Modernidade triste? - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 12/09

Uma mensagem cristã de desvalorização do presente e repulsa ao prazer está na origem de nossa cultura


No século 4 da nossa era, nos mosteiros da Europa, a tristeza, "accidia" em latim, era considerada pecado grave, e as regras monásticas se esforçavam para identificá-la e combatê-la. Mesmo assim, muitos monges continuavam tristes.

A Europa era uma desolação. Das janelas de seus oásis de (relativa) tranquilidade, os monges podiam enxergar o horror. A cultura clássica, grega e romana, era esquecida --ignorada pela imensa maioria de iletrados ou perdida no descaso pelos manuscritos antigos. O desabamento do Império Romano transformara o território em uma terra de ninguém, em que o poder ficava com as hordas de mercenários e bandidos ocasionais. Suficiente para qualquer um ficar triste.

Mas talvez haja uma razão menos contingente para a tristeza aparecer como uma nova aflição, bem na hora em que a cultura clássica deixava seu lugar ao cristianismo. É irônico, aliás, que a dita tristeza ameaçasse logo os monges, que eram guardiões dos textos gregos e romanos que sobravam, mas que também praticavam o palimpsesto -- a arte de apagar os manuscritos antigos para usar os pergaminhos novamente, copiando os textos da nova religião.

Note-se também que, desde a acídia dos monges, a tristeza parece ter se tornado um traço distintivo da cultura ocidental e, especificamente, da modernidade, do "spleen" romântico até a depressão clínica, hoje diagnosticada a esmo. Por que, então, seríamos culturalmente tristes?

Naquele momento, no século 4, morria uma cultura para a qual o que importava era viver o momento, e nascia outra, para a qual nossa vida era apenas uma provação, pela qual ganharíamos ou perderíamos a chance de uma suposta eternidade feliz.

Desde então, é como se a vida que importa nunca mais fosse a que estamos vivendo; o pátio de casa não basta, somos infelizes e insatisfeitos porque a vida "verdadeira" nos espera lá onde ainda não chegamos.

A cultura clássica, que morria, tinha valorizado um estilo de vida norteado por um uso discreto e constante dos deleites da mente e da carne. A cultura cristã, que nascia, apontava no prazer um parente do vício e valorizava o sacrifício e a renúncia, como se Deus tivesse um apreço por nosso sofrimento.

Não sei por que Deus reconheceria algum mérito nas renúncias da gente. Freud responderia, provavelmente, que esta é a função social da religião: controlar nossos impulsos, impondo as renúncias que são necessárias para que a convivência social se torne possível. Muitos iluministas pensaram a mesma coisa.

Graças ao cristianismo, ao considerar castigos e recompensas na eternidade, nós nos tornaríamos governáveis -- sem medo do além, não haveria convívio possível (o paradoxo aqui é que essa consideração não inibiu a própria Igreja, que durante séculos e séculos foi uma instituição de crueldade inaudita).

A cultura clássica (Epicuro, por exemplo) preferia tratar os humanos como adultos e apostar que eles se disciplinariam sem ter que acreditar em um além e sem precisar de um mercado de punições e prêmios eternos: a consciência da finitude da vida seria suficiente para torná-los comedidos e dignos.

Em um jantar na casa de Thérèse Parisot, em dezembro de 1970 (sei a data pois a conversa foi sobre as condenações dos processos de Burgos), Jacques Lacan, o psicanalista francês, chegou com um pequeno volume in-octavo. Era um panfleto anônimo, segundo o qual o verdadeiro messias não era Cristo, mas Epicuro (peço que se manifestem os bibliófilos que reconhecerem o livro). Certamente, a obra era a provocação de um libertino dos séculos 17 ou 18.

Mas a questão continua valendo: será que uma modernidade seria possível sem a desvalorização do momento presente e sem a repulsa ao prazer que são partes da mensagem cristã e que talvez sejam a fonte de nossa tristeza crônica?

Qual modernidade seria possível com Epicuro, e não contra ele? Somos modernos graças ao cristianismo ou somos modernos graças ao materialismo e à disciplina dos prazeres que atravessaram a modernidade perseguidos e silenciados pelo cristianismo?

Para inventar uma resposta, um livro imperdível: dos ensaios que li nos últimos 15 anos, nenhum me prendeu e me tocou tanto quanto "A Virada, o Nascimento do Mundo Moderno", de Stephen Greenblatt.

O Livro da Vida e o lacerdinha - NILTON BONDER

O GLOBO - 12/09

Do ano novo ao Dia do Perdão os judeus rezam para serem inscritos no Livro da Vida. Este ano, enquanto entoava a oração mais grave sobre quem viverá neste novo ano e quem, na natureza da finitude, perecerá neste ano, saltou sobre meu livro de rezas um lacerdinha. Ele saíra de um painel de plantas à minha frente e começou, no modo que lhes é singular, a deslocar-se lentamente sobre as palavras hebraicas que diziam: "Quem viverá e quem morrerá?; quem pelo fogo, quem pela água?; quem pela doença, quem pelo acidente?"

Para quem não sabe, o lacerdinha era um inseto muito comum no Rio e que por questões de adaptação a esta cidade tão difícil deve estar em extinção. Não via um deles há muitos anos. Em homenagem ao ícone dos políticos da época, ganharam esse nome por sua capacidade de atazanar a vida dos pobres mortais, apesar de a analogia hoje não ser de todo apropriada, já que, infelizmente, os políticos são uma espécie em franca expansão e mutação. Confesso que para mim os lacerdinhas eram uma questão pessoal: para além do asco, à semelhança de políticos, atacavam em bando e tinham predileção pela cor branca tal qual a obsessão de contraventores por esta coloração. Quantas vezes na infância sofri por conta da atração que tinham pela esclerótica (a parte branca que circunda a pupila) onde deixavam uma coceira-ardência inesquecível. Com todo esse passado entre nós, lá estava ele passeando pelo meu livro e bastaria um único e leve movimento enquanto se aventurava pela dobradura da encadernação para imprensá-lo para sempre junto à bela liturgia sobre a vulnerabilidade da vida.

Comecei a refletir sobre a frugalidade de tal decisão e seus paralelos com minha própria inserção no universo. Todos nós queremos viver mais um e muitos anos em longevidade. Li há pouco um estudo sobre pessoas que vivem para além dos 100 anos. Uns diziam que seu segredo era fumar e beber enquanto outros diziam que era fazer esportes e levar uma vida saudável; uns que era viver sem muita preocupação e outros que era viver uma vida regrada; uns que era uma vida sexual exuberante e outros que era viver uma vida celibatária (mulher de 105 anos!). Enfim parece não haver um segredo único para evitar que o livro se feche e nos esmague definitivamente.

Há no Talmude, no entanto, uma bizarra opinião sobre o que seria esse segredo: diz Rabi Iehuda que a vida se prolonga quando prolongamos as preces, a mesa e o tempo no banheiro. Se por um lado peculiar, talvez haja aqui uma relevante lição sobre vida e morte. Acho que Rabi Iehuda está tentando dizer que a vida se prolonga verdadeiramente não no controle dos anos, mas naquilo que se pode prolongar na rotina. Independentemente dos anos vividos, quem viverá este ano num ritmo que prolonga sua vida? Ou diremos no fim deste ano que tudo está passando rápido demais ao darnos conta que mais um ciclo se passou?

Talvez as preces sejam nossa relação com o Criador e com a vida. Prolongar mais esta dimensão traria longevidade não dos anos, mas do dia. Prolongar a mesa seria estar-se mais ligado à família, amigos e comunidade. Quanto mais vivemos apenas para nós, mais rápido passa o tempo, e quanto mais nos envolvemos com o outro, mais prolongadas são as experiências de vida. E prolongar o tempo no banheiro seria ter mais tempo para si. É muito estranho, mas muitas vezes o banheiro é o único lugar onde podemos estar a sós. Muitas mães, muitos trabalhadores, empresários ou mesmo qualquer um, sabe que este é o único lugar onde o telefone e as urgências do outro ficam anuladas.

Prolongar o tempo com Deus (meditar e alegrar-se); prolongar tempo com comunidade (viver para além de si); e prolongar o tempo de re-tiro e de tempo para si, isso sim prolonga a vida.

Porque, do lado de fora, a vulnerabilidade da vida é muito grande. Num único momento, num único impulso e qualquer lacerdinha tem seu édito escrito. Encontrar favor e mercê é sempre uma possibilidade, mas não devemos contar com isso. O que, sim, podemos fazer é uma boa gestão, que prolonga enquanto durar.

Saudades de Bogotá - CORA RÓNAI

O GLOBO - 12/09

A capital que entrevi pela primeira vez é sofisticada, bonita e orgulhosa das suas tradições culturais


Gosto de viajar com o dever de casa bem feito, mas, desta vez, o convite veio em cima da hora, e não tive tempo de ler sequer o mais simples dos guias de viagem. Quando embarquei para Bogotá, na segunda-feira da outra semana, tudo o que eu sabia sobre a Colômbia se resumia a meia dúzia de nomes, nem todos necessariamente recomendáveis: Gabriel García Márquez, Botero, Pablo Escobar, Farc, Cartel de Medellín, Bogotazo... Pouco, vergonhosamente pouco, sobretudo para alguém que acha que o mundo inteiro tem a obrigação de saber que a capital do Brasil não é Buenos Aires.

A surpresa começou já no aeroporto. Para quem está habituado aos aeroportos brasileiros, o El Dorado é um sério choque de humildade. É o terceiro da América Latina em movimento, atrás apenas de Guarulhos e do aeroporto da Cidade do México, mas nem se compara com Guarulhos nos demais quesitos. Novo, espaçoso, bonito, tinindo de limpo, é também tudo o que o Galeão não é. E isso é o que a gente vê na chegada; na saída, ainda descobre um free shop de primeiro mundo, daqueles de torcer pelo atraso do avião.

No caminho para o hotel, entrevi parques, árvores, prédios de tijolinho, calçadas limpas. Poucos outdoors, letreiros discretos nas lojas, pouca propaganda de modo geral. Quando cheguei, já estava convencida de que ia gostar muito mais daquela cidade do que jamais teria imaginado; quando parti, cinco dias depois, vim cheia de saudades, com muita vontade de voltar logo à Colômbia, dessa vez como turista, para passear com calma por Bogotá, ir a todos os museus e bibliotecas, conhecer as outras cidades e provar as muitas comidinhas que não tive tempo de experimentar. A capital que entrevi é sofisticada, bonita e orgulhosa das suas tradições culturais.

______

Bogotá é enorme. Tem quase oito milhões de habitantes, e todos os contrastes daí decorrentes. Mas tem uma característica toda sua, muito especial, que deu grande inveja a esta carioca: a educação das pessoas. Nos restaurantes, é impossível saber sobre o que conversam as mesas ao lado; nas ruas, as pessoas que trocam ideias estão, em geral, do mesmo lado da calçada, e próximas umas às outras; ninguém fala aos berros, muito menos pontuando a conversa com palavrões.

Os colombianos com quem entrei em contato, sem exceção, foram atenciosos e gentis num grau que eu já não me lembrava que existia. Logo no primeiro dia, deixei as malas no quarto e saí para passear pela vizinhança. Não levei mapa e me perdi. Perguntei a três rapazes que conversavam de pé numa esquina se sabiam onde ficava o hotel. Os três imediatamente se dispuseram a me levar, e lá fui eu, escoltada pelos meus novos amigos. Andamos cerca de um quarteirão. Quando chegamos, eu já tinha dicas de restaurantes, lojas e barzinhos para um mês inteiro.

Um rapaz me ofereceu o lugar num ônibus lotado; uma menina me ofereceu o lugar no ônibus do aeroporto que conduziu os passageiros para o avião, parado em posição remota.

______

Até outro dia, a Colômbia era dada como um caso perdido. Era uma das principais produtoras de drogas do mundo e vítima de uma guerrilha que transformava a vida das suas cidades em autênticos pesadelos. Custa crer que, cerca de uma década depois, esse cenário é (quase) passado. O governo de Álvaro Uribe fechou o cerco contra o narcotráfico, isolou as Farc (que hoje têm rejeição de mais de 90% dos colombianos) e, paralelamente, criou programas sociais para as crianças e os jovens que, antes, eram recrutados pelos traficantes.

Ainda há violência em Bogotá, como em toda grande cidade, mas nada que se compare com o que enfrentamos no Rio ou em São Paulo. É claro que, para não correr riscos desnecessários, valem as regras básicas do bom senso: não sair com joias pesadas, vigiar os seus pertences, evitar certas zonas à noite. Coisas naturais que qualquer turista esperto faz em Londres, Nova York ou Paris. Parece também que não se deve pegar táxi a esmo, na rua; só telefonando ou chamando através de um aplicativo para smartphone. Mas quando precisei de taxi, sozinha, peguei mesmo os que iam passando e não tive problema, a não ser fazer os motoristas entenderem aonde eu queria ir. Portunhol não é a opção ideal de comunicação com os taxistas locais.

Por falar em táxi: eles são baratos, mas dispensáveis. Bogotá tem um ótimo sistema de transporte público, o TransMilenio, em que ônibus articulados funcionam em faixas seletivas com a rigidez e a regularidade de trens de metrô. Não cheguei a usá-lo, mas os bogotanos são unânimes nos elogios, e gostam de apontar que a ideia foi exportada, com sucesso, para diversas outras cidades, de Amsterdam a Seul. Já os ônibus comuns são tão indisciplinados quanto as nossas vans: não têm pontos fixos e param em qualquer lugar, o que é prático para os passageiros mas desastroso para o trânsito, que, sobretudo no Centro, é uma calamidade. O que salva o direito de ir e vir dos bogotanos são os mais de 350 quilômetros de ciclovias, amplamente utilizados.

O espaço da coluna termina, e eu nem falei ainda da comida deliciosa, do artesanato irresistível, das lojas de sucos, das frutas que só eles têm e do tanto que há para ver, comprar e provar. Fica para outro dia. E, sobretudo, fica a dica: a Colômbia é logo ali.

FH, o belo - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 12/09

A atriz Maitê Proença, que estava na posse de FH na ABL, na terça, sapecou um galanteio no ex-presidente:
— Você é o homem mais lindo que eu conheço! E só pra ficar claro: na categoria de lindo a que me refiro, em segundo lugar está o Chico Buarque.

Segue...
FH, todo prosa, ainda brincou com Aécio, que estava ao lado da atriz:
— O Aécio nem entra na equação! E Maitê:
— O Aécio é o terceiro!
Ah, bom!

Aquele abraço
Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura de Lula, também foi à posse de FH e não poupou elogios ao novo acadêmico:
— Não creio que seja relevante o fato de ter sido presidente. No caso de FH é mesmo a sua ligação profunda com o verbo, a palavra escrita, falada, sociológica, política. O grande pensador que ele é.

As concessões
Guido Mantega volta a se reunir hoje, em São Paulo, com os presidentes dos 11 maiores bancos do país.
Na pauta, de novo, o modelo de financiamento das concessões.

O novo Bakunin
O pessoal do Black Bloc, vestido de preto, promoveu uma espécie de comício quarta-feira na Praça São Salvador, a dois quarteirões do Palácio Guanabara, no Rio.
Teve até exibição de um vídeo sobre o cinegrafista e anarquista americano Brad Will, morto durante rebelião de moradores da cidade mexicana de Oaxaca, em 2006.
Brad, que esteve no Brasil para documentar o movimento dos sem-teto, é guru da turma no mundo inteiro.

Herdeiro de Eike
A gigante Anglo American não para de maldizer o dia em que comprou de Eike Sempre Ele Batista o projeto Minas-Rio, um complexo de minas, transporte e embarque de minério de ferro em Porto Açu.
A conta não para de crescer, embora não tenha entrado em operação. Deve sair agora por uns US$ 14,5 bilhões.

Só que...
No setor, o que se diz é que, para ser um bom negócio, o projeto teria de transportar uns 70 milhões de toneladas por ano, e não 26,5 milhões de toneladas, como está previsto na primeira etapa.
Mas uma ampliação desta natureza teria que convencer o governo mineiro, o que não é fácil, a autorizar a captação de mais água do seu solo. É que o minério é diluído em água para ser transportado num duto de 522 quilômetros, entre Minas e Rio.

Em tempo...
A venda deste projeto para a Anglo American em 2008 por cerca de US$ 5,5 bilhões deve ter sido a maior tacada empresarial de Eike.
Passados cinco anos, o que restou desta grana foi... não sei.

Casa do Jongo
Demorou. Mas finalmente Eduardo Paes comprou a área onde funcionará a Casa do Jongo, na Serrinha, em Madureira, para celebrar esta manifestação cultural africana trazida ao Brasil pelos escravos.
O Diário Oficial publicou concorrência para reforma do antigo imóvel da Capemi. Deve ser inaugurada em 2014, no dia 26 de julho, Dia do Jongo.

Casa cheia
A Odebrecht, gigante que é majoritária na administração do Maracanã, torce para ter um time do Rio na final da Copa do Brasil. Como se sabe, Fla, Botafogo e Vasco estão na briga, os dois primeiros em confronto direto.
É que projeta uma renda, nessa possível final de um carioca, acredite, de uns R$10 milhões, que seria recorde no futebol brasileiro.

Quem se habilita?
A Santa Casa da Misericórdia do Rio, depois do afastamento de Dahas Zarur, vai abrir concorrência para escolher a empresa que administrará as suas quatro clínicas e o Hospital Geral, no Centro.

Final feliz
A direção do Cpdoc, da FGV, terminou anulando a demissão da historiadora Dulce Pandolfi, atendendo ao manifesto de mais de l,5 mil alunos e professores.
Sobre o tema, a FGV soltou nota dizendo que não adota um critério de idade limite de 65 anos para o desligamento dos seus profissionais: “A Fundação tem profissionais com 70 anos em diversas unidades.”

Calma, gente!
Quarta, por volta das 18h, com o trânsito parado na Avenida Niemeyer, no Rio, de repente o passageiro de um ônibus gritou apontando para o Motel Vip’s.

Um casal estava de saliência na sacada do motel sem se importar com a plateia lá embaixo. O público, digamos assim, aplaudiu e acenou para os safadinhos.

A oração de FH - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 12/09
A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença
Da fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao tomar posse anteontem como membro da Academia Brasileira de Letras, o que mais ecoou nas mídias foi a parte final, em que louvou a ainda nascente democracia, mas fez advertências graves sobre suas disfuncionalidades, que vêm frustrando uma sociedade civil mais exigente, beneficiada pelo novo acesso à informação, levando às ruas cidadãos "economicamente integrados, mas politicamente insatisfeitos" com governos e instituições. Destaque natural, por conta da trajetória política dele e do momento singular que vivemos. Mas o todo, foi além.
À vontade dentro do fardão, admitindo certo estranhamento com os ritos, mas destacando a importância deles na Cultura - o que teria aprendido com a "ilustre antropóloga" com quem foi casado, Ruth Cardoso -, FH fez um discurso monumental, erudito, mas não pernóstico, que não deixou dúvidas sobre as razões de sua escolha. A Academia, dizia Joaquim Nabuco em carta a Machado de Assis, segundo contou o acadêmico Celso Lafer em sua afetuosa, mas densa saudação, não devia abrigar apenas grandes nomes da literatura em seus diversos gêneros, mas também os maiores de seu tempo, em diferentes áreas do pensamento e da ciência.

Algo que o próprio FH realçou, ao começar falando dos que o antecederam na cadeira 36: Afonso Celso (intelectual, poeta e político), Clementino Fraga (médico), Paulo Carneiro (químico e diplomata), José Guilherme Merquior (filósofo) e João Scatimburgo (escritor). De seu perfil político e intelectual, mas não artístico, ele mesmo falou no início, revelando, talvez, um imperceptível incômodo com registros a este respeito, pelos que entendem a Academia apenas como casa de literatos. Revisitou brevemente suas raízes familiares, mencionando o pai, tios, avô e bisavô que, desde o Império, atuaram na vida militar e política do país em construção.

Discorreu depois, mais longamente, sobre suas duas vidas mais reluzentes, a de sociólogo e a de político. À primeira, foi levado pelo desejo de compreender e ajudar a mudar o Brasil. Falou dos autores que o influenciaram (tantos, além de Marx e Weber) e dos mestre que teve na USP, como Florestan Fernandes, Antonio Cândido e Roger Bastide. Não fez lista de seus 23 livros, mas contextualizou a produção dos principais trabalhos, como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridicional e o clássico Dependência e Desenvolvimento na América Latina, com Enzo Faleto. Como intelectual, reiterou, buscou aliar conhecimento à prática, fiel ao binômio igualdade e liberdade. Esta busca o fez senador, ministro, presidente. "Desenvolvimento, democracia, liberdade e igualdade foram minha obsessão. A esses objetivos dediquei meus esforços como intelectual e tentei alcançá-los em minha prática política." Defendeu a livre iniciativa, mas também a atuação do Estado na questões que o mercado não resolverá.

Elegante, tangenciou a luta política, mesmo contra a ditadura, mas lançou algumas farpas. Falou do Real como primeiro passo civilizatório e das políticas sociais iniciadas em seu governo. Reconheceu que foram ampliadas "por governos que me sucederam", com aumentos contínuos para o salário mínimo e políticas compensatórias, "as famosas bolsas", permitindo avanços na redução da desigualdade. "Isso não começou há 10 ou 20 anos, começou muito antes", disse em clara referência ao discurso do PT sobre seus feitos no poder. Só então, falou dos perigos que rondam democracia, como a apropriação da insatisfação por grupos violentos por autocracias falsamente democráticas. Uma aula, reverencialmente ouvida. A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença.

Suspense no STF
Ficou para hoje a decisão crucial do Supremo, no julgamento do mensalão, sobre a pertinência dos embargos infringentes, que poderão permitir, se acolhidos, a reconsideração das penas dos réus absolvidos, em alguns crimes, por pelo menos quatro ministros. O placar provisório de ontem, de 4 a 2 a favor da validade dos recursos, dá a medida do dilema da Corte. Rejeitando-os, contentará os que cobram a consumação do julgamento, ansiosos por ver punhos ilustres algemados. Admitindo-os, atenuará o estigma de ter realizado um julgamento excepcional, como disseram em carta aberta lançada ontem alguns luminares do meio jurídico. Negando os recursos, disseram eles, o tribunal "não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas, sim, coroando um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressões políticas e midiáticas".

Mas, no plenário, as armas continuarão sendo os argumentos técnicos sobre a prevalência do regimento, onde tais embargos estão previstos, ou da posterior Lei nº 8.030, que instituiu procedimentos para o STF e o STJ, calando-se sobre eles. A omissão revogou ou manteve a norma regimental? Teria o regimento força de lei, como pensam Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli, os que votaram pelo acolhimento? Mas, ao abrir a dissidência em relação a voto contrário do relator Joaquim Barbosa, o que disse Barroso, de mais eloquente, foi que não encontrou nos anais questionamento anterior sobre a validade de tais recursos, só agora levantada, provocando uma crispação facial em Barbosa.

Na véspera, os conhecedores da Corte diziam que tudo dependeria do voto dos dois ministros recentes, Barroso e Teori, e das duas ministras, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que têm grande afinidade jurídica. Os dois votaram a favor, seguidos por Rosa. Cármem ainda não se posicionou. Como o ministro Ricardo Lewandowski já externou posição favorável, e o ministro Gilmar Mendes, posição contrária, as grandes especulações são em relação a Celso de Mello e Marco Aurélio. O decano Celso já expressou entendimento de que os infringentes vigoram, durante o julgamento. Mas como tem sido especialmente duro, afastando-se de sua histórica posição "garantista", vai negar o que já disse? Marco Aurélio fez um aparte aparentemente restritivo ao voto de Barroso, mas é certo seu incômodo com a dosimetria adotada em alguns casos, produzindo penas que considera exorbitantes.

A troca - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO- 12/09

A substituição da máquina de escrever pelo computador não afetou muito o que se escreve. Quer dizer, existe toda uma geração de escritores que nunca viram um tabulador (que, confesso, eu nunca soube bem para o que servia) e uma literatura pontocom que já tem até os seus mitos, mas mesmo num processador de texto de último tipo ainda é a mesma velha história, uma luta por amor e glória botando uma palavra depois da outra com um mínimo de coerência, como no tempo da pena de ganso. O novo vocabulário da comunicação entre micreiros, feito de abreviações esotéricas e ícones, pode ser um desafio para os não iniciados, mas o que se escreve com ele não mudou. Mudaram, isto sim, os entornos da literatura. Não existem mais originais, por exemplo. Os velhos manuscritos corrigidos, com as impressões digitais, por assim dizer, do escritor, hoje são coisas do passado — com o computador só existe versão final. O processo da criação foi engolido, não sobram vestígios. Só se vê a sala do parto depois que enxugaram o sangue e guardaram os ferros.

Nos jornais, o efeito do computador foi muito maior do que o fim da lauda rabiscada e da prova de paquê. O computador restabeleceu o que não existia nas redações desde — bem, desde as penas de ganso. O silêncio. Um dia alguém ainda vai escrever um tratado sobre as consequências para o jornalismo mundial da substituição do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos teclados dos micros, que transformou as redações, de usinas em claustros. A desnecessidade do grito para se fazer ouvir mudou o caráter do jornalista para melhor ou o fim da identificação com um honesto e barulhento trabalho braçal lhe roubou a velha fibra? Talvez ainda seja cedo para saber.

Mas é no futuro que a troca do preto no branco pelo impulso eletrônico fará a maior confusão. A internet está cheia de textos apócrifos, inclusive alguns atribuídos a mim pelos quais recebo xingamentos (e tento explicar que não são meus) e elogios (que aceito, resignado), e que, desconfio, sobreviverão enquanto tudo que os pobres autores deixarem feito por meios obsoletos virará cinza e será esquecido. Nossa posteridade será eletrônica e, do jeito que vai, será fatalmente de outro.

Ueba! Obama é MacBomba Feliz! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 12/09

E diz que o ataque à Síria é um recado ao Irã, ops, Irânio! Então por que não ataca o Irã?


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E diz que o Obama espiona o pré-sal e a sem sal! Rarará!

E o Sensacionalista: "Obama está espionando até a fábrica do Guaraná Dolly".

A Petrobras, Guaraná Dolly, Facas Ginsu e o fenômeno Latino!

E essa: Ferrari demite Massa e fecha 20 martelinhos de ouro na Itália! Martelinhos de ouro apoiam o Felipe Amassa!

E os bat-tiozinhos do Supremo? O Supremo parece júri de programa de televisão: tem o que dá zero pra todo mundo, Joaquim Barbosa. O bonzinho, Lewandovski. O emburrado, Gilmar Mendes. E o metido a galã: Fux!

E você acha que alguém em sã consciência no Brasil sabe o que é embargo infringente? Sei, cadeia pro Zé Dirceu! Rarará!

E Obomba? O Obama lança o MacBomba Feliz! Tá determinado em atacar a Síria! Vai se meter num vespeiro!

No Oriente Médio é assim: "Você é xiita ou sunita?". "DINAMITA!". BUM! Bomba!

E diz que o ataque à Síria é um recado ao Irã, ops, Irânio! Então por que não ataca o Irã?

Quero bater no Minotauro, mas como não tenho coragem bato no baixinho da esquina! Rarará!

E chama a Ana Maria Braga pra mediar a paz no Oriente Médio.

Quando o Arafat morreu, ela declarou que: "Arafat passou uma vida dedicada à criação do Estado de Israel".

Criou o Oriente Loiro. Oriente Médio e Oriente Loiro.

E essa expressão: "Levante no Oriente Médio". Obrigado, prefiro levantar em Paris. Rarará.

E torno a repetir: avisa pro Obama que bombardear pela paz é como trepar pela virgindade!

E arma química é a minha sogra quando toma Luftal. Arma química é aquele esfirrão da rodoviária com Coca light quente!

É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Cartaz no elevador do prédio: "Favor devolver a churrequeira grill limpa".

Então se você usar a churrequeira da vizinha, devolve limpa.

Rarará.

E essa: "JS Serralheria e Vidraçaria. Portas e janelas de novela a preço de favela".

Mas as novelas agora são todas passadas na favela! Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Um réquiem para a “Pax Americana” - DEMÉTRIO MAGNOLI

OESTADÃO - 12/09

“Minha credibilidade não está em jogo. É a credibilidade da comunidade internacional que está em jogo.” O argumento de Barack Obama cumpre uma função tática de persuasão dos relutantes aliados europeus, mas veicula a falsa noção de que os interesses dos EUA podem ser separados dos interesses da “comunidade internacional”. Na tentativa de convencer os congressistas a autorizar a ação militar, o secretário de Estado, John Kerry, alertou para o perigo de um “isolacionismo de poltrona”, tocando o nervo sensível da crise que está em curso. A “linha vermelha” mais relevante não está na Síria: ela atravessa a sociedade americana.

“Qual mensagem enviaremos se um ditador puder, à vista de todos, matar centenas de crianças com gases sem pagar nenhum preço?”, indagou Obama. Um artigo de Charles Blow no New York Times oferecia uma resposta, articulada na forma de outras perguntas: “Algo deve ser feito. Mas devemos ser sempre nós a fazê-lo? Será que proteger os interesses americanos significa reprimir os horrores do mundo? Será a liderança moral dos EUA esculpida pela lâmina de sua espada?” As notas melódicas do “isolacionismo de poltrona” estão todas aí – e refletem um estado de espírito que perpassa tanto a opinião pública americana quanto sua elite política.

“A guerra deve ocorrer apenas quando os EUA são atacados ou ameaçados, ou quando os interesses americanos são atacados ou ameaçados”, disse o senador Rand Paul, um expoente do Tea Party republicano. “Não somos o policial do mundo, nem o juiz e o júri”, proclamou Alan Grayson, um deputado democrata da ala progressista. No pátio do isolacionismo, reúnem-se alegremente a direita e a esquerda. A linguagem isolacionista forma uma tradição, pontuada por um sintomático cortejo de senhas. Em 1940, os dirigentes sindicais antiguerra crismavam os britânicos como “plutocratas” e “imperialistas”, acusando-os de arrastarem os EUA para um segundo banho de sangue, enquanto o aviador Charles Lindbergh preferia culpar os judeus pelas inclinações intervencionistas do governo de Franklin Roosevelt.

A história americana pode ser narrada como uma alternância entre ciclos internacionalistas, inspirados pela doutrina idealista da “reforma do mundo”, e ciclos isolacionistas, nutridos por uma obsessão de segurança no envelope das fronteiras da Ilha-Continente. Pearl Harbor, no 7 de dezembro de 1941, assinalou o encerramento do ciclo isolacionista do entreguerras. O ataque químico contra civis perpetrado pelo regime de Bashar Assad, um ato abominável, mas comparativamente secundário, tornou-se um momento definidor para a política externa americana e, talvez, um evento decisivo na reversão do longo ciclo internacionalista. Num país cansado de guerra e traumatizado por um colapso financeiro, Obama foi eleito duas vezes sob o compromisso de direcionar os recursos nacionais para a reconstrução econômica. O dragão adormecido do isolacionismo acorda precisamente nesse cenário. “Muitos pensam que algo deve ser feito”, disse o presidente sobre a Síria, “mas ninguém quer fazê-lo”. Os americanos tampouco querem – mas isso tem consequências.

Obama não ofereceu um cardápio isolacionista no lugar do desastroso cruzadismo dos neoconservadores de George W. Bush. Ele sugeriu uma delicada mescla do realismo geopolítico dos tempos de Henry Kissinger com o liberalismo internacionalista clintoniano, embrulhando-a na linguagem do multilateralismo. Sua meta é reorientar o poder dos EUA para a Ásia, produzindo uma “virada estratégica” de múltiplas dimensões. A erupção da crise síria representa, aos olhos de Obama, uma distração impertinente. Quando, um ano atrás, o presidente pronunciou as 20 palavras que continham a expressão “linha vermelha”, ele não buscava um pretexto para o envolvimento na Síria, mas um ponto de fuga digno. Hoje, aquela declaração converteu-se numa encruzilhada desafiadora.

“Tem importância não fazer nada”, disse Kerry, um tanto sombrio diante de sondagens que indicam a oposição de três quintos dos americanos a uma ação militar. Contudo, depois do inesperado veto do Parlamento britânico a uma resposta armada, Obama recuou um largo passo e decidiu solicitar autorização do Congresso, propondo um bombardeio “muito limitado”. Sob a tempestade isolacionista, Kerry tentou seduzir os congressistas caracterizando a planejada operação como “inacreditavelmente diminuta” – uma sentença “inacreditavelmente contraproducente”, nas palavras do senador John McCain. Os adjetivos selecionados remetem à estranha ideia de uso simbólico do poder militar, escancarando o dilema de um policial do mundo que não consegue esconder seu desejo de passar o domingo em casa.

Na terça à noite, a desolação estampada na face, Obama citou Roosevelt, o antecessor que enfrentou o isolacionismo, para falar dos “ideais e princípios que valorizamos” enquanto circundava uma derrota anunciada no Congresso apontando a improvável hipótese de saída diplomática engendrada pelos russos. A passagem foi precedida por uma indagação, que permaneceu reverberando no ar: “Em que tipo de mundo viveremos se os EUA veem um ditador violar descaradamente o direito internacional com gás venenoso e preferem virar o rosto para outro lado?”

A ordem internacional existente, com suas instituições de segurança coletiva, seus regimes de controle de armas de destruição em massa e seus instrumentos de dissuasão de genocídios, massacres e crimes de guerra está consagrada nas Nações Unidas e numa coleção de tratados diplomáticos. Mas esse edifício político e jurídico assenta-se sobre o chão da história – isto é, no internacionalismo americano do pós-guerra. Um recuo dos EUA para a casamata do isolacionismo transformaria as instituições internacionais em caixas vazias, e os tratados solenes em palavras inúteis rabiscadas sobre o papel. No fim, é isso que está em jogo na Síria.

Dólares e bananas - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 12/09

De quanto será o dólar no fim deste ano, na época das viagens de férias? Ele respondeu: tenha como regra que o dólar ficará caro por um bom tempo



Nem deu tempo para o pessoal se acostumar com o dólar a R$ 2,45. Nos últimos dias, a pergunta mais frequente circulou pelo outro lado: mas até onde a moeda americana pode cair? Dá para entender o que está acontecendo, é até fácil. O difícil é justamente saber o que mais interessa: qual a cotação , digamos, correta?

Boa parte da história vem de fora. As tendências determinantes vêm ou dos Estados Unidos ou da China. As políticas locais podem amenizar os movimentos, mas não mudar a direção, o que só complica as coisas. A gente precisa saber, primeiro, o que vem de fora e, depois, o que o governo pretende fazer com isso.

Considere a China. Entra na história como nossa principal freguesa de commodities — especialmente minério de ferro, soja e petróleo. A lógica é a seguinte: se a China vai bem, crescendo e exportando para seus mercados mundiais, então necessariamente vai comprar mais commodities, cujos preços, pois, devem permanecer elevados.

Nessa situação, o Brasil exporta mais, recebe mais dólares e aí funciona como no mercado de bananas. Tem muita banana, cai o preço da banana, tem muito dólar, cai a cotação da moeda americana e o real se valoriza.

Essa é a síntese do que aconteceu nos últimos anos com o Brasil e muitos outros países emergentes. Receberam uma enxurrada de dólares com as exportações para a China. Logo, China na boa é igual a dólar para baixo.

É curioso, e aqui começa a se complicar este capítulo, que a retomada do crescimento dos EUA ajude a China, já que esta, em boa parte, vive de vender para os americanos. Logo, boas notícias sobre os EUA deveriam levar, lá na ponta, a uma desvalorização do dólar

No entanto, tem sido o contrário. Se a economia americana vai bem, o dólar sobe (se valoriza) por aqui. Mas ainda dá para entender. É por causa da política monetária do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA. Hoje, essa política é de juros zero, e expansionista, ou seja, com a colocação mensal de US$ 85 bilhões de dólares no mercado. De novo, as bananas. Muito dólar na praça, cai o preço (a cotação). Isso aconteceu no mundo todo.

Ora, quando a economia americana estiver em sólida recuperação, o Fed vai, primeiro, diminuir a injeção de dólares e, depois, subir os juros. Ou seja, menos bananas e mais caras. Investidores globais, que haviam procurado melhores oportunidades pelo mundo afora, voltam para as verdinhas. O dólar se fortalece, fica mais caro no mundo todo, as demais moedas se desvalorizam. Exatamente como aconteceu com o nosso real de maio para cá.

Em cima disso, coloca-se a política do Banco Central do Brasil, que está vendendo dólares diariamente. Coloca mais moeda americana na praça e assim consegue derrubar cotações muito altas ou impedir subidas muito fortes do dólar. Foi assim que o BC conseguiu trazer o dólar de volta dos R$ 2,45, ajudado, é claro, por boas notícias vindas da China.

Estão vendo? Fácil entender o que se passou, assim em linhas gerais. Isso posto, perguntarão: de quanto será o dólar no fim deste ano, na época das viagens de férias?

Bom, fiz a pergunta a um amigo superespecialista em mercado de câmbio. Respondeu: tenha como regra que o dólar ficará caro por um bom tempo.

O que é caro? E o que é por um bom tempo?

Está querendo saber demais.

Sócios do governo

É bom ou ruim ser sócio do governo brasileiro? Em geral, não sai boa coisa. Mas, no caso dos próximos leilões de privatização de rodovias, é a única saída para os investidores privados.

Amanhã, os interessados deverão entregar suas propostas para a concessão de dois trechos das rodovias BR 262 e BR 050 — e ganha quem cobrar o pedágio mais barato.

Ora, quanto menor a tarifa, menor a rentabilidade do negócio. Além disso, há fatores políticos e jurídicos pesando contra a cobrança de pedágios — um dos alvos preferenciais das recentes manifestações, por exemplo.

No Congresso e em assembleias legislativas estaduais, correm propostas que, quando não proíbem, limitam a cobrança de pedágios. Sem contar ações nos tribunais, especialmente nos momentos de reajuste de tarifas, mesmo que seja apenas para corrigir a inflação.

Ou seja, há um risco ponderável na única fonte de receita do negócio. Ainda assim, há interessados.

É que o governo federal participa do jogo de três maneiras: financia a juros baratos; faz boa parte das obras de duplicação; e entra de sócio, com até 49%, na concessionária.

Ou seja, se der problema, o governo compreenderá e ajudará a resolver de algum modo — tal é a aposta dos interessados.

E as boas estradas? Isso é outra história.

MENSALÃO NA VEIA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 12/09


Mais um filme terá o mensalão como um de seus temas principais. O produtor Luiz Carlos Barreto está contratando seis cineastas para dirigir o documentário "60 Anos que Abalaram o Brasil". Cada um ficará responsável por uma década, de 1954, ano do suicídio de Getúlio Vargas, a 2014.

NA VEIA 2
"Vamos contar a história correta, sincera e honesta do mensalão e de outros episódios, como o golpe de 1964", diz Barreto, que é amigo de José Dirceu e sempre o apoiou. Ele afirma ainda que está inscrevendo o projeto na Ancine para captar recursos. "Vamos vasculhar os escaninhos da história, vamos entrar na alma, no corpo e no cérebro da nação", diz.

CEREJA
Barreto convidará a cineasta Tata Amaral, que já está fazendo um filme sobre Dirceu, para dirigir uma das "décadas". Pensa também em Cacá Diegues, Bruno Barreto, Daniel Tendler e Hector Babenco.

MEU TIPO
E o ator José de Abreu, que anunciou que produzirá o filme "AP 470 - O Golpe Jurídico", sobre o julgamento, ainda não escolheu o ministro que interpretará. Mas diz que pode ser Ricardo Lewandowski, que se alinhou com parte das teses da defesa. "Não é uma escolha ideológica e sim pelo tipo físico", diz. "Sou de esquerda e, no filme Lamarca', interpretei o militar que o matou", afirma.

PORTA ABERTA
Ao contrário de outros magistrados, Lewandowski não se oporia à escolha.

TUDO OU NADA
A vaquinha virtual para bancar a distribuição do filme "Cidade Cinza" tem até amanhã para alcançar a meta de R$ 80 mil --já arrecadou R$ 69 mil. Do contrário, tudo que foi obtido por meio do site Catarse terá que ser devolvido. A equipe do documentário sobre grafite em SP não conseguiu convencer distribuidoras de cinema a apostar nele. Diz que um argumento recorrente foi o de que o público quer comédias.

CAUSA E CONSEQUÊNCIA
Ex-jogador de futebol que se recusou a cumprimentar Augusto Pinochet no auge da ditadura no Chile, Carlos Caszely, 63, vai contar sua história em Santo André, no dia 24. Após o atleta deixar o ditador com a mão no ar, na despedida da seleção para a disputa da Copa na Alemanha, em 1974, a mãe dele foi perseguida e torturada. Caszely é convidado de seminário do Centro de Memória do ABC sobre os 40 anos do golpe no país vizinho.

BANNER
O empresário Raphael Klein, neto do fundador das Casas Bahia, está criando uma empresa de mídia digital. A Roix vai oferecer bancos de dados personalizados para empresas de varejo direcionarem a propaganda de seus produtos. Klein deve concorrer com agências de publicidade.

POPULAR
A exposição "Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas" será prorrogada. Ficará no CCBB até o dia 29 de setembro. A mostra teve 232 mil visitas desde a abertura, em 13 de julho.

EM CASA
José Wilker vai dirigir "A Fantástica Casa de Bonecas", ópera da Broadway adaptada do clássico de Ibsen. Wilker tentou trazer ao Brasil a versão de Nova York, com atores anões e tradução com legenda, mas o cenário grandioso atrapalhou. O elenco agora será brasileiro.

ORDEM NA CASA
O prazo médio de tramitação de um processo do TRT de SP passou de 337 em 2012 para 178 dias. É o que revela o Anuário da Justiça do Trabalho 2013, que será lançado hoje em Brasília.

BIS Maria Ribeiro e Ricardo Pereira contracenam na peça "Um Sonho pra Dois", no Rio; atuarão juntos também no filme "A Confissão de Lúcio"

PISANDO FUNDO
A pré-estreia do filme "Rush - No Limite da Emoção" reuniu os pilotos da Stock Car Rubens Barrichello, com a mulher, Silvana, Luciano Burti e Átila Abreu, com a namorada, a apresentadora Renata Fan, no shopping Market Place, anteontem. O ex-piloto Emerson Fittipaldi e o fotógrafo J.R. Duran também assistiram ao longa.

SOM DA JAMAICA
O cantor Lucas Santtana recebeu o músico Bi Ribeiro no show do projeto Dub 40 Anos, que celebra o ritmo jamaicano. A apresentação, anteontem, no Sesc Vila Mariana, ainda contou com as cantoras Céu e Anelis Assumpção e o músico Jorge Du Peixe.

CURTO-CIRCUITO
O espetáculo "A Vingança do Espelho: a História de Zezé Macedo", com a atriz Betty Gofman, reestreia hoje, às 20h, no Itaú Cultural. 10 anos.

O File (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica) chega a Belo Horizonte. O evento de arte e mídias digitais começa hoje, no Oi Futuro.

A marca Anacapri inaugura loja e lança coleção de verão 2014, hoje, nos Jardins, às 17h.

A cantora Karyme Hass faz pocket show amanhã, às 20h, na livraria Fnac Morumbi. Livre.

Reação à espionagem - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 12/09

O Brasil não pode impedir a espionagem, mas a presidente Dilma quer que empresas, como o Google, prestem contas às cortes brasileiras. Na terça, disse a cinco ministros que é inegociável a obrigação de armazenamento no Brasil dos dados de brasileiros na web. Quer evitar o que ocorreu no STJ, onde o Google se safou alegando que, com os dados armazenados nos EUA, sua obrigação era cumprir a lei americana. 

A guerra na rede 
O relator do marco civil da internet, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), fez objeções à posição da presidente. Ocorre que armazenar dados no Brasil não impede seu arquivamento lá fora. A questão central para empresas do setor é que a exigência implica em custos. A despeito da pressão das empresas de telefonia que atuam no Brasil, a presidente quer que seja mantido o texto original sobre a neutralidade da rede. Essa regra une as emissoras de TV, as redes sociais, os internautas e empresas como o Google e o Facebook. O governo pediu urgência e se o marco civil não for votado em 90 dias, a pauta do Congresso ficará trancada para outros projetos. 


“Você acha que eu tenho preguiça. Uma lei de 25 artigos é enxutinha. Já Ii projetos com mais de 100. Quero ler tudo” 
Presidente Dilma 
Sobre o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) ter se proposto a fazer um resumo do texto da lei do marco civil da internet 

O núcleo duro 
A Rede, partido de Marina Silva, pode chegar a uma bancada de dez deputados. Hoje, são cinco os que já se comprometeram: Walter Feidman (SP), Domingos Dutra (MA), Alfredo Sirkis (RJ), Reguffe (DF) e Ricardo Trípoli (SP). 

A alternativa 
O governador Renato Casagrande (ES) optou por apoiar Eduardo Campos (PSB) ao Planalto. Por isso, o PMDB busca apoio para criar um palanque para a presidente Dilma. A chapa em formação teria o senador Ricardo Ferraço, candidato ao governo, e o ex-governador Paulo Hartung (na foto), ao Senado. O PT indicaria o candidato a vice. 

O senso do ridículo 
A ação (ACO)158, de alienação de bens e imóveis em São Paulo, está à espera de julgamento no STF desde 1969. A ação (AR) 1056, de demarcação de fazenda em Goiás, está no STF desde 1978. São muitas as ações em situação semelhante. 

Porta aberta? 
O principal líder do Solidariedade, o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), almoçou ontem com o vice Michel Temer. Paulinho previu que seu novo partido pode chegar a uma bancada de 30 deputados. Ele afirmou que é sua intenção manter o diálogo com os partidos do governo. E mandou um recado: o embate com o governo Duma não é político, mas de natureza sindical. 

Bicudos 
O senador tucano Mário Couto (PA) e o líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira (SP), bateram boca ontem. Couto assumiu o compromisso de votar a MP 615, mas Aloysio discordou. Ambos se acusaram de tentar “desmoralizar “ o outro. 

A condição 
O PSB namora com a candidatura do presidente da Embratur, Flávio Dino (PCdoB), ao governo do Maranhão. Mas o primeiro secretário do partido, Carlos Siqueira, garante: “O PSB pode apoiar Dino se ele apoiar Eduardo Campos ao Planalto’ 

NA OPOSIÇÃO. 
O Sindicatos dos Petroleiros do Rio quer aprovar projeto de decreto legislativo que suspende o leilão do campo de petróleo de Libra. 

Campos abre o jogo - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 12/09

Numa conversa que se estendeu até as 3h de terça-feira, Eduardo Campos (PSB) disse ao governador Cid Gomes (PSB-CE) que, se a eleição fosse hoje, seria candidato a presidente. "Hoje eu sou. Para ganhar, para perder. Para fazer 1% ou 30%." Ressaltando que a decisão só será tomada em 2014, o governador de Pernambuco afirmou ainda que a presidente Dilma Rousseff tem 40% dos votos no país. E emendou: há 60% do eleitorado "à disposição de outros candidatos".

Dois altares A conversa com Cid, a mais clara até agora sobre a eventual candidatura de Campos, ocorreu diante de Fernando Bezerra, ministro de Dilma.

NSA 1 A sinalização coincidiu com o aumento da pressão de aliados para que a presidente demita os nomeados pelo PSB, o que levou eduardistas a concluir que o teor da reunião chegou a Brasília.

NSA 2 Do líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS), sobre o fogo amigo: "Dilma não precisa recorrer ao Obama nem mandar recado para falar conosco. Temos e-mail, telefone e endereço''.

Resta um Lula se reuniu ontem com o presidente nacional do PT, Rui Falcão, para discutir os cenários para 2014. O ex-presidente é o único que ainda contém a falta de paciência da cúpula petista com o aliado insurgente.

Liberou A Procuradoria-Geral Eleitoral recomendou na semana passada a rejeição de representação do PPS contra Dilma por seu pronunciamento de TV no Dia do Trabalho. Segundo o órgão, não houve viés eleitoral na fala.

Revalida A direção da Rede vai pedir ao TSE a validação de 73 mil assinaturas de apoio ao partido que foram anuladas por cartórios eleitorais sem justificativa.

Na pinta Se a proposta vingar, esse lote pode se somar a 420 mil nomes que a legenda de Marina Silva espera garantir até o fim desta semana, atingindo, por pouco, os 492 mil apoios necessários.

Currículo Sérgio Cabral voltou a dizer a Dilma ontem que deve renunciar em janeiro. Segundo auxiliares presidenciais, o gesto foi entendido como sinal de que o governador quer ser ministro.

Quarteto Marco Aurélio Mello sinaliza que votará com Joaquim Barbosa, contra a admissibilidade de embargos infringentes no mensalão, assim como Luiz Fux e, provavelmente, Gilmar Mendes.

Vai que é tua "Cármen Lúcia e Celso de Mello são incógnitas. Pode chegar a Celso empatado, e aí ele seria o grande perito. Interessante, o decano", diz Marco Aurélio.

Sem fim Caso o STF acolha os embargos, nova polêmica começará: os 13 condenados que não têm direito ao recurso devem cumprir suas penas já? Ministros pró-Barbosa acham que sim. Advogados dizem que o "natural" seria esperar o fim do caso.

#puxado Barbosa e Fux, os dois que votaram contra os recursos até agora, passaram a sessão trocando mensagens pelo sistema de intranet nos laptops do plenário.

Petit... No intervalo da sessão de ontem, Ricardo Lewandowski conversou no plenário com advogados como Leonardo Isaac e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O ministro ouviu elogios de Isaac, defensor de Simone Vasconcelos, a quem condenou.

... comité O revisor do mensalão disse aos criminalistas que será bom para o tribunal se os infringentes forem aceitos, para "oxigenar" a corte. Um dos defensores disse que os recursos serão importantes para acabar com o "frenesi acusatório".

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Esse processo demonstra que Dilma é uma faxineira de fachada. Todos aqueles que foram demitidos por corrupção voltaram."

DO PRESIDENTE DO PPS, ROBERTO FREIRE, sobre as suspeitas de desvio de recursos públicos no Ministério do Trabalho, comandado pelo PDT.

contraponto


Canteiro adversário
Em reunião com sindicalistas na terça-feira, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), demonstrou curiosidade sobre a atuação política do presidente do Sindicato de Trabalhadores da Construção Civil, Antônio Ramalho, que é deputado estadual pelo PSDB.

Ramalho contou que trabalhou em mais de 600 obras, formou grupos de trabalhadores e resolveu se filiar ao PSDB, que tem presença discreta no movimento sindical.

Haddad se virou para um auxiliar e perguntou:

--Como é que o PT pode perder um quadro desses? -- disse o prefeito, provocando gargalhadas.

Pente-fino, ONGs descabeladas - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 12/09

Roteiro do escândalo no Ministério do Trabalho é parecido com o da 'faxina' ministerial de 2011


NA DERRUBADA de ministros de 2011, três deles começaram a cambalear devido a rolos com ONGs em seus ministérios: Esporte, Trabalho e Turismo. Nesta temporada, o Ministério do Trabalho balança devido a um rolo com ONG.

Na derrubada de 2011, mais tarde conhecida como "faxina da Dilma", ministros cambaleantes alardeavam fortaleza no cargo com frases que, pouco mais tarde, seriam seus epitáfios ridículos.

O então ministro do Trabalho, Carlos Lupi, dizia, antes de cair: "Só saio abatido a bala. E uma bala forte, porque sou pesadão". Wagner Rossi, da Agricultura, imaginava-se "firme como uma rocha". Orlando Silva, do Esporte, "indestrutível".

O agora ministro do Trabalho, Manoel Dias, aparentemente mais modesto, apresentou apenas o que se pode chamar de álibi político indireto (o ministro não é acusado de nada pela polícia): "Em qualquer lugar tem irregularidades, não só no Ministério do Trabalho".

O ministro foi vago a respeito de "qualquer lugar". Mas o pronome indefinido em questão serve para que façamos generalizações, o que deve incluir "qualquer lugar" do governo também. Se irregularidade "tem em qualquer lugar", por que haveríamos de ter preconceito com o Ministério do Trabalho? É um álibi indireto. A presidente teria gostado do argumento?

Dada a recorrência de bandalheiras, a presidente decretou em 2011 operação pente-fino no governo, uma tentativa de colocar ordem na administração e na fiscalização descabeladas dos contratos com as ONGs.

Pois então. Ontem, o Ministério do Trabalho anunciava uma portaria para, adivinhem, passar um pente-fino em contratos e prestações de contas das ONGs.

Desde 99, ao menos, milhares de ONGs e assemelhados recebem ao ano uns R$ 3 bilhões. "Uns", pois por muito tempo (e ainda um tanto agora) a contabilidade era confusa e não havia definição certeira de "ONG".

O governo não consegue fiscalizar as obras atrasadas das poucas concessões de infraestrutura para empresas privadas. Não consegue fiscalizar nem as incompetências grossas de estatais enormes e departamentos gigantes de ministérios (vide as trapalhadas ridículas, embora revoltantes, no setor de transmissão de energia, obras estatais de estradas e rodovias).

Por que o governo haveria de conseguir fiscalizar milhares de ONGs? Por que deveria pendurar tantas no Orçamento, para início de conversa?

Alguns serviços estatais que exigem capilaridade podem demandar o serviço de entidades locais. Por exemplo, alfabetizar adultos mais idosos em localidades mais remotas ou sem capacidade administrativa.

Mas por que o governo precisa de ONGs para treinar jovens, distribuir remédios, camisinhas ou material esportivo para estudantes? Porque o sistema de saúde é ruim, porque a escola é ruim, porque o governo é inepto, grande demais e atua no lugar errado.

Por que tanta ONG é esquisita, de origem duvidosa, convenientemente ligada a gente do partido, da amizade ou da família do burocrata-mor do setor?

Não, as ONGs não são o maior ralo de dinheiro público. Algumas podem ser úteis. Mas o rolo recorrente com tais entidades indica pelo menos que: 1) o governo, não apenas este, não funciona; 2) o modelo de contratar ONGs em massa morreu de podre.

Problema no navio - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 12/09

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, fez na terça-feira uma advertência à área do euro que também serve ao Brasil, que não tem os vícios de DNA do bloco, mas, em certo sentido, enfrenta efeitos semelhantes.

Lagarde avisou que a falta de união fiscal deixa o euro vulnerável às crises: "É um belo navio para águas suaves; não está concluído para águas turbulentas".

Na década de 90, os pais do euro sabiam das deficiências estruturais do navio: sabiam que construíam uma união monetária (moeda única com um banco central único) sem união fiscal e sem união política. Cada pedaço do navio cresce ou decresce de um jeito e desequilibra tudo. Cada sócio do euro tem seu sistema tributário e opera com subsídios e orçamentos desiguais entre si. Embora o câmbio seja o mesmo, os salários e benefícios sociais variam. Mais que tudo, o conjunto não conta com vontade política para unificar as condições do bloco. Foi assim desde o começo, mas os pais do euro acreditavam em que, nas primeiras sacolejadas, as lideranças atuais ou futuras criariam condições políticas para dar consistência ao projeto. Ainda não foi o que aconteceu, apesar das enormes turbulências que sacudiram o euro a partir de 2008.

O navio brasileiro também padece de graves problemas estruturais. É bom para navegar em águas mansas, mas não aguenta mar brabo.

Enquanto a China cresceu a mais de 10% ao ano e criou condições excepcionais de mercado para as commodities aqui produzidas; enquanto sobraram capitais ao redor do mundo; enquanto a indústria pôde contar com mão de obra farta e barata, a economia cresceu mais de 4% ao ano e as contas externas brilharam. Foi essa belezura que passou ao então presidente Lula a sensação de que a crise de 2008 chegava às nossas praias "como uma marolinha".

No entanto, ainda no final do governo Lula e ao longo do governo Dilma, bastou que o tripé até então vencedor (responsabilidade fiscal, inflação na meta e câmbio flutuante) fosse flexibilizado para que o navio adernasse.

A mera perspectiva de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) comece a reverter sua política monetária altamente expansionista provocou a disparada indesejável das cotações do dólar em reais, a inflação aponta para a altura dos 6% ao ano e as contas externas caminham rapidamente para um rombo da ordem de 4,0% do PIB. Ondas externas mais agitadas mostraram que o barco nacional não aguenta choques. Ou em linguagem dos imunologistas, está muito vulnerável a contágios.

Embora o neguem, as autoridades do governo Dilma, inclusive ela própria, parecem conscientes do problema, convencidos de que a economia precisa de ajustes para que possa voltar a crescer mais de 3% ao ano e para que a inflação seja reconduzida à meta sem forçar demais a política de juros.

Mas, assim como ocorre na área do euro, onde falta vontade política para correções estruturais, aqui também falta coragem para as reformas e para a volta de uma administração fiscal equilibrada, porque o governo está engajado na campanha eleitoral e teme o preço do ajuste. A principal consequência é que o desempenho da economia depende excessivamente de ótimas condições de navegação e isso governo nenhum controla.

Bomba de combustível - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 12/09

A presidente da Petrobras, Graça Foster, descartou a alta dos combustíveis, mas ninguém duvida que ela faz isso a contragosto. Graça está preocupada e tem motivo. O governo está numa armadilha: se não aumentar, prejudica a empresa, se subir, eleva a inflação. A relação dívida líquida sobre o patrimônio líquido está em 34%, mesmo nível de antes da capitalização.
E há risco de rebaixamento da empresa.

alta do dólar agravou um problema que já é crônico. A Petrobras é usada pelo governo para conter a alta dos preços, mas a empresa tem perdido recursos e precisa se capitalizar para fazer investimentos que viabilizem a produção em larga escala do pré-sal. Ninguém gosta de aumento, mas o artificialismo de preços é um dos piores peri­gos numa economia.

O fundo de investimentos Antares, acionista mi­noritário da Petrobras, protocolou, mês passado, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), queixa sobre as perdas impostas à empresa pela União. O documento estima que o prejuízo da Petrobras, desde 2005, com os subsídios da gasolina e do diesel chegará a R$ 87 bilhões em dezembro.

O número gigantesco do fundo é discutível, mas o fato é que os preços estão defasados. Se­gundo o cálculo do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do ItaúUnibanco, o atraso está em torno de 30%. Outros especialistas trabalham com números parecidos.

O Antares contabiliza que nos últimos nove anos a Petrobras vendeu gasolina abaixo do preço internacional em 25 trimestres, e, acima do preço externo, em apenas 11 trimestres. A empresa teve prejuízo durante 69% do tempo. Se exportasse o produto, teria preço maior. Então ela deixa de ga­nhar quando abastece o mercado interno. Além disso, como não é aufossuficiente, tem que im­portar por um preço acima do que pode cobrar das distribuidoras, aqui no Brasil.

Claro, que, por outro lado, a Petrobras sem­pre teve a vantagem do monopólio. E, mesmo após o fim do mono­pólio na lei, continuou havendo de fato uma reserva de mercado no Brasil para o seu pro­duto. Isso nunca é considerado no racio­cínio dos economistas.

Mas, de qualquer ma­neira, o dado ajuda a ilustrar a distorção com a qual a econo­mia vive.
O consultor Adriano Pires, do CBIE, explica que a Petrobras vende gasolina no Brasil tendo como referência um dólar de R$ 1,73, enquanto a mo­eda americana está na casa de R$ 2,30. Essa diferença é o subsídio imposto à empresa pelo governo. O pro­blema é que tudo isso está tirando dinheiro do caixa da petrolífera, para o seu pesado programa de investi­mentos. A dívida da Petrobras saltou, segundo Pires, de R$ 94 bilhões, em 2010, para R$ 176 bilhões, agora.

— Para segurar a inflação, primeiro, o governo capitalizou a Petrobras e a obrigou a fazer dívi­das. Isso explica parte desse salto do endivida­mento. Agora, a companhia está vendendo ati­vos que podem ser necessários, como os cam­pos de petróleo na África, a nova fronteira de ex­ploração de petróleo. Já vendeu campos no gol­fo do México e 35% do Parque das Conchas para os chineses. A empresa está na antessala de per­der o grau de investimento — disse.

A política de congelamento de preços tam­bém afetou a indústria do álcool, que tem tido dificuldade de competir. Para os consumidores, o subsídio pode parecer muito bom, mas o go­verno está estimulando o consumo de um com­bustível fóssil, sem explicitar o custo desse sub­sídio para o país. E esse é o pior problema. Sub­sídios existem em qualquer economia. Mas é preciso saber de forma clara quanto custa, a quem beneficia, qual o propósito e até quando a política será usada. O governo não tem resposta para nenhuma dessas perguntas.

Como aperfeiçoar as concessões - RAUL VELLOSO

O Estado de S.Paulo - 12/09

Há um ano, na companhia de três especialistas amigos, lancei um livro sobre infraestrutura no Fórum Nacional Especial do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no momento em que o governo anunciava seu plano de concessões de transportes. Como a União gasta boa parte do Orçamento em pagamentos a pessoas, a ênfase às concessões faz todo o sentido. Sem elas, a sociedade teria de rediscutir as prioridades nacionais.

No Fórum do próximo dia 18, revisitarei o tema exatamente quando serão leiloadas as duas primeiras concessões rodoviárias com boas chances de emplacar. Deixando de lado os casos mais complexos das ferrovias e dos portos para pensarmos no que virá pela frente, a conclusão é: apesar dos progressos importantes obtidos até agora, há ainda muito que melhorar.

O principal problema da fase Lula-Dilma está no atual modelo de modicidade tarifária, que se traduz pela busca das menores tarifas de pedágio imagináveis. A intenção é a melhor possível, mas há um erro fundamental. Em benefício do usuário, cabe visar não às menores tarifas imagináveis, mas, sim, às menores tarifas possíveis. Senão, é impossível atingir o padrão de serviço desejado.

Uma coisa é o governo dar prioridade a transportes no orçamento público. Nesse caso, que não é o nosso, pode até cobrar tarifas próximas de zero, pois a sociedade terá decidido pagar a conta. Outra é priorizar o que chamo de "a grande folha de pagamento", hipótese em que o usuário é obrigado a pagar, no sistema de concessão ou parceria público-privada, por boa parte dos serviços que caberia ao setor público prover. Nesse caso, é preciso entender bem como o setor privado, parte fundamental da equação, funciona. Do contrário, as concessões não deslancham, os fretes continuam subindo, as filas nos portos são cada vez maiores e os custos em geral se tornam proibitivos. Na modalidade adotada atualmente, fixa-se um teto tarifário e ganha quem oferecer, no leilão, a menor tarifa. Com tetos realistas, concorrentes bem qualificados e certames competitivos, a tarifa que se obtém ao final do processo refletirá a estrutura de custos mais eficiente e o melhor equilíbrio possível entre modicidade tarifária e qualidade do serviço.

Se o governo fixar o teto muito abaixo do que seria razoável, de duas uma: o leilão fracassa, como já ocorreu, ou ganha quem a literatura do setor costuma denominar de "oportunista". Uma empresa desse gênero oferece um preço inviável só para ficar com o negócio, e não consegue realizar os investimentos requeridos ou pede aumentos posteriores de tarifas, sob pena de o negócio ser interrompido. Sem força política para impugnar a concessão a posteriori, o governo acaba cedendo, e resulta um serviço de baixa qualidade. Estamos cheios de exemplos assim (veja o livro citado acima, que pode ser solicitado a raul_velloso@uol.com.br, juntamente com convites para participar do Fórum Especial deste ano).

Outro obstáculo central é a piora da qualidade da gestão pública, concomitante à forte queda dos investimentos. Junto com o atual viés antiprivado, adotam-se práticas inadequadas ou ocorrem lamentáveis disfunções nos papéis dos vários poderes envolvidos. Um claro exemplo disso é a adoção da "inversão de fases", em que o leilão precede as duas etapas que deveriam vir antes, a pré-qualificação e o exame de um detalhado plano de negócios, que conferiria à proposta vencedora a garantia da exequibilidade. Pior que isso, o atual edital de licitação do governo proíbe as empresas de apresentarem qualquer plano de negócios, ainda que essa seja uma prática indispensável.

Tendo em vista que os bancos públicos financiadores dos investimentos exigem um plano de negócios que demonstre com segurança a qualidade do projeto da empresa vencedora, como assegurar que o plano a eles submetido seja o mesmo que apontou o preço revelado na licitação? É como se o governo desse um atestado ao despreparo da máquina, o que eleva desnecessariamente os riscos envolvidos e os custos potenciais para os usuários.