisão original terá de analisar o recurso. No âmbito do STF, os embargos se sustentam com base na ambiciosa premissa de que os juízes teriam abertura de espírito para alterar suas opiniões anteriores à luz de novo confronto argumentativo. Os embargos culminariam, supõe-se, numa melhor prestação da justiça. Se essa premissa, contudo, não for plausível dentro da cultura decisória do STF (sabidamente individualista), embargos infringentes são pura perda de tempo e energia.
Há outro complicador. Se, no intervalo entre a decisão original e os embargos, novos juízes forem nomeados para o tribunal em substituição aos que se aposentam (como ocorreu na atual composição do STF, com a entrada de Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso), esses juízes podem, em alguma medida, virar o placar. Nesse caso, aos olhos do público, mais que um catalisador de argumentos depurados para a melhor prestação da justiça, os embargos infringentes não passariam de artifício para alterar a decisão graças às novas cabeças que entraram no jogo. Um fato arbitrário (novas cabeças), não novas razões, determinaria o resultado final.
Há quem diga, por fim, que os embargos infringentes concretizariam a garantia ao duplo grau de jurisdição para os réus que detenham foro privilegiado. Afinal, no caso desses réus, o STF serviria como primeira e última instância no processo. Essa é, entretanto, uma justificativa mal fabricada. Como só têm direito aos embargos os réus que, apesar de terem sido condenados por maioria, receberam pelo menos quatro votos pela absolvição, os réus que não obtiverem tais votos estariam privados do direito de recorrer, uma discriminação injustificável. Além disso, o duplo grau de jurisdição é um direito que exige um julgamento por juízes diversos dos primeiros, o que não ocorre no caso do STF. Se for para garantir o duplo grau aos detentores de foro privilegiado, alguma outra fórmula precisa ser inventada. Associar os embargos ao duplo grau seria baratear esta garantia constitucional e superestimar o papel daquele recurso.
A adoção de embargos infringentes no STF, por isso, não parece ser produto de extraordinária inteligência institucional. As recentes discussões escancaram que, entre embargos, agravos e apelações, há muita coisa fora de ordem no nosso mastodôntico sistema processual.
Qualquer sistema processual, entre outras coisas, deve efetivar um componente elementar do constitucionalismo: o direito de defesa. Não existe Estado de Direito na ausência da fricção argumentativa estimulada pela oportunidade de defender-se. É desse direito que extraímos o direito de recorrer. O recurso teria ao menos três funções: a técnico-jurídica, ao tentar corrigir erros de instâncias inferiores; a política, ao dar lastro institucional mais robusto a uma decisão de autoridade; e a psicológica, ao conceder ao indivíduo afetado uma segunda chance.
Mas o cipoal de recursos do processo brasileiro é consequência de uma perversão dessas funções, do abuso do direito de defesa. Acredita-se que a maximização dos recursos equivale à minimização da falibilidade judicial. Com base nessa crença de fundo nosso sistema processual permanece refém da chicana advocatícia bem remunerada, em prejuízo de outros valores que o processo deve realizar, como a igualdade e a celeridade. O processo judicial, o penal em especial, é um dos nossos mais eficientes motores de discriminação.
Essas patologias são relevantes para pensar numa reforma corajosa e radical do processo. Ainda assim, nada têm que ver com a decisão do STF de acolher os embargos. Gostemos ou não do recurso, a maioria dos ministros entendeu que ele permanece vigente com base no regimento interno do STF e não teria sofrido, como outros alegaram, revogação implícita pela Lei 8.038, de 1990. Se a revogação fosse tão óbvia na vontade do legislador, como lembrou o ministro Celso de Mello, faria pouco sentido que os parlamentares de PSDB, DEM, PPS e PT tivessem, em 1998, rejeitado projeto de lei enviado ao Congresso pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e que extinguia os embargos infringentes. Por mais irracional que seja, o sistema vigente precisa ser obedecido até que uma reforma o corrija.
Há vários atalhos fáceis para desqualificar a decisão do STF. Um deles é reduzir a decisão a um sintoma de iberismo, formalismo ou seja lá o que for. Melhor ainda se puder lustrar o rótulo com a citação oca de filósofo famoso. Esse caminho mais atrapalha do que ajuda, pois se recusa a participar da trabalhosa tarefa de interpretar e reformar o direito. Outro é proclamar-se intérprete oficial das manifestações e apelar para "a voz" das ruas: se não há resposta clara nas leis, curve-se à que mais agrada às maiorias de conjuntura. Um tribunal não pode ser surdo às múltiplas "vozes" das ruas, mas há maneiras e maneiras de ouvi-las. Ainda bem que o STF, a despeito do esforço de alguns ministros, não se rendeu à pior delas.
Traído pelos embargos infringentes, o sistema processual brasileiro saiu do armário outra vez. Após extensas discussões sobre a Ação Penal 470, observadores procuram compreender o sentido de um dos recursos mais esotéricos de nosso Judiciário. É improvável que outro recurso tenha atingido, rápido assim, tamanha popularidade no jargão político nacional (o que não se deve à sua excentricidade, e sim à transcendência política do caso).
Segundo os pensadores do processo, os embargos infringentes buscam submeter uma decisão colegiada não unânime a uma rodada deliberativa extra dentro do mesmo tribunal. Descontadas as especificidades que qualificam os requisitos desse recurso nos tribunais de segunda instância e nos tribunais superiores (como STF e STJ), levar o desacordo a sério é, como se diz, a "inteligência" do instituto.
À primeira vista, não há nada errado com ele. Sua presença no processo do STF, porém, causa surpresa: ao contrário do que se passa nos demais tribunais, o mesmo grupo de juízes do STF que toma a decisão original terá de analisar o recurso. No âmbito do STF, os embargos se sustentam com base na ambiciosa premissa de que os juízes teriam abertura de espírito para alterar suas opiniões anteriores à luz de novo confronto argumentativo. Os embargos culminariam, supõe-se, numa melhor prestação da justiça. Se essa premissa, contudo, não for plausível dentro da cultura decisória do STF (sabidamente individualista), embargos infringentes são pura perda de tempo e energia.
Há outro complicador. Se, no intervalo entre a decisão original e os embargos, novos juízes forem nomeados para o tribunal em substituição aos que se aposentam (como ocorreu na atual composição do STF, com a entrada de Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso), esses juízes podem, em alguma medida, virar o placar. Nesse caso, aos olhos do público, mais que um catalisador de argumentos depurados para a melhor prestação da justiça, os embargos infringentes não passariam de artifício para alterar a decisão graças às novas cabeças que entraram no jogo. Um fato arbitrário (novas cabeças), não novas razões, determinaria o resultado final.
Há quem diga, por fim, que os embargos infringentes concretizariam a garantia ao duplo grau de jurisdição para os réus que detenham foro privilegiado. Afinal, no caso desses réus, o STF serviria como primeira e última instância no processo. Essa é, entretanto, uma justificativa mal fabricada. Como só têm direito aos embargos os réus que, apesar de terem sido condenados por maioria, receberam pelo menos quatro votos pela absolvição, os réus que não obtiverem tais votos estariam privados do direito de recorrer, uma discriminação injustificável. Além disso, o duplo grau de jurisdição é um direito que exige um julgamento por juízes diversos dos primeiros, o que não ocorre no caso do STF. Se for para garantir o duplo grau aos detentores de foro privilegiado, alguma outra fórmula precisa ser inventada. Associar os embargos ao duplo grau seria baratear esta garantia constitucional e superestimar o papel daquele recurso.
A adoção de embargos infringentes no STF, por isso, não parece ser produto de extraordinária inteligência institucional. As recentes discussões escancaram que, entre embargos, agravos e apelações, há muita coisa fora de ordem no nosso mastodôntico sistema processual.
Qualquer sistema processual, entre outras coisas, deve efetivar um componente elementar do constitucionalismo: o direito de defesa. Não existe Estado de Direito na ausência da fricção argumentativa estimulada pela oportunidade de defender-se. É desse direito que extraímos o direito de recorrer. O recurso teria ao menos três funções: a técnico-jurídica, ao tentar corrigir erros de instâncias inferiores; a política, ao dar lastro institucional mais robusto a uma decisão de autoridade; e a psicológica, ao conceder ao indivíduo afetado uma segunda chance.
Mas o cipoal de recursos do processo brasileiro é consequência de uma perversão dessas funções, do abuso do direito de defesa. Acredita-se que a maximização dos recursos equivale à minimização da falibilidade judicial. Com base nessa crença de fundo nosso sistema processual permanece refém da chicana advocatícia bem remunerada, em prejuízo de outros valores que o processo deve realizar, como a igualdade e a celeridade. O processo judicial, o penal em especial, é um dos nossos mais eficientes motores de discriminação.
Essas patologias são relevantes para pensar numa reforma corajosa e radical do processo. Ainda assim, nada têm que ver com a decisão do STF de acolher os embargos. Gostemos ou não do recurso, a maioria dos ministros entendeu que ele permanece vigente com base no regimento interno do STF e não teria sofrido, como outros alegaram, revogação implícita pela Lei 8.038, de 1990. Se a revogação fosse tão óbvia na vontade do legislador, como lembrou o ministro Celso de Mello, faria pouco sentido que os parlamentares de PSDB, DEM, PPS e PT tivessem, em 1998, rejeitado projeto de lei enviado ao Congresso pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e que extinguia os embargos infringentes. Por mais irracional que seja, o sistema vigente precisa ser obedecido até que uma reforma o corrija.
Há vários atalhos fáceis para desqualificar a decisão do STF. Um deles é reduzir a decisão a um sintoma de iberismo, formalismo ou seja lá o que for. Melhor ainda se puder lustrar o rótulo com a citação oca de filósofo famoso. Esse caminho mais atrapalha do que ajuda, pois se recusa a participar da trabalhosa tarefa de interpretar e reformar o direito. Outro é proclamar-se intérprete oficial das manifestações e apelar para "a voz" das ruas: se não há resposta clara nas leis, curve-se à que mais agrada às maiorias de conjuntura. Um tribunal não pode ser surdo às múltiplas "vozes" das ruas, mas há maneiras e maneiras de ouvi-las. Ainda bem que o STF, a despeito do esforço de alguns ministros, não se rendeu à pior delas.