domingo, setembro 01, 2013

As paranoias da noite - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 01/09

Não é porque ele foi grosseiro comigo que eu tinha que ser grosseira com ele também, mas fiz, está feito, agora acabou, solidão pra sempre é o que me espera, assim como aquela dívida maldita que só aumenta, meus credores não têm nenhuma compaixão, vou ter que vender meu carro para pagá-la, e essa tosse insistente só pode significar que estou condenada, sem falar que minha filha ainda não voltou da festa, pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, como está quente nesse quarto, eu nunca mais vou conseguir dormir, nunca mais, vou acordar com olheiras até o queixo, sou uma miserável que... zzzzzz.

E então você acorda, abre as cortinas da janela, e recebe um telefonema do seu amor reconhecendo que andou abusando da sua paciência e que está morrendo de saudades, e entra um trabalho freelancer que ajudará a pagar a conta atrasada, e a tosse passa com Melagrião, e a filha está dormindo feito um anjo no quarto ao lado, e as suas olheiras estão aparentes mesmo, mas nada que um corretivo não disfarce. Olhe só, suas preocupações ficaram desse tamanhozinho, de quem foi a mágica?

Do primeiro raio de sol. Durante o dia, nossa cabeça pensa melhor e as soluções aparecem no decorrer das horas. A mente ajusta o foco e não dá trela a fantasmas. Já a madrugada não conhece a palavra sanidade.

A escuridão e o silêncio transformam pequenas chateações em dramas diabólicos, e a gente cai nessa cilada, achando mesmo que estamos lidando com o pior da vida. Mas que vida? Hipercansados, ansiosos, deprimidos, paranoicos, isso é vida? A insônia desperta em nós a morte, isso sim. Ficamos todos ferrados não pela falta de sono, mas pelo excesso de dilemas. Como disse Dostoievski, ser extremamente consciente é uma doença. A gente morre por pensar demais. E pensar é só o que nos resta durante uma insônia.

Mas é possível controlar esses pensamentos malditos.

Em vez de permitir que o cérebro maximize nossos problemas, o melhor seria transformar nossa miséria noturna em algo produtivo. Porém, nem todos conseguem levantar da cama – ainda mais no inverno – a fim de guerrear com seus demônios. Até porque sempre há a esperança de se conseguir dormir pelo menos por uma ou duas horas, o que não acontecerá no caso de acendermos as luzes para pintarmos quadros, escrevermos poemas, fritarmos omeletes, cortarmos o próprio cabelo – ai, não corte o cabelo às quatro da manhã, vá por mim.

Posso fazer uma sugestão? Sem precisar levantar, sem acender a luz, jogue “stop” mentalmente com você mesmo. Países: a, Alemanha; b, Bélgica; c, Canadá; d, Dinamarca... Há grande chance de, antes de chegar no p, Portugal, você já ter adormecido. Se não, siga com o jogo, fazendo seu a-b-c para títulos de livros, comidas, profissões, ruas da cidade. O truque é simples: trocar de preocupação. Ou você prefere continuar fazendo o a-b-c das doenças que poderá contrair ou das pessoas a quem já magoou?

Parece bobagem, e é, mas quase sempre funciona. Jogue “stop” noturno com você mesmo, e stop a insônia.

Canto de fonte - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 01/09

Os olhos de Emma são lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito harmônicos com o pedaço do rosto cuja pele está de fora


A moça do Black Bloc que aparece num vídeo da Mídia Ninja e na capa de “Veja”, que diz chamar-se Emma, é deslumbrantemente bonita com a máscara que só deixa à mostra os olhos. Isso não quer dizer que ela tenha apenas os olhos bonitos (o que muitas vezes é confundido com ter os olhos claros). Os olhos de Emma são lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito harmônicos com o pedaço do rosto cuja pele está de fora. Muito harmônico também com as sobrancelhas, cujo arco está corrigido por depilação e talvez reforçado por leve pintura. Onde parece haver pintura (e, se for o caso, de cor e linhas muitíssimo bem escolhidas) é nas pálpebras. Falando para a câmera da Ninja, a borda das pálpebras junto às pestanas delineadas de negro, as jovens dobras do entorno de seus olhos parecem a um tempo escurecidas e cintilantes, sempre com insinuações douradas. Mas o que faz a gente crer tratar-se de uma bela mulher é a relação de tudo isso com a forma do rosto que está sob a máscara negra.

A gente tem vontade de ir ao acampamento em frente à casa de Cabral para falar com ela, mas respeita a exigência do grupo anarquista a que ela aderiu de não fazer de nenhum militante uma individualidade, sua vida pessoal devendo desaparecer sob a máscara e a ideologia. Por mais bonita que ela seja, os Black Blocs não estão aí para lançar celebridades midiáticas e figuras atraentes para olhares curiosos. A porta da casa de Cabral não é o portão do BBB. Emma é linda. O anarquismo é lindo. Mas eu sou um velho baiano que sonhou, aos 23, fuçar uma trans-esquerda ou uma ultra-esquerda e, como todo esse afã de trans e ultra estava focado em libertar a criação de canções no Brasil, terminei, na parte estritamente social e política, encontrando os valores do liberalismo como algo que merecia uma atenção que não vinha recebendo no ambiente em que eu me movia. Já contei em outro lugar como sonhava em ser uma esquerda à esquerda da esquerda e, no fim do processo, quase me tornei um liberal inglês. Tenho muita inveja de Ferreira Gullar, que foi de esquerda, sem fantasias ou delírios de ultra ou trans, e amadureceu para defender sem pejo muitos dos princípios liberais. E olha que ele já tinha experimentado tudo o que pode haver de trans e ultra na atividade poética e na crítica de arte.

Olho demoradamente os olhos, as sobrancelhas, algo da testa, o começo do nariz e um canto de fonte de Emma e me pergunto o que pensar. Ouço-lhe as palavras. Leio no blog de André Forastieri uma pergunta sobre as relações entre o Fora do Eixo e a candidatura de Marina Silva, inclusive sugerindo que o coletivo teria em mente indicar o ministro da Cultura, caso Marina se eleja. Um dos caras que quebraram o palácio do Itamaraty era cabo eleitoral de Marina. Esta o reprovou e o afastou. Mas, entre a beleza de Emma, a opção pela (deveras interessante) economia solidária, como alternativa à ideia de que só o esquema patrão-salário-empregado é livre, e as cenas de depredação protagonizadas pelos Black Blocs, meu coração e minha cabeça balançam: o antigo itinerário labiríntico que passa pela ultraesquerda e se encontra com o liberalismo se refaz em segundos. Mas, como digo na esquisita letra de “Um comunista”, “o samba” não crê em violência e guerrilha. Se Marina conseguir fazer sua campanha para a presidência, acho que não resistirei e votarei outra vez nela. Essa crítica à suposta naturalidade do trabalho assalariado como única forma possível de trabalho livre eu saquei do Mangabeira. Que não harmoniza muito com Marina. Mas harmoniza com a ambição experimental do Fora do Eixo. Que é “acusado” de estar perto demais de Marina.

É um momento muito embolado no cenário brasileiro. O 7 de Setembro vem com uma ameaça de risco de criação de instabilidade séria. Imagino como será em Brasília. Não que a decisão de não cassar o mandato de Donadon ajude. Mesmo assim, devemos manter a ideia de sair às ruas pela paz. Gosto do rosto de Emma, do livro de David Graeber (o antropólogo anarquista que Zé Miguel já citou como bom explicador das moedas alternativas do FdE), de Marina (e sua aproximação de André Lara Resende pode desagradar a alguém como Mangabeira, mas a mim não me desagrada: gosto de Lara Resende pelo que já fez na história do real e pelo artigo sobre crescimento em economia), e acho a proposta de Olavo de Carvalho de uma política (e não só uma economia) para os liberais muito presa à ideia de que o comunismo é como o diabo incansavelmente tramando contra o bem. Há boas intenções nos liberais e há boas intenções nos socialistas e comunistas. Embora ninguém duvide de que boas intenções podem levar ao inferno.

Sabores - ARTUR XEXÉO

O GLOBO - 01/09


Nunca me esqueci da tarde em que, voltando da escola acompanhado pela empregada lá de casa... bem, naquele tempo politicamente incorreto, a gente chamava de “empregada”. Eu sei que, hoje, costuma-se chamar de funcionária, secretária, ajudante, amiga, auxiliar... Mas, como estou falando de antigamente, manterei o termo da ocasião. Pois voltava da escola com a empregada, ela entrou numa padaria para comprar leite e me perguntou: “Quer um sonho?”
Sonhos não se recusam. Mas também não são oferecidos. Estranhei. Ela insistiu e me apontou o sonho a que se referia. Vi, pela primeira vez na vida, aquele doce, em forma de almofada, soltando creme para todos os lados. Aceitei e, na primeira mordida, percebi que tinha um sabor que eu nunca havia experimentado. E era delicioso. Foi dos melhores prazeres gastronômicos a que já tive acesso. Até hoje procuro pelo sonho de padaria perfeito. Mas nunca mais o encontrei.
Nas férias de verão, sempre passadas no Rio, meu irmão costumava me levar para jantar na casa da tia Maria Caldas. Tia Maria Caldas _ ela sempre foi chamada assim, com nome e sobrenome _ era a solteirona da família. Morou a vida inteira num conjugado na Avenida Copacabana. Tinha cozinha mínima. Mas aparentava gostar de cozinhar para meu irmão e eu. Num desses jantares, não me lembro do prato principal, mas lembro-me muito bem de um dos acompanhamentos: ovos mexidos. Ovo não era um alimento muito popular lá em casa. Não era inteiramente rejeitado, como a cebola e o alho, que nunca fizeram parte do cardápio. Mas era ocasional. E em outras formas, como a do ovo cozido ou a do ovo frito. Mexidos, eu nunca tinha visto. Eu não gostava muito de ovos, por isso fiz cara feia quando a tia Maria Caldas estava preparando aqueles. Mas, desde a primeira garfada, foi amor à primeira vista. Tento repetir aquela experiência. Faço ovos com bacon, com presunto, com ervas, ponho leite para ficarem macios, ponho água para ficarem mais leves... Mas nunca mais comi ovos mexidos tão gostosos quanto os da tia Maria Caldas.
Minha primeiríssima viagem internacional foi a Buenos Aires. Ainda era universitário, tempos de dureza, e, na Argentina, me submeti a uma dieta de massas num dos restaurantes mais populares da cidade, o baratíssimo Pippo. Mas uma noite, eu e o grupo que me acompanhava cometemos uma extravagância e fomos jantar num restaurante que tinham me recomendado: El Palacio de La Papas Fritas. Na verdade, assim como o Pipo, o El Palacio era uma rede de restaurantes. Também era popular, mas com um cardápio com preços um pouco acima do outro. E usava toalhas de mesa, diferentemente do Pipo que preferia cobrir as mesas com papel de pão. A ideia era comer carne, mas o que me surpreendeu foi o acompanhamento, as tais papas fritas. Em forma de pequenas almofadas _ devo ter alguma obsessão gastronômica por almofadas _, as batatas, fritas no ponto exato, estouravam na boca espalhando seu sabor. Voltei muitas vezes a Buenos Aires. Nunca deixei de ir ao El Palacio em busca daquele gosto. Mas nunca mais o encontrei.
Resumo da ópera: os melhores sabores são os da primeira vez.

Cinquenta tons de branco - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 01/09

Como nesses filmes imediatamente esquecíveis, a história começou num balcão de bar de hotel, em Paris, e foi terminar (se é que terminou)... bem, já veremos.

A brasileira, que se despedia da França após um doutorado em Psicologia, naquela noite amargava a decepção de um tratante que não dera as caras. Ele, essa entidade improvável que é um armador grego pós-Onassis, arrematava solitárias férias.

Entre os dois havia uns palmos de balcão - e a certa altura aconteceu enviesada troca de olhares, o suficiente para a moça suspeitar que ali estava um tipo interessante, e para ele se sentir estimulado a empurrar seu campari em direção ao vinho dela.

Seguiu-se um papo meio exangue, em língua inglesa, e a recém-doutora logo diagnosticou um caso de pedregosa timidez, sujeita a golfadas de rubor facial. Ainda assim, digno de atenção, e não apenas como objeto de investigação clínica... Quem sabe, fantasiou, não estaria ali um daqueles vulcões do Ne me Quitte Pas de Jacques Brel, supostamente aposentados mas capazes ainda de ereções eruptivas?

O papo, no entanto, não prosperou, pois o vulcão não emitiu mais que tênue fumacinha. Na despedida, ele esticou dedos gelados, tomou os dela e aplicou um beijo literalmente meia-boca. Troca, apenas de cartões.

De volta ao Rio, logo no primeiro dia o telefone chama - e era ele, a custo reconhecível numa inédita versão loquaz, a desenrolar veludos de prosa insinuante. Em vez de cair, ela subiu às nuvens. Um galanteador à antiga, nem por isso de se jogar fora, concluiu a doutora ao terminar, de orelha quente, o inebriante telefonema - ao qual se seguiriam outros, quinzenais, depois semanais, dali a pouco quase diários.

A corte deu-se também no front postal, pois o armador ancorou na caixa de correio, sob a forma de cartas caprichadas - que envelope! que papel! que caligrafia! -, às quais logo se incorporou o bonus track de poesia amorosa em variadas línguas, cuja temperatura erótica não demorou a alcançar a incandescência dos sonetos luxuriosos de Aretino, fazendo a destinatária corar de vergonha e excitação, esta mais do que aquela.

Resistir quem há de?, perguntava-se, rendida - e o armador parece ter adivinhado o incêndio que ateara lá embaixo, no Hemisfério Sul: num bote certeiro, convidou-a para duas semanas em Nova York, onde vivia. Ela ainda hesitou em aceitar o benigno presente de grego. Outra voz, porém, imperiosa, lhe subiu do coração e demais entranhas: Vai, boba! - e a boba foi.

No aeroporto, lá estava, brandindo flores, o generoso príncipe encantado. Encantado e emocionado: olhos úmidos, não foi capaz de gaguejar mais que meia dúzia de trivialidades no aconchego da interminável limusine em que rumaram para casa dele, num subúrbio de ricaços, limitando-se a estourar um champanhe e a lhe segurar a mão com os mesmos gélidos dedos de Paris.

Também sob silêncio transcorreu o jantar - jantar de filme, cada qual numa ponta da comprida mesa, garçons a destampar teatralmente os pratos. Mesmo com lareira, o clima não esquentou quando ele a tangeu para o salão de fumar. Mais tarde, levou-a até os aposentos que lhe havia destinado, beijou-lhe exclusivamente a mão e se retirou. Entre os lençóis, a brasileirinha esperou pelo momento em que a porta se abriria e o armador viria atracar a seu lado. Nada. Será, meu Deus, que tinha vindo de tão longe para encontrar um... um desses que enchiam seu consultório?! Seria muito azar!

E assim foi, dia após dia. De manhã, a caminho do escritório, ele ligava do carro, e era outra vez o menestrel a trinar doçuras e galanteios. De corpo presente, aquele estafermo. Ante tamanha inoperância, de nada adiantou a moça mobilizar seu arsenal de sedução, aí incluído um convidativo guarda-roupa. Quem mandou vir, sua assanhada?, recriminava-se ela, cujo ressentimento não tardou a desaguar na raiva.

Por fim, farta do sexo estritamente verbal que o anfitrião lhe proporcionava, fez as malas. A viagem de volta ao aeroporto rebobinou a da chegada - flores, limusine e champanhe a bordo, quase tão gelado quanto os dedos do silente Dom Juan.

Mal ela pôs os pés em casa, e quem irrompe ao telefone, a verter incandescente, irresistível prosa & verso de enamorado?

O mundo muda - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 01/09

Quanto mais radical for o militante, mais dificilmente admitirá que o seu sonho acabou


Os ideais de esquerda nasceram em meados do século 19 e ganharam corpo no começo do século 20, com a revolução de 1917. Com o nascimento da União Soviética, o ideal comunista ganhou corpo, deixou de ser mera utopia para se tornar realidade.

O sonho de uma sociedade igualitária, em que os trabalhadores seriam os dirigentes da nação e em que a mais-valia reverteria em benefício da sociedade e não de alguns burgueses ricos, parecia enfim concretizar-se.

É verdade que as primeiras décadas do socialismo soviético não apresentaram resultados muito positivos, mas para quem acreditava na sociedade igualitária, os problemas seriam em breve resolvidos.

O fato é que a simples existência da URSS já provocara importantes mudanças nos países capitalistas que trataram de atender a algumas reivindicações do trabalhadores.

A deflagração da Segunda Guerra Mundial, provocada pela Alemanha nazista, tumultuou o processo e provocou uma inesperada aliança entre os países capitalistas avançados e a União Soviética, o que adiou o conflito entre socialismo e capitalismo que, finda a guerra, levaria um mundo à chamada Guerra Fria e à beira de um conflito nuclear, o que felizmente não aconteceu.

Nesse período, o capitalismo se desenvolveu e derrotou economicamente o socialismo, levando ao fim da União Soviética e do sistema comunista que havia surgido no pós-guerra. A partir de então, o sonho revolucionário dos partidos comunistas disseminados pelo mundo inteiro se desfez. Não era mais possível, sensatamente, continuar lutando por um ideal de sociedade que fracassara.

Deve-se admitir, no entanto, que não é fácil abrir mão das utopias, dos projetos concebidos e aceitos como salvação da sociedade, o fim da desigualdade, o reino da felicidade sobre a Terra.

Tais utopias equivalem a crenças religiosas, de que dificilmente as pessoas abrem mão. Elas são, ademais, tanto uma como outra, o que dá sentido à existência. Para alguns é isso, para outros, a afirmação de valores ideológicos aos quais entregaram a vida. Há aí, sem dúvida, uma mistura de autoafirmação e autoengano.

Isso explica o que aconteceu com as esquerdas em diferentes países, inclusive o Brasil. Deve-se observar que quanto mais radical for o militante, mais dificilmente admitirá que o seu sonho acabou. Em setores da esquerda moderada, algumas mudanças na máquina capitalista aparecem como uma opção admissível, mas não para a esquerda radical que, por isso mesmo, defronta-se com um impasse: sabe que a revolução se tornou inviável mas teima em não aceitar a verdade. O que não significa que devamos aceitar os abusos do capitalismo.

E então nasce o neopopulismo que é, no fundo, a tentativa de manter o poder, dentro do regime capitalista, mas contra ele. Como isso tornaria o governo inviável, toma decisões contraditórias, para mostrar-se de esquerda e ao mesmo tempo atender às exigências do capital.

O que ocorre na Venezuela é exemplo disso, onde tal ambivalência conduziu o país a um impasse econômico que se agrava a cada dia. A verdade é que ou o novo governo muda de rumo ou leva o país ao caos econômico e social.

O que sucedeu na Venezuela começa a acontecer no Brasil, claro que em escala diversa, dada a natureza distinta dos dois países, tanto histórica quanto econômica.

Aqui, certamente, não surgirá um novo Hugo Chávez nem teremos uma sucessão presidencial tão surrealista quanto a que ocorreu ali. De qualquer modo, a atitude ambivalente do governo petista --que governa com a direita e finge que é de esquerda-- se mantém e compromete o crescimento do país.

Esse é um aspecto da questão que envolve o que restou da esquerda radical. É que ela chega ao fim tanto pelo esvaziamento ideológico quanto pela idade de seus líderes: Lula e Dilma não têm como seguir adiante por muito tempo.

Em suma, embora ainda haja quem teime em se dizer esquerdista, nenhum político profissional que pretenda de fato ascender no cenário nacional insistirá em repetir os chavões que saíram de moda.

Quem pretenda fazer carreira política seguirá outro caminho. Uma geração não ideológica --que nada tem da herança utópica surgida com Karl Marx-- assumirá o poder no futuro.

Sol novo, Sol velho - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 01/09

Descoberta de duas estrelas "gêmeas" do Sol é como um olho no nosso passado e outro no nosso futuro


Você gostaria de se ver mais velho? Se houvesse um espelho mágico capaz de mostrar sua imagem em uma, duas ou mais décadas, você olharia?

Imagino que a opinião seria dividida, uns tantos sim, outros tantos não. Afinal, ver o futuro teria repercussão sobre como viveríamos no presente, o que criaria uma série de paradoxos estranhos.

Se no futuro eu me visse gordo e resolvesse fazer uma dieta, emagreceria? Se emagrecesse, não estaria mudando o futuro? E será que isso é possível? Afinal, o espelho me mostrou gordo... Ou, quem sabe, o futuro não seja um apenas, mas feito de múltiplas opções, como no conto de Jorge Luis Borges "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam".

Deixando essas preocupações um tanto humanas de lado (voltaremos a elas em outro dia), o fato é que em astronomia, ao menos, ver o futuro e o passado é extremamente útil.

Tanto assim que um time internacional de astrônomos, liderados pelo brasileiro Jorge Meléndez, da USP, vem buscando estrelas semelhantes ao Sol, mais velhas e mais novas, para que possamos aprender sobre a evolução da nossa estrela-mãe. Para tal, o grupo usa o gigantesco telescópio em Paranal no Chile conhecido como VLT (do inglês Very Large Telescope, "Telescópio Muito Grande"), do ESO (Observatório Europeu do Hemisfério Sul), um consórcio de 15 países com vários instrumentos de grande alcance e precisão. O Brasil deve ratificar sua presença como membro oficial do ESO ainda este ano.

Em artigo de abril publicado no prestigioso "Astrophysical Journal Letters", com TalaWanda Monroe, também da USP, como primeira autora, o grupo revela dados de duas estrelas "gêmeas" do Sol, uma bem mais nova, a 18 Scorpii, e outra bem mais velha, a HIP 102152. Ou seja, um olho no nosso passado e outro no nosso futuro ou, ao menos, no futuro do Sol.

HIP 102152, com 8,2 bilhões de anos, é bem mais velha do que o Sol, que tem 4,6 bilhões de anos. A questão de maior importância para o público é se o Sol é uma estrela típica ou atípica. É bom sabermos, pois nossa sobrevivência na Terra depende do Sol e da sua estabilidade.

Caso seja uma estrela normal, dentro de sua classificação (estrelas aparecem em classes diferentes, dependendo da sua massa, temperatura etc.), o Sol continuará a gerar luz por muitos bilhões de anos, em torno do dobro da sua idade. Caso não seja normal, as coisas podem complicar. E, se complicarem, a vida na Terra poderá estar em apuros mais cedo do que gostaríamos.

Estudando 21 elementos químicos presentes nas três estrelas, o grupo mostrou que o Sol é uma estrela normal. Em particular, que o elemento lítio, que é bem mais raro no Sol do que em estrelas gêmeas mais novas, é destruído com o envelhecer da estrela: HIP 102152 tem aproximadamente a metade do lítio que temos aqui.

O grupo mostrou também que a HIP 102152 não tem planetas gigantes como o nosso Júpiter ou Saturno na região mais próxima dela, onde podem existir planetas rochosos como a Terra. Ou seja, da imagem do Sol idoso, aprendemos que o nosso Sol não foge à regra; o que possibilita que outros como ele tenham planetas como a Terra que, quem sabe, abriguem também formas de vida.

O náufrago - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O Estado de S.Paulo - 01/09

Um náufrago é resgatado de uma ilha deserta. Não consegue dizer quanto tempo passou na ilha. Perdeu a noção do tempo. Pelo seu aspecto ao ser encontrado - a barba quase no umbigo, as roupas reduzidas a fiapos, a pele curtida pelo sol e o sal - foram muitos anos. Mas quantos? Ele não se lembra do naufrágio. Não se lembra do nome do navio, do tipo do navio, do que fazia a bordo... Não se lembra nem de onde é.

Que língua eu estou falando?

Inglês. Mas com sotaque.

Sotaque de onde?

É difícil dizer...

Estranho. Não me ocorre nenhuma outra língua além do inglês, embora eu sinta que não é a minha língua materna. Talvez seja por causa de Pamela...

Pamela?

A mulher que eu fiz, de areia.

Você fez uma mulher de areia?

Você não sabe o que é a solidão numa ilha deserta.

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Ele precisava de companhia humana. No princípio, só precisava de sexo.

Fizera um buraco na areia. Mas, com o tempo, sentira que precisava de mais do que apenas um buraco. Construí um corpo de mulher em torno do buraco. Seios, grandes seios. Quadris, uma cintura delgada, coxas longas. Sempre gostara de coxas longas. Mas logo sentira que ainda faltava algo. E fizera uma cabeça para sua mulher de areia. Um rosto, com feições, nariz, boca. Um rosto bonito, cuidadosamente esculpido, e que ele retocava constantemente, consertando os estragos feitos pelos caranguejos e o vento. O rosto de uma mulher satisfeita. O rosto de uma mulher que o amava, que mal podia esperar pelas noites de paixão sob as estrelas, com ele. Mas...

- Mas o quê?

- O corpo desmentia o rosto. O corpo era estático e sem vida. Não se mexia, não acompanhava o meu ardor, permanecia ausente e frio. O corpo negava o brilho faiscante das conchas azuis que eram os olhos de Pamela.

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Por que "Pamela"?

Porque decidi que, fria daquele jeito, só podia ser inglesa. Eu tinha feito uma inglesa! Deve ser por isso que conservei o meu inglês. Era a língua com a qual eu fazia declarações de amor a Pamela e tentava despertar no seu corpo a calidez que o rosto prometia. Ela não reagia. Ela não me respondia. Ficava muda e distante. Também não respondeu quando eu comecei a gritar com ela, e a xingá-la, e acusá-la.

Acusá-la de quê?

De me trair. Pamela estava me enganando.

A mulher de areia estava enganando você?

Estava!

Com quem?

Não tenho a menor ideia. Eu só não tinha dúvida de que, com o outro, ou com os outros, ela se mexia. Uma loucura, eu sei. Mas eu tinha pedido aquilo. Eu tinha criado o meu próprio tormento. Não se tem companhia humana impunemente. Onde há um outro, há confusão, há conflito, há desgosto. E há traição.

O que você fez?

Um dia, destruí a Pamela a pontapés. Só deixei o buraco no chão. Mas no dia seguinte a reconstruí, os grandes seios, as longas coxas, pedindo perdão, jurando que aquilo nunca mais aconteceria. E no dia seguinte a destruí a pontapés outra vez.

Grego.

Hein?

O seu sotaque. Pode ser grego.

Hmmm. Grego. É possível. Me sinto muito antigo.

Qual é a última lembrança que você tem do mundo, antes de naufragar?

Deixa ver... Rita Pavone. Não tinha uma Rita Pavone?

Decidiram não contar nada ao náufrago sobre o 11/9 e a Rita Pavone até ele estar completamente recuperado. E o resgataram, apesar da sua insistência em levar o buraco junto.

Idosos em ação - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 01/09

Imperdoavelmente, me esqueci de mencionar aqui a efeméride, mas tento corrigir-me. Semana passada, Zecamunista colheu, nas palavras que ele mesmo usou, mais um cacto no espinhoso canteiro da existência. Não se sabe ao certo que número tem esse cacto e as especulações variam. Segundo Nilzete da Gameleira, que nasceu um pouco depois do marechal Floriano e regula no mínimo com Rodrigues Alves, ele busca ter com ela encontros galantes desde que ela era mocinha, o que ele nega com indignação e diz que ela foi, isso sim, ama de leite dele e, depois de velha, deu para delirar e fazer propaganda do imperialismo ianque. Já Ary de Almiro, seu companheiro em várias ações subversivas, calcula a idade dele pelas vezes em que ele foi preso.

— Tirando as rapidinhas, são nove cadeias — diz Ary. — Então eu só conto a idade dele assim: ele fez isso quando ainda tinha só três cadeias, aquilo quando já tinha sete e assim por diante. Ele só tem nove completadas mesmo, é muito pouco para uma folha de serviços como a dele, ele é bem mais menino do que a gente pensa. Se facilitar, ainda é homem para mais umas quatro cadeias, fácil, principalmente hoje em dia, que está caindo em desuso cobrir comunista de porrada e o desgaste é bem menor.

O fato é que não houve comemorações, como em anos anteriores. Sinal dos tempos, talvez. Longe vai a época em que a festa de aniversário trazia sempre uma surpresa, como na ocasião em que ele promoveu a Noite Vermelha, trouxe uma orquestra de Salvador para tocar a Internacional em ritmo de afoxé e organizou o bloco Agitadoras Agitadas, que entoou a marchinha “É Hoje Que Eu Me Coletivizo” e depois, sob os aplausos de uma multidão entusiástica, fez a lavagem dos bustos de Marx, Engels e Lenine, que ele instalou debaixo dos oitizeiros do Largo da Quitanda e o delegado mandou tirar no mesmo dia — não sei se essa foi a quarta ou a quinta cadeia.

É voz corrente também que, com a maturidade, ele vem preferindo comemorar seus natalícios discretamente, em companhia seleta. Comenta-se que, este ano, teria convidado um contingente das profissionais de elite que militam no Lupanar do Moura, tradicional estabelecimento do ramo do lenocínio, com sede em Nazaré das Farinhas, contingente esse capitaneado por Rosarito del Amparo, ex-rumbeira do Gran Circo Internacional e ainda hoje grande atração em todo o Recôncavo, onde dizem que, se ela fizer uma convocação para vê-la rebolar, vem romeiro até do alto sertão.

Mas, ao aparecer no Bar de Espanha e ser perguntado se tinha passado aqueles dias no tchi-tchi-tchicabum da rumbeira, ele se ofendeu e demandou respeito. Já era um senhor de certa idade, que não podia ter sua reputação enodoada por falsas alegações. Estivera santamente recolhido em casa, mais uma vez dando o melhor de si pela coletividade, e o que recebia por prêmio, aliás como quase sempre, eram a incompreensão e a difamação. Por que, em vez de levantar falsos e assacar aleivosias, não procuravam saber em que ele de fato estava agora empenhado e já ia transformar num movimento nacional sem precedentes, talvez até num novo partido político?

— Não precisam perguntar — disse ele, levantando a voz e fazendo cara de comício. — Eu mesmo digo. Esse aniversário me fez pensar muito no idoso. O idoso agora está na moda, só se fala no idoso, cada vez tem mais idoso, o idoso isso e aquilo. E o que é que ninguém viu? Ninguém viu a mobilização política! O idoso está ignorando a própria força! Nós somos milhões e milhões de votos e cada vez seremos mais! E temos muito por que lutar, teremos muitas bandeiras para desfraldar!

— Vamos nessa, Zeca, qual é a primeira bandeira?

— Ah, ainda não fiz a ordem de preferência, isso vai depender da assembleia geral do partido.

— Vai ser o Partido da Terceira Idade?

— Absolutamente, vamos reivindicar que o uso dessa expressão seja considerado crime hediondo. E exigiremos fuzilamento para quem falar em Melhor Idade e enforcamento para quem usar Feliz Idade, nesse ponto o partido não pode transigir. Mas esses são os aspectos negativos, vamos ter muitos programas positivos e afirmativos, como, por exemplo, o Bolsa Viagra, que é um típico programa social de inclusão, com o slogan “broxura nunca mais”.

— Mas aí eu peguei você, tem discriminação contra a mulher aí. Para o idoso, tudo bem com o Viagra, mas a idosa não toma Viagra.

— Você não esperou eu terminar. Ainda preciso ouvir as bases e ainda não defini o conteúdo do kit que vai ser distribuído às nossas queridas contemporâneas, é um problema delicado, mas as camaradas podem ficar tranquilas, jamais as trairei. Acho que vamos definir uma cesta básica de safadagenzinhas para o dia a dia delas, vai ser tudo democrático, essa preocupação eu não tenho, a gente faz um questionário para elas preencherem, não vamos tolerar nenhum tipo de discriminação ou rejeição.

— Mas como é que o partido garante que o idoso não vai sofrer rejeição? Ele pode até mostrar carteirinha de enviagrado, mas isso não impede que seja rejeitado.

— É porque você ainda não viu o sistema de cotas de última geração que eu montei. Tudo o que se fizer de agora em diante vai ter que reservar a cota do idoso, exceto pegar no pesado, é claro. Não se engane, estamos testemunhando o início de um movimento histórico, que no futuro será conhecido como a Revolta da Bengala. Antes do fim do mês, estaremos fazendo nossa primeira passeata aqui, com sorteio de dentaduras para incentivar a adesão.

Ueba! Bafafá do Pinto boliviano! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 01/09

O deputado vai ser uma péssima influência na prisão: vai roubar as quentinhas dos colegas!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E esse senador boliviano, o Pinto Molina! Ainda bem que é Molina, porque se fosse Durina, o estrago ia ser maior!

"Senador boliviano Pinto Molina entra escondido no Brasil". Programa Mais Pintos! E derrubou um Patriota! Um pinto derrubou um patriota. Então, estamos com 400 médicos cubanos e um pinto boliviano!

E agora: "Bolívia pede para Dilma devolver o Pinto". Faz uma troca! Troca um pinto por três corintianos! Rarará!

E a Dilma não devia devolver o Pinto pro Evo, mas pro ovo. Dilma devolve o Pinto pro Ovo! Rarará!

E Patriota que é patriota não vai buscar pinto lá fora! Rarará!

E o escândalo da semana: "Congresso livra de cassação deputado condenado e preso". Natan Danadão! Superprático: um deputado que já tá preso!

O Congresso deu uma banana pro Gigante! E diz que esse deputado vai ser uma péssima influência na prisão. Vai roubar as quentinhas dos colegas! No mínimo!

E os médicos cubanos? Diz que os Médicos Cubanos vão abrir o Sírio Cubanês! E sabe o que um médico cubano receitou pro pai de um amigo meu? Salsa três vezes por semana para artrose e um charuto no final do dia pro estresse!

E quem vai ficar cuidando do Fidel? Fidel: "Llamen los médicos, los médicos". Não tem. Foram todos pro Brasil.

E não sou contra a vinda dos médicos cubanos, mas o problema é a língua: confundir caganera com "Guantanamera". E a charge do médico cubano: "Holla". "A rola tá bem doutor, o problema tá na cabeça". Rarará.

E diz que os médicos cubanos terão três semanas para aprender como o SUS funciona. E o SUS funciona? E um amigo no Twitter: "se os médicos cubanos aprenderem como o SUS funciona, eles vão bater o ponto e ir embora". Rarará.

Então, temos três vergonhas nesta semana: um Pinto que entrou escondido, um deputado presidiário e os médicos brasileiros hostilizando e vaiando os médicos cubanos.

Avisaram que eles seriam tratados assim?! Avisaram que no Brasil ainda tem gente não civilizada?

E chega de médicos. A pior coisa na minha idade é arrumar treta com médico. Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Poetas - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 01/09

Ainda não sabemos tudo sobre Marte, mas sabemos o bastante para dizer que ele nos decepcionou. Marte foi um blefe. Os tais canais vistos pelas lunetas antigas, provas de que haveria alguma forma de vida inteligente no planeta, mesmo que fosse só de engenheiros, não eram canais. Nenhum vestígio de qualquer tipo de vida apareceu em Marte, muito menos o de uma civilização de homenzinhos verdes, ou de qualquer outra cor, com a capacidade para invadir a Terra. Anos e anos de literatura premonitória e previsões terríveis foram desperdiçados. Nos apavoraram por nada. Como no Iraque, também não havia armas de destruição em massa em Marte.

Mas, se Marte revelou ser um imenso parque de estacionamento, que não ameaça a Terra, isso não quer dizer que não existam civilizações lá fora que cedo ou tarde entrarão em contato conosco, exigindo nossa submissão ou anunciando a invasão.

Nada nos assegura que, se ainda não fomos invadidos por exércitos extraterrenos, não tenha havido — ou esteja havendo neste momento — missões de prospecção e espionagem, feitas por destacamentos avançados ou por agentes isolados, Não quero assustar ninguém, mas vou contar. Já tive contato com um desses agentes extraterrestres. Desconfiei quando ele disse “Vocês são engraçados...” e eu perguntei “Vocês”, quem? “Vocês” brasileiros? “Vocês” carecas? “Vocês” míopes? Destros? Cardiopatas? E ele respondeu: “Vocês, gente.”

E me confessou (já tinha bebido um pouco) que não era deste mundo, era de outro, e estava prospectando o Universo inteiro atrás de um planeta para ser colonizado pelo seu. Achava que tinha, finalmente, encontrado este planeta. Era a Terra. No seu relatório, recomendaria que a Terra fosse ocupada e sua principal riqueza natural explorada, pois era o que faltava no planeta do qual viera.

Perguntei qual era a riqueza natural que nós tínhamos e eles não e o extraterrestre respondeu: “A poesia.” E perguntou: “Você sabe que a Terra é o único planeta do universo conhecido em que as pessoas dão nome aos ventos?” Fiquei lisonjeado com aquilo, pensando: “Taí, somos todos poetas e não sabíamos”, e perguntei o que fariam com os poetas da Terra no planeta dele.

— Comê-los, claro — respondeu ele.

E explicou que não havia mais poetas no seu planeta porque já tinham comido todos. Ou como eu imaginava que eles tinham se tornado uma civilização tão avançada?

O acaso não torce - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 01/09

Escritores, poetas, filósofos, psicanalistas e artistas deveriam escrever mais sobre futebol


Terminei de ler o livro que gostaria de ter escrito, "O Drible", um romance, uma ficção, do escritor Sérgio Rodrigues, que, brevemente, será lançado pela Companhia das Letras. O maior protagonista do livro é o futebol. Nas primeiras páginas, Sérgio descreve, de uma maneira espetacular, o famoso drible de Pelé no goleiro Mazurkiewicz, do Uruguai, na semifinal da Copa de 1970. Faço uma ponta no livro, pois dei o passe para Pelé fazer o quase gol mais bonito da história.

Tentei escrever um romance, com o futebol de pano de fundo. As dezenas de folhas de papel, escritas à mão, acabaram na cesta de lixo. Seria mais um livro para ser esquecido nas estantes. Discordo que exista pouca literatura sobre futebol do Brasil. Falta um número maior de excelentes livros, como "O Drible", talvez o único grande romance brasileiro sobre o assunto.

Escritores, poetas, filósofos, psicanalistas e artistas deveriam escrever mais sobre futebol. No passado, era mais comum. Por não se preocuparem tanto com os detalhes estatísticos, técnicos e táticos nem terem os vícios da linguagem futebolística, além de possuírem uma visão mais humana, teatral e literária do jogo, enriquecem a crônica esportiva.

As classificações e as viradas de Flamengo, Grêmio, Atlético-PR, Goiás e Corinthians, na Copa do Brasil, mostram a força de jogar em casa. Faltam explicações mais convincentes, científicas e psicológicas para o fato de times, diante de suas torcidas, se agigantarem e fazerem partidas heroicas, enquanto os visitantes costumam se sentir desamparados, como crianças indefesas.

É frequente e antiga a história de times, como o Cruzeiro, superior ao adversário, que pode empatar por 0 a 0, que tenta "cozinhar o jogo", em fogo baixo, e, no fim, sofre um gol e é eliminado.

Já o Atlético-MG, mesmo no Independência, onde quem caía estava morto, não repetiu as viradas da Libertadores. São situações diferentes. Uma equipe que, antes do jogo, já tem um álibi, uma desculpa, a de privilegiar o Mundial, corre grandes riscos de ser eliminada.

É a mesma situação do Corinthians, após o título mundial. Corinthians e Atlético-MG não se sentem pressionados. A diferença é que o Atlético-MG só pensa no futuro, no Marrocos, enquanto o Corinthians só pensa no passado, no Japão.

Flamengo e Botafogo também se classificaram por seus méritos. Mano Menezes, que cometeu erros em duas partidas anteriores, foi brilhante ao tirar o lateral e colocar, quando o Flamengo pressionava o Cruzeiro, uma dupla de jogadores velozes, pela direita, Rafinha e Paulinho. Assim saiu o gol e várias outras boas jogadas.

Além de tantas explicações técnicas, táticas, psicológicas e sociológicas para os resultados, existe o importantíssimo acaso, que não torce por nenhum time.

Aborto e objeção de consciência - ELIZABETH KIPMAN CERQUEIRA

GAZETA DO POVO - PR - 01/09

Recentemente, na novela Amor à Vida, um médico se negou a atender uma paciente que chegou ao hospital em estado de choque após ter provocado um aborto ilegal, alegando que isso iria contra sua consciência. No entanto, a cena misturou dois conceitos, omissão de socorro e objeção de consciência, com o risco de o espectador não perceber a diferença entre as duas situações. Por isso, é preciso fazer observações importantíssimas sobre esta questão apresentada com frequência pela mídia.

O médico tem obrigação ética de prestar socorro a qualquer pessoa em risco de morte ou em situação de emergência; portanto, não existe o recurso da objeção de consciência diante de uma mulher em situação de risco após tentativa de aborto, não importa como ele tenha sido realizado. Isso é completamente diferente de afirmar que um médico é obrigado a realizar um aborto. Neste caso, é-lhe assegurado o direito de objeção de consciência.

Assim, o que houve na novela não corresponde à realidade dos hospitais: negar-se a salvar uma vida em risco iminente é uma infração grave, diferente da objeção de consciência. Inclusive nem é preciso haver uma lei sobre omissão de socorro, porque isso já está no Código de Ética Médica. Entretanto, algumas leis atuais no Brasil têm, na verdade, o objetivo de forçar a liberação do aborto, alegando não existir direito à objeção de consciência para instituições e para o médico nestes casos, porque a mulher correria risco se procurasse um aborto ilegal.

Porém, consideremos: uma pessoa que quiser amputar sua própria mão sem ser por motivo de saúde não pode ser auxiliada pelo médico, que sofrerá severa punição se o fizer – apesar do risco que esta pessoa corre se insistir em fazer o ato de forma insegura. Mas, quando existe a ameaça da realização de um aborto provocado, o médico seria obrigado a fazê-lo? Para dizer que sim é preciso negar a existência de um ser vivo humano em gestação. É preciso negar a humanidade daquele que se quer eliminar.

Uma única morte materna devida ao aborto provocado deve ser lamentada, mas esta não é uma das principais causas de morte de mulheres no Brasil. Dados oficiais do Ministério da Saúde declaram que ocorrem em torno de 450 mil mortes do sexo feminino ao ano. Destas, 66.400 são mulheres em idade fértil, sobretudo devido a doenças do aparelho circulatório e a tumores malignos. O número de mortes após o aborto desde 1996 variou entre 115 e 169 casos por ano, sendo que uma grande parte nada tem a ver com o aborto clandestino, mas com patologias diversas da gestação.

Entre as 450 mil mortes femininas anuais, existem causas graves e evitáveis que matam maior número de mulheres no Brasil – essas, sim, são uma verdadeira questão de saúde pública. O fato de que o aborto é praticado, gerando internações e gastos públicos, também não é argumento, porque a experiência em outros países mostra que a liberação aumenta o seu número, bem como as internações por outros problemas de saúde da mulher no curto, médio e longo prazo; além disso, uma contravenção não deve ser liberada apenas porque é praticada.

O recurso à objeção de consciência é exigência do regime democrático, garantindo ao cidadão o direito de não participar de ato criminoso ou que esteja contra seus princípios. Assim como é dever de consciência oferecer informações verdadeiras à população, sem distorção do significado das palavras e atitudes.

O plano B - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 01/09

A candidata a presidente Marina Silva já tem partido para concorrer em 2014, caso não consiga criar a Rede a tempo. O presidente do Partido Ecológico Nacional (PEN), Adilson Barroso, ofereceu a legenda e o comando do partido à ex-ministra. Eles voltarão a conversar dia 25 de setembro. Até lá, Marina vai aguardar pela decisão do TSE, de homologar ou não a criação da Rede.

Ayres Britto vem aí?
O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto tem sido uma espécie de consultor informal de Marina Silva. Há poucos dias, ela o convidou para se filiar à Rede e disputar um cargo eletivo no ano que vem. Ayres Britto ficou de pensar na proposta. 

Me engana que eu gosto
Diante da prática generalizada de antecipar as campanhas, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, disse o seguinte no Senado, quinta-feira: “Sempre fui considerada professora rigorosa, porque eu pegava cola de alunos. Alguns diziam “professora, há professor que faz de conta que não vê”. Eu dizia: “Não, minha combinação é outra: vocês façam, como os homens fazem com as mulheres quando nos traem, sem que eu saiba”. Não façam de maneira tão acintosa. Então, talvez, em matéria de redes sociais, seja um pouco isso. Estamos fazendo de conta que não acontece, mas já há carros andando por aí com referências a candidatos para 2014.” O que dizer?



“Estamos começando a botar o bloco na rua com muita prudência. Esta (a eleição) não é a agenda da sociedade”
Marcus Pestana
Presidente do PSDB mineiro e deputado, sobre o ritmo da campanha à presidência do senador Aécio Neves


O veredito
Está nas mãos do Judiciário a criação de um programa de alfabetização e formação técnica nos presídios. O ministro Aloizio Mercadante (Educação) explica que será preciso separar os presos por periculosidade. Para criar um ambiente escolar, e dar segurança aos professores, é preciso isolar os integrantes do crime organizado. 

Modus operandi

A estratégia do Palácio do Planalto para manter o veto ao fim da multa patronal de 10% do FGTS é a mesma seguida no ato médico: negociar sua manutenção, com a apresentação de projeto de lei que resolva os pontos polêmicos.

Perdidos no espaço
Na volta de uma recente viagem internacional, o avião da presidente Dilma fez uma parada no Panamá para abastecimento. Integrantes da comitiva resolveram ir ao free shop. Dois intérpretes da presidente demoraram nas compras e Dilma mandou o avião decolar. Eles perderam a cadeira VIP e voltaram ao Brasil no avião reserva, que segue nave presidencial.


O MST desencantado
O governo Dilma está sendo acusado pelo MST de ter abandonado a reforma agrária. Alexandre Conceição, da coordenação nacional, diz que o atual governo tem “o pior índice de desapropriação de terras dos últimos 20 anos”.


Tertúlia literária
Ministros do STF e do governo Dilma foram reunidos pelo vice Michel Temer, em jantar no Jaburu na quarta-feira, em torno do jornalista e biógrafo Lira Neto, autor de Getúlio, biografia do ex-presidente trabalhista Getúlio Vargas.


O vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, decidiu que irá concorrer a deputado federal nas eleições do ano que vem.

Pardos, negros e mulatos - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 01/09

O governo ganhou a batalha contra as entidades médicas no caso do Programa Mais Médicos, embora ainda tenha muitas arestas a aparar. Foi acusado de agir com motivação partidária e ideológica ao criar a iniciativa para viabilizar a contratação de 6 mil médicos cubanos por meio de um convênio entre a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e o governo de Cuba. Mas criou oportunidades para que as vagas do programa fossem preenchidas pelos médicos brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, o que não ocorreu. 

Os médicos cubanos vão para as cidades e os postos de periferia que não têm médicos. Prefeitos e moradores que padecem da falta de médicos dão graças a Deus. A presidente Dilma Rousseff faturou eleitoralmente. No confronto entre as entidades médicas e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, houve muito preconceito contra os cubanos, principalmente os negros e pardos, que são maioria entre eles, ao contrário do que acontece com os médicos brasileiros. Não faltaram vergonhosas demonstrações de xenofobia e racismo contra os cubanos. A oposição ficou no sal. 

É óbvio que a opinião pública, que faz críticas pesadas ao SUS, acabou apoiando a iniciativa do governo. Ninguém de bom senso pode ser contra um programa cujo objetivo o nome já diz: mais médicos. As entidades médicas, porém, têm razão em alguns aspectos. As condições de trabalho oferecida aos profissionais são precárias; o governo não aceita criar um plano de carreira que resolveria, em caráter permanente, o problema de alocação de médicos nas regiões remotas e nas periferias; nem admitiu a destinação de 10% das receitas da União para a saúde na regulamentação da chamada Emenda 29. Também questionam o caráter “terceirizado” das relações trabalhistas impostas aos médicos cubanos.

Errante
O Itamaraty negocia a transferência do senador boliviano Roger Pinto Molina para países cujo governo têm mais afinidades com a oposição boliviana do que com o presidente Evo Morales, como o Paraguai, ao contrário do que acontece com o governo brasileiro. Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff e o presidente boliviano se encontraram no Suriname, na reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Morales chamou o líder da oposição boliviana de delinquente e ficou de encaminhar os processos contra ele para o governo brasileiro, que ainda não decidiu se atenderá o seu pedido de refúgio. Roger Pinto estava asilado na embaixada do Brasil em La Paz e viajou para o Brasil sem salvo-conduto. Foi condenado a um ano de prisão por corrupção, mas alega perseguição política.


Linha de passe
Os acordos regionais entre o PT e o PMDB em vários estados serviram para aproximar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que se encontraram na quinta-feira passada no Recife. Os dois estão dispostos a pactuar as relações entre as duas legendas em diversos estados e compartilhar palanques para enfrentar a presidente Dilma Rousseff nas eleições. O pacto irritou ainda mais o PT.

Ônibus
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) vai leiloar 2.110 linhas de transporte interestadual de passageiros, que foram distribuídas em 16 grupos e 54 lotes. Serão interligadas 2.050 cidades

Para todos
A chapa Partido é Para Todos, na Luta, encabeçada por Rui Falcão, candidato à reeleição para o comando do PT, será lançada terça-feira à noite em Brasília, na Galeteria Beira Lago. O PT está em pleno processo de renovação de suas direções, e cerca de 500 mil filiados deverão ir às urnas. Falcão encabeça uma ampla aliança de cinco forças políticas internas, que reúne a maioria de parlamentares, prefeitos, ministro e ex-ministros e lideranças petistas. Os ex-presidentes da Câmara Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) integram a chapa.

Serra e o PPS
O deputado Roberto Freire (SP) convocou a executiva do PPS para uma reunião na próxima quinta-feira em Vitória, cujo prefeito, Luciano Rezende, é uma estrela em ascensão na legenda. Espera que até lá o ex-governador José Serra deixe o PSDB e anuncie seu ingresso no partido para ser candidato a presidente da República.

Cara de vice
O vice-presidente Michel Temer (PMDB) avisou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que não deve contar com o apoio da legenda à sua reeleição. Pretende lançar o presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, ao Palácio dos Bandeirantes. O empresário é cortejado para ser o vice do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o mais provável candidato do PT.

Comércio/ O embaixador brasileiro Roberto Azevêdo toma posse hoje como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). A posição é a mais estratégica ocupada pelo Brasil no plano internacional.

Arrocho/ O Banco Central (BC) resolveu dar exemplo de corte de gastos: reduziu viagens a serviço, celulares, serviços de 3G, impressoras, serviços terceirizados, estagiários, clippings de jornais, rádio e tevê, análises de mídia, assessoria de imprensa, publicidade, transportes , contratos de limpeza, videoconferências, serviços de informação, ligações interurbanas, treinamentos, serviços médicos e eventos.

Dedicação exclusiva - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 01/09

Dilma Rousseff estipulou o início de janeiro como prazo para que os ministros-candidatos deixem suas pastas. Até lá, no entanto, a presidente orientou Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e Alexandre Padilha (Saúde), os mais proeminentes, a só marcar atividades políticas nos fins de semana. Com o Mais Médicos, no entanto, Padilha tem sido acionado pela petista aos sábados e domingos, sem tempo para percorrer os municípios de São Paulo.

Fora do ar 
A prioridade à transferência de médicos para o interior é tal que a ordem no PT é só exibir o virtual candidato ao governo nas inserções de TV em São Paulo em novembro, quando, acredita o Planalto, a medida provisória do programa já terá sido aprovada no Congresso.

Vaza 
Já em relação aos dois ministros do PSB, a ordem é pressionar para que saiam dos cargos imediatamente, dada a clara disposição de Eduardo Campos de se candidatar a presidente.

Âncora 
Há duas semanas, a cúpula do PSB discutiu o timing da saída de Leônidas Cristino (Portos) e Fernando Bezerra (Integração Nacional), mas os deputados presentes pressionaram para que esticassem a corda.

Pelo... 
Marina Silva quer evitar embates com a Justiça Eleitoral, mas a Rede decidiu que vai reclamar novamente ao TSE sobre o atraso na certificação de assinaturas de apoio à sigla em Estados como São Paulo e Pará. Neste, há fichas que estão há 60 dias nos cartórios, sem análise.

... cansaço 
Por outro lado, o partido admite que a lentidão na obtenção do registro se deve também a falhas de sua própria equipe: no interior de Goiás e de Minas, há certidões prontas que não foram retiradas pelos representantes da Rede.

Soft power 
Em momento delicado com Bolívia e Paraguai, Dilma deu carona a Evo Morales e Horacio Cartes do aeroporto de Paramaribo ao hotel da cúpula da Unasul. Para isso, a FAB deslocou três helicópteros de Belém.

Leva eu 
Marco Feliciano (PSC) se insinuou recentemente para o PMDB. Ele tem procurado caciques da sigla de olho no Senado em 2014.

Quites 
Preso por ordem do STF, Natan Donadon (ex-PMDB-RO) usou sua verba indenizatória de 2011 a 2013 para contratar a Rádio Planalto de Vilhena, do senador Ivo Cassol (PP-RO), também condenado pela corte por fraude em licitação. Os repasses variam de R$ 1.200 a R$ 1.850.

Outro lado 
A assessoria de Cassol diz que o repasse é "normal", com objetivo de divulgação. Informa também que a emissora é a estação de maior audiência da região e que só o senador é proibido de fazer divulgação na rádio.

Plantão... 
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, operou pessoalmente e convenceu a Amil a desistir da compra do hospital Santa Marina, no Jabaquara, arrematado em leilão em agosto por R$ 55 milhões.

... médico 
A empresa vai vender o prédio à prefeitura, que repassará a gestão ao hospital Albert Einstein.

Virou moda 
Parlamentares da base aliada planejam novo revés para o governo caso o Planalto se recuse a retirar a urgência do Código de Mineração, em discussão na Câmara. Por tramitar em regime de urgência, o projeto tranca a pauta e nenhuma matéria pode ser votada.

Clonagem 
A ideia dos deputados é derrubar o projeto do governo e propor um novo texto nos mesmos termos, para que permaneça em discussão por mais tempo nas comissões da Casa.

Tiroteio
O governo trocou o certo pelo duvidoso. Agora, só falta criar um seguro-desemprego para os brasileiros que podem ser demitidos.
DO SENADOR ALVARO DIAS (PSDB-PR), sobre os municípios que declararam intenção de demitir brasileiros para receber profissionais do Mais Médicos.

Contraponto

Carência zero

Durante reunião no Palácio do Planalto com ministros, na quinta-feira, Garibaldi Alves (Previdência) levantou-se e fez uma rápida prestação de contas da pasta.

Ao concluir sua apresentação, provocou Gleisi Hoffmann (Casa Civil), que coordenava a reunião:

-Nosso atendimento ao público melhorou muito. Quando estava com problemas, a ministra Gleisi me ligava todos os dias. Agora que melhorou, não liga mais! - brincou Garibaldi.

A chefe da Casa Civil riu e respondeu:

-Parabéns, ministro!

Chuvas na horta - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 01/09
As águas voltaram a correr para o moinho da presidente Dilma Rousseff, alimentando a recuperação de sua popularidade que, segundo auxiliares, agora estaria na casa dos 40%, e, por decorrência, sua competitividade eleitoral. As pesquisas dirão. E, com isso, os adversários avaliam as condições de cada um para representar o papel de anti-Dilma no pleito de 2014, no esforço para barrar sua reeleição ou acumular forças para remover o PT do governo em 2018. Insere-se nesse movimento o encontro de quinta-feira entre os presidenciáveis Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB.
O crescimento de 1,5% da economia brasileira no segundo trimestre, superando a taxa de desenvolvidos e emergentes, inclusive os Estados Unidos, excetuando-se apenas a China, deve dar novo impulso à recuperação da presidente. O índice superou as previsões mais otimistas e desmentiu as hegemônicas profecias negativas. O foguetório foi discreto: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, proclamou a superação do "fundo do poço" mas previu crescimento moderado para o ano. Fora do governo, quem divergiu da manada e acertou foi o presidente da CNI, Robson Andrade. Em artigo na semana passada, ele apontou discrepância entre o pessimismo dos analistas e a realidade dos empresários, apostando na recuperação. A indústria, de fato, retomou a dinâmica, crescendo 2%, embora a agricultura tenha contribuído mais com o resultado trimestral.

Na frente social, Dilma parece estar ganhando a guerra do Programa Mais Médicos. Se ele der certo, lavrará dois tentos. Ganhará para si e para o candidato do PT ao governo de São Paulo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Ela tem viajado intensamente pelo Sudeste - região em que mais caiu e onde vem obtendo a melhor recuperação. Vem se recompondo com os partidos aliados. E como eles não resistiram a cometer mais um desatino, preservando o mandato do deputado condenado Natan Donadon, pode sobrar apenas para o Congresso os protestos esperados para o Sete de Setembro. No resto do semestre, a aposta de Dilma é no êxito das concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos ao setor privado. Se o governo não cometer grandes erros, se o inesperado e o imprevisível não emergirem com a força de junho, Dilma deve começar 2014 como a candidata mais competitiva, ainda que não volte a ser a franca favorita de antes. Como candidata, ela precisa é resolver seus problemas com o PMDB e com os partidos da amplia coligação que a elegeu, em 2010. Esse quadro é que vem pautando os movimentos dos adversários.

O papel de anti-Dilma
As dificuldades de Marina Silva para viabilizar seu partido, a Rede Sustentabilidade, começam a frustrar as apostas de que ela se tornaria o polo mais forte contra Dilma. Afinal, ela é quem tem os maiores índices de intenção de votos (26% contra 35% de Dilma, na última pesquisa Datafolha) e o melhor desempenho num eventual segundo turno contra a presidente (46% a 41%, na mesma pesquisa). Mas, agora, ainda que o partido consiga ser legalizado, admite-se no círculo marinista que isso ocorrerá no limite do tempo de filiação, quando já será praticamente impossível atrair adesões (para garantir tempo de televisão) e projetar alianças para 2014. Resta sempre a hipótese de concorrer por outro partido, o plano B que ela se recusa a discutir até com os mais próximos. Candidata ou não, Marina será um fator importante na sucessão, que nenhuma coalizão anti-Dilma desprezará.

Eduardo Campos foi recentemente citado pelo jornal inglês Financial Times como a maior ameaça a Dilma em 2014. Ele é a maior novidade no quadro, mas seu jogo político é o mesmo dos outros. Diferente é o jogo de Marina. E diferentemente dela, ele não cresceu com a onda de protestos. Apenas preservou-se, contendo a exposição. Até agora, não firmou alianças nítidas e tem problemas no próprio partido. Ao saber de seu jantar com Aécio Neves, o governador do Ceará, Cid Gomes, protestou contra a hipótese de ver o PSB transformado em linha auxiliar do PSDB. Ele e o irmão Ciro, que defendem o apoio a Dilma, podem deixar o partido em outubro, como fizeram em 2004, quando o PPS optou pela oposição ao governo Lula, do qual Ciro era ministro. O maior ativo de Campos hoje é a simpatia do empresariado, que, na hora H, pisará em duas canoas: a da presidente e a do adversário mais competitivo. Claro que é cedo para Campos que, no fim do ano, deve romper com o governo para começar o ano com postura mais agressiva.

Embora enfrente um problema partidário que atende pelo nome de José Serra, o senador Aécio Neves é que vem reunindo as melhores condições para o papel de anti-Dilma. Apresentou crescimento, embora tenha depois perdido uns pontos. Seu partido é nacionalmente estruturado, dispõe de máquinas poderosas nos estados de Minas e São Paulo, terá um tempo de televisão razoável. As candidaturas de Campos e Marina no primeiro turno lhe interessam para forçar o segundo, assegurando-se - desde agora - da unidade das oposições no embate final. Para isso, prestará aos dois todas as homenagens e fará até concessões nas disputas estaduais.

Batalha à vista
Campos, Aécio e Marina estarão unidos numa batalha que se avizinha. Talvez ainda nesta semana os governistas tentem votar, no Senado, o projeto do senador Romero Jucá, que altera algumas regras eleitorais. Para as oposições, casuísmo puro. Por exemplo, a redução do período de duração da campanha na tevê, a pretexto de poupar a paciência do eleitor. Aécio e Campos concluíram que eles é que perderão, pois precisam se tornar mais conhecidos nacionalmente.

Supremacia ameaçada - JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADO DE S. PAULO - 01/09
Em meio ao caos que precede e permeia todo fim de ciclo histórico, de que é cenário hoje a política nacional, uma placa teutônica se desloca longe dos olhos da maioria, mantendo distante o que parece o fim do mais longevo feudo patrimonialista brasileiro -  o clã Samey no Maranhão, não por acaso, onde se registram os piores índices de vida do País há décadas.
Os ventos de mudança que impõem a transformação dos costumes políticos decadentes, herdados do colonialismo português , parecem ter alcançado a ilha de resistência mais notória desse processo, segundo as pesquisas à sucessão da governadora Roseana Sarney.

Pela primeira vez, a oposição larga na frente na disputa eleitoral no Estado - e com uma vantagem até recentemente impensável de 45% sobre o segundo colocado. O presidente da Embratur, Flávio Dino (PC do B), lidera a corrida em todos os cenários, sendo o mais expressivo o que o coloca com 60% da preferência contra 15% de Luis Fernando (PMDB), apoiado pelo clã Sarney.

Cenário que se mantém quando Fernando é substituído pelo aliado histórico de Sarney, o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, dono do maior índice de rejeição (39%).

A pesquisa indica também a vitória da oposição na disputa pelo Senado contra qualquer um dos pré-candidato da família Sarney. Na disputa com Roseana, o vice-prefeito de São Luís, Roberto Rocha (PSB), tem 43,69% contra 35,38% da governadora.

Com mandatos ininterruptos desde 1955 (salvo breves sete meses entre a saída da Presidência e março de 1990), o senador José Sarney está diretamente ligado aos índices negativos do Estado. O mais baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH), refletido na maior taxa de mortalidade infantil do País (28 por mil habitantes), na maior pobreza extrema e no menor número de médicos por habitante.

Significa dizer que no Estado comam dado hoje por Roseana e os irmãos Murad - Jorge e Ricardo (este, secretário de Saúde, pasta com 50% do orçamento), 22% da população sobrevivem com R$ 2,20 por dia e só metade mora em casas com água e banheiro. Em contraste com a riqueza natural materializada no gás, petróleo, soja e indústrias e com o poder político nacional que fez do chefe do clã presidente da República e quatro vezes do Senado Federal.

Por vezes, essa supremacia estadual de Sarney foi ameaçada, mas jamais abalada. Porém, foi seguramente a aliança com o PT que lhe garantiu fôlego na última década, em que se impôs regionalmente, como demonstra a censura do presidente Rui Falcão à propaganda regional do partido, com críticas ao IDH do Estado, a pedido de Sarney.

Extinção

O projeto do novo Código de Processo Civil, já no plenário da Câmara, extingue os embargos infringentes, que divide o STF por permitir a reforma das sentenças dos mensaleiros.

Efeito Donadon

O relator do fim do voto secreto, deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), começa na semana que vem audiências públicas, com representantes do STFOABTSE e CNJ.

Causa própria

O PMDB quer reduzir a propaganda em rádio e TV de 45 para 30 dias. Reduz custos de campanha e a margem de êxito dos candidatos menos conhecidos, que precisam de mais tempo de exposição

Até onde dá? - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 01/09

Com base no crescimento surpreendente do PIB no segundo trimestre, alguns entenderam que esse desempenho será fator de recuperação de confiança na economia, o que, por sua vez, atuará como determinante na melhora dos resultados. O que importa é saber até que ponto dá para contar com um avanço econômico sustentável superior a 3% ao ano.

Na última quinta-feira, um dos mais importantes empresários deste país, o gaúcho Jorge Gerdau, presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, observou que dificilmente o Brasil conseguirá apresentar crescimento econômico médio superior a 2% ao ano. Ele lembrou de estudos do Banco Mundial que convergem para a conclusão de que "países que investem menos de 20% de seu PIB não crescem mais do que 2,5% ao ano".

Como está no gráfico, a participação do investimento no PIB total não passa de 18,6%, incluída aí a contribuição dos estrangeiros. Nos últimos anos, o maior peso do investimento aconteceu no segundo trimestre de 2004, quando alcançou 20,6% do PIB.

A baixa participação do investimento é, por sua vez, consequência do baixo nível de poupança (16,6%) na renda nacional. Não cabe o argumento de que essa relação é inevitável em países em desenvolvimento, na medida em que a população acaba por viver da mão para a boca. Este é, mais que tudo, um dado cultural. Embora constituído de países pobres, o padrão asiático é de poupança acima de 30% do PIB. O recorde pertence à China, que poupa nada menos que 51% da renda nacional.

No Brasil, esse fator cultural que empurra para o consumo foi acentuado nos últimos dois anos por opção de política econômica que relegou o investimento ao deus-dará. Partiu do ponto de vista equivocado de que bastaria estimular o consumo para que o investimento viesse atrás, como as pombas em direção ao punhado de quirera de milho. Logo se viu que o consumo disparou, mas a oferta não acompanhou porque, prostrado pelos altos custos, o setor produtivo nacional não conseguiu competir com o produto importado.

O governo Dilma acordou para a necessidade do investimento. Embora deva ajudar a empurrar o PIB, investimento leva tempo para transformar mais demanda em mais produção. Ao ritmo Brasil, uma linha de metrô, por exemplo, leva mais de dez anos para ir do projeto à inauguração.

O baixo nível de poupança e de investimento não é o único limitador do crescimento potencial do Brasil. Contribuem também para isso o mercado de trabalho excessivamente aquecido (situação de pleno emprego); a precariedade da infraestrutura, que é consequência do baixo investimento; e o já mencionado alto custo Brasil, que tira competitividade do setor produtivo.

A inflação (imposto inflacionário) é também obstáculo na medida em que reduz a capacidade de consumo e de investimento. Mas isso já tem a ver com as escolhas equivocadas de política econômica que não garantem o nível necessário de saúde fiscal e contribuem para acentuar o desânimo.

Muito santo, pouco milagre - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 01/09

Mesmo depois de muita injeção de vitamina com efeitos colaterais, PIB cresce a 2% ao ano


AS PREVISÕES para o crescimento da economia no segundo trimestre eram tão furadas que a gente fica tentada a imaginar que o andar da carruagem do PIB possa ser mais veloz daqui em diante.

A tentação da esperança sempre é grande, se não humanamente vulgar, ainda mais quando a turma dita pessimista dá uma bola tão fora, quando a gente é obrigada a relembrar que estatísticas econômicas são um gênero tedioso de ficção científica, segundo a "boutade" de Paul Krugman, Nobel de Economia.

Se os economistas "do mercado", bastião do pessimismo, erraram tanto quanto ao segundo trimestre, erro de 50%, na média, o resto do ano pode até ser bom.

Só que não.

Nem deve ser bom, nem é bem esse o problema dos ditos pessimistas ponderados.

Para começo de conversa, convém considerar em que pé estamos.

Em 12 meses (até junho), o Brasil cresceu 1,9%. É ruim, mas era pior no ano passado. Em junho de 2012, crescêramos 0,9% (em 12 meses).

Mesmo que a economia fique estagnada até o final do ano, o Brasil terá crescido então 2,5% em 2013, graças a mumunhas da estatística do PIB. Está frio ou está quente?

O problema mais imediato é que foi preciso muito santo para pouco milagre, muito estímulo econômico para um resultado miudinho, de resto com efeitos colaterais.

A taxa de juros real caiu de 4,5% ao ano no início de 2012 para 1,8% ao ano na média de julho e para 1,5% em dezembro (agora, está em 3,8% e subindo. Acabou o refresco).

A poupança do governo (receita menos despesa, desconsiderados gastos com juros) caiu de 3,1% do PIB em dezembro de 2011 para 1,9% em julho deste ano, para usar a conta simplezinha. É contraproducente estropiar ainda mais as contas públicas (nem é plano do governo fazê-lo em 2014).

O governo fez dívida para colocar dezenas de bilhões de reais nos bancos públicos a fim de vitaminar o crédito, ritmo de crescimento que não vai se repetir. O BNDES empresta dinheiro a juro real zero.

Ainda assim, estamos crescendo a 2% para 2,5% ao ano, com inflação rondando os 6%. Não é mais possível usar tanto anabolizante.

De resto, temos problemas novos, como o risco de o dólar engordar a inflação e a alta de juros nos EUA.

Há quem imagine que o governo não usou anabolizantes, mas fortificantes. A economia teria padecido apenas de fraqueza momentânea; não sofreria de problemas crônicos como falta de produtividade, mão de obra escassa, infraestrutura precária, burocracia idiótica, falta de investimento público etc.

O pessimista ponderado acredita que a economia tem problemas ora crônicos: precisa de tratamentos complicados, embora viáveis, não de Biotônico Fontoura.

O pessimista ponderado não imagina que veremos recessões à moda dos anos 1980 ou 1990, nem quebras operísticas, daquelas de irmos ao FMI. Nem acredita que o país pudesse ter crescido muito mais do que o fez nestes anos Dilma Rousseff. A terapia, digamos, teria exigido repouso. Mas estaríamos prontos para andar um pouco mais rápido em 2014.

O pessimista ponderado se exaspera com a ideia de que, no ritmo atual, o Brasil vai levar uns 50 anos para chegar ao nível de renda de um país como Portugal.

Envelhecer com o pré-sal - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 01/09

As projeções do IBGE para os próximos 40 anos trazem um retrato animador para os brasileiros. O futuro que se abre para as próximas gerações é de um país com menores desigualdades regionais, mulheres que decidem ser mães aos 28/30 anos, população idosa crescendo e a infantil encolhendo naturalmente, sem imposição de nenhum programa de controle de natalidade. O maior acesso à educação nos últimos 20 anos e o esperado nas próximas décadas são a base dessa pirâmide de impulso ao progresso social. O cenário futuro está exposto. Falta os governantes de hoje e os que aspiram sê-lo no futuro se debruçarem sobre as projeções e prepararem seus planos de governo com ações voltadas para as mudanças que virão.

Vou tratar aqui de uma dessas mudanças: o deslocamento etário da população, com o número de idosos crescendo, o de crianças encolhendo e o de adultos sendo reduzido gradualmente. Hoje a esperança de vida do brasileiro ao nascer é de 74 anos, e será de 80 em 2041. Com isso os idosos de 65 anos ou mais serão 25% da população em 2060, mais que o triplo do 7,4% de hoje. Ações voltadas para essa realidade não podem ser adiadas nem tratadas como encrencas que os políticos costumam repassar ao próximo presidente, governador ou prefeito. Ao contrário, os candidatos que pretendem se eleger em 2014 deveriam começar desde já a fazer planos para mudar seus sistemas de previdência e garantir a aposentadoria da crescente população idosa.

O atual sistema de previdência do INSS foi criado em 1960, quando a população trabalhadora era seis vezes maior do que a aposentada com mais de 60 anos. Assim, o regime de repartição (quem está na ativa paga os salários dos inativos) que passou a vigorar gerava superávits tão altos que, além da aposentadoria, o INSS pagava também os gastos com o sistema de saúde pública. Mas o quadro foi mudando e a saúde foi retirada do caixa do INSS.

Hoje, a eficácia desse regime de repartição é questionada porque gera um desequilíbrio financeiro enorme e crescente para o INSS: em 2012 o déficit atingiu R$ 42,3 bilhões, equivalente a 0,86% do Produto Interno Bruto (PIB), e, se nada for feito, ele será de 5,68% do PIB em 2050, segundo projeção do INSS. Lógico, se a população trabalhadora que paga os benefícios encolhe, a idosa se amplia e ainda recebe proventos por mais tempo, porque vive mais. A conta não fecha e o déficit cresce como bola de neve.

Os governos FHC e Lula tentaram resolver o problema, sem sucesso - a geração atual não quer perder e a futura não apoia porque ainda nem nasceu. Diante do impasse, estudiosos em previdência passaram a propor uma mudança mais simples: elevar a idade de acesso à aposentadoria dos homens de 65 para 67 anos, das mulheres de 60 para 66 anos e o tempo de contribuição ao INSS passaria de 35 para 40 anos, no caso dos homens, e de 30 para 39 anos, no das mulheres. Tem lógica: o brasileiro vive mais, pode trabalhar mais tempo. O objetivo é buscar o equilíbrio financeiro do INSS.

Mas o recente exercício de projeção do IBGE mostrou um quadro de mobilidade etária e envelhecimento da população bem mais agudo. Cálculos atuariais serão feitos, mas é certo que o desequilíbrio do INSS vai persistir e se expandir no futuro, mesmo que o Congresso (toc, toc na madeira) venha a aprovar as mudanças descritas acima.

São as próprias projeções do IBGE, porém, que indicam uma saída: se a população infantil encolhe e a idosa cresce, a demanda por verba em educação cairá e o déficit do INSS aumentará. E progressivamente. Então por que não, ao longo dos anos, ir reduzindo gradualmente o dinheiro destinado à educação do fundo de petróleo do pré-sal e desviá-lo para subsidiar parte das aposentadorias dos idosos? A Noruega, país rico e desenvolvido que vive hoje os problemas que o Brasil viverá no futuro, faz exatamente isto: criou um fundo com dinheiro da exploração de petróleo para garantir aposentadoria aos seus idosos. Afinal, o prolongamento da velhice deve ser alegremente festejado, e não visto como um problemão a infernizar o mandato dos governantes.

Ajusta ou empurra com a barriga? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 01/09

Um ajuste pode causar desemprego; empurrar com a barriga pode pôr lenha na fogueira da alta do dólar


Até quatro meses atrás, a estratégia do governo estava clara. O ensaio nacional-desenvolvimentista não conseguira produzir aceleração do crescimento, apesar de todos os esforços da política econômica: redução das tarifas de energia elétrica, elevação das tarifas de importação de inúmeros produtos, desoneração de diversos produtos, maiores desonerações para o exportador, elevadíssimos aportes de recursos ao BNDES, fortíssima redução da taxa básica de juros etc.

Esse pacote foi desenhado para detonar um grande ciclo de investimento e, com ele, acelerar o crescimento. Como já tive oportunidade de tratar neste espaço, minha interpretação é que esse conjunto de medidas desorganizou a regulação econômica, dificultou o planejamento empresarial e, como resultado, produziu o contrário do planejado: queda na eficiência de operação da economia e, consequentemente, do investimento.

Assim, a estratégia do governo era empurrar com a barriga até as eleições e pensar no que fazer após a reeleição. De fato era o mais prudente a ser feito.

Já havia indícios de que o governo abandonaria o ensaio nacional-desenvolvimentista. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista à imprensa, sinalizava o fim da política das campeãs nacionais, e o Banco Central dava mostras de retorno a uma política mais dura de combate à inflação.

Aparentemente o governo desistia do crescimento e focava a manutenção do baixo desemprego e, principalmente, o combate à inflação. Ocorrera uma clara ligação entre a primeira queda da popularidade da presidente, ainda antes das manifestações, e a inflação do tomate.

Acontece que a subida da taxa de juros de longo prazo na economia americana e, com ela, a desvalorização de inúmeras moedas de países emergentes ou de economias desenvolvidas muito dependentes da exportação de commodities --casos da Austrália e do Canadá, por exemplo-- atropelaram o calendário eleitoral brasileiro.

Para piorar o cenário, a moeda brasileira é das que mais têm sentido. A desvalorização acumulada do real ante o dólar de 3 de maio até a semana passada foi de mais de 20%, só ultrapassada pela rupia indiana.

Assim, a formulação da política econômica tem que enfrentar o seguinte dilema: ajustar ou manter a estratégia de empurrar com a barriga. O ajustamento vai requerer um pacote, mesmo que limitado, que resultará em alta do desemprego e desaceleração da economia para impedir que a desvalorização do câmbio impacte a inflação. Os custos políticos dessa estratégia são evidentes.

A dificuldade é que a estratégia de empurrar com a barriga pode colocar lenha na fogueira da desvalorização cambial e, portanto, mais inflação. Mais inflação pode ser ainda pior para a popularidade da presidente. Verdadeira escolha de Sofia.

Uma possibilidade é tentar estancar o movimento no mercado futuro de câmbio, que tem liderado a onda de desvalorização. Pode-se, por exemplo, colocar IOF para os agentes com posição comprada em moeda estrangeira na BM&F. A dificuldade é que essa medida pode iniciar uma corrida contra o real no mercado à vista, obrigando o BC a vender grandes volumes de reservas ou a aceitar cotações muito mais desvalorizadas.

Uma resposta possível a uma corrida contra o real seria a centralização do câmbio e, portanto, a eliminação da abertura da conta de capitais para a saída. Essa medida extrema representaria quebra contratual e colocaria nosso regime de política econômica muito próximo do praticado na Argentina.

Dessa forma, retornamos à escolha de Sofia. Um cardápio mínimo para a estratégia de ajustamento seria fazer um forte aumento do preço da gasolina, o que arrumaria as contas da Petrobras e do setor sucroalcooleiro e ajudaria muito na redução do desequilíbrio externo.

Deixar a política monetária livre para colocar os juros onde for necessário e desfazer as desonerações para a indústria, com o argumento de que foram desenhadas para um momento de forte valorização do câmbio e que deixaram de ser necessárias na atual conjuntura. E, finalmente, sinalizar um superavit primário de 2% do PIB, por exemplo, sem nenhuma dedução ou criatividade contábil.

No entanto, talvez ainda haja espaço para a estratégia de empurrar com a barriga. Vejamos.