sexta-feira, abril 05, 2013

Dor que não acaba - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 05/04

Na terça, dia 9, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e o Ministério Público Federal vão exumar restos mortais no cemitério de Inhaúma, no Rio.

O propósito é saber, pelo DNA, se são mesmo do guerrilheiro Alex de Paula Xavier Pereira (1949-1972).

Segue...
Ex-aluno do Colégio Pedro II no Humaitá, Alex foi assassinado pelo DOI-Codi de São Paulo em 1972 e enterrado com nome falso no cemitério paulistano de Perus.

Em 1980, uma ossada foi transferida para Inhaúma como sendo a do militante carioca. Como nunca houve confirmação, agora será coletada amostra óssea para DNA.

Crime e castigo
A 17ª Câmara Cível do TJ do Rio manteve a liminar obtida por Aguinaldo Silva contra o Google.

A decisão obriga o provedor a retirar os vídeos do “Pânico na Band”, em que o humorista Ceará imita o grande autor da TV Globo.

Caso descumpra a ordem, a multa é de R$1 mil por dia.

‘Money, money’
O julgamento do pedido de pensão alimentícia que Sthefany Britto cobra de Alexandre Pato foi suspenso por um pedido de vistas, terça, na Terceira Turma do STJ.

Ela pede R$ 50 mil por mês, mas o craque quer pagar R$ 5 mil.

Magoou
O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, que esteve no Brasil em março, ficou chateado por não ter conseguido espaço na agenda de Dilma.

No estaleiro
Miguel Falabella está com dengue.

Guerra ao terror
A Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do governo federal, comprou 76 trajes antibombas que estarão disponíveis já na visita do Papa Francisco ao Rio, em julho.

Para as copas, compraram R$ 50,6 milhões em equipamentos não letais.

Mestre Mautner
Jorge Mautner, o pensador pop, vai ganhar um portal com todos os seus textos, livros, músicas e até pinturas. O lançamento será terça em Santa Teresa.

ABL internacional
Ana Maria Machado, presidente da ABL, fechou acordos de cooperação entre a academia e a prestigiada universidade Sorbonne, em Paris, e centros na Itália.

O convênio incentiva o estudo da obra de autores brasileiros.

Faz sentido
De Alexandre Nero, o ator que vive Stênio em “Salve Jorge”, na próxima edição da revista “Mensch”:

— Depois dos 40, você percebe o peso da responsabilidade. Esse peso varia de três a seis quilos, e concentra basicamente na faixa abdominal.

Põncio Pilatos
Numa conversa em São Paulo, Dilma e Lula decidiram lavar as mãos. Não vão se meter agora na discussão entre PMDB e PT pelo governo do Rio.

Só vão pensar no assunto no ano que vem.

Sem õnibus
A 4ª Câmara Cível do Rio anulou o decreto que concedeu, sem licitação, todas as linhas de ônibus de Belford Roxo, RJ, às empresas Vera Cruz e Rio D’Ouro (do grupo Flores).

Na decisão, o TJ determinou ainda a imediata suspensão da operação de três linhas, sob pena de multa diária de R$ 30 mil.

Inflação na Gávea
O time não está lá estas coisas, mas, mesmo assim, o título para sócio do Flamengo quase dobrou de preço em duas semanas.

Passou de R$ 4 mil para R$ 7,2 mil.

Cena carioca
Um ônibus da linha 333 (Rodoviária-Alvorada), série C50006, parou num ponto na descida do Alto da Boa Vista, ontem à tarde, no sentido Barra. Uma criança de 7 anos subiu, e o veículo seguiu viagem rapidamente.

O motorista não reparou que, ao arrancar, não permitiu que os avós do menino embarcassem. O do volante também ignorou a reação e os gritos dos passageiros.

Miau na massa
O restaurante Spoleto, da rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, foi pego ontem pela Light.

Fez, que coisa feia!, um gato para roubar energia.

LGBT no Alemão
O Complexo do Alemão vai ganhar a sua primeira parada LGBT, em agosto.

A transformista e ativista Jane Di Castro vai cantar o Hino Nacional na abertura do evento.

Oráculos em Omaha - LUCAS MENDES

BBC BRASIL

"Por favor, fale alguma coisa para testar o som."


"One million, two million, three million (um milhão, dois milhões, três milhões)..."


Warren Buffett tem jeito de menino levado. Modesto. Poderia ter contado em "billions", "one billion, two billion...". A fortuna dele, terceira maior do mundo, é de US$ 45 bilhões. Fui apresentado ao oráculo dos investimentos pelo oráculo do jornalismo brasileiro, Alberto Dines, que foi entrevistá-lo em Omaha.

Dines conseguiu esta difícil entrevista com o menino levado de 82 anos e em pleno vigor mental e físico, graças a outro bilionário, o brasileiro Jorge Paulo Lemann, dono de várias empresas e sócio de Buffett no ketchup Heinz. Dines não só conheceu Jorge Lemann há 50 anos, como o demitiu doJornal do Brasil, na época áurea do jornal mais inovador do Brasil.

Lemann, um corretor, tinha vindo recomendado pelo dono do JB para escrever uma coluna sobre economia, finanças e ações. Alguém, Dines não se lembra quem, comentou que havia um ''problema ético''. O editor-chefe ouviu.

O futuro bilionário foi um gentleman na demissão e, 50 anos depois, quando o Dines pediu a intervenção dele para conseguir a entrevista com Buffett, a resposta positiva foi imediata, acompanhada de um bilhete onde se lembrava da merecida demissão.

Eu fui junto à entrevista a convite do Dines. Fui grato e pago. Teria ido de graça. Passei dias devorando Warren Buffett, o mais fascinante, confiável e menos extravagante capitalista dos Estados Unidos.

Mora até hoje na casa que comprou por US$ 31 mil (R$ 62,6 mil) na década de 50 e nunca teve um motorista. Milhões de americanos investem em ações de Buffett ou investem segundo Buffett. Quando ele decide se livrar de alguma ação, pode apostar na queda. Quando compra, pode apostar na valorização, mas Buffett muitas vezes supreende.

Há quatro anos, disse que não tinha interesse em tecnologia. Pouco depois, investiu US$ 10 bilhões (R$ 20,2 bilhões) na IBM. Disse que jamais investiria na mídia impressa e, desde então, comprou 63 jornais mais 3% da Lee Enterprises, uma rede de Iowa. Todos jornais de cidades pequenas e médias.

Buffett vê o maior futuro do jornalismo na combinação impressa e digital pagas em jornais de pequenas comunidades. Em um momento da entrevista, disse que gostaria de ter sido repórter e apoiaria os filhos se quisessem seguir a carreira de jornalismo. Nenhum quis, mas nunca tinha lido ou ouvido estas informações antes.

O foco da entrevista e o maior interesse do Dines, oráculo e devoto do jornalismo, foi o investimento de Buffett numa espécie ameaçada de extinção. Há 15 anos, Dines faz o programa Observatório da Imprensa, atualmente transmitido pela TV Brasil. O plano dele é comemorar o aniversário em maio com entrevistas com os donos de jornais e revistas mais influentes do Brasil.

Vai abrir a série com Warren Buffett, que passa seis horas por dia lendo jornais e revistas. Entre os impressos, só um, de pequena circulação, oOmaha World Herald, um dos recém-adquiridos por ele. Os outros de leitura diárias são o New York Times, Wall Street Journal, Financial Times e Washington Post, todos de grandes cidades e nos quais não há o menor interesse em investir ou comprar. Não sabe o que vai acontecer com eles, mas tem esperanças na fórmula da assinatura digital, bem sucedida no Times.

Este investimento de US$ 400 milhões (R$ 808 milhões), que ele fez em jornais de cidades pequenas e médias , contraria as tendências dos mercado. Quase todos perdem dinheiro e encolheram nos últimos anos. Estão baratos e este é um dos motivos que levaram Warren a comprar mais de 60. Preço baixo, produto de boa qualidade dirigido por pessoas de talento é a formula que seduz o Oráculo de Omaha.

Por que jornais de comunidades menores? Porque a maioria dos moradores assinam e leem. Nova York, Chicago, Los Angeles são dezenas de mini cidades com interesses divergentes. "Quem mora no centro sul de Los Angeles não quer saber quem morreu em Beverly Hills, mas numa cidade pequena todo mundo quer saber não só quem morreu, como quem casou, divorciou, a novidades da escola, os aumentos e as reduções de impostos. Quem esta interessado numa matéria sobre impostos no Canadá?

Desde a infância, Warren Buffett tem uma conexão jornalística. Ele entregava jornais de porta em porta. Quando o pai, eleito deputado, mudou com a família para Washington, ele passou a ganhar um centavo por jornal. Eram milhares. Economizou o suficiente para pagar metade da própria educação.

As histórias dele como investidor e como salvador de Wall Street já renderam dezenas de livros e milhares de artigos. São irresistíveis e, por elas, é possível contar os sucessos e fracassos das finanças americanas nos últimos 50 anos. Quem colocou US$ 1 mil (R$ 2 mil) na mão de Buffett quando ele começou, hoje tem US$ 25 milhões (R$ 50,5 milhões). Há um lado pessoal não menos fascinante. Vai doar 99% da fortuna dele para a fundação de Bill e Melinda Gates. Sua mulher e filhos vão ficar com 1%. Nenhum fala mal dele.

Astrid é sua segunda mulher. A primeira, Susan, foi a grande paixão de Warren, que quando casou era capaz de sair de casa com sapatos de cores diferentes e sem pentear os cabelos. Tiveram três filhos e ela disse ao marido: ''Eu cuido da casa e você vai fazer o que sabe: ganhar dinheiro''.

Quando Warren ficou multimilionário, ela disse a ele que era a vez dela de cuidar da própria vida. Ia ser cantora na Califórnia. Gostava de jazz. Antes de sair, ligou para uma amiga, Astrid, recepcionista de um restaurante francês em Omaha. Em pouco tempo, com a bênção de Susan, Warren e Astrid se tornaram amantes num menage à trois tao bem administrado que mandavam cartões de natal com a foto dos três juntos. Susan morreu de câncer na boca em 2004. Warren se casou com Astrid.

O pai de Buffett era um deputado federal republicano conservador, famoso pela rigidez de princípios. Quando a Câmara se deu um aumento, ele recusou o dele porque tinha sido eleito ganhando ''xis'' e não poderia decepcionar o eleitorado.

Warren Buffett também era republicano e Suzan foi responsável pela conversão dele ao Partido Democrata e pelos investimentos do marido em causas sociais. Ele nunca se esqueceu de uma frase do primeiro discurso que ouviu de Luther King: "A lei não muda o coração das pessoas, mas protege os mais pobres contra os que não têm coração".

O Oráculo de Omaha fez campanha por Barack Obama, mas sua ação mais contundente e mais anti-republicana dos últimos tempos foi liderar a proposta para aumentar os impostos dos ricos.

Contrariando indicadores dos últimos anos e previsões sombrias para o futuro, Buffett e Dines apostam no grande papel da pequena imprensa.

Terminamos o dia num dos restaurantes favoritos de Warren, o Gorat's. Ele contraria tendências nos mercados de ações e de alimentos. Sua única verdura é batata frita. Não se lembra do gosto de brócolis ou espinafre. Verdes no prato? Jamais. Sua fruta é torta de banana ou sorvete boiando em root beer. O prato é carne, o exercício é golfe. Nem todo dia.

O motorista de táxi que nos levou ao restaurante nos avisou: "Há restaurantes muito melhores em Omaha". A conta foi US$ 40 por pessoa (R$ 80,8). Na mesa, o motorista de táxi é mais confiável do que Buffett.


Vale o escrito - NELSON MOTTA

O GLOBO - 05/04

Por conta de uma interpretação esdrúxula, não teríamos biografias nem de Hitler; bastaria seus herdeiros reivindicar seus direitos no Fórum do Rio de Janeiro


No Brasil democrático são cada vez mais frequentes as notícias de mentirosos, caluniadores e difamadores de jornais, revistas, rádios, televisões e blogs condenados na Justiça a pagar indenizações que lhes castigam o bolso e a retratações humilhantes que os desmoralizam publicamente. Isto vale para qualquer meio de comunicação. Menos para os livros, que ainda podem ser proibidos judicialmente pelos biografados ou seus herdeiros a qualquer momento, por qualquer motivo.

Essa aberração tipicamente brasileira está em vias de extinção com a nova lei que libera biografias, já aprovada na Câmara, deixando um rastro de destruição na história e na memória nacional. O livro é livre, mas cada um responde na Justiça por suas palavras. Vale o escrito.

Há alguns anos fui processado por um personagem secundário da Jovem Guarda que queria ser indenizado porque membros do seu conjunto foram citados no meu livro “Noites tropicais” como acusados por um juiz carioca de corrupção de menores, em 1965. Mesmo com a advogada da editora apresentando testemunhos e farta comprovação do noticiário de imprensa da época, fomos condenados: a indenização era de tal ordem que quebraria a editora, uma das maiores do Rio de Janeiro.

A juíza reconhecia que as provas eram verdadeiras, mas alegava que, pela lei em vigor, só o próprio biografado, ou referido em uma biografia alheia, tem direito à publicação de sua história pessoal. Ponto final. Mesmo se for um criminoso condenado, mesmo se a sua história for pública. Por ela, não teríamos biografias nem de Hitler, bastaria seus herdeiros reivindicarem seus direitos no Fórum do Rio de Janeiro. Na instância superior ganhamos por 3 a 0, e o processo foi encerrado.

Diante disso, antes de escrever “Vale tudo, o som e a fúria de Tim Maia”, fizemos um acordo com o herdeiro do Síndico. Cedi uma fração dos meus royalties, a editora cedeu dos seus, e lhe demos um “levado” que o fazia sócio do livro. Era mais jogo pagar um “direito de imagem” ao herdeiro do biografado — sem direito a censura prévia ou posterior — do que enfrentar um processo caro e perigoso.

Seja cretino com a internet - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 05/04

Um cidadão rico e mal informado a meu respeito pediu-me um conselho: o que deveria fazer para perder dinheiro rapidamente. Motivo: ele se apavorou com alguns comentários apocalípticos que leu por aí e passou a temer que uma reviravolta político-social o surpreenda com os talões de cheques dos bancos suíços, além de outros investimentos nada patrióticos.

Minha primeira sugestão foi no sentido de que me desse o dinheiro à vista, compactamente. Correria eu, de bom grado, os riscos provenientes, embora não mais entrasse no reino dos céus nem passasse pelo buraco de uma agulha --conforme rezam as Santas Escrituras.

A sugestão foi recusada. O homem não dá esmolas. Não tem nenhum interesse em que eu passe ou não passe pelo buraco das agulhas. Ele deseja perder dinheiro fazendo jus ao trabalho, suando o rosto. Exige ideias.

Ficou de pensar na segunda sugestão que lhe dei: a de criar, em nível nacional ou continental um curso gratuito de cretinice por correspondência. Numa época em que os cretinos já nascem feitos e embalados, um curso desses seria o caminho mais prático para a falência.

Evidente que não dei a sugestão de graça. Impus a natural condição de eu próprio orientar o curso, mediante uma remuneração à altura do empreendimento.

Preferi não entrar em detalhes. Limitei-me a esboçar o plano e sua pouca rentabilidade. Ele me implorou que lhe mandasse um e-mail apontando meios e modos de se localizar o cretino em potência ou em ato.

Redigido o e-mail, verifiquei que o esboço tem uma vantagem suplementar, a de servir igualmente para ambos os sexos e até para o terceiro. Resultou num texto transcendental. E comecemos justamente pelo transcendental:

- O cretino, sempre que puder, e mesmo quando não puder, dirá que a coisa --qualquer coisa-- é transcendental.

- Quando interrogado sobre seu compositor predileto, o cretino dirá com modéstia: Cartola. Apesar de apreciar Cartola, é importante que o cretino dê provas de amplidão espiritual e moral, citando também Bach e Frescobaldi.

- O cretino será adepto dos blogs, sites, das pesquisas de mercado, do amor gratificante, da formação de uma boa imagem, do diálogo nada ideológico e da globalização dos resultados.

- O cretino será otimista, acreditará no século 21 e denegrirá a obra musical do Tiririca. Preferirá o cinema de Spielberg e os curtas do cinema baiano, aceitando a experiência do "besteirol", desde que em cores. Mas assistirá às escondidas as comédias do canal Sony e os desenhos animados japoneses.

- O cretino repudiará o fumo, as carnes vermelhas, os refrigerantes que não sejam diet, as mulheres que pintam os olhos e usam saias justas.

- Raspará e deixará crescer a barba de tempos em tempos, considerará o rock mais científico do que a teoria do quantum e dirá duas vezes por dia: "Depois de Duchamp, só Hélio Oiticica!". A frase é tida como profunda, moderna e, até certo ponto, patriótica.

- O cretino estará preocupado com o retorno de Hong Kong ao domínio da China, proclamará a iminente decadência da civilização judaico-cristã e, nas horas vagas, prometerá que um dia emigrará para Papua-Nova Guiné.

- Duas vezes por dia, às vezes três, o cretino pensará que quem estava certo era o Hare Krishna.

- Nos momentos de sufoco, recorrerá aos florais de Bach (não confundir com o Johann Sebastian) e às ervas do Santo Daime.

- O cretino desprezará a família e os hábitos de higiene domésticos. Dirá que só os banqueiros tomam banho para melhor tomarem o dinheiro alheio, e que só as prostitutas, por motivos operacionais, escovam os dentes. Até o dia em que se transformar em bancário necessitado de comer todos os dias à própria custa.

- Quando indagado sobre o seu poeta preferido, o cretino responderá com desdém: "Drummond, logicamente". A cretinice não está em gostar de Drummond, mas no "logicamente" --o que é lógico.

- E, com tanta lógica, sejamos lógicos: o cretino é um santo às avessas, que precisa apenas de sabão e cartilha para se transformar num sujeito aproveitável, digno de ser animador cultural, embaixador em organismos internacionais, diretor de carteira exterior de um banco em vias de falência, assessor de organismos não-governamentais e cronista.


Brics, tijolos sem cimento - JOSEPH NYE

O ESTADÃO - 05/04

Há 3 anos, disse que a sigla não se tornaria um grupo político importante e minha opinião se mantém após a última reunião 
China, Xi Jinping, escolheu Moscou como o destino para a sua primeira visita de Estado. Ele e o presidente russo, Vladimir Putin, anunciaram uma série de acordos e, em seguida, viajaram para a cidade sul-africana de Durban, onde participaram da 5.a cúpula dos Brics, juntamente com os líderes da Índia, Brasil e África do Sul. Na reunião, eles propuseram a criação de um novo banco de desenvolvimento que poderá desafiar o domínio do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Os cinco líderes referiram-se em seus discursos a uma guinada na ordem mundial - e Xi afirmou que “o potencial de desenvolvimento dos Brics é infinito”.

Foi como se os membros do grupo tivessem finalmente chegado à idade adulta. Há três anos, eu olhava os Brics com ceticismo. E, apesar do aparente sucesso da cúpula recente, o meu ceticismo persiste.

O termo “Bric” foi cunhado há cerca dei 2 anos por Jim O’Neill, então o chefe da equipe de economistas do Goldman Sachs, para indicar os mercados emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China. De 2000 a 2008, a participação desses quatro países na produção global cresceu rapidamente, de 16% para 22% (em termos de paridade de poder aquisitivo) e, na crise que se seguiu, suas economias apresentaram um desempenho melhor do que a média.

Para os investidores, esse resultado justificava a criação do interessante acrônimo. Mas, então, aconteceu algo estranho: a criatura ganhou vida.

Em 2009,os quatro países reuniram-se pela primeira vez na Rússia na tentativa de estabelecer uma organização política internacional. Os sul-africa-nos uniram-se ao bloco no final de 2010, de início por razões políticas. Como recentemente O’Neill declarou ao jornal China Daily: “A África do Sul tem muita sorte de fazer parte desse grupo, pois, do ponto de vista econômico, tem dimensões muito reduzidas em relação aos outros”. Além disso, seu desempenho econômico tem sido relativamente fraco, com uma taxa de crescimento de apenas 2,3% no ano passado.

Na realidade, embora os Brics possam ser úteis na coordenação de certas táticas diplomáticas, o termo engloba países extremamente díspares. Não só a Africa do Sul é pequena em comparação aos outros, como a economia da China é maior do que a de todos os demais membros juntos. Do mesmo modo, Índia, Brasil e África do Sul são democracias e ocasionalmente se reúnem em um fórum alternativo, o Ibas. E, embora as grandes autocracias, Rússia e China, achem vantajoso do ponto de vista diplomático alfinetar os americanos, ambos os países mantêm relações diferentes - porém cruciais - com os Estados Unidos. E ambos esforçaram-se para frustrar os esforços da Índia, Brasil e África do Sul para se tornarem membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

Imersão. Como escrevi há três anos, em termos analíticos, não faz sentido incluir a Rússia, uma antiga superpotência, no rol de economias em desenvolvimento. Moscou não tem exportações diversificadas, enfrenta graves problemas demográficos e de saúde e, segundo as palavras do próprio ex-presidente Dmitri Medvedev, “precisa modernizar-se enormemente”. O país pouco mudou desde a volta de Putin à presidência, no ano passado.

Embora o crescimento econômico tenha se beneficiado do fantástico aumento dos preços do petróleo e gás na última década, ainda não se destacaram outros setores competitivos, e o país agora encara a perspectiva da queda dos preços da energia. E ainda que pretenda manter um crescimento anual de 5%, sua economia ficou relativamente estagnada no ano passado.

Se os recursos energéticos da Rússia parecem em declínio, os do Brasil se mostram impressionantes, considerando que o país possuiu uma superfície que é o triplo da que tem a Índia, um índice de alfabetização de 90%, e o triplo da renda per capita dos indianos (além de cerca de duas vezes a da China). Entretanto, nos três anos que se passaram desde minha avaliação anterior, o desempenho do Brasil declinou: seu crescimento econômico anual baixou de 7,5%, em 2010, para 1% no ano passado, e para este ano prevê-se uma taxa de 3,5%.

Assim como o Brasil, nos anos 90 a Índia experimentou um surto de expansão da produção depois da liberalização da economia. Na realidade, até poucos anos atrás, o crescimento do PIB aproximava-se das taxas chinesas. Contudo, este ano, seu crescimento deverá se manter em uma taxa relativamente baixa, de 5,9%. Caso o país não melhore sua infraestrutura e seu índice de alfabetização (particularmente entre as mulheres), será improvável que a Índia alcance o ritmo da China.

Portanto, deveremos levar os Brics de hoje tão a sério quanto os Brics de três anos atrás? Significativamente, a reunião de Durban não produziu nenhum detalhe sobre a estrutura do novo banco de desenvolvimento, o que sugere que houve muito pouco progresso no último ano desde a última reunião do grupo, em Nova Délhi, quando foi feito o anúncio do plano.De fato, apesar do empenho em realizar “negociações formais” para a criação do banco, as divergências quanto ao tamanho e às participações no capital da instituição não foram resolvidas.

Essa falta de unidade é um sintoma das incompatibilidades subjacentes entre os membros do Brics. Em termos políticos, China, Índia e Rússia competem entre si pelo poder na Ásia. E, em termos econômicos, Brasil, Índia e África do Sul estão preocupados com os efeitos da moeda desvalorizada da China sobre suas economias.

Há três anos, escrevi que, “os Brics não devem se tornar uma organização política importante de países que compartilham as mesmas ideias”. Essa última reunião dos Brics não me deu nenhuma razão para rever a minha avaliação.

O neoimperialismo dos Brics - PATRÍCIA CAMPOS MELLO

FOLHA DE SP - 05/04

Logo depois da cúpula dos Brics, o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, viu-se na obrigação de negar que as relações entre o grupo de cinco países e a África configurem "uma nova colonização".

"Os países africanos não andam à procura de serem colonizados. Andam à procura de amizade e cooperação. É neste quadro que nos reunimos com os Brics", disse Guebuza ao jornal estatal Notícias, logo após a cúpula, que se realizou no dia 27 de março em Durban, na África do Sul.

O ex-presidente Lula, grande impulsionador da aproximação com a África, e a presidente Dilma insistem em uma parceria diferente com o continente, que seja o oposto do imperialismo praticado pelas potências ocidentais por séculos.

"Estamos unidos --Brics, América Latina e África-- em um grande projeto comum de crescente aproximação e de objetivos compartilhados, uma parceria entre iguais, que se constrói no respeito mútuo, voltada para o desenvolvimento e o bem-estar de seus povos, uma parceria que abandonou e abandona as agendas ocultas, cuja característica --e nós conhecemos isso muito bem-- era utilizar a ajuda econômica como instrumento político", discursou Dilma em Durban.

Mas, ao mesmo tempo, os Brics estão se lançando com avidez à exploração dos recursos minerais no continente africano, e isso gera tensões. Existe a percepção de que os Brics não se diferenciam tanto dos antigos colonizadores, uma vez que também estão disputando a exploração dos recursos naturais do continente, sem estimular de forma significativa a industrialização ou criar empregos.

Em artigo no "Financial Times", o presidente do Banco Central da Nigéria, Lamido Sanusi, advertiu que a China está agravando a desindustrialização e o subdesenvolvimento na África e o continente está sujeito a "uma nova forma de imperialismo". "Em boa parte da África, os chineses montaram enormes operações de mineração. Eles também estão construindo obras de infraestrutura. Mas, com poucas exceções, eles fazem isso usando equipamento e mão de obra importados da China, sem transferir conhecimentos para as comunidades locais", escreveu.

"A China leva nossos produtos primários e nos vende manufaturados. Esta foi também a essência do colonialismo", escreveu.

Segundo Sanusi, a África deve reconhecer que "a China --como os EUA, a Rússia, a Grã-Bretanha, o Brasil-- está na África não no interesse africano, mas em seu próprio interesse".

A China é o principal alvo das críticas.

Mas o Brasil, com sua mega expansão na África por meio de empresas como a Vale, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa e outras, começa a sofrer ataques também.

A criação do banco dos Brics está imersa nessa questão. A proposta dos Brics é criar um banco multilateral diferente, para cooperação sul sul, e sem as imposições comuns nos empréstimos concedidos por instituições ligadas às potências ocidentais, como o Banco Mundial.

"É um sintoma do passado colonial africano o problema que as instituições de Bretton Woods têm investido em África com muitas condições. Penso que os governos africanos sentiram-se sem forças para fazer avançar as suas exigências. O que precisa ser redefinido são os termos do compromisso desses contratos.", disse Guebuza.

Mas as ONGs estão bastante preocupadas --temem que o banco do Brics seja usado apenas para financiar grandes obras na África de interesse de empresas dos países brics, sem atentar para problemas ambientais e de direitos humanos.

"Não gostaríamos que o banco dos Brics fosse mais do mesmo, ou seja, como o Banco Mundial, o FMI e os bancos nacionais de desenvolvimento, que em geral financiam projetos concentradores de renda, dão quase nenhuma transparência aos projetos que financiam e apoiam obras violadoras da legislação ambiental e até de direitos humanos. Os dois exemplos mais trágicos de projetos assim, no Brasil, são a siderúrgica TKCSA no Rio de Janeiro e a usina Belo Monte, no rio Xingu, no Pará", diz Carlos Tautz, coordenador do Instituto Mais Democracia.


Escravos domésticos e rurais em disputa - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 05/04

O deputado federal Carlos Bezerra (PMDB-MT) é o autor da Proposta de Emenda Constitucional que igualou os direitos dos empregados domésticos aos trabalhadores em geral.

Com ele votaram 347 parlamentares. Opuseram-se os deputados Jair Bolsonaro (DEM-RJ) e Vanderlei Siraque (PT-SP). O presidente do Senado, Renan Calheiros, comemorou o feito, capitaneado por seu partido, em rede nacional de rádio e televisão.

O deputado já previa a quase unanimidade entre seus pares. "É um assunto que inibe as pessoas", diz. Elogia dois petistas que o ajudaram a passar o projeto à frente de outras 150 PECs, o ex-presidente da Câmara Marco Maia (RS) e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, João Paulo Cunha (SP), mas diz que chegou a temer a interferência do governo federal.

Autor da PEC das domésticas se absteve na do trabalho escravo

Conta que a comissão criada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para cuidar do assunto acabou abortada por interferência da área econômica, que temia desemprego.

Bezerra já foi prefeito, deputado estadual, senador e governador do seu Estado, mas diz que nunca fez nada tão importante quanto esta lei.

Há menos de um ano, o deputado participou de outra sessão muito relevante para os direitos dos trabalhadores. No dia 22 de maio de 2012, a Câmara dos Deputados votou a PEC que confisca terra em que seja constatado trabalho escravo.

O deputado Carlos Bezerra se absteve da votação: "Sou totalmente a favor do fim do trabalho escravo, mas não me lembro como votei".

Ex-prefeito de Rondonópolis, na pujante fronteira agrícola do Centro-Oeste, o deputado diz não ter sido pressionado por sua base eleitoral contra a proposta. Tampouco por seus familiares.

No ano anterior à votação, uma equipe de procuradores e do Ministério do Trabalho autuou a fazenda de um sobrinho do deputado por abrigar 12 trabalhadores em condições degradantes.

Bezerra diz não ter qualquer relação com a fazenda do sobrinho. "Minha base eleitoral é de trabalhadores", assegura. São ilações da mesma ordem, diz, que o tornaram réu no Supremo Tribunal Federal. Sua gestão na presidência do INSS é acusada de desviar recursos.

Nenhuma dessas digitais diminui a importância da PEC das Domésticas. É o primeiro passo para o Brasil colocar na mesma ordem de grandeza duas estatísticas que resumem seu atraso social: o país que tem 3% da população mundial abriga 13% do total de trabalhadores domésticos do planeta.

O envolvimento do deputado e de seu partido na tramitação dessa proposta revela os meandros das medidas que mudam a vida do país. A PEC das Domésticas foi aprovada em três anos porque a classe média tradicional não tem, no Congresso, a mesma interlocução política desfrutada pelos ruralistas. Há 14 anos seguram a aprovação da proposta que pune a contratação de serviços prestados em situação degradante.

Ao se abster na votação da PEC do Trabalho Escravo, o deputado teve a companhia de outros 24. A proposta foi aprovada na Câmara com 360 votos e teve a oposição de 29 parlamentares. PMDB e PSD foram os partidos que mais se opuseram à proposta.

Cada um deu sete votos contra. Foram também os partidos cujos parlamentares mais se abstiveram. Além de Bezerra, outros seis pemedebistas, apesar de presentes à sessão, preferiram não se comprometer com o resultado da votação.

A PEC do Trabalho Escravo começou a tramitar 11 anos antes da proposta das Domésticas. Conviveu, durante todo o governo Lula, com o poder crescente dos ruralistas e só na gestão Dilma Rousseff arregimentou maioria para passar na Câmara.

No Senado, onde peleja para ser aprovada, enfrenta a aguerrida oposição da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e hoje um dos principais esteios de Dilma Rousseff no agronegócio.

Se o PMDB viu na PEC das Domésticas uma oportunidade para reverter o dano na imagem do partido causado pela exposição dos malfeitos de suas principais lideranças, melhor para o país. As trapaças pemedebistas continuam por aí, mas o Brasil ganhou uma legislação capaz de sacolejar as entranhas de sua divisão social. Vai que assim o PT se mexe para aprovar a PEC do Trabalho Escravo e fazer jus à segunda letra de sua sigla.

As empregadas domésticas têm acomodado as insatisfações da classe média tradicional com sua persistente perda de posição na renda do país. São fartas as estatísticas que mostram avanços salariais maiores para quem ganha menos.

É isso que tem, em grande parte, inflacionado o custo dos serviços prestados por esses assalariados da base da pirâmide. Os serviços prestados por esses trabalhadores, quase tão caros quanto os de países ricos, são consumidos por uma classe média que está com sua renda achatada, não se reconhece nos seus companheiros de fila da alfândega e vê as chances de seu filho entrar numa universidade pública reduzidas pelo sistema de cotas, outra medida recentemente aprovada pelo Congresso.

Está dada, assim, a equação de uma tensão social crescente. Mas talvez seja essa a senha para um envolvimento da classe média tradicional com a política que extrapole a histeria anticorrupção.

A jornada de trabalho de pais que nasceram na classe média também pode ser extenuante e costuma ser resolvida com a contratação de empregados domésticos. Se o orçamento não comportar e os sindicatos continuarem a ser vistos como lugar de peão, algum canal para verbalizar essa insatisfação há de ser encontrado.

Não dá para imaginar que esse achatamento no topo da pirâmide leve escolas, transportes e hospitais públicos a se encherem de classe média de uma hora para outra, mas a ampliação do uso desses serviços por quem tem um outro padrão de referência pode levar a uma maior cobrança por melhoria.

Quem resistir há de dar sustância a uma direita que não se envergonhe de mostrar a cara. Do outro lado estarão aqueles que aceitam pagar o preço da mudança social. No mercado partidário, vencerá quem, além de oferecer o maior desconto, entregar a mercadoria.

Petrobras dilapidada e empresas no vermelho - ROBERTO FREIRE

BRASIL ECONÔMICO - 05/04

Como se não bastasse a queda de 36% registrada em 2012, em relação ao ano anterior, no pior resultado da empresa desde 2004, a Petrobras volta à ordem do dia com mais notícias negativas que revelam a que ponto chegou a dilapidação de seu patrimônio durante os governos do PT.

Segundo reportagem da revista "Época", a estatal vem promovendo um verdadeiro "feirão" no exterior, com a venda de refinarias, poços de petróleo, postos de combustível e participações em empresas, com o objetivo de sair do vermelho.

Na Argentina, a companhia vendeu 50% das ações que detinha na Pesa, a estatal daquele país, para o grupo Indalo, cujo dono é um dos principais apoiadores da presidente Cristina Kirchner. A empresa se tornará dona de 33% da Pesa e comprará todas as refinarias, distribuidoras e unidades operadas pela Petrobras por US$ 238 milhões.

Em 2002, a estatal brasileira comprou a participação na Pesa por US$ 1,1 bilhão e assumiu uma dívida de mais de US$ 2 bilhões para ficar com 58% da companhia. Após investir US$ 2,1 bilhões até 2009, a Petrobras passou a ser dona de 67% da Pesa.

Ainda vivendo uma situação de completo descalabro por conta dos efeitos da gestão temerária de José Sérgio Gabrielli, homem da confiança do ex-presidente Lula, a Petrobras não tem dinheiro em caixa e agora vende seu patrimônio abaixo do preço de mercado para tentar sair do buraco em que se meteu graças à irresponsabilidade e ao populismo desenfreado dos governos petistas.

Tanto é assim que a atual chefe da estatal, Maria das Graças Foster, já admitiu publicamente que 2013 seria ainda mais complicado que 2012 para a Petrobras, que só no ano passado sofreu um tombo de US$ 4,33 bilhões em seu valor de mercado.

Na esteira da penúria enfrentada por uma das empresas mais importantes do Brasil, a incompetência administrativa do PT também atinge outras companhias estatais, como a Eletrobras, que anunciou na última semana o maior prejuízo de sua história: R$ 10,49 bilhões no quarto trimestre de 2012 e R$ 6,9 bilhões no acumulado do ano passado.

Trata-se do pior resultado já verificado entre todas as empresas de capital aberto em qualquer período trimestral, de acordo com levantamento da consultoria Economática.

O mesmo estudo revela um cenário desolador para as companhias brasileiras de capital aberto de forma geral. As 76 empresas que reportaram prejuízos no último trimestre de 2012 perderam R$ 25 bilhões, três vezes mais que no período de outubro a dezembro de 2011.

Entre as companhias mais importantes afetadas pelas graves dificuldades econômicas do país, aparecem a Vale, que perdeu R$ 5,6 bilhões no quarto trimestre, e a Gol, com prejuízo de R$ 447 milhões no período.

O loteamento de cargos levado a cabo pelo governo do PT nas estatais, notadamente na Petrobras, e a má condução da política econômica por Dilma e sua equipe são responsáveis pelos resultados desastrosos das empresas brasileiras.

A realidade vem mostrando os efeitos deletérios para a economia do país do populismo adotado desde Lula e dos equívocos da gestão petista. Infelizmente, quem paga caro por tamanha incompetência são as companhias nacionais.

Morte lenta - MARCELO COUTINHO

O GLOBO - 05/04
Depois de tantos retrocessos desde 2008, parece consolidada a tendência de aumento dos buracos na Tarifa Externa Comum (TEC) e do protecionismo no Mercosul. Pouco a pouco, outros países - China à frente - ocupam um espaço que era nosso.

Por inoperância, o Mercosul vive uma morte lenta. Sem coragem de lançar uma nova agenda regional de liberalização porque isso desmentiria tudo o que sempre acreditaram, os governos "esquerdistas" apenas assistem a decadência do bloco econômico.

Não é a primeira vez que o Mercosul passa por dificuldades. A crise do governo De La Rúa quase acabou com tudo. Não obstante, o bloco voltou a crescer com a alternância de poder generalizada que tomou a região e trouxe ânimo novo àquela época.

Agora a situação parece mais grave não porque a Argentina esteja em bancarrota, e sim por causa da perda da importância relativa desse arranjo regional. Vizinhos latino-americanos inventaram uma aliança do Pacífico com livre comércio que nos exclui. E EUA e União Europeia fecham uma gigantesca área do mesmo tipo da qual também estamos fora. O Ocidente está se movendo como não fazia desde 1941.

As peças do tabuleiro internacional estão se mexendo e o Brasil está parado. A política da "paciência estratégica" envelheceu. É fácil constatar a desorganização econômica da Argentina: inflação alta e crescente. Faltam alguns bens nas prateleiras, e os supermercados começam a retirar valores que orientam os consumidores. Enfim, atraso de duas décadas.

Em nada a paciência estratégia pode agora ajudar a Argentina. Ao contrário. As coisas tendem a piorar até mesmo no Brasil, com o desequilíbrio da sua balança comercial e a importação inflacionária não só do vizinho portenho, mas também da Venezuela. A política comercial brasileira deixou todos menos competitivos no bloco.

Infelizmente, o que seria um erro há alguns anos, agora é a única saída: acabar com a união alfandegária para que possamos fazer nossas próprias negociações no comércio internacional sem precisar que todos os vizinhos concordem. O Brasil enfrenta hoje em dia o que o Rio já sofreu, perdendo no passado suas indústrias, enquanto o Brasil se industrializava. Dessa vez, é o país que perde suas indústrias enquanto os asiáticos crescem aceleradamente. Um deslocamento externo.

A indústria brasileira que mal repõe neste momento perdas de 2012 não altera a tendência de voltarmos a sermos vendedores de produtos primários, com raríssimas exceções. A verdade é que esse período, desde o final do governo Lula, deve entrar para a história como aquele em que perdemos o "diamante" do desenvolvimento.

A cooperação com o nosso maior parceiro regional deve prosseguir. Há muito mais em jogo do que economia. O que está acontecendo no Brasil não é culpa do Mercosul. Mas o bloco tem uma trava que se tornou inconveniente. Temos que melhorar para os vizinhos também melhorarem. Sigamos em frente.

Investimento em Defesa precisa ser perene - LUIZ CARLOS AGUIAR

O GLOBO - 05/04
O cenário geopolítico mundial está mudando e hoje o Brasil participa de forma mais ativa como ator regional e global, aumentando a necessidade de investimentos na defesa e segurança da nação. Somos um povo pacífico, mas ainda sofremos com a violência, o narcotráfico e a exploração ilícita de nossos recursos naturais. O mesmo país que foi escolhido para sediar as próximas edições da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos é também um dos maiores consumidores de drogas do mundo, mesmo sem ser produtor primário dessas substâncias.

Felizmente, dois projetos poderão começar a mudar esta triste realidade: o primeiro satélite geoestacionário brasileiro, para comunicações estratégicas e ampliação do programa nacional de banda larga, e o sistema de monitoramento integrado de fronteiras (Sisfron). Em ambas as iniciativas a indústria brasileira lidera esses projetos em conjunto com parceiros internacionais.

Com uma força de engenharia invejável, nos setores aeroespacial e de defesa, estamos certos de que podemos fazer muito mais. A indústria nacional de Defesa se diversificou e está se consolidando em torno daquilo que mais gosta e sabe fazer: a gestão de projetos complexos de alta tecnologia nos campos aeroespacial e de defesa e segurança. Radares, sistemas de apoio à decisão e de comunicação inteligente, além de veículos aéreos não tripulados, fazem parte das nossas soluções integradas, assim como os aviões militares.

O campo aeronáutico continuará a ser a força motriz do crescimento deste setor e serve como excelente exemplo desse novo ciclo virtuoso. O cargueiro militar KC-390, que será produzido pela Embraer Defesa & Segurança, continua em pleno desenvolvimento e será um vetor importante na arena internacional, estabelecendo um novo conceito de mobilidade, capacidade preconizada na nossa Estratégia Nacional de Defesa.

É importante esclarecer que os benefícios de uma indústria de defesa fortalecida se estendem por todos os segmentos da sociedade civil, ao estimular o desenvolvimento tecnológico, criar produtos de exportação de alto valor agregado e gerar emprego e renda. Para isso, as empresas brasileiras precisam conceber tecnologia e exportá-la para outros mercados. A nona edição da maior feira de defesa da América Latina, que acontece semana que vem, no Riocentro, é uma excelente oportunidade para ver de perto os avanços desta indústria no País.

Nosso DNA de desenvolver tecnologia e transformá-la em produtos, serviços e soluções que servem para o Brasil e para o mundo ocorrerá com a maturação de todos esses projetos. A indústria brasileira realizou com sucesso projetos no ramo aeronáutico militar e já exportou para mais de 40 países em todos os continentes, gerando empregos, divisas, renda e tributos para o Brasil.

Por fim, gostaria de reafirmar a capacidade transformadora que o poder de compra do Estado tem para a indústria que desenvolve tecnologia. No entanto, o investimento nesta área precisa ser perene e, para que isso aconteça, as empresas brasileiras devem buscar a integração competitiva de suas respectivas cadeias de suprimentos e, desta forma, reunir condições de exportar.

Duas visões da "estagflação" de 2012 - ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

Valor Econômico - 05/04

Faz um ano, no relatório de inflação de março, o Banco Central (BC) previa para 2012 alta de 3,5% no Produto Interno Bruto (PIB) e inflação de 4,5% e 4,4% para os cenários de mercado e com taxas de juros e câmbio constantes, respectivamente. As medianas das expectativas de mercado não estavam muito longe disso: 3,2% para o PIB e 5,1% para o IPCA. De fato, em meados do ano o mercado chegou a projetar inflação de apenas 4,8%.

Como se sabe, o ano passado fechou com indicadores bem piores do que esses. Duas leituras bem diferentes tentam explicar por que isso ocorreu. Cada uma delas, por sua vez, leva a distintos prognósticos e recomendações para 2013.

Comecemos pelo PIB. Na visão que se pode chamar de "governamental", mas que também é defendida por analistas de mercado, o PIB cresceu pouco em 2012 devido a quatro fatores principais: a quebra da safra agrícola, por questões climáticas; a contração de 36% na produção de ônibus e caminhões, reflexo de mudanças regulatórias; o ajuste de estoques na indústria, que fez a produção cair, enquanto as vendas iam bem; e a crise internacional, em especial na Europa, que levou à retração dos investimentos.

O risco é que mudanças macroeconômicas necessárias não sejam viáveis com antecipação da disputa eleitoral

De acordo com essa visão, não só a economia foi melhor, na prática, do que sugerem as estatísticas do PIB, como a recuperação em 2013 estaria em certa medida garantida, podendo surpreender positivamente. Assim, a agropecuária deve ir bem este ano, com uma safra recorde; a produção de caminhões e ônibus se recupera e deve ter expansão elevada, em função da base de comparação; o ciclo de ajuste de estoques já está completo, de forma que será preciso produzir para vender; e o pior da crise mundial ficou para trás, apesar de estresses pontuais, como os vividos recentemente em Chipre. Os que defendem esta posição apostam numa alta do PIB de até 4% este ano.

Na visão "alternativa", as causas do fraco desempenho do PIB em 2012 são domésticas, até porque a crise não impediu que outros países na América Latina fossem bem ano passado. Em especial, se avalia que a forte contração do investimento foi causada pelo crescente intervencionismo estatal, com mudanças regulatórias importantes e políticas de controle de preços; e pelo "stop and go" da política cambial, notadamente em relação à entrada do capital estrangeiro no país. Também pesaram a maior tolerância com a inflação, a perda de transparência da política fiscal, e a pressão sobre os bancos privados, que derrubou a alta do crédito ao consumidor, que já se ressentia do elevado endividamento das famílias. Por fim, mas não menos importante, pela dificuldade em deslanchar o investimento governamental e as concessões na infraestrutura.

De acordo com esta visão, esses fatores limitarão a recuperação da economia brasileira em 2013, que deve ser apenas moderada. Em particular, se entende que, com o mercado de trabalho em pleno emprego, será difícil crescer sem que a inflação acelere, de forma que, mesmo que a economia fique mais pujante no curto prazo, em algum momento será necessário reduzir o crescimento para controlar a alta dos preços. Quem se alinha com esta visão projeta crescimento entre 2,5% e 3%.

Algo paradoxalmente, os alinhados com a primeira visão também estão mais otimistas com a inflação, por acreditar que essa só não caiu mais em 2012 por conta do choque de preços agrícolas, em função da seca que derrubou a produção de grãos nos EUA; da forte alta do salário mínimo; e da desvalorização do real. Somando-se à redução dos preços agrícolas, com a supersafra brasileira, uma alta mais moderada do mínimo, um câmbio estável, e a queda das tarifas de eletricidade e dos impostos sobre a cesta básica, o efeito em 2013 seria uma diminuição "natural" da inflação. Não haveria, nesse caso, necessidade de adotar uma política monetária mais contracionista.

A visão "alternativa" enxerga uma inflação que só não superou o teto da meta em 2012 devido a intervenções pontuais, que dão alívio apenas temporário à alta acelerada dos preços, bem caracterizada pela grande proporção de preços que sobem todo mês. Some-se a isso que a "queda" da inflação em 2012 resultou apenas da reponderação do IPCA: com os mesmos pesos para os diversos preços, a inflação em 2012 teria sido igual à de 2011, a despeito do crescimento mais baixo. Além da pressão sobre salários, que se reflete nos preços de serviços, a inflação deve subir com a recomposição das margens na indústria; e o reajuste das tarifas de ônibus em Rio e São Paulo, estáveis em 2012, por conta das eleições municipais. Nesta visão, os juros já deveriam ter subido.

Essa dissonância sobre a economia brasileira deve durar até o início do segundo semestre. Até lá, a política macroeconômica não deve mudar. O grande risco é que, com a antecipação da disputa eleitoral, mudanças que venham então a ser necessárias não sejam mais viáveis politicamente. Se isso ocorrer, os desajustes vão aumentar, antes de serem atacados, a um custo maior, pelo governo que assumir em 2015.

DE CARA NOVA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 05/04

A TV Globo ganhará nova identidade visual a partir do dia 26, quando completa 48 anos. Hans Donner, que criou o logotipo da emissora há 39 anos e estava afastado da missão, retomou o projeto. E há um mês desenvolveu o novo símbolo, que, segundo ele, "será mais clean [limpo], ganhará vida e movimento".

DE CARA NOVA 2
O novo desenho deveria ter sido apresentado junto com o lançamento da programação da Globo, em 27 de março. "Mas não ficou pronto. Achei até melhor. Dará tempo de implantar. É uma mudança da marca que vai da canopla do microfone ao carro, passa pelos papéis, uniformes e todas as inserções no vídeo", diz Donner.

DE CARA NOVA 3
"Durante todos esses anos, o logo da Globo foi castigado porque os computadores interferiram muito na filosofia e na limpeza do símbolo. Cada novo designer queria colocar reflexo, metal etc. Os caras que trabalharam comigo destruíram a marca. Não propositalmente. Mas, de fato, ela piorou. Está na hora de limpar meu filhote e adicionar vida", completa o designer.

SOB NOVA DIREÇÃO
Após problemas de montagem que deixaram algumas galerias furiosas em 2012, a ArtRio renovou seu comitê de gestão, o grupo que decide quais casas participam ou não da feira. O novo time tem Alexandre Gabriel, da Fortes Vilaça, Cecília Tanure, da Gentil Carioca, Greg Lulay, da David Zwirner, Matthew Wood, da Mendes Wood, e Anita Schwartz, da galeria que leva seu nome.

LINA CENTENÁRIA
Uma exposição comemorando o centenário de Lina Bo Bardi, que acontece em 2014, está sendo organizada por Marcelo Ferraz e André Vainer, arquitetos que trabalharam com ela.

A mostra começa em São Paulo, no Sesc Pompeia, projetado por ela, segue para a Galleria Nazionale d'Arte Moderna, em Roma, e termina no Rio, onde deve ocupar o Palácio Gustavo Capanema.

CAFÉ COM LEITE
A atriz Taís Araújo, que está no elenco de "O Dentista Mascarado", série cômica da Globo que estreia hoje à noite, faz brincadeira sobre o fato de atuar ao lado dos humoristas Marcelo Adnet e Leandro Hassum. "Eu sou a base da cadeia alimentar, e eles estão no topo. Tô aprendendo", diz.

BIG BANG DIVINO
A obra sobre física quântica escrita pelo bispo Robson Rodovalho, líder da igreja Sara Nossa Terra, sairá pela editora LeYa, em maio. O título: "A Ciência e a Fé - O Reencontro através da Física Quântica".

Rodovalho já tem 71 livros. O mais recente, "Batalha Espiritual", vendeu dez mil exemplares.

DETALHES DE NÓS DOIS
O Exército de Salvação instituiu 18 de abril como "Dia dos Ex-Namorados" para incentivar as pessoas a doar roupas e objetos que lembrem os "ex".

Campanha publicitária da entidade beneficente que será lançada hoje pela agência WMcCann sugere: "Que pena que acabou. Mas, já que acabou, doe".

O QUE A BAIANA TEM
O baiano Wagner Moura confirmou presença no encerramento do Festival de Teatro de Curitiba, neste domingo. O ator é curador da Mostra Baiana, dentro do evento. Ele assistirá ao primeiro espetáculo infantojuvenil do Bando de Teatro Olodum, "Áfricas".

PIPOCA
Os atores Betty Faria, João Milguel e Neco Vila Lobos e o diretor Cláudio Assis estiveram anteontem na abertura do 39º Festival Sesc Melhores Filmes, no CineSesc. O evento homenageou o diretor Carlos Reichenbach, morto em 2012.

CONTEMPORÂNEOS
A abertura da SP-Arte, anteontem, reuniu os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo (a dupla Os Gêmeos), os galeristas Adriana Mattoso e Chris Van de Weghe e as empresárias Cris Lotaif e Carola Diniz. Fernanda Feitosa, diretora da feira, recebeu os convidados no pavilhão da Bienal.

CURTO-CIRCUITO
A festa Tô Q Tô, com os DJs Zé Pedro, Marcus Preto e Ad Ferrera, acontece hoje, às 23h, na Nostromundo. Classificação: 18 anos.

Marcos Caruso e Erom Cordeiro estreiam "Em Nome do Jogo", às 21h30, no teatro Jaraguá. 14 anos.

A quarta edição da São Paulo Boteco Week começa hoje e vai até o dia 14.

O livro "Ai Weiwei Entrevistado por Hans Ulrich Obrist" será lançado hoje, às 20h, no MIS.

Rapin' Hood faz o show "Sujeito Homem", hoje e amanhã, no auditório Ibirapuera, às 21h. Livre.

Dilma contra a seca - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 05/04

Em Fortaleza, na sexta visita que fez ao Nordeste em dois meses, a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de R$ 9 bilhões contra a estiagem no sertão. O pacote, chamado de "ação nova", mescla, na verdade, a manutenção de benefícios, verbas empenhadas ("dinheiro velho") e recursos carimbados para a região. Do total anunciado, um terço (R$ 3,1 bilhões) é uma estimativa de quanto o governo deixará de arrecadar até 2016 por causa da renegociação da dívida de 700 mil agricultores que perderam a safra por falta d'água. Outros 17% se referem à prorrogação até o fim do ano dos programas Garantia Safra (que paga R$ 155 por mês à família atingida) e do Bolsa Estiagem (R$ 80 por família). Mas, segundo o Ministério da Integração Nacional, parte desse valor iria para o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste: então, o governo renunciou à arrecadação de recursos que, de qualquer forma, seriam destinados à região. Outra parte do pacote - R$ 2,1 bilhões (23%) - financiará a compra de máquinas pesadas para 1.415 cidades, ação do PAC Equipamentos, anunciado em 2012. Um terço desse dinheiro tem sido empregado, desde o ano passado, na aquisição de retroescavadeiras e motoniveladoras.

Dilma atribuiu a não ocorrência de saques nas cidades sertanejas, comuns em períodos de estiagem, a obras (que ela chamou de "estruturais") de combate à seca iniciadas no governo Lula. Por isso, disse ela, "a cara da miséria na região" não foi aprofundada num período com índice pluviométrico 75% abaixo da média. Nas gestões petistas, o governo federal garante ter entregue 250 mil cisternas no semiárido. A providência melhorou, de fato, as duras condições de vida dos sertanejos pobres, mas nem todas as cisternas entregues chegaram a ser instaladas e muitas foram roubadas. O Ministério da Integração Nacional informou ainda que empregou R$ 510,1 milhões na Operação Carro-Pipa, coordenada pelo Exército. Mas, apesar de 4.649 caminhões distribuírem água gratuita, os criadores da região calculam que a maior operação do gênero no País só atende 30% dos necessitados. Os 7 milhões restantes usam suas escassas economias para adquirir água vendida de R$ 120 a R$ 180 a pipa. O sertanejo sofreu menos com a estiagem, mas a "indústria da seca" - exploração das dificuldades em benefício de alguns inescrupulosos - ainda prospera com a miséria.

Desde o Império, as secas periódicas dizimam plantações e rebanhos. Dom Pedro II prometeu vender o último diamante da Coroa para que nunca mais um cearense morresse de fome. E, apesar da precisão das previsões meteorológicas, as dimensões da estiagem surpreenderam o governo, conforme a presidente Dilma reconheceu. Ora, se não bastassem tais recursos tecnológicos, não é de hoje que os meios de comunicação noticiam a ocorrência da maior seca dos últimos 50 anos no semiárido nordestino: a situação começou a se agravar em abril de 2012 - há um ano. Em seis Estados do Nordeste - Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte - só veio a chover, desde então, no dia de São José, 19 de março, considerada a data-limite para a chegada da chuva. Mas isso ocorreu em pontos isolados e não resolve a situação, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A baixa temperatura dos Oceanos Pacífico e Atlântico, que provocou este ciclo trágico de falta de chuvas na região, ainda prejudica a vida de 10 milhões de sertanejos. Graças aos programas sociais do governo federal, eles não morrem mais de fome nem se veem obrigados a migrar para outras regiões, como era corriqueiro no passado. Mas continuam, como antes, perdendo as plantações e suas reses por falta d'água.

Falha na previsão e mau gerenciamento do governo se manifestaram na incapacidade de resolver o problema causado pela escassez de milho, principal alimento do gado, no Nordeste. Tendo a quebra de safra atingido 90%, os criadores sertanejos dependem do milho do Centro-Oeste. A Conab subsidia a compra. Mas os animais morrem de sede, porque não chove, e de fome, porque o milho não chega ao sertão.

Na Justiça, prevalece a monogamia - REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA

O GLOBO - 05/04
Na VI Jornada de Direito Civil realizada no mês passado, no Conselho da Justiça Federal, em Brasília, foram rejeitadas propostas de atribuição de efeitos de direito de família à união paralela ao casamento.

Argumentos supostamente baseados em amor, como se a família brasileira não estivesse sujeita a normas legais, como se o ordenamento jurídico não devesse colocar limites no comportamento humano ou como se a autonomia fosse absoluta nas relações familiares, foram superados com fundamentos efetivamente jurídicos e o indispensável bom senso.

Essa é a interpretação adotada: uma relação paralela a um casamento ou uma união estável não tem efeitos de direito de família e a essa união não podem ser atribuídos os direitos à pensão alimentícia e à partilha de bens com presunção do esforço comum nas aquisições patrimoniais.

Isso porque a Constituição estabelece que a união estável tem natureza monogâmica. As relações concorrentes com casamento, em que não ocorreu a separação de fato, são tidas como concubinato e não como união estável.

Aqui é preciso observar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o enquadramento das uniões homossexuais à união estável não suprimiu a natureza monogâmica desse tipo de relação. Também as uniões homoafetivas somente podem ser tidas como estáveis e produtoras de efeitos de direito de família se forem monogâmicas.

A dignidade não é um conceito próprio de cada um, mas um conceito social daquilo que se considera digno ou não. É evidente que a sociedade não considera digno quem participa de união paralela a um casamento ou a uma união estável. Portanto, a natureza monogâmica das relações de casamento e de união estável também tem apoio na Constituição (artigo 1º, III), pela qual é fundamento a dignidade da pessoa.

Esse é o entendimento do STF, que considera concubinato, sem efeitos de direito de família, a relação de um homem casado com outra mulher, ainda que esta relação dure muitos anos. O Superior Tribunal de Justiça também entende da mesma forma - no sentido de inexistência de efeito jurídico familiar na relação que concorre com o casamento em que não exista separação de fato, independentemente do tempo de duração.

Isso serviu para mostrar a proteção da família. Em síntese, prevaleceram os conceitos consagrados de que a família brasileira está sujeita às normas legais e o ordenamento jurídico deve colocar limites no comportamento das pessoas também no âmbito das relações familiares.

Autoridade só serve para dizer não - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 05/04

Como os seguranças da Kiss poderiam ter ajudado se nunca foram favorecidos por quem usa farda?


NA SEXTA-FEIRA da Paixão, esta herege que vos fala conseguiu manter distância da suculência da picanha só para terminar o dia sucumbindo à tentação de enfiar o pé na lama do show de música no Jockey Club paulista.

Alguém que tenha ido ao Lollapalooza poderia me informar onde foi que eles colocaram os cavalos?

Brandon Flowers de boca em "Mr. Brightside"; Flaming Lips tocando na vizinhança de casa; só sendo muito blasé para colocar defeito numa noite com isso mais Cake e Passion Pit ao alcance da mão.

Mas foi lá, dentro de um camarote onde os bonitos ficam se hidratando de energético e fazendo fila VIP na porta do banheiro (em que também não há água na privada, igualzinho aos banheiros químicos do lado de fora), que a ficha caiu sobre um assunto bem mais sombrio.

Nesta semana, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou oito pessoas pelo incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, tragédia que matou 241 jovens, deixou dezenas de feridos, destruiu a vida de um sem números de famílias e comoveu até o papa Francisco.

Sabemos que o drama poderia ter sido evitado se certas normas tivessem sido observadas e conhecemos a sede por justiça que uma situação absurda dessas, em que vidas de jovens são interrompidas com tamanha violência, desperta.

Daí talvez a quantidade de indiciados e a pressa que levou a denúncia a ser apresentada. Não sei, não, mas pode tanta gente assim ser responsabilizada pelo crime, se crime houve, inclusive o sujeito da banda -que sempre se apresentava usando fogos de artifício e teve um dos membros entre os mortos?

Por que questiono a condução do inquérito ou a forma pela qual assimilamos este caso?

Marcou muito o fato de que os seguranças da Kiss não deixaram os jovens saírem da casa, não é mesmo? Pois chovia durante o show dos Killers no Lollapalooza e eu resolvi assistir à apresentação do terraço do camarote para o qual fui gentilmente convidada.

Em um dado momento, o tempo melhorou e eu desci. Chegando ao pé da escada, encontrei um segurança postado diante de dois tipos que eu conhecia e tentavam subir. "Não", dizia ele. "São ordens, por motivos de segurança". Certo. Ninguém quer repetir Santa Maria ou ser multado. Conhecemos a nata dos fiscais da prefeitura, não é mesmo?

Ofereci ajuda: "Estou indo embora com minha amiga, somos duas, pode deixar entrar dois, a capacidade fica igual, o público só enfeia".

Sujeito não piscou. "Recebi ordens, não é para deixar ninguém subir enquanto não liberar."

Não importa se for recepcionista, porteiro ou leão de chácara. Basta conceder autoridade de qualquer grau a quem sempre sofreu discriminação para que você esbarre em um muro. Camarada não faz por mal ou por prepotência.

Mas ele nunca irá agir para favorecê-lo, para ajudar ou flexibilizar. Pense comigo. Sob a ótica desse indivíduo que está lá uniformizado na sua frente, autoridade serve exclusivamente para castigar, dificultar, proibir ou para ser de alguma forma tremendamente desagradável. Ao menos, na vida dele, foi para isso que sempre serviu. Como é que ele pode conceber que seja diferente?

Como é que os seguranças da Kiss entenderiam que estavam ali para facilitar a vida dos clientes se nunca na vida foram favorecidos por alguém de farda, seja num hospital, numa repartição pública ou muito menos em alguma delegacia?

As florestas no centro das grandes estratégias - WASHINGTON NOVAES

O ESTADÃO - 05/04

É impressionante como boa parte da sociedade e dos meios empresariais - no Brasil e fora daqui - continua a entender que temas como conservação de florestas, biodiversidade e mudanças climáticas nascem da fantasia de "ambientalistas" desocupados e extravagantes. Não levam em conta, na sua visão crítica dos "ambientalistas", os impactos negativos da predação dos ecossistemas, principalmente na área da produção econômica - ainda que sejam cada vez mais frequentes os estudos que alertam para essas consequências.

Quem estiver nessa posição deve prestar atenção às palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, diplomata competente e experimentado, capaz de coordenar a convivência de quase 200 nações, com autoridade sobre departamentos e órgãos científicos, conferências e acordos internacionais. Nas recentes comemorações do Dia Internacional da Água, Ban Ki-moon fez um apelo em favor da redução do desmatamento e da perda de florestas no mundo, pois elas cobrem um terço da superfície do planeta e influem decisivamente em serviços vitais para a sobrevivência humana - fluxos de água, regulação do clima, fertilidade do solo etc. (e esses serviços prestados gratuitamente pela natureza, já foi comentado neste espaço, valeriam três vezes mais que todo o produto bruto mundial se tivessem de ser substituídos por ações e tecnologias humanas).

Segundo o secretário-geral da ONU, 2 bilhões de pessoas dependem de florestas para sua subsistência e sua renda e 750 milhões nelas vivem; ali nasce mais de metade das águas do planeta; nelas está grande parte da diversidade de ecossistemas e metade das espécies terrestres de animais e plantas. Mas além da exploração comercial em busca de madeiras, da derrubada para implantar culturas e pastagens, as florestas sofrem porque 3 bilhões de pessoas ainda usam madeira como combustível. Pelas mesmas razões, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tomou idêntica posição, lembrando ainda que a perda de florestas afeta a segurança alimentar, principalmente das populações mais pobres, já prejudicadas pelo desperdício de mais de 1 bilhão de toneladas anuais de alimentos.

Deveríamos prestar muita atenção a essas palavras, já que o Brasil tem cerca de 500 milhões de hectares de áreas florestais - embora os "verdes" não venham conseguindo discutir na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados a redução, com o projeto do novo Código Florestal, de 58% nas áreas de floresta desmatadas a serem recuperadas, conforme pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Estado, 21/3). Só no Cerrado a expansão das culturas de soja se traduz em 40 mil hectares desmatados ilegalmente (Estado, 13/3). A área a ser recomposta com vegetação cairá de 50 mil para 21 mil hectares em Mato Grosso, no Pará, em Minas Gerais e na Bahia. Não por acaso, a Comissão de Meio Ambiente é presidida pelo maior plantador de soja em Mato Grosso. E o Brasil ainda não ratificou - o governo agora promete para 2014 - as novas exigências da Convenção da Biodiversidade, aprovadas em 2010 em Nagoya, que estabelecem a conservação em 17% das áreas terrestres e 10% das áreas oceânicas.

Também não é casual a revelação de um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul mostrando (Agência Fapesp, 26/3) que o Bioma Pampa - que em certas áreas tem maior diversidade vegetal do que a floresta - já está com 35% de sua superfície ocupada por florestas plantadas de eucaliptos e pinus. Como não é acaso que o desmatamento ilegal na Amazônia, entre agosto de 2012 e fevereiro último, tenha sido de 1.351 quilômetros quadrados, 91% mais que em igual período anterior (Estado, 13/3), segundo o instituto Imazon - mesmo que nesse período 72% da área estivesse encoberta por nuvens e não pudesse ser avaliada com precisão. De acordo com esse instituto, entre 2001 e 2010 a degradação subsequente das áreas florestais atingiu 30% da área desmatada.

Estudo da Academia de Ciências dos EUA, que analisou 292 áreas protegidas no Brasil, mostrou há pouco, mais uma vez, que entre todos os modelos de proteção florestal as áreas indígenas e os parques nacionais são os mais eficazes, melhores que os chamados projetos de "exploração sustentável". Ainda assim, o Serviço Florestal Brasileiro acaba de homologar a concessão de mais duas áreas florestais públicas para esse tipo de "exploração sustentável" por empresas (o autor destas linhas conhece diretamente algumas dessas áreas; numa delas, considerada "exemplar", a empresa foi multada depois pelo Ibama por retirar sete vezes mais madeira do que estava autorizada). Mas alimenta esperanças o acordo da Associação Brasileira de Supermercados de não trabalhar com carnes provenientes de áreas desmatadas.

A agropecuária deveria prestar muita atenção a todas as informações dessa área, uma vez que o desmatamento tem relação direta com mudanças do clima. Um estudo da Global Change Biology mostrou há pouco que na França cresce de ano para ano o impacto do aumento da temperatura sobre o milho, e que ele se vai multiplicar. Na Bahia (Estado, 17/3) a seca de 2012 levou à perda de R$ 1 bilhão na safra de grãos. E um estudo do governo norte-americano demonstrou que o clima mais quente já tem reduzido nas últimas seis décadas em 10% a capacidade dos trabalhadores de resistirem a temperaturas mais altas - e isso pode dobrar até 2050. Não é por acaso, assim, que mudanças climáticas tenham entrado até na estratégia dos órgãos que planejam a segurança dos EUA. A China já vai introduzir uma taxa sobre o carbono emitido por empresas do país. Os EUA já a discutem no Congresso.

Curiosamente, é o Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta uma das raízes do problema: um dos fatores mais fortes na geração de poluentes e de mudanças do clima está nos subsídios que quase todos os países concedem ao consumo de petróleo e seus derivados.

A midia na democracia - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 05/04
A mídia na democracia - em princípio e na prática, os meios de comunicação - deve, obviamente, obedecer às leis do país, desde, é claro, que algumas das leis não existam principalmente para proteger políticos e governos da vigilância que os meios de comunicação exercem em nome da sociedade. É necessária, obviamente, a premissa de que o façam com isenção e espírito público

O que nem sempre acontece - um problema que pode e deve ser enfrentado por recursos judiciários e, pelos cidadãos mais espertos, ao menos pelo desprezo. Assim acontece nos regimes democráticos mais eficientes.

Com os defeitos que possa apresentar - e que estão presentes na democracias mais eficientes -, governos e políticos têm recurso a leis que protegem os cidadãos da má imprensa. O que inclui a calúnia, a difamação e o escândalo sensacionalista.

No Brasil, temos de tudo: a mídia séria e responsável - que, é bom não esquecer, faz parte indispensável do regime democrático - e também meios de comunicação que exploram o sensacionalismo e a difamação.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, propõe-se a enfrentar o problema, com o estabelecimento de um novo sistema de regulação dos meios de comunicação. Regulação é um termo vago. Cuida principalmente do direito de resposta - que é óbvio e já existente à disposição de qualquer cidadão, principalmente políticos e ocupantes de cargos públicos. E também inclui, legitimamente, processos na Justiça.

Até aí, tudo bem. Mais não é preciso. Mas acontece que setores do PT querem ir adiante: propõem um chamado marco regulatório - expressão vaga, que na prática significa uma mal disfarçada forma de censura à imprensa. Em outras palavras, seria a substituição do direito de resposta pelo direito de impedir a publicação de qualquer texto contendo críticas ou denúncias contra políticos.

Isso não existe em regimes democráticos. As leis brasileiras protegem os cidadãos contra calúnias e injúrias, segundo as normas óbvias do sistema político ao qual todos devemos obediência. E o ministro da Justiça propõe nova legislação regulamentando o direito de resposta,

Na tramitação de um projeto a respeito, os críticos da liberdade de imprensa tal como existe hoje - e que certamente não merece restrições - certamente lutarão por medidas mais severas. Esperemos que não ofendam - certamente involuntariamente - o regime democrático.

Bancadas temáticas - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 05/04

SÃO PAULO - A menos que haja uma revolução, nenhum de nós verá em vida uma grande reforma política. A razão é simples: os políticos, a quem caberia aprovar mudanças, são beneficiários do atual sistema, o que torna improváveis alterações profundas nas regras do jogo.

O caso Feliciano, porém, inspira especulações. O pastor insiste em enfrentar os protestos para manter-se à frente da comissão por julgar que isso lhe dará visibilidade e votos. De fato, a eleição de religiosos e representantes de grupos profissionais ou temáticos é enormemente facilitada pelo sistema de votação nominal, proporcional de âmbito estadual. É só mobilizar fiéis ou simpatizantes espalhados em várias cidades e, como os sufrágios são somados, não fica tão difícil atingir o número necessário para sagrar-se deputado.

A situação seria diferente se tivéssemos o voto distrital. Nesse cenário, não é suficiente colecionar escrutínios em nichos dispersos; é preciso ser o candidato majoritário em cada uma das microrregiões (distritos) em que os Estados seriam divididos.

Os efeitos da mudança não seriam triviais. Ficaria mais difícil formar bancadas temáticas. Evangélicos e sindicalistas perderiam força, mas também grupos com objetivos mais republicanos, como as frentes parlamentares da saúde e da educação.

Na verdade, o sistema distrital favoreceria candidatos mais aptos a conquistar maiorias. Os deputados ficariam mais parecidos entre si, o que, em que pese a perda de diversidade, ajudaria na formação de consensos. Ademais, como maiorias no Brasil tendem a ser forjadas por meio de projetos paroquiais, teríamos um Congresso mais clientelista.

Mesmo cético em relação à possibilidade de reforma, tenho cada vez mais simpatia pelo voto distrital. O argumento que me fez balançar é que ele diminuiria o fosso entre representantes e representados. O eleitor sempre saberia quem é o seu deputado e estaria mais apto a cobrá-lo.

A Cidade Eterna - JOÃO MELLÃO NETO

O ESTADÃO - 05/04

No domingo, como venho fazendo há, no mínimo, dois anos, compareci à missa. Curiosamente, adquiri esse hábito, em parte, por influência de minha mulher e também por causa de uma grande graça recebida. Hoje em dia vou à missa espontaneamente. Se não tiver um motivo específico, vou simplesmente agradecer a Deus o milagre da vida. E o fato de estar incluído nele.

Na paróquia que frequento há um sacerdote com o dom da palavra. E ele sempre nos comove com as suas bênçãos. Trata-se do padre Alexandro, um mexicano que desembarcou por aqui trazendo consigo a fé e a esperança. Mas o que mais me atrai nessa paróquia é o alto grau de confiança de seus fiéis. Procuro não me manifestar em demasia para poder ouvir a opinião dos demais. O depoimento mais sábio que deles ouvi foi o de um rapaz aparentando meia-idade que justificava sua fé plena no cristianismo valendo-se de um único grande argumento: a Igreja Católica venceu o teste do tempo. Em mais de 2 mil anos não foram poucos os desafios que enfrentou: falsos profetas, "bezerros de ouro", demônios os mais diversos. Não obstante, logrou manter-se de pé. O que, neste mundo de Deus, tem resistido a tantas e tamanhas provas? Tudo no mundo passa: os muros desmoronam, as modas se desvanecem, os impérios viram pó. Só a palavra de Deus permanece. Não seria isso o suficiente para nela acreditar?

A melhor e mais sutil definição do cristianismo nos chegou de Tertuliano, que foi advogado em Cartago. Experimentado esgrimista das palavras, mais que ninguém ele sabia fazer passar o falso pelo verdadeiro e o verdadeiro por falso. Não obstante essa habilidade, quando lhe coube decifrar a fé cristã, saiu-se com o argumento: "Eu creio, creio, sim. Creio porque é absurdo!"

O que teria Tertuliano querido dizer com tal jogo de palavras? Muitas são as possíveis interpretações. A mais provável é a seguinte: a vinda de Jesus à Terra reveste-se de mistérios de que até hoje ninguém arrisca uma interpretação. Ele tinha poderes para se evadir da cruz, no entanto se prontificou a enfrentá-la, com todo o suplício que lhe traria. Por que um descendente do rei David se disporia a nascer numa manjedoura na companhia de diversos animais? Todas essas dúvidas se dissiparam nas brumas do tempo. Mais de 2 mil anos se passaram para que tal ocorresse.

O que foi feito de Pedro, André, Felipe e Bartolomeu? Foram barbaramente executados. E de Mateus, Matias, Tomé e Tiago? Tiveram o mesmo fim. E São Judas Tadeu? Foi crucificado, como todos. São Pedro, executado de ponta-cabeça, tornou-se o patriarca da nova igreja. Percebe-se que a história da Igreja Católica teve mártires em abundância. Todos contribuíram com sua crença e a regaram com seu sangue. Ao final retiraram-se todos para as catacumbas e lá pereceram em razão de sua fé.

Não é à toa que Roma tem tantas e tão variadas igrejas. Aliás, o sentido original da palavra igreja é eclesia, que significa congregação de fiéis. Depois que a perseguição aos cristãos arrefeceu se descobriram muitos e muitos templos, a ponto de o Vaticano nem sequer ser capaz de mantê-los. A história da Igreja é indissoluvelmente ligada à de suas vítimas. A ponto de muitas delas terem sido vendidas como relíquias às cidades que não as possuíam. É o caso, por exemplo, de Nápoles, que requisitou a Roma uma santa e a recebeu de bom grado. Um grande problema da Itália, por sinal, é o que fazer de seus templos. Calcula-se que haja, no mínimo, dois templos para cada mecenas que se disponha a adotá-los.

Na Roma onde imperava Nero não havia nada disso, a ponto de ele próprio ter ordenado a execução na cruz de milhares de desafetos. E o fez na famosa Via Ápia, uma das principais artérias romanas. A cidade tinha outros locais de execução. O mais famoso (que tive a oportunidade de conhecer) era a Rocha Tarpeia, de onde eram lançados os supostos inimigos do Império. Em suas famosas prédicas antidemocráticas, Mussolini sempre cuidava de alertar o povo: "Acautelai-vos, meus pares. A Rocha Tarpeia encontra-se a poucos metros do Senado romano!"

A Catedral de São Pedro foi erguida muito tempo depois, por volta de 1500. Tamanho foi o custo das obras que seus patrocinadores, os príncipes germânicos, romperam com Roma e passaram a não lhe dedicar mais nenhum centavo. Esse foi o custo para os católicos, a Reforma protestante - decisiva para o desenvolvimento econômico das nações do norte europeu. Se alguém tiver interesse em saber que obras foram essas, basta visitar a catedral, no Vaticano. A suntuosidade das obras ali expostas é autoexplicativa: tudo é de mármore, o mais refinado, as estátuas são perfeitas. Agora se descobriu que tais estátuas originalmente estavam vestidas com roupas. As roupas se desfizeram com o tempo, as estátuas, obviamente, não. E ali estão elas para relembrar um passado de extrema glória da Roma clássica.

Tudo, claramente, foi construído para exaltar as glórias de Roma e também para mostrar ao mundo quão insignificante é o ser humano perante Deus. A Catedral de São Pedro representou o ápice da Igreja Católica. Nunca mais se fez uma obra de tal vulto - e não havia sequer mais condições de fazê-lo. A Cidade Eterna hoje é composta, em grande parte, de ruínas. Não há mais vestígios daqueles que entregaram a própria vida em nome da fé que tão ardentemente professaram.

No caso de Roma, a profecia histórica novamente se cumpriu. Reza ela que um povo começa a desfibrar-se muitos anos antes de sua derrocada final. Isso se dá quando suas virtudes - ao menos aquelas que o fizeram grande - são abandonadas a troco do deleite e de seu desfrute. Seus cidadãos passam a acreditar que nenhum sobre-esforço vale mais a pena e que ninguém, sob a luz do Sol, poderá desafiá-los. É assim que todos, invariavelmente, desmoronam. A conclusão é a mesma para todos: não existem povos eleitos, o que existe são povos que, eventualmente, se elegem.

A paranoia do controle absoluto - RASHEED ABOU-ALSAMH

FOLHA DE SP - 05/04

Apesar de ter morado por vinte anos na Arábia Saudita, não contenho meu espanto quando alguma agência reguladora saudita divulga uma intenção desastrosa de querer tentar controlar mais um meio de comunicação. A internet no reino conservador é uma das mais controladas e vigiadas do mundo, junto com a internet na China, pelo fato que toda ela é filtrada pelo governo através de um centro de servidores proxy em Riad. Toda e qualquer comunicação pela internet passa por ela — chamada de Cidade de Ciência e Tecnologia do Rei Abdulaziz — com centenas de milhares de sites pornográficos, políticos, e religiosos filtrados e bloqueados por não aderir aos conceitos conservadores do governo. A chegada da rede no reino foi até atrasada por causa dessa ânsia de querer controlar tudo que os usuários poderiam acessar. Por isso, a página com o aviso “Acesso Negado” virou parte do cotidiano de qualquer pessoa que mora lá.

Agora o governo saudita está pondo na mira os aplicativos de comunicação que usam a internet para funcionar, como o Skype, o WhatsApp e o Viber. A reguladora de comunicações, a Comissão de Comunicações e Tecnologia de Informação (CCTI), anunciou no dia 24 de março que as operadoras desses serviços tinham uma semana para se adequar as regulações sauditas. O que isso quer dizer, na verdade, é que o governo quer ter acesso a essas comunicações criptografadas.

Parece ser uma reprise da mesma demanda que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes fizeram à Blackberry em 2010, quando exigiram acesso aos servidores do serviço de mensagens instantâneas da Blackberry, ostensivamente para poder monitorar as comunicações de terroristas nos seus países. Isso virou uma gigante quebra de braço entre a Blackberry e esses dois governos, que somente foi resolvido quando a Blackberry aceitou — com muita relutância — instalar servidores no Golfo, e deixar esses governos bisbilhotarem os milhares de mensagens mandados por donos de celulares Blackberry.

Mas o auge da popularidade da Blackberry já passou no mundo inteiro, inclusive no Oriente Médio, e outros aplicativos de mensagens instantâneas surgiram e estão fazendo sucesso. O Skype e o Viber usam a internet para transmitir gratuitamente comunicações de voz, uma coisa que tem aborrecido muito as empresas de comunicação estatais dos países do Golfo, que se ressentem da perda de rendimentos. Até hoje o Skype continua bloqueado nos Emirados Árabes, uma coisa absurda. Felizmente, o Skype não é bloqueado na Arábia Saudita ou no Bahrein.

Ainda lembro das contas de telefone fixo gigantescas que eu acumulei ligando para meus amigos nos EUA quando me mudei para trabalhar na Arábia Saudita, no fim de 1987. Não tinha internet ainda, e os únicos meios de comunicação eram escrever cartas ou telefonar, usando serviços das estatais de telecomunicações, que cobravam um braço e uma perna para ligar de um país para outro. Eu rapidamente fiz vários amigos locais, e parei de ligar para os EUA, mas se fosse hoje em dia eu não teria problema nenhum em falar diariamente, e de graça, com amigos em outros países usando o Viber ou o Skype.

Sauditas e estrangeiros no país reagiram rapidamente, dizendo que seria desastroso se o governo saudita bloqueasse o Skype e o Viber, apontando que eles usam esses serviços diariamente para falar com familiares no estrangeiro, e que, se fossem forçados a voltar a usar os serviços de telefonia paga, iam falar com seus entes queridos somente uma vez ao mês.

Dias depois, para adicionar insulto à injúria, o diário “Arab News” publicou na primeira página uma matéria, citando uma fonte anônima da CCTI, dizendo que o governo saudita estava pensando em exigir que cada usuário do Twitter no reino se registrasse com o governo. Como isso seria feito na prática, em termos tecnológicos, não foi explicado. É talvez irônico que a Arábia Saudita tenha o maior número de usuários do Twitter no Oriente Médio, e que o príncipe saudita Alwaleed bin Talal possua uma participação de mais de 3% no Twitter desde o final de 2011, comprada por US$ 300 milhões.

Para o dissidente saudita Ali Al-Ahmed, que mora em Washington onde dirige o centro de estudos Gulf Institute, essas medidas não são surpreendentes, dado o fato que o governo saudita se sente ameaçado pelas mudanças radicais ocorridas no Egito e Líbia, causadas pelos levantes da Primavera Árabe. “Mesmo se eles conseguem bloquear esses programas, o povo vai achar outro meio de se comunicar”, ele me disse numa entrevista. Com o crescimento do desemprego e da pobreza entre os sauditas, Ahmed acha que fechar todos os meios de comunicação seria um erro do governo. “Se eles não deixam espaços para as pessoas se expressarem, o muro vai despencar”, alertou.

Restringir comunicações sempre será uma tarefa ingrata para qualquer governo, e com a internet sempre há meios de burlar essas tentativas de bloqueio. Em vez de espionar e restringir seus próprios cidadãos, os dirigentes sauditas fariam melhor se começassem um diálogo franco e aberto com a população para saber dos seus anseios e necessidades. Tentar controlar demais sempre sai pela culatra, e prejudica o país inteiro, dirigentes e cidadãos.