sexta-feira, junho 07, 2013

Noivos pagam a conta - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 07/05

A Quarta Turma do STJ decidiu ontem que festas de casamento com música ambiente terdo que pagar direitos autorais.
E a responsabilidade pelo pagamento é dos noivos. Se eles ndo pagarem, o local do evento será responsabilizado.

Caminho da roqa
Aliás, o Ecad começou uma campanha para recolher direitos autorais em festas juninas, inclusive em escolas e paróquias.

No ano passado, mais de 5 mil artistas receberam cerca de R$1,7 milhão de direitos autorais.

Crise dos livros
A Laselva, livraria instalada nos aeroportos, há 66 anos no mercado, pretende vender parte do capital a algum fundo de investimentos.

Já conversou com o Pactual e com a Pátria Investimentos.

Danos de imagem
A 48ª Vara Cível do Rio determinou a penhora das contas bancárias da Rede Bandeirantes para indenizar Xuxa em R$ 2,4 milhões.

É que, em 2008, Ledo Lobo exibiu fotos da apresentadora nua, feitas para uma revista masculina.

Sobrou para Nietzsche
A decisdo do ministro Alexandre Padilha de cancelar a campanha “sou feliz sendo prostituta”, de combate a doenças sexualmente transmissíveis, foi criticada por Claudio Lorenzo, da Associação Brasileira de Bioética.
Ele a classificou de “moralina”.

Segundo ele...
Trata-se, diz Lorenzo, de conceito criado por Nietzsche, o filósofo, “para designar a atitude de quem nega a realidade, colocando seus valores acima do sofrimento e da verdade alheia. É uma moral hipócrita”.

Ensino superior
Filho de militar, o ministro Aloizio Mercadante estava ontem exultante com a decisão de ampliar as vagas no IME e no ITA, duas prestigiosas escolas militares:

— Vamos triplicar em dois anos as vagas para o IME, a primeira faculdade de engenharia do país, fundada em 1792.

Aliás...
O IME, que ajudou a criar empresas como a CSN, vai ganhar uma nova sede no futuro Polo de Ciência e Tecnologia do Exército em Guaratiba.

Já...
O ITA, responsável pela criação da Embraer, vai ter o número de vagas duplicadas no ano que vem.
O instituto tem 62 anos. Neste tempo, só 26 dos seus alunos alcançaram a nota máxima ao final do curso.

Zeca, 30 anos
Em um mês, o DVD “Multishow ao vivo — Zeca Pagodinho — Vida que segue” já vendeu 86 mil cópias.
É o mais vendido do momento, segundo a Nielsen SoundScan.
Crime e castigo
O ex-secretário de Meio Ambiente de Duque de Caxias, RJ, José Miguel da Silva, foi condenado pelo TRF do Rio a um ano de prisão e multa por não ter passado dados ao MPF durante uma investigação em 2008.
O caso envolvia a autorização da prefeitura para construção de uma pista de motocross na Reserva do Tinguá.

Segue...
Rogério Nascimento, o procurador federal, ficou satisfeito com a decisão:

— Reafirmar que é crime obstruir as investigações do Ministério Público, intencionalmente, é uma importante vitória para a instituição e para a sociedade — diz.

Exercício perigoso
A 10ª Câmara Cível do Rio condenou a academia Body Up, de Botafogo, no Rio, a indenizar, por danos morais, um aluno em R$ 5 mil.

O rapaz fazia um exercício na academia quando o cabo de um dos aparelhos se rompeu, e uma barra de ferro o atingiu na cabeça.

Cena carioca
Por volta das 8h de ontem, na estação Central do metrô do Rio, um vovozinho entrou no vagdo das mulheres. Umas moças logo pediram para ele sair. E o da bengala:

— Minha filha, eu já tenho 80 anos, não faço mal a ninguém mais.

Há controvérsias.

Virgens e tatuados - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 07/06

Trabalhar para o Estado é sonho de muita gente boa. Mas também é a de muitos malandros, em busca de um emprego que garanta uma de três coisas: trabalho mole, carreira garantida (com raras exceções e quase sempre por culpa do funcionário) e aposentadoria razoavelmente confortável.

As exigências variam de estado para estado. Em alguns não são contratados gordinhos, desdentados, baixinhos (abaixo de 1,50 metro) e altos demais, acima de 2 metros. Em alguns estados, decisões judiciais resolvem a questão, muitas vezes em favor dos candidatos. A Justiça também derrubou a necessidade de exame ginecológico, que existia na Bahia.

E não são poucas as queixas. Há três anos, as reclamações de candidatos recusados representavam o maior número de processos que levados ao Ministério Público do Estado do Rio.

Um órgão nacional que recebe queixas de candidatos frustrados informa que chega a receber 50 e-mails por dia.

O caso mais espantoso - e também ridículo - foi um concurso para candidatas a delegadas, escrivãs e investigadoras. Exigiam das moças uma "avaliação ginecológica detalhada".

Com uma exceção significativa e reveladora: estavam isentas aquelas com atestado médico que as declarassem virgens. É exigência de conventos. E nem todos, imagino.

Para os homens, algumas corporações, como a PM do Rio, proíbem tatuagens - o que impediu a aceitação de um candidato que tinha, carinhosamente, tatuado o rosto do pai no pleito. Ele brigou na Justiça e ganhou a causa no Supremo Tribunal Federal. O STF muito provavelmente teria julgamentos mais sérios em sua pauta.

Vale a pena não esquecer que não são muito raros os casos de mau comportamento de PMs.

Mas não há informação sobre quantos dos punidos são tatuados. E com certeza a corporação está perfeitamente habilitada a descobrir e punir, com a severidade necessária, os desvios de conduta de uns poucos maus elementos de sua tropa.

Sem a necessidade de suspeitar, a priori, dos vaidosos tatuados.

Proibido proibir - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/06

RIO DE JANEIRO - Quando se trata de discutir a liberação das drogas no país, há uma constante: os médicos são contra; os advogados, a maioria dos políticos, os sociólogos e os amadores, a favor. No caso destes, um dos argumentos é o de que o Estado não pode proibir o cidadão de ingerir o que for ou de fazer o que quiser com o próprio corpo. Bem, se é assim, vamos revogar a lei seca, que proíbe o cidadão de beber e dirigir, e as leis antitabaco, que o proíbem de fumar até no Maracanã.

Supondo que tais legalistas estejam certos, não faltam exemplos para provar que o Estado não pode interferir na liberdade das pessoas. Vamos a alguns.

O cidadão não pode ser proibido de usar drogas, mesmo que não tenha meios de sustentar seu consumo e, para isso, depois de tomar todo o dinheiro dos pais, passe a vender tudo de valor da família --joias, eletroeletrônicos, prataria, louça, objetos de decoração, roupas e até panelas-- para aplacar a ira do traficante. Um amigo meu, músico, teve sua insubstituível coleção de discos vendida pelo filho. Precisou também abandonar a profissão, que o obrigava a viajar e a deixar a mulher sozinha com o rapaz, sujeita a agressões.

Uma jovem não pode ser proibida de usar drogas, mesmo que para isso, idem, tenha de vender o que estiver à sua volta e, quando não houver mais nada, se prostituir para sustentar sua dependência.

Os indígenas brasileiros não podem ser proibidos de usar drogas, como já acontece nos Estados que fazem fronteira com os principais fornecedores de pasta-base de cocaína, Colômbia e Bolívia, e em que a recente chegada do crack às tribos antecipa um matar e morrer em massa.

Enfim, os 7 milhões de usuários assumidos de drogas no Brasil precisam ter os seus direitos e liberdade garantidos contra os demais 193 milhões que não querem ver seus filhos destruídos.

Do Bronx à Rocinha, via Mumbai - LUCAS MENDES

BBC BRASIL


"Não vá ao Rio. Cidade do crime", você vê na internet. "Cidade de estupros de estrangeiras, de bandidos adolescentes impunes." A mensagem é longa e detalhada.

Verdade? Quem manda as mensagens? Não importa. O Rio assusta. São Paulo também. BH também. O nordeste mais ainda. Brasília? Capital do sequestro. O Sul, abaixo de São Paulo, que era segurança maravilha, hoje é destaque nas manchetes do crime.

Neste fim de semana, em Nova York, uma campeã na redução de crimes violentos, foi batido um recorde negativo. Vinte e cinco pessoas baleadas com seis mortes em menos de 48 horas, entre eles uma menina, Tutu, de 11 anos, ferida no pescoço na porta da casa dela durante um tiroteio de gangues. A bala foi parar na espinha. Tutu está paralítica.

Sara, outra adolescente, atingida em outro tiroteio, sábado, no bairro do Bronx, hoje é uma heroína dos jornais. Quando viu que todos correram e o carrinho da criança ficou abandonado na calçada, ela saiu em socorro e foi baleada. Ela se recupera de um ferimento na perna.

Apesar do número recordista de violência armada em muitos anos, maio mantém a escrita de violência em queda. Desde 1964, é o maio menos sangrento de Nova York. Nova York ainda tem crédito no banco da segurança.

A manchete maior na queda do crime vem de Chicago, que liderava o país em guerras de gangues. Queda de 35% desde janeiro. A ação da polícia começou com a morte de uma adolescente num tiroteio de gangues. Haydee Penbertom, de 15 anos, uma estudante brilhante, boa filha, sem conexões com bandidos.

Os protestos dos vizinhos mexeram com a polícia que, numa operação parecida com as UPPs, despachou 400 policiais para ocupar as vinte áreas mais violentas da cidade. Além do número, o impacto das câmeras pela cidade foi decisivo.

Nenhum bairro americano se compara ao Bronx, de Nova York, em fama de violência, destruição e decadência. No passado. Outras cidades podem ser mais perigosas, mas em Nova York tudo é multiplicado pela mídia. Mais da metade do Bronx foi destruída em incêndios criminosos. Não é exagero. Mas quando uma companhia de turismo lançou a excursão "venha conhecer o verdadeiro Bronx", inspirado em tours das favelas do Brasil, Índia e África do Sul, o ônibus com os turistas foi parado, expulso do bairro e as excursões foram canceladas.

Até agora ninguém reclamou da falta de liberdade de expressão.

O ônibus deu azar. Chegou no Bronx no dia de uma festa popular em que a população comia, bebia e festejava as conquistas culturais e a história do bairro.

Por pouco, os turistas não tiveram um verdadeiro momento Forte Apache, Bronx, o filme que chocou o mundo e transformou o Bronx num símbolo da decadência do capitalismo.

Naquela época, os americanos não queriam esconder a vergonha do bairro. Pelo contrário. Em 77, o presidente Carter percorreu o Bronx para mostrar as feridas sociais. Três anos depois, o rival Ronald Reagan voltou lá para mostrar que Carter não tinha mudado nada.

A tragédia continuava do mesmo tamanho. Virou material de propaganda na campanha política: "Veja a miséria do Bronx". Hoje, os moradores querem esconder o passado e promover o futuro.

O Bronx melhorou, e muito. Hotéis de luxo estão em construção, centenas de lojas, entre elas cadeias finas como Macy's e Target. Trump constrói um campo de golfe com padrão internacional. Para os líderes do Bronx, é urgente separar as palavras "Bronx", "incêndio" e "drogas". Mas ainda há pobreza e a rica história da violência.

Só fui à Rocinha uma vez, num evento promovido pela BBC. A intenção era mostrar um bairro em recuperação econômica e social. Foi em meados de 90 e foi tranquilo.

Muito antes, quando era guia, quase fui lá a pedido de um casal de turistas franceses. Tinha acabado de chegar ao Rio, mal sabia o que era zona sul ou zona norte, precisava de dinheiro para pagar o curso e as contas. Pintou uma vaga de guia de turismo da empresa USE. Eu falava inglês, o francês não era ruim e queria conhecer o Rio. Não escondi minha ignorância, mas isso não era problema, me explicou o chefe.

"Você passa uma semana fazendo os tours com outros guias, estuda um pouco e pronto."

Foi uma boa experiência, mas não havia excursão para as favelas do Rio. Quando passei o pedido do casal francês para o diretor, ele respondeu: "Turismo na favela? Nem pensar".

Cheguei a fazer uma conexão na Rocinha para uma viagem de táxi, mas o casal já tinha feito compromisso para subir outra serra e passar o dia com nossa família imperial.

Turismo da miséria virou negócio nos últimos vinte anos. A empresa Reality Tours and Travel fatura nas excursões de Dahravi, em Mumbai, cenário do filme Slumdog Millionaire. "Favela 5 estrelas", diz o promotor das excursões, "com 700 mil residentes, 11 mil comerciantes e , entre os miseráveis, um punhado de milionários". Não tem gangues, mas tem estupradores.

Qualquer turista vítima de crime no Brasil pré-Copa e pré-Olimpíada, vai ser notícia de destaque. A americana estuprada no ônibus no Rio e o alemão baleado na Rocinha vão provocar outros alertas como o "não vá ao Rio do crime", mas o que mais afasta turistas do Brasil ainda é a combinação preço-bagunça.

A seleção como metáfora - NELSON MOTTA

O GLOBO - 07/06

Ninguém duvida que são muitos os craques brasileiros jogando nas melhores equipes do mundo, nem que poucos países têm tantos recursos naturais e tanto potencial humano como o Brasil. Então por que não ganhamos de nenhuma seleção de primeira linha há quase quatro anos e o país só cresceu 0,9% no ano passado ? Cada governo tem a seleção que merece?

Quando fomos campeões em 1958, a seleção encarnava o otimismo e o desenvolvimentismo dos anos JK, o Brasil construía uma nova capital e se tornava capital mundial do futebol. A vitória na Suécia, dizia Nelson Rodrigues, acabava com o nosso complexo de vira-lata perdedor, o brasileiro deixava de ser um Narciso às avessas, que odiava a própria imagem.

Na vitória de 1970, querendo ou não, a seleção representava o “Brasil grande” da propaganda oficial do governo Médici, refletindo no campo o “milagre econômico” que fazia crescer a classe média, orgulhava a população e dava altos índices de popularidade à ditadura militar.

Nada foi mais parecido com os breves anos Collor do que a seleção de Lazaroni em 1990, que nos fez passar vergonha na Itália e, pior ainda, acabou eliminada pela Argentina.

Só no governo Itamar Franco, em 1994, com o país convalescendo do impeachment de Collor e o Plano Real em andamento, o Brasil voltaria a ganhar uma Copa do Mundo, a duras penas, nos pênaltis, com mais esforço do que brilho.

A vitória de 2002 foi conquistada com o equilíbrio do talento individual e da eficiência coletiva em campo, quando o Brasil crescia e se modernizava com estabilidade econômica, democrática e social, entre o fim do governo Fernando Henrique e o inicio da era Lula.

Já a seleção atual, mesmo com os seus talentos individuais, não deslancha nem decola. O desempenho da equipe de Dilma se assemelha à gestão de Mano Menezes, e a volta de Felipão parece um retorno ao estilo papaizão de Lula.

Como a pátria em chuteiras, a seleção é uma metáfora do momento do país, pela bolinha econômica que está jogando e pelo risco de não defender nossa meta (como Júlio César em 2010) dos chutes da inflação. O Brasil é uma caixinha de surpresas.

De cortar os pulsos - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 07/06

Como pode o poste, que nem era cotado para presidente, impedi-los de ir ao show do Marilyn Manson?


Dilma realmente não está colaborando. Seu antecessor era um genial negociador, conciliou e articulou a tal ponto que não só conseguiu sobreviver a um tsunami e eleger seu sucessor como estabeleceu um legado.

Aquele que veio antes dele vislumbrou mudanças que levaram a economia do país das trevas à pós-modernidade.

Agora o barco encalhou. Lembra de expressões como "forças do atraso"? Pois é, lembrei desse tipo de intriga ao ouvir sobre as desventuras de Paris Jackson, filha adolescente de Michael Jackson hospitalizada depois de se automutilar --ainda não ficou claro se foi vítima de bullying na escola, teve frustrada a vontade de ir a um show de Marilyn Manson ou sente o peso do julgamento que se aproxima, que definirá os destinos do espólio do pai. Ou se todas as alternativas juntas ao mesmo tempo.

No início da gestão Dilma, uma penca de empresários, os Gerdaus e Abílios que vimos --e os que não vimos--, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Andrade Gutierrez, grandes bancos, agroprodutores e também a turma das empresas operadoras de telefonia, a gente bem sabe, se ofereceram todos para ajudá-la no que pudessem.

Hoje, não sobra um para jogar tranca. Quando algum meninão dá as caras é porque está emburrado, para dizer que a bola é dele e não brinca mais, que está cheio do bullying da presidente, que chega de veto disto ou daquilo.

Pessoal resmunga que nunca foi tratado assim. Nem por Geisel, nem por Figueiredo, Sarney, Collor, Itamar, FHC e muito menos por Lula. Como é que pode esse poste, que caiu na presidência de paraquedas, ousar impedi-los de ir ao concerto de Marilyn Manson? É uma relação muito adulta a que se criou entre Dilma e a turma que acaba definindo os humores do chamado "mercado".

Veja: não estou dizendo que o capital tapuia não tenha lá seu naco de razão. Ninguém é obrigado a perder dinheiro por patriotismo. É pouco acolhedor o ambiente vigente, de mudança constante de regras, de interferência excessiva, de contabilidade dúbia, de surpresas desagradáveis todo dia.

E nossa querida Dilma, apesar de ter promovido tanta aliança, dá mostras de que não sabe compor, dialogar ou fazer negócio e que governa com inspiração em algum modelo centralizador da Albânia do pós-guerra.

Por outro lado, a classe dirigente do país se comporta como uma mulher histérica chorando em porta de farmácia fechada em dia de feriado com receita de remédio de tarja preta na mão. Nervosinho e sempre disposto a pular da ponte esse mercado, não?

Pessoal reclama de que a infraestrutura e a indústria foram para o beleléu, mas estou para ver empresário brasileiro disposto a aceitar uma das premissas mais básicas do capitalismo: a tomada de risco. Sem pingar um dinheirinho do BNDES na mão, ele não faz. Sem a ajuda de Brasília, ele não bota na reta.

Temos uma história republicana recente marcada por presidentes, ministros e chefes de Casa Civil que se iludiram que bastava estar no poder para operar mudanças. Todos acabaram constatando que, por mais urgentes e legítimas que fossem, se implicam em contrariar interesses específicos, é mais fácil que sejam eles a cair em desgraça do que ver rumos alterados.

Na sua imensa falta de sensibilidade, Dilma quer porque quer forçar a mão. Pois vai acabar correndo risco de não ver a cor de um segundo mandato e ainda será cúmplice de profecia autorrealizada de quem está cheio de sua intransigência.

Morte (e vida) dos sentimentos - MICHEL LAUB

FOLHA DE SP - 07/06

Como prova a gastronomia, um prazer que parece apenas fisiológico pode se tornar categoria estética


Num texto antigo, cômico e triste sobre a indústria dos "filmes adultos" (http://goo.gl/oMhkw), Martin Amis define uma das características da pornografia: a capacidade de identificar, e então explorar de forma vil e inapelável, o que o leitor-espectador-consumidor deseja.

É uma longa dança da sedução, para usarmos uma metáfora óbvia sobre o tema, um cardápio imenso de assuntos, registros e abordagens até que o sujeito(a) descubra, aos 13 ou 70 anos, no canto de uma foto, em dez segundos de um filme, aquilo de que realmente gosta.

Amis vê na pornografia a "morte dos sentimentos", o que faz sentido no seu relato. Fico em dúvida é se existe uma hierarquia tão clara de reações de um indivíduo diante de uma narrativa, tenha ela o caráter que tiver. Se a afinidade erótica, digamos assim, é tão menos nobre que a piedade, a revolta, o horror, a ternura.

Pense num melodrama. Se ele se basear num dos itens neutros do cardápio, os que não são feitos sob medida para mim --cenas de hospital, por exemplo--, a empatia tende a ser baixa. Já a situação que me interessa intimamente é outra coisa: eu nunca direi que "Marley e Eu" é um filme ruim, embora seja um filme muito ruim, porque vê-lo sempre me faz lembrar do cachorro da minha irmã.

Daí a questão: o que diferencia os apelos de uma obra "séria" daqueles de uma obra vulgar? Por que os clichês sadomasoquistas de "Cinquenta Tons de Cinza" falariam a instintos ou sentimentos inferiores aos de quem elogia as anunciadas cenas de sexo explícito dos filmes novos de Lars von Trier ("Ninfomaníaca") e Abdellatif Kechiche ("La Vie d'Adèle", que ganhou a Palma de Ouro em Cannes semana passada)?

É ingênuo achar que a arte paira acima da animalidade humana. Como prova a gastronomia, e não à toa ela é pauta de segundos cadernos, um prazer que parece apenas fisiológico pode se tornar categoria estética. Uma posta de atum vira experiência cultural por meio do discurso, que por sua vez se baseia em história, vivência, conhecimento técnico.

Com o sexo não é diferente. Claro que "Ninfomaníaca" e "La Vie d'Adèle" não equivalem a um vídeo do Porn Hub. Encaixada no discurso artístico, com sinais reconhecíveis de elevação --complexidade narrativa, manejo de signos, contexto, ironia, debate ético, autoria chancelada--, uma penetração pode transcender a esfera meramente física e representar o que alguns chamam de alma.

Mas, como no caso da comida, a mais elaborada das justificativas não elimina a apreciação pura, imediata. O paladar, a libido ou as inclinações estéticas só podem ser adestradas até certo ponto, e o crítico pode tão somente não gostar de atum. Um close de genitália causa excitação, indiferença ou repulsa, e nos três casos --antes de começarmos a elaborar o que acabamos de ver-- não estão em ação nossa inteligência ou gosto mediado pela cultura.

Por isso acho engraçada a pretensão de críticos que se dizem isentos de preconceitos e afinidades. Estendam o exemplo da genitália para itens supostamente mais respeitáveis, ou iscas supostamente mais honestas: a beleza do rosto da atriz ou do ator, o sentido a favor de uma ideologia, as piscadas de olho da obra para serem reconhecidas como sinal de erudição pelo público.

Um bom exercício depois de ler textos cheios de certezas sobre o que é bom ou ruim, puro ou impuro na arte, é botar o nome de quem escreveu no Google Images. Ali estará, na escolha de suas roupas, de seu penteado, da pose para a câmera, a lembrança de um ser humano como todos nós, sujeito aos estímulos citados e a tantos outros, cuja resposta depende de mais fatores --alguns aleatórios e inconscientes-- que os ensinados em Redações e universidades.

Avaliar com honestidade uma obra não é superar essa limitação, e sim reconhecê-la. O lugar-comum "tudo é questão de gosto" tem muito de autoritário, porque algum consenso cultural a história pode e deve formar. Só não dá para desprezar assim de pronto a subjetividade. Entre o sublime e o baixo-ventre, com todos os humores e rancores do caminho, a distância é menor do que parece.

O PT e o mensalão - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 07/06

O Instituto Vox Populi mediu o dano provocado ao PT pelo julgamento do mensalão. A pesquisa, feita em maio para petistas, registrou que a imagem do partido não mudou para 59%. Ficou pior para 26% e melhor para 11%. Sua atuação é considerada positiva para 59% e negativa para 23%. O PT tem hoje a simpatia de 29% dos ouvidos, o mesmo patamar anterior ao escândalo.

Festejado e cobrado
O ministro Celso Amorim (Defesa) foi chamado de estadista, "que enxerga a grandeza do Brasil muito além de momentâneas idiossincrasias", pelo comandante do Exército, general Enzo Peri, no almoço de seu aniversário de 71 anos, segunda-feira, no Clube do Exército. Ontem, ele foi recebido pela presidente Dilma, que lhe deu uma tarefa. Ela cobrou de Amorim que peça aos comandantes das Forças Armadas que atendam aos pedidos da Comissão da Verdade. Estes reclamam que não conseguem examinar os arquivos militares. Eles não engolem a história oficial das Forças de que todos os documentos da época da ditadura militar foram destruídos.

"Hoje há um monólogo.
A presidente está diariamente na TV de caneta na mão. Não há notícia do Eduardo, do Aécio e da Marina. Só dá Dilma"
Marcus Pestana Deputado e presidente do PSDB mineiro, sobre a vantagem da presidente nas pesquisas de intenção de voto

O lobby do Rei
O cantor Roberto Carlos esteve no apartamento da ministra Cármen Lúcia, do STF, segunda-feira à noite. Foi defender a constitucionalidade da exigência de autorização de personalidades, e de seus herdeiros, em livros que retratem suas vidas.

A escolha de Sofia
O secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, reuniu-se segunda-feira com a ministra Gleisi Hoffmann. O religioso defendeu os índios e afirmou que a Igreja faz uma opção preferencial pelos pobres. A ministra retrucou: "E quando os dois lados são pobres?", referindo-se aos assentamentos e aos pequenos produtores.

De olho na defesa da floresta
O DEM contesta os números da ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente). Cita a organização social "Imazon". Esta registra que, em abril deste ano, o desmatamento da Amazônia Legal está 75% acima do verificado em julho de 2012.

"Kkkkkkkkkkk"
O presidente do Senado, Renan Calheiros, chega ao Planalto, anteontem, e dispara: "Aprendi que quem quer viver muito come pouco, descansa bastante e não briga com mulher". A presidente Dilma e a ministra Gleisi Hoffmann sorriram. A presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (PSD), emenda: "Lá em Tocantins dizem que não se briga com quem usa saia: padre, juiz e mulher".

Um mistério ronda a Esplanada
O Ministério das Comunicações decidiu investigar por que o programa "telefone social" chegou a apenas cerca de 10% das 22 milhões de famílias beneficiárias dos programas sociais.

Debate interditado
A crítica, de setores empresariais, ao aumento de 0,5 ponto percentual dos juros, adotada pelo Copom do Banco Central, é compartilhada por vários ministros do governo Dilma. Avaliam que foi feita uma concessão ao mercado financeiro.

O governo Dilma
está tenso com a possibilidade do vazamento de petróleo no Equador, num afluente do Rio Solimões, chegar ao Brasil.

Tiro ao alvo - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 07/05

Os recentes episódios de violência em São Paulo, com grande exposição na TV e nos jornais, mexeram nos ponteiros das pesquisas que medem a aprovação do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Desde maio, sondagens feitas pelo Palácio dos Bandeirantes mostram queda na avaliação da administração estadual na área da segurança pública --considerada um dos focos de debate para a campanha de 2014, e já sob mira de potenciais adversários, como Gilberto Kassab (PSD).

Viral A queda na avaliação era esperada, mas aliados de Alckmin ficaram surpresos com a rapidez do efeito que tiveram nas pesquisas os casos de latrocínio e arrastões. Os auxiliares atribuem o impacto à divulgação de vídeos de câmeras de segurança com imagens dos crimes.

Vacina A segurança está na pauta dos comerciais de TV do PSDB paulista nos dias 21, 24, 26 e 28, principalmente na capital. Os spots vão mostrar ações de combate ao tráfico de drogas de Alckmin e criticar a entrada de armas pelas fronteiras, responsabilidade do governo federal.

Blindagem Tucanos de SP dizem que Alckmin não interfere nas avaliações jurídicas e políticas sobre o acúmulo de cargos de Guilherme Afif, como sugeriu o ex-governador Cláudio Lembo.

Linha de frente "O ex-governador, na tentativa de defender seu colega de partido, tenta explicar o inexplicável: um vice-governador eleito em aliança contra o PT, agora serve a um governo petista", diz o presidente do PSDB, Duarte Nogueira.

Ação... Do vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), sobre a possibilidade da Procuradoria-Geral da República contestar a criação dos novos Tribunais Regionais Federais: "Se eles quiserem aprovar a PEC 37, entrarão com a ação".

... e reação A proposta de emenda, que está na pauta de votações da Câmara para o dia 26, retira poder de investigação do Ministério Público.

Dono da casa O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), vai receber na segunda-feira os líderes partidários da Casa no Planalto, quando vai ocupar interinamente na Presidência.

Palanque 1 Um dos responsáveis pela costura de 2014 para Dilma Rousseff, Fernando Pimentel tem discutido eleições no próprio Ministério do Desenvolvimento, no horário do expediente. Anteontem, recebeu Rebecca Garcia (PP) às 17h para tratar da disputa no Amazonas.

Palanque 2 Segundo relatos, o ministro disse à candidata ao governo que a presidente vê com bons olhos novas lideranças, sobretudo mulheres, e que não haveria veto a ter dois candidatos da base no Estado. Além de Rebecca, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB), postula a vaga.

Outro lado A assessoria do ministério diz que Pimentel recebe deputados, senadores, prefeitos e governadores toda semana. Segundo a pasta, Pimentel e Rebecca, que é secretária de governo, trataram de temas ligados à Zona Franca e à Suframa.

Azarão Além de Aécio Neves (PSDB), Marina Silva e Eduardo Campos (PSB), pesquisas que chegam ao governo registram intenções de voto para Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, à Presidência.

Prévia Luís Roberto Barroso visitou ontem o STF pela primeira vez depois de indicado para a corte. Além de assistir a sessão e confraternizar com os colegas no cafezinho, visitou seu futuro gabinete para tomar pé da pilha de processos que o espera.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Ficou claro que, no dicionário do governo federal, a palavra acordo' significa mentira'. É desonesto firmar pacto e depois rasgá-lo."

DO DEPUTADO PAULINHO DA FORÇA (PDT-SP), criticando os vetos da presidente Dilma a artigos acordados na Medida Provisória dos Portos.

contraponto


Quem avisa amigo é
O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), se encontrou com Guido Mantega (Fazenda) na quarta-feira e pediu ampliação do crédito para a dívida agrícola.

--É melhor ampliar, pois senão pode haver problema na segunda-feira -- arrematou.

O peemedebista repetiu a advertência três vezes, até que Mantega perguntou o que aconteceria na segunda.

--Eu vou ser presidente da República, e algum ministro pode ser demitido...

--Nesse caso, melhor eu ir para Portugal com a presidente --respondeu rapidamente o titular da Fazenda.

A receita para o fracasso comercial do Brasil - ROBERTO FREIRE

BRASIL ECONÔMICO - 07/06

Equívocos em série cometidos pelos governos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff vêm penalizando as relações comerciais do Brasil com outros países. Por preconceito ideológico e uma estratégia desastrada que desprezou acordos bilaterais ou regionais, o país caminha na contramão do desenvolvimento também nesta matéria e, assim como acontece com o pífio crescimento de seu Produto Interno Bruto (PIB), fica para trás em relação a nações de perfil econômico semelhante.

Até janeiro deste ano, a Organização Mundial do Comércio (OMC) registrava 543 acordos bilaterais, dos quais 354 em vigência, sendo que a metade deles havia sido firmada nos últimos dez anos. Por outro lado, desde que se tornou membro do Mercosul, em 1991, o Brasil fechou apenas três parcerias desse tipo, com Israel, Egito e Palestina. O tratado com os israelenses é o único em andamento.

Encampada pelos governos petistas desde que Lula assumiu a Presidência, em 2003, a opção brasileira pelos acordos multilaterais, como a Rodada Doha, em discussão na OMC desde 2001, fez o país perder relevância no comércio internacional. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil teve um prejuízo de US$ 5,4 bilhões, entre 2008 e 2011, em vendas para os vizinhos sul-americanos, que deram preferência à China, aos Estados Unidos, à União Europeia e ao México.

Movido por birra ideológica e pelo populismo que marcou os oito anos do governo Lula nas relações internacionais, o PT fez o país desperdiçar oportunidades que foram aproveitadas por seus concorrentes comerciais. Enquanto o Mercosul patina, assistimos ao surgimento da Aliança do Pacífico, bloco econômico formado por Chile, Colômbia, México e Peru, que representam 209 milhões de habitantes e um PIB próximo de US$ 2 trilhões. Os quatro países, que estão entre as economias mais abertas da América Latina, decidiram simplificar regras comerciais, unificar padrões regulatórios em setores como a agricultura e eliminar 90% de todas as tarifas de importação entre os membros do grupo.

Travado pela camisa de força imposta pelo Mercosul, em meio ao caos econômico de nosso principal parceiro, a Argentina, e a episódios recentes que demonstraram preconceito do bloco em relação ao Paraguai e subserviência à Venezuela, o Brasil observa à distância o desempenho de países como o Chile, que tem acordos com 62 nações, incluindo as 27 da União Europeia; a Colômbia, cujos tratados envolvem nada menos que 60 países; o Peru, com 52; e o México, com 50. Ao todo, incluindo as parcerias feitas antes de ingressar no Mercosul, nosso país ostenta irrisórios 22 acordos, a maioria estabelecida com nações sem qualquer expressão comercial.

No período da Guerra Fria, em que havia uma polarização entre Estados Unidos e União Soviética, optar incondicionalmente por um dos blocos ao estabelecer acordos de ordem econômica já era um equívoco, mas uma postura até compreensível diante da radicalização política. Hoje, limitar o escopo de atuação comercial a determinados grupos não se justifica sob nenhum ponto de vista: trata-se apenas de mais uma calamitosa insensatez do governo petista. Além de estagnação econômica, inflação, desindustrialização e do maior déficit comercial de sua história, o Brasil amarga um retumbante fracasso comercial sob os auspícios do PT.

Ueba! Malafaia virou Malafeia! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 07/06

E diz que o Flamengo agora vai contratar um técnico de basquete. Pra ver se consegue fazer três pontos!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do país da piada pronta: "Casagrande é assaltado perto da sede do Corinthians". Não tão poupando nem corintiano.

Agora ficou preocupante! Como diz o chargista Lane: "Agora vamos direto ao nosso correspondente de guerra nas ruas do Brasil". O Brasil não tem mais repórter de rua, é correspondente de guerra! Rarará!

E esta manchete desde 1500: "PMDB reclama". E faz beicinho? E quer derrubar vetos de Dilma à MP dos Portos! MP dos Partos! Essa MP dos Portos virou um parto!

E Corinthians X Cruzeiro? Mundo animal: gambá X raposa na Arena do Jacaré em Sete Lagoas e dá-lhe Pato. O Pato conseguiu se afogar em Sete Lagoas!

E o site GolContra: "O Pato manteve a média de três gols feitos por partida. Gols feitos que ele conseguiu perder". Rarará!

E quando eu digo que o Pato só faz gol na filha do Berlusconi, o povo reclama. Aliás, nem mais na filha do Berlusconi!

E Flamengo X Náutico? Mais mundo animal: timbu X urubu. O timbu é um gambá de orelha branca. Timbu e urubu, o jogo da inhaca. Devia ser no lixão esse jogo! Rarará!

Rodada Animal Discovery: A raposa comeu o gambá e o timbu comeu o urubu e o peixe morreu na praia!

E diz que o Flamengo agora vai contratar um técnico de basquete. Pra ver se consegue fazer três pontos! Rarará!

E o Malafaia agora tem um novo apelido: MALAFEIA! Ô mala feia, viu! O cara é mala. E feia! E avisa pro Malafeia que casamento gay é opcional, casa quem quer. Ele tá muito nervoso! Se é contra o casamento gay, não casa com gay. Simples assim.

Por exemplo, o papa é contra a camisinha. Ele que não use. Simples! É tudo muito simples. Rarará! E eu já disse que o Malafeia tinha que se casar com o Feliciano ao som da marcha-rancho: "As Pastorinhas". É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Olha o cartaz na loja Fazendão, em Cajazeiras, Salvador: "Por favor, evite cuspir na escada". Imagina o que esse povo apronta na escada. Pra ter esse cartaz-apelo! Rarará!

E este cartaz de humor negro: "Funerária menos um!". Contanto que esse um não seja eu! Rarará!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Tempo de falcões - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 07/06

Você pode ler e reler as nove páginas em letra miúda da ata da última reunião do Copom, mas não vai encontrar lá justificativa nova para o aumento da dose dos juros de 0,25 (em abril) para 0,50 ponto porcentual (em maio). Nem terá as razões que, de um mês para outro, levaram dois pombos arrulhantes a se metamorfosearem em falcões rapaces. O que mudou - e isso é tudo - foi o tom e a atitude, bem mais contundentes do Copom.

(Pombo é aquele que puxa por juros mais baixos ou por não aumentá-los; falcão, o que ataca com instinto de rapina. Os pombos convertidos para a causa dos falcões são os diretores do Banco Central Aldo Luiz Mendes e Luiz Awazu Pereira da Silva.)

As explicações apresentadas já estavam presentes há três meses. São elas: inflação perto do teto da meta e espalhada demais; forte alta de preços dos serviços; propensão dos remarcadores de preços a exagerar nos reajustes (reindexação); política fiscal frouxa demais (expansionista); mercado de trabalho aquecido e salários subindo mais do que a produtividade; e consumo demais...

E, no entanto, o Copom entendeu que ficou insuficiente enfrentar a puxada dos preços apenas com a "cautela" costumeira. Por isso, passou a ser "tempestivo". A saída é buscar as razões ocultas e avaliar certas pistas colhidas por aí.

O primeiro motivo oculto pode ser a forte disposição anterior, anunciada por várias autoridades, mas, especialmente, pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, de gastar à vontade e de continuar aplicando descontos questionáveis nas metas de formação do superávit primário, a sobra de arrecadação para pagamento da dívida. O compromisso é poupar neste ano R$ 159,9 bilhões.

Augustin é daqueles para os quais meta fiscal e responsabilidade orçamentária são conceitos cultivados por fundamentalistas sem coração. Ele parece preferir as complacências, geralmente travestidas de iniciativas anticíclicas.

Como essa política fiscal frouxa não ajuda a controlar a inflação, sobrou para o Banco Central acionar com mais força a política monetária (política de juros). Na ata, ficou subentendido que metas fiscais não cumpridas vão exigir mais agressividade dos juros.

Segundo motivo, o jogo do mercado mundial de moedas está mudando. Em vez de fartura de dólares, a tendência é de relativa escassez. Ou seja, as pressões sobre o câmbio interno passam a ser geradoras de inflação, já que a alta do dólar tende a encarecer os produtos importados, cada vez mais indispensáveis. A ata admite a "tendência à apreciação do dólar". Não foi além disso, mas talvez não seja preciso.

Uma terceira razão para o reforço dos juros, difundida na imprensa por "fontes do governo", pode ter sido o aumento da angústia da presidente Dilma provocado pelo estrago da inflação, tanto no poder aquisitivo do brasileiro como nas intenções de voto. Foi o que teria dado força nova ao Banco Central.

Fica a percepção de que o combate à inflação com a arma dos juros ganhou prioridade. Pelo menos nas próximas duas reuniões do Copom, a perspectiva é de que a alta dos juros continue, provavelmente na mesma dose.

Arremedo de solução - RODOLFO LANDIM

FOLHA DE SP - 07/06

O declínio da qualidade do futebol brasileiro pode ser atribuído à forma amadora com que ele é gerido


NO DOMINGO último, fui ao Maracanã participar de sua grande festa de reinauguração. O estádio ficou lindo, a organização do evento foi excelente e quase tudo funcionou perfeitamente.

Mas, se por um lado o Rio de Janeiro passou a ter uma casa de espetáculo à altura do que de mais moderno existe no mundo, o benefício que ela trará para a melhoria do futebol é no mínimo questionável.

Há muito sabemos que o declínio da qualidade relativa do futebol brasileiro pode ser em grande parte atribuído à forma amadora com que ele continua sendo gerido quando comparado a muitos países. A saída passaria pela profissionalização da gestão de federações e clubes buscando, entre outros aspectos, a melhor exploração das oportunidades de geração de receitas como forma de custear os pesados investimentos nas divisões de base e de manter uma equipe competitiva em nível mundial.

Sim, a competição é em nível mundial já que, com a enorme difusão dos meios de comunicação, os jogos dos principais campeonatos europeus são televisionados para todos os países a ponto de hoje vermos nas ruas das cidades brasileiras, fora do período das Copas, mais crianças com camisas de Barcelona ou Real Madrid do que da seleção brasileira.

As fontes de receita para os clubes podem ser divididas em três grandes grupos: direitos de TV, marketing esportivo e bilheteria.

As receitas com a transmissão de TV no Brasil vêm subindo ao longo dos tempos e já alcançam valores significativos para alguns times.

As ações de marketing esportivo, que envolvem os tradicionais contratos com empresas de material esportivo e patrocínios, também cresceram, mas ainda há um enorme campo a ser explorado, se levarmos em conta a enorme paixão dos torcedores pelos seus clubes e que a fidelidade deles à marca é total.

O que chega realmente, na maioria das vezes, bem próximo ao ridículo é a arrecadação com os ingressos dos jogos.

Algumas causas podem ser atribuídas a isso, passando pela redução do público devido ao incremento dos assinantes em TV fechada de pay-per-view, pela segurança nos estádios e pela falta de ídolos jogando em equipes brasileiras.

Mas a qualidade dos estádios, aí incluindo não só o conforto como também a qualidade dos serviços oferecidos, certamente reduzem as possibilidades de cobrança de ingressos mais caros.

Via de regra, o que tínhamos no Brasil eram estádios muito antigos, com concepções ultrapassadas. E, com os clubes tendo baixíssima capacidade de investimento, pouco acontecia.

A iminência da chegada da Copa do Mundo promoveu por aqui, a exemplo do que ela e os campeonatos europeus de futebol proporcionaram a vários países daquele continente, a demanda por investimentos em modernização e construção de estádios.

Isso gerou uma expectativa positiva para os grandes clubes, que viram a possibilidade de surgir a oportunidade de gerir estádios modernos, financiados com dinheiro público, para a realização de seus jogos.

Pelo menos essa foi a solução adotada para o Corinthians com o Itaquerão, como também tinha sido a do Engenhão, estádio construído para os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio, e que teve sua administração concedida ao Botafogo.

Mas, infelizmente, esse não será o destino do novo Maracanã. Os clubes de futebol, únicos agentes geradores de renda capazes de viabilizar economicamente a manutenção dos estádios através de suas torcidas e dos mandos de campo de suas partidas, foram incompreensivelmente alijados do processo "competitivo" que levou à escolha de um grupo concessionário.

Aos clubes sobrou a alternativa de negociar com os agentes privados escolhidos, em clara situação de desvantagem, a transferência de grande parte do valor que somente eles têm em troca do direito de poder jogar onde sempre foi a sua casa. E pior, tendo que ficar algemados a essa solução por décadas, impedindo assim que possam buscar alternativas em médio prazo.

A Copa certamente trará benefícios à infraestrutura do Rio e de outras cidades-sede. Quanto aos clubes locais, ainda é cedo para dizer...

Combate à inflação relega risco cambial a segundo plano - JOSÉ PAULO KUPFER

O Estado de S.Paulo - 07/06

Não é necessário, desta vez, convocar especialistas em "coponês" - o idioma com o qual o Banco Central redige suas comunicações públicas - para traduzir a mensagem contida na ata daquela reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que, na semana passada, surpreendeu a praça com uma alta de 0,5 ponto na taxa básica de juros (taxa Selic). Ficou suficientemente claro que o BC decidiu, a partir de agora, concentrar as ações de política monetária na reversão das tendências inflacionárias.

Como mencionado por analistas, a "cautela" no acompanhamento da dinâmica inflacionária, palavra-chave das atas anteriores, deu lugar ao entendimento de que se tornou apropriada a "intensificação do ritmo de ajuste das condições monetárias". Não restaram dúvidas de que os juros básicos subirão mais e mais rápido do que anteriormente projetado.

Aumentos de 0,5 ponto, em julho, e de 0,25 ponto, em agosto, estacionando em 8,75% ao ano, de fato, passaram a indicar, depois da ata, um piso para o ciclo de alta da Selic em 2013. Apostas na extensão do ciclo, levando a Selic a 9% ou mesmo 9,5% no ano, ainda não majoritárias, já não são nada raras.

A ata também não esconde o temor do BC com os fantasmas da reindexação, alimentada pela permanência da inflação em níveis altos e por tempo prolongado. E vê que as pressões inflacionárias vigentes - localizadas no ritmo de avanço da demanda doméstica acima do passo observado pelo PIB, no mercado de trabalho aquecido e em ações de política econômica, sobretudo no lado fiscal, que tendem a estimular a demanda -, se persistirem, podem produzir "danos à tomada de decisões sobre consumo e investimento".

Não bastasse a sinalização de altas na taxa Selic, uma menção direta à "maior volatilidade e de tendência de apreciação do dólar dos Estados Unidos", indica opção do BC por uma política cambial que opere no sentido de valorizar o real, transferindo aos preços impulsos deflacionários. Os riscos potenciais dessa opção - aumentos nos déficits em contas correntes - foram relegados agora a um segundo plano.

"Trepidações" no mercado de câmbio - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 07/06

O aumento da taxa de juros e a depreciação do câmbio agregam importantes fatores de risco à continuidade da recuperação da atividade econômica e levantam dúvidas sobre 2014. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) este ano deve ficar na casa dos 2%. Para o próximo ano (de campanha eleitoral), conforme a intensidade e duração da depreciação da moeda e do ciclo de aperto monetário, esse desempenho pode se repetir ou ser pior. Não se deve descartar, portanto, a possibilidade de as novas condições externas e internas eventualmente retardarem a retomada do crescimento.
O que há de novo na cena externa é a economia americana. Os indícios de que a recuperação dos Estados Unidos, finalmente, estaria se materializando depois de várias frustrações, e o anúncio do presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke - de que se aproxima o momento de começar a retirada dos estímulos monetários que irrigaram a economia mundial de 2008/09 para cá, mudam as perspectivas com que contava o Comitê de Política Monetária (Copom) para o setor externo.
Da moderação nos preços dos ativos, que constava da ata de abril, o comitê fala agora em volatilidade e tendência de apreciação do dólar; e o que dois diretores sinalizaram na ata de abril - uma reavaliação para baixo crescimento mundial - saiu das previsões. Sumiram do horizonte, portanto, dois elementos que poderiam ser desinflacionários para o país.
Governo conta com saída organizada dos EUA e não prevê crise
O manejo dos instrumentos da política macroeconômica brasileira, este ano, também mudou em relação a 2012. O câmbio, depois de passar por fortes intervenções, volta a flutuar, segundo avisou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao Valor. Os juros básicos sobem. Já os compromissos fiscais são mais flexíveis, obedecendo a uma banda de superávit primário de 1,8% do PIB a 3,1% do PIB.
O governo se prepara para enfrentar os efeitos de uma possível reação da atividade nos EUA. Autoridades da área econômica esperam que este seja um processo organizado, previamente comunicado e bem conduzido, pelo Fed, de início da normalização das condições monetárias na maior economia do mundo. Mesmo assim, após tantos anos de frouxidão monetária, esse movimento poderá produzir grandes "trepidações" no mundo e no Brasil.
"Poderá haver "overshooting" e "overreaction", mas eles [o governo americano] têm instrumentos para fazer isso de forma organizada", observou uma fonte oficial. Caso contrário, há o risco de se ter uma parada abrupta do crédito externo, como ocorreu no início da crise financeira de 2008/09. Isso não significa, porém, que o governo esteja antevendo uma dinâmica de crise, com descontrole da taxa de câmbio e grave deterioração das expectativas inflacionária. No momento, não está.
Na visão do governo brasileiro, o Fed adiantou que pretende começar - não disse como nem quando - a parar de adicionar os estímulos, com a compra de US$ 85 bilhões por mês em ativos, mas não vai retirar os cerca de US$ 3,4 trilhões que jorraram com os três "quantitative easing" na economia mundial. Essa é uma massa de recursos que deverá ser reduzida "organicamente". Na medida em que a economia americana crescer, o balanço do Fed ficará proporcionalmente menor do que é hoje em relação ao produto daquele país. Não haveria, portanto, um forte e abrupto enxugamento da liquidez internacional.
Mas não se pode desconsiderar, porém, que já está ocorrendo um deslocamento de capitais dos países emergentes para os Estados Unidos e que isso vai mexer com a taxa de câmbio. No mercado, há quem esteja prevendo, no Brasil, o dólar a até R$ 3 em 2014. O governo, porém, não avaliza essa visão.
O país conta, hoje, com uma situação do sistema financeiro menos vulnerável a paradas súbitas nos fluxos de capital do que mostrava no passado, quando da crise de 2008/09; e com um fluxo de recursos externos bem mais modesto. Ou seja, o Brasil está, atualmente, mais desalavancado em moeda estrangeira, sem volume de recursos externos de curto prazo e com mais reservas cambiais.
Sob alguns aspectos, portanto, o país estaria melhor preparado do que na crise de 2008/09 para enfrentar solavancos. Em outros, porém, está mais frágil. Isso ocorre tanto nas contas externas - saldo comercial em queda e déficit em conta corrente em alta - quanto nas condições fiscais, onde o Tesouro Nacional tem investido na antecipação de receitas para fechar as contas do ano. É fato que a oferta de crédito doméstico está mais regrada e, com o aumento da taxa de juros, ficará mais cara. Mas as famílias continuam com elevado nível de endividamento e o consumo está mais fraco.
O próximo par de anos não será fácil para os países emergentes, produtores de commodities. De um lado, a economia americana tende a se recuperar com maior produtividade e como país exportador de manufaturas. De outro, a China desacelera mais do que os mercados estavam precificando no início do ano, piorando os termos de troca para o Brasil.
A travessia da economia doméstica para um novo patamar de taxa de câmbio, nessas circunstâncias, pode produzir mais inflação e um adiamento da retomada do crescimento econômico.
O governo pretende enfrentar os efeitos do ajuste que se avizinha com a combinação de incentivos à produtividade - com desonerações e subsídios à taxa de juros para investimentos - e moderação dos salários. A própria desvalorização do real deverá fazer uma parte do trabalho de redução do poder de compra dos salários.

A responsabilidade do voto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/06
A participação do ministro Luís Roberto Barroso no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal será muito maior do que ele imaginava, ou desejava, até ontem. Será ele, e não o Ministro Teori Zavascki, o primeiro a votar depois do relator e do revisor, no caso dos embargos declaratórios. E também será o primeiro voto na definição do plenário sobre a existência ou não dos embargos infringentes nos tribunais superiores. Embargos infringentes são aqueles que podem reabrir o julgamento quando os condenados receberam pelo menos quatro votos a favor.

Nos tribunais em geral, votam os que se seguem ao relator em antiguidade no posto. No STF, há a brincadeira de que "o mais novo é bucha de canhão". Portanto, se o plenário aceitar os embargos infringentes, quem poderá empatar a votação em favor dos réus em casos como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha será Barroso, o mais novo integrante do pleno.

Por isso mesmo, a opinião dele sobre os embargos infringentes é importante, mas ficou escondida por frases mais impactantes na aparência, como quando disse que o Supremo foi mais duro do que sua jurisprudência no julgamento do mensalão.

À noite, já aprovado pelo Congresso, Barroso colocou a questão em perspectiva dizendo que aquela era a sua opinião como professor e jurista que não tivera acesso aos autos.

Uma visão impressionista, digamos assim, que pode mudar quando analisar em profundidade os autos e as circunstâncias do julgamento. Porém, o mérito das decisões poderá nem mesmo chegar a ser julgado novamente, porque antes o tribunal terá de se decidir sobre a aceitação dos embargos infringentes, logo depois de ter julgado os embargos declaratórios.

Sobre embargos infringentes, Luís Roberto Barroso disse na sabatina que, embora não quisesse entrar a fundo na questão, na "teoria", o regimento interno do STF, que prevê os embargos infringentes, perdeu o status de lei com a Constituição de 1988, que não os prevê.

Barroso explicou que o regimento interno do STF foi editado numa época anterior à Constituição de 1988, quando a atuação normativa do STF se equiparava à atuação legislativa do Congresso.

Portanto, nessa época, o regimento tinha status de lei. Posteriormente, a Constituição de 1988 "vedou essa competência normativa primária" e o regimento passou a ter competência limitada.

Essa posição em teoria é majoritária no plenário do STF, mas o debate será intenso já que o decano da Casa, o ministro Celso de Mello, adiantou sua posição a favor dos embargos infringentes em aparte durante a primeira fase do julgamento do mensalão, afirmando que o STF, através dessa medida, garantia o duplo grau de jurisdição aos réus.

Os que não aceitam os infringentes lembram que eles não existem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), criado dentro do novo espírito da Constituição de 1988. Ele ficou com uma parcela da competência do Supremo, sobre temas de lei federal, tendo sido criados cinco regionais federais, esses mesmos tribunais cuja expansão pelo Congresso está causando polêmica agora.

Em 1990, a lei 8038 regulamentou os processos nos tribunais superiores, confirmando a extinção dos embargos infringentes. No caso do mensalão, dois acusados apresentaram simultaneamente embargos declaratórios e infringentes, e os segundos já foram rejeitados pelo relator Joaquim Barbosa, que adiantou sua posição contrária aos embargos infringentes.

O raciocínio do ministro Celso de Mello a favor do duplo grau de jurisdição nos julgamento do Supremo seria falho porque os réus foram julgados em amplo colegiado, pelo órgão máximo do Judiciário.

Energia = precariedade ambiental? - MOISÉS NAÍM

FOLHA DE SP - 07/06

Encarecer o consumo de fontes que emitem CO2 e investir em tecnologias limpas são objetivos óbvios


Em minha coluna anterior ("A Revolução Mais Importante"), descrevi as transformações profundas no mundo da energia. A explosão do consumo energético na Ásia, liderada pela China; a irrupção das Américas como possível fonte principal de petróleo e gás para o mundo; a nova hiperconcorrência entre países e empresas e a iminente autossuficiência energética dos EUA são algumas das mudanças que nos alertam para o surgimento de uma nova ordem energética mundial.

Talvez o mais inesperado tenha sido que as discussões entre especialistas passaram da ênfase sobre a escassez de energia para a abundância. Um estudo do Citigroup conclui que o consumo de energia chegará ao nível mais alto em 2020, passando a declinar a partir daí.

Tudo isso, que pode passar uma impressão muito boa para os consumidores de energia, é também devastador para o planeta. Como nós, consumidores, somos habitantes do planeta, também é devastador para nós e nossos descendentes.

Nesta nova ordem energética reinam o carvão, o gás e o petróleo, enquanto a energia solar, nuclear, eólica e as outras que provêm de fontes renováveis e não são tão prejudiciais ao ambiente ficam em desvantagem.

Isso significa que as emissões de gás carbônico que contribuem para o aquecimento global causado pela atividade humana não só não vão diminuir, como seria desejável, como, pelo contrário, vão aumentar.

(Se você não acredita que as mudanças climáticas sejam causadas pelas emissões de CO2 produzidas pelos humanos, leia os 11.944 artigos científicos publicados entre 1991 e 2011 por 29.083 autores; 98,4% concluem que o aquecimento global é produzido por nós.)

Parece inevitável que continuemos a emitir CO2 a uma velocidade que levará a temperatura média do planeta a subir ao menos 2ºC. Esse aumento mudará o mundo tal como o conhecemos. E não para melhor. A que se deve tanta complacência?

Existem várias razões. Ignorância. Desconfiança em relação aos "especialistas" e ceticismo quanto à validade das pesquisas.

Prazos aparentemente muito distantes para que os efeitos se façam sentir em toda sua magnitude e que, com isso, criam a ilusão de que o aquecimento global não é uma emergência.

Crise econômica e outras urgências que não deixam espaço, dinheiro ou capital político para problemas que não sejam imediatos.

Insuficiente solidariedade intergeracional (os adultos não temos mostrado muita disposição em fazer sacrifícios para legar aos jovens um mundo mais habitável). Sensação de impotência e resignação diante da informação de que as tendências são irrefreáveis.

O que fazer, então? Não existem soluções mágicas, mas sim uma série de esforços que podem, se não reverter, ao menos desacelerar a marcha rumo ao desastre.

Encarecer o consumo de energia que emite CO2 e investir maciçamente em novas tecnologias são dois objetivos óbvios. Mas o problema não é o que fazer, e sim ter a disposição de fazê-lo. É isso o que falta.

De queijos e facas - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 07/06

Reza norma geral que, na relação com o Congresso, o Poder Executivo manda nos dois primeiros anos e nos dois últimos pede por obséquio. Presidentes saem fortes das urnas e assim navegam até se aproximar o momento de renovar o contrato com o eleitor quando, então, passam a precisar dos aliados para enfrentar com boa chance de êxito a eleição.

O governo Dilma Rousseff não foge à regra e sofre desvantagem adicional: uma coisa foi governar com o PT na presidência da Câmara, outra bem diferente será (tem sido) enfrentar a segunda metade do mandato com o PMDB no comando das duas Casas do Congresso. Pode ter havido aí um erro de avaliação dos petistas quando fecharam acordo de rodízio com os peemedebistas escolhendo presidir a Câmara no primeiro período e deixando de fora do acerto o Senado, onde continuou valendo o critério de primazia para a maior bancada.

Resultado é que o governo continua tendo o queijo – popularidade e caneta –, mas é o PMDB quem está na posse da faca, ditando a agenda e o ritmo do Parlamento.

O descontentamento com o governo não é de hoje. Vem desde o primeiro ano do mandato da presidente, mas foi sendo administrado pela direção e pelas lideranças até a eleição das presidências da Câmara e do Senado.

Ao PMDB não interessava elevar a tensão ao ponto de criar qualquer risco à conquista do comando do Congresso, especialmente no ano da graça de 2014.

Note-se como subitamente o parceiro tornou-se ativo: o presidente do Senado fez cumprir a promessa de deixar que percam a validade medidas provisórias enviadas à Casa em cima da hora e o presidente da Câmara pôs a andar projetos que há anos dormiam nas gavetas.

Instalou comissão para examinar proposta de mudanças na tramitação de medidas provisórias, o que obrigará o Planalto a alterar a sistemática de constantemente interditar, na prática, comandar a pauta do Legislativo.

Ao mesmo tempo, anunciou para breve a votação do fim do voto secreto para cassação de parlamentares, cuja consequência mais evidente recairá sobre os deputados condenados no processo do mensalão.

Junto a isso, Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros já na próxima semana vão abrir a discussão sobre o exame de vetos presidenciais para corrigir uma das mais graves omissões do Congresso que, ao não votá-los, deixa o processo legislativo inconcluso.

O ponto mais sensível, contudo, é mesmo o orçamento impositivo para emendas parlamentares. A proposta foi apresentada por Antonio Carlos Magalhães ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e torna obrigatória a liberação das verbas destinadas por deputados e senadores ao atendimento das “bases” – partidárias e eleitorais.

A emenda ressuscitada pelo PMDB retira do Executivo uma poderosa arma de pressão sobre o Parlamento. Hoje, como tem a prerrogativa de liberar, de segurar e de escolher para quem dar ou deixar de dar o dinheiro, o governo fica dono da situação.

Invertida a mecânica, tal poder simplesmente desaparece. Por que, então, o Congresso não levou o assunto adiante antes? Porque os maiores partidos governistas estavam bem atendidos.

Com Dilma, o PMDB começou a sentir que recebia tratamento de adversário. Suas emendas ficam retidas, enquanto as do PT são liberadas com mais facilidade. Mais: ainda levava a fama de mercador, interesseiro.

Daí a decisão de agir diferente. Tornando-se a liberação obrigatória ela deixa de ser usada como moeda de troca. O governo vai querer? Claro que não. Mas, talvez à exceção do PT, é evidente que todos os partidos haverão de querer. O que não quer dizer que necessariamente vai acontecer. Tudo depende de a presidente substituir a truculência pelas artes da malemolência na recomposição de um convívio em via de decomposição.


Para esclarecer o óbvio - IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

FOLHA DE SP - 07/06

O Ministério Público ser parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) no inquérito policial é reduzir a ampla defesa à sua expressão nenhuma


A meu ver, não haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para assegurar aos delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos policiais.

Já a têm na Constituição Federal, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido: "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".

O Ministério Público não é polícia judiciária. Tem o direito de requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias (artigo 129, inciso VIII), assim como a instauração de inquérito policial aos delegados, que, todavia, serão aqueles que os instaurarão.

O exercício do controle externo da atividade policial (inciso VII do artigo 130) de rigor é controle semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso II), para que não haja desvios de conduta.

Não há que confundir a relevante função de defesa da sociedade e de zelar pelo bom funcionamento das instituições com aquela de dirigir um inquérito, que é função exclusiva da Polícia Judiciária.

À evidência, com o direito de requisição, o Ministério Público pode pedir aos delegados todas as investigações de que precisar, como também o tem o advogado de defesa, que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do Ministério Público. Não sem razão, o constituinte definiu a advocacia e o Ministério Público como "funções essenciais à administração de Justiça" (artigos 127 a 135).

O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a "ampla defesa administrativa e judicial", sendo o adjetivo "ampla" de uma densidade vocabular inquestionável.

Permitir ao Ministério Público que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo é reduzir a "ampla defesa" constitucional à sua expressão nenhuma. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o Ministério Público, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.

Pelo texto constitucional, portanto, não haveria necessidade de um projeto para explicar o que já está na Constituição. Foi porque, todavia, nos últimos tempos, houve invasões nas competências próprias dos delegados que se propôs um projeto de emenda constitucional para que o óbvio ficasse "incontestavelmente óbvio".

Eis por que juristas da expressão do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, do presidente do Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Américo Lacombe, de Márcio Thomaz Bastos, Vicente Greco Filho, José Afonso da Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D'Urso e Marcos da Costa colocaram-se a favor da PEC 37.

Com todo o respeito aos eminentes membros do parquet, parece-me que deveriam concentrar-se nas suas relevantes funções, que já não são poucas nem pequenas.

Uma última observação. Num debate de nível, como o que se coloca a respeito da matéria, não me parece que agiu bem o Ministério Público quando intitulou a PEC 37 de "PEC da corrupção e da impunidade", como se todos os membros do Ministério Público fossem incorruptíveis e todos os delegados, corruptos.

Argumento dessa natureza não engrandece a instituição, visto que a Constituição lhe outorgou função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos Poderes, como o tem a advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se fundamenta o ideal de justiça na República brasileira.

O Brasil que não está dando certo - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 07/06

Desalento com a economia volta a deixar o PT inseguro com o projeto da reeleição


Na última campanha presidencial, o País foi conclamado pela candidata vitoriosa a escolher entre “o Brasil que dava errado e o Brasil que está dando certo”. Passados pouco mais de 30 meses, o problema central do governo eleito em 2010 passou a ser evitar que se dissemine no eleitorado o sentimento de que o Brasil não está dando certo.

No início deste ano, já não havia dúvida de que o desempenho econômico do primeiro triênio do governo Dilma Rousseff estava fadado a ser muito medíocre. E, como essa perspectiva havia deixado o PT bastante apreensivo, o lançamento da campanha presidencial foi antecipado, para conter o ceticismo do partido sobre o projeto da reeleição. Em entrevista ao GLOBO, em 28/4, o senador Jorge Viana, prócer inequívoco do partido, confirmou que a antecipação da campanha, patrocinada por Lula, em fevereiro, havia sido “um movimento interno para o PT. Como alguns levantavam dúvidas, ele disse que ela era candidata. Com isso liberou a presidente para ficar livre, leve e solta para governar”. Se, de fato, era essa a intenção, o efeito tranquilizador sobre o PT durou pouco.

O País chega ao fim do primeiro semestre com um quadro inflacionário preocupante e perspectivas de expansão da economia cada vez mais desalentadoras. O desempenho do nível de atividade no primeiro trimestre reforçou as previsões de mais um ano de crescimento pífio. A mediana das últimas expectativas de mercado coletadas pelo Banco Central já aponta para uma taxa de expansão do PIB de menos de 2,8% em 2013. O que deixaria a taxa média anual de crescimento do primeiro triênio do governo Dilma Rousseff em pouco mais que 2,1%.

É natural que o PT esteja de novo alvoroçado e apreensivo com os riscos da reeleição. Há meses, o partido ainda alimentava a fantasia de que, em 2014, poderia tentar vender ao eleitorado um pacote fechado de 12 anos de governo petista, no qual o desempenho sofrível dos quatro anos de Dilma estivesse compensado pelo desempenho dos oito anos de Lula. Mas já percebeu que isso não será tão fácil. Há poucos dias, o próprio presidente do PT reconheceu que o legado dos anos Lula será “insuficiente para garantir a reeleição”.

Na verdade, não é só o PT que vem acalentando a ideia de um Plano B. A antecipação da campanha presidencial vem obrigando toda a base aliada — governadores, senadores e deputados — a antecipar seu reposicionamento para as eleições 2014. E é a incerteza sobre o projeto da reeleição que explica boa parte das notórias dificuldades que a presidente vem enfrentando para manter a base aliada sob controle.

Em longa entrevista publicada em livro sobre os 10 anos de presidência petista (http://www.flacso.org.br/dez_anos_governos_pos_neoliberais/archivos/10_ANOS_GOVERNOS.pdf), Lula relata de forma muito franca as dificuldades que teve de enfrentar para levar à frente a ideia de lançar Dilma Rousseff como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus.” É fácil imaginar, tendo em vista o que se viu nos últimos 30 meses, a pressão que esses mesmos interlocutores estarão fazendo, agora, para que o projeto da reeleição ceda lugar a um Plano B.

Em meio ao clima de desconfiança que vem marcando as relações do Planalto com o PT e a base aliada, a presidente, em atitude defensiva, vem tentando recuar para um círculo mais restrito de auxiliares, com quem teve oportunidade de construir relações mais sólidas. Bem ilustra esse recuo a crescente ascendência que vem tendo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, sobre a presidente, graças à confiança mútua desenvolvida entre eles desde a época em que foram ambos secretários do governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. Nesse caso específico, é fácil perceber que o recuo da presidente para um círculo mais restrito de auxiliares não é sem custo. Implica grave perda adicional de racionalidade na condução da política econômica.

Prostitutas felizes - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/06

SÃO PAULO - O que me incomoda em certos religiosos, notadamente aqueles que abraçam a política, é que não se limitam a venerar seus deuses e a pregar para quem esteja disposto a ouvi-los --o que é plenamente legítimo--, mas insistem em determinar como os outros devem viver suas vidas --algo que revela seus pendores liberticidas.

É perfeitamente razoável que um cristão devoto não queira usar os serviços de uma prostituta (embora alguns o façam à sorrelfa). Penso ainda que ele deve ter o direito de criticar-lhes o comportamento. Se elas, porém, escolheram livremente viver assim e encontram compradores para o que têm a oferecer, isso é problema exclusivo das partes envolvidas.

É ridículo o veto que a bancada religiosa impôs a uma campanha publicitária do Ministério da Saúde por trazer peça com a frase "sou feliz sendo prostituta". Para começar, essa é uma atividade legal, assim como a de clérigo ou parlamentar. Em segundo lugar, estudos mostram que a felicidade é uma condição que tem mais a ver com hereditariedade do que com fatores externos, cuja influência tende a ser transitória. Isso significa que não há nenhuma contradição entre exercer o meretrício e ser feliz.

Até faria sentido discutir se a campanha seria eficaz e se faz sentido despender dinheiro público nessa rubrica, mas não foi esse o caminho escolhido pelos críticos. Na verdade, eles não parecem ter problemas em direcionar gastos do governo para interesses de segmentos específicos da população, já que não reclamam do fato de os contribuintes de todos os credos estarem pagando mais de R$ 100 milhões para custear a visita do papa ao Brasil.

Pior só a atitude do Ministério da Saúde de demitir Dirceu Greco, que dirigia o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, e era o responsável pela campanha. O governo, na verdade, é reincidente nessa matéria. E depois dizem que a oposição e o Supremo são conservadores...

A bolsa ou a vida - FERNANDO GABEIRA

O ESTADO DE S. PAULO - 07/06

O boato sobre o fim do Bolsa Família agitou avida política do Brasil. Fomos obrigados a contemplar a importância dos boatos na política e alguns cronistas chegaram a sugerir livros sobre o tema. Eu mesmo fui remetido às leituras do meio da década dos anos 70: Política e Crime, de Hans Magnus Enzensberger. Ele destaca o boato num dos ensaios: Wilma Montesi, a vida depois da morte. No caso, o cenário era a Itália e os rumores após a morte de uma mulher quase levaram o país a uma guerra civil. O boato no Brasil foi apenas um susto de fim de semana. Mas o psicodrama que desencadeou mostrou um governo tenso e desorientado. Forçado por uma trapalhada oficial, teve de confrontar uma hipótese impensável: o fim do Bolsa Família.

Areação da ministra Maria do Rosário foi amais tradicional, sobretudo entre governos autoritários: apontar os culpados de sempre, a oposição. No passado era pior. Os governos apontavam os culpados de sempre, mas prendiam também os suspeitos de sempre. Alguns líderes de esquerda, na guerra fria, eram retirados de circulação nas vésperas de grandes datas. Alguns já esperavam, resignadamente, a polícia com a muda de roupa, escova de dente e o maço de cigarros.

A reação de Maria do Rosário foi mais linear. A de Dilma Rousseff é mais complexa. Ela considerou o boato um crime monstruoso. E não há dúvida de que poderia levar dor, tristeza e até matar gente do coração. Felizmente, isso não aconteceu. Brecht dizia: pobre do povo que precisa de heróis. Não se interessou pelo destino dos heróis que precisam de um povo para salvar. Lembro-me do exílio, de algumas senhoras da Anistia Internacional que lutavam para liberar presos em outros países e se correspondiam com eles. Uma delas, quando seu preso foi solto, caiu em depressão. Afinal, era o seu preso, tantos anos dedicados a ele e, agora, a benfeitora teria o vazio diante de si.

A revelação mais importante do episódio foram as filas dos que recebem Bolsa Família. Nunca os tínhamos visto em grande número. Nem o PT, talvez. Cada um tirou suas conclusões do que viu. Muita gente parecia na fronteira, o que, no caso do Bolsa Família, significa porta de saída. Uma das entrevistadas disse que tinha ido retirar o seu benefício e depositar um dinheiro na poupança do marido.

É mais fácil combater a tese pura e simplesmente contrária ao Bolsa Família. Mas como responder ao argumento de que é preciso investir mais na porta de saída? Instrumentos existem. Há uma Secretaria de Economia Solidária, liderada por Paul Singer, mais competente que a maioria esmagadora dos ministros da coalizão. Faltam Cooperativas, negócios sociais, enfim, um empurrão mais seguro para que as pessoas encontrem sua própria sobrevivência. Investir decisivamente nesse rumo significa aproximar-se da vertigem que o próprio boato suscitou: a da perda de importância da ajuda financeira mensal. Uma vertigem imaginar um eleitorado completamente livre, que produz sua própria sobrevivência, não vota por gratidão, mas por esperança num futuro melhor.


O simples fato de usarmos tanto talento represado pela dependência à bolsa já seria um dínamo econômico. Como grande parte dos provedores, o PT, um provedor que usa dinheiro público, sempre se faz a pergunta crucial: ela gosta de mim ou do meu dinheiro? O que o leva a outra questão: a coalizão é mantida com grande estímulo de cargos e verbas; o eleitorado, com os laços criados pelo Bolsa Família.

E tome propaganda para nos tranquilizar sobre um futuro incerto até para eles. A última campanha nos conclama a torcer pelo futebol brasileiro. O governo nos chama neste período de a Pátria de chuteiras, usando a frase de Nelson Rodrigues. Em 1970, criticávamos os generais por usarem o futebol, uma arte popular, a favor do governo. Escrevíamos panfletos lembrando que a ditadura nada tinha que ver com o talento dos jogadores. No final da Copa, no jogo contra a Itália, houve até quem tentasse - sem êxito, pois a emoção foi mais forte - torcer contra o Brasil. Algumas décadas depois, quem está usando o futebol a seu favor, associando-o à imagem do governo, explorando um talento que é uma dádiva nacional?

Não estou pedindo a ninguém que coloque a mão na consciência e desfeche um processo acelerado de inclusão no mercado. A vertigem ainda é muito forte. O presidente do PT disse que o boato era um terrorismo eleitoral. Talvez o partido dominante tivesse se aterrorizado. A simples hipótese de perder aquela massa que recebe Bolsa Família é uma pequena antevisão do vazio que envolveu a mulher da Anistia Internacional quando seu preso foi solto.

Curioso ver como os novos governantes cada vez mais se parecem com os antigos. Na escolha dos culpados de sempre, no sequestro do futebol e também na incômoda posição de quem se coloca como o indutor do progresso. Sua sobrevivência política depende mais do fechamento que da abertura da porta de saída, com o potencial de lançar milhares de novos atores do mundo do trabalho. Se fossem só um grupo de adolescentes, diria que estavam repetindo o que criticavam nos pais. Só quem vive assustado nos conclama a ser a Pátria de chuteiras. Nelson Rodrigues, creio, jamais formularia essa frase pensando num slogan oficial. Certamente, para ele, a Pátria de chuteiras, de tênis ou sandálias é fruto da espontaneidade popular. Como palavra de ordem oficial, só é possível uma Pátria de ferraduras.

Tentaram nos fazer tocar caxirolas. Não deu certo, o próprio ministro da Justiça condenou o artefato. A presidente Dilma até que tocou caxirola para a plateia no Planalto. Não sabia do perigo. Após queimar as mãos com um pequeno instrumento musical, saiu inaugurando estádios, dando pontapés iniciais. Com todo respeito à segunda mulher mais poderosa do mundo, se todo mundo chutar como ela, a Pátria de chuteiras vai para o buraco, assim como iria se todos fizessem embaixadas como o general Médici em 1970. De lá para cá, o marketing dominou a política, melhorou os penteados, mas continua o mesmo: escondendo o verdadeiro jogo.