domingo, março 10, 2013

Dois mulatos - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 10/03

O pranto de Marighella e as queixas de Dolores Duran


Lendo a biografia de Dolores Duran, escrita por Rodrigo Faour, revivi toda a minha frustração por não ter podido encontrar essa cantora e compositora excepcional quando de minha vinda para o Rio com Bethânia. Dolores tinha morrido, aos 29 anos, cinco anos antes de eu chegar aqui com minha irmã. Na noite do dia em que ela morreu, eu e Chico Motta, meu melhor amigo de infância e adolescência (e irmão para sempre), fizemos uma homenagem à sua memória: percorremos as ruas de Santo Amaro na madrugada, em silêncio, tendo inclusive nos separado, cada um para sua casa quando chegamos à esquina mais próxima das duas, sem dizer nem “té manhã”. O fato é que estávamos profundamente comovidos com a notícia sobre aquela mulher que tinha cantado “Não se avexe não” e escrito “Por causa de você”.

Chico sabia que eu a tinha visto em carne e osso, no auditório da Rádio Nacional, três anos antes. Mas quando isso se deu eu tinha 13 anos: admirava a cantora e sentia simpatia extrema pela pessoa, apenas já quase sabia que a amaria tanto. Seja como for, a figura vital e engraçada que surge da pesquisa de Faour não me surpreende: a “fossa” dos sambas-canções era uma exigência, por assim dizer, natural; a letra de “Estrada do Sol” representava o mais radical contraste com essa exigência; “Por causa de você” é exceção pioneira de canção de amor otimista em português; o canto cômico dos baiões de Chico Anysio e dos sambas de Billy Blanco — assim como a voz heterônima das canções americanas que ela gravou — provinha de uma alma amante da vida.

Uma cena me emocionou de forma única na narrativa (sempre em tom quase exageradamente informal) de Faour: a presença de Dolores numa palestra de Marighella em reunião organizada por Jorge Goulart e Nora Ney. Esse casal — de quem tive a sorte de me fazer amigo nos anos que se seguiram à explosão de Bethânia no cenário nacional, amizade que perdurou até minha prisão e exílio em 1968/69 — era comunista e atuava no ambiente de músicos e artistas como divulgadores e propagandistas do projeto do socialismo mundial. Dolores era simpatizante da causa. Por essa razão (e por seus dotes vocais e cênicos) foi convidada a unir-se ao grupo de músicos brasileiros que iriam (inclusive por interesse do presidente JK) se apresentar na União Soviética.

Imagino essa sala na Zona Sul do Rio em que os dois mulatos coincidiram. Já contei aqui que Marighella chorou copiosamente ao tomar conhecimento dos horrores do stalinismo, mas, como se sabe, ele nunca abandonou o sonho comunista e terminou morrendo por ele. Dolores (que, tal como ele, na época nem tinha sua condição de mulata como informação que viesse pegada a seu nome) não era ligada diretamente ao Partidão. Voltou da União Soviética indignada com o que viu. E era a URSS de Kruschev. Um texto de Jorge Goulart defendeu o mundo comunista das acusações de Dolores. E no depoimento que dá a Faour critica branda mas maliciosamente Dolores: diz que ela reagiu mal à experiência russa por preferir beber na embaixada americana a fazer os passeios e visitas propostos pelos organizadores soviéticos. As entrevistas de Dolores publicadas à época soam um tanto irresponsáveis. A má vontade com o que viu pode confirmar algo daquilo que Goulart insinua: que ela, identificada com o mundo decadente do Ocidente capitalista, ouviu a versão corrente na embaixada dos Estados Unidos. A acusação que vem velada na fala de Goulart, mas tem semelhança com o que esquerdistas de então e de hoje dizem de críticos e dissidentes de países socialistas. Segundo Faour, Paulo Moura (que também voltou da Rússia antes do previsto) compartilhava do desconforto de Dolores.

Imagino essa moça talentosa e boêmia, aos 27 anos, vendo a vida acinzentada do socialismo do Leste europeu. Orgulho-me de que ela tenha sido desabrida ao expor sua decepção na volta. Mas sempre vejo a complexidade de situações como essa. Os membros do Conjunto Farroupilha dizem que adoraram tudo na URSS e que Dolores estava fora de sintonia. Nora Ney nunca mais foi sua amiga. O socialismo jamais desaparecerá do horizonte: lutamos com o mundo pela justiça e pela grandeza. Mas o pranto de Marighella e as queixas de Dolores continuam tendo muito a dizer. Dolores, uma das maiores artistas que temos tido. Uma suburbana carioca descendente de nordestinos semi-iletrados que exibiu de modo exuberante a potência criativa deste país. Quando penso nesse conjunto de coisas, em Dolores e Marighella na mesma sala, em Nora e Jorge versus Paulo Moura, sinto o quanto o Brasil tem que fazer. Capto a energia de uma reviravolta suave ou brusca mas imensa que devemos cobrar deste país.


Diga-me o que veneras - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 10/03

Talvez isso diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que ainda não conseguimos vencer

Venerar: prestar culto, adorar. Respeitar ou admirar muito. Reverenciar. Isso segundo os dicionários, pois eu ainda acrescentaria: ficar com os quatro pneus arriados, perder o senso, surtar. Pois é, tenho pensado nesse verbo venerar e descoberto coisas.

O que você venera? Refiro-me a algo que você idolatra íntima e secretamente, algo que lhe parece inatingível – ao menos você supõe que é inatingível. Não estou falando de se aproximar de ídolos ou visitar lugares paradisíacos, e sim das suas carências de infância: o que você venera e que nunca possuiu, e, por não possuir, acabou tornando-se refém?

O que você venera é seu ponto fraco.

Digamos que você venere a inteligência e a cultura. Foi criado sem acesso a cursos, livros e cinema, e acabou desenvolvendo uma fissura por tudo o que pareça intelectualizado num grau acadêmico que você nunca sonhou roçar. Fica pasmo diante de qualquer pessoa que fale sobre o que você não conhece, extasia-se diante de tanta erudição, que talvez nem seja tanta assim, mas que você vê como imensa. Olhe para si mesmo: tão aparentemente seguro, mas embasbacado diante de qualquer um que saiba meia-dúzia de palavras em latim ou que lembre quem ganhou o Oscar em 1972.

Digamos que você venere a beleza. Foi o patinho feio da escola, desde cedo compreendeu que não ganharia nem o título de miss simpatia, e foi o que bastou para dar pane no cérebro: diante de um belo espécime, cai de joelhos. De que adianta tanta leitura, tanto estudo, tamanho acervo de conhecimento? Basta um par de olhos verdes piscantes em sua direção e seu QI cai a níveis subterrâneos.

Digamos que você venere a segurança, já que nunca teve certeza de que seu pai voltaria para casa ao fim do dia e de que sua mãe não fugiria com o vizinho. Basta que alguém tenha um cargo de poder, opiniões bem sedimentadas e um endereço fixo para que você o adote como pai ou mãe substitutos. Enfim, uma muleta que o sustente. A pessoa eleita sabe como conduzir o dia, articula claramente as ideias, reage bem a imprevistos. Você funda uma religião: ele ou ela é agora seu Deus, e você será um eterno discípulo.

Digamos que você venere o dinheiro: sempre teve que implorar por trocados, nunca teve o suficiente para seus sonhos, considerava-se o mais pobre da turma, aquele que os professores, insensíveis, delatavam na frente da classe como o aluno com a mensalidade da escola atrasada. Basta saber que a parceira de escritório passa as férias em Fort Lauderdale ou que o companheiro de bar tem um carro que vale um iate, e seu conceito de “amizade de infância” se expande a uma velocidade surpreendente.

O que você venera? Seja o que for, preste atenção. Talvez diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que cada um de nós, disfarçadamente, ainda não conseguiu vencer.


Seremos todos telefones - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 10/03

No futuro próximo, os recém-nascidos, ainda na maternidade, terão vários chips implantados no cérebro e serão conectados antes de aprenderem a falar, talvez numa rede social especializada


Esse negócio de Google tirou a graça de muitas coisas. E dificultou a vida dos que mourejam nas letras, obrigados por profissão e ganha-pão a escrever com regularidade, fazendo o que podem para atrair o interesse de leitores e mostrar serviço, pois bem sabem que a mão que afaga é a mesma que apedreja e o quem-te-viu-quem-te-vê será o destino inglório daqueles que dormirem no ponto. Antes do Google, o esforçado cronista recorria a almanaques e enciclopédias e deles, laboriosamente, extraía novidades para motivar ou adornar seu texto. Agora todo mundo pode fazer isso num par de cliques. Além do mais, o cronista podia também exibir-se um pouco, o que talvez trouxesse algum benefício ao combalido Narciso que carrega n’alma, além de realçar-lhe a reputação. Somente alguns poucos, entre os quais ele, tinha tal ou qual informação, ou lembrava certos pormenores, em relação ao assunto comentado. O Google acabou com isso e quem hoje em dia chegar ao extremo de escrever algo do tipo “você sabia?” se arrisca a desmoralização instantânea.

Mesmo consciente desses perigos, ouso dizer que a maior parte de vocês não sabia que hoje é o dia do telefone. Eu por acaso sabia e me lembrei assim que vi a data no calendário. E também já sabia de uma porção de coisas adicionais, inúteis mas talvez vistosas. Tudo isso, juro que é verdade, sem recorrer ao Google. Faz mais tempo que eu gostaria de admitir, escrevi um trabalho escolar sobre Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, e não me esqueci de fatos importantíssimos. Para começar, Bell não era americano, como geralmente se pensa; era escocês. E, se vocês pasmaram com esta, pasmem com a próxima: nos primeiros telefones, não se falava e escutava ao mesmo tempo, era como nos walkie-talkies dos filmes de guerra americanos e os interlocutores tinham que dizer “câmbio”, ao terminarem cada fala.

E, sim, D. Pedro II garantiu o papel do Brasil no sucesso da invenção. Os historiadores americanos lembram como Sua Majestade, durante uma feira internacional em Filadélfia, ficou estupefato com o novo aparelho e exclamou: “Meu Deus, isto fala!” Parece que ele botou mais fé na novidade que os americanos, porque o presidente americano Rutherford B. Hayes declarou mais tarde que se tratava de um aparelho interessante, mas sem nenhuma utilidade. D. Pedro ganhou um e as centrais telefônicas começaram a se instalar no Brasil, notadamente no Rio de Janeiro e, segundo eu li, tinham o hábito de pegar fogo com grande frequência. O coronel Ubaldo, meu avô, como vários de seus contemporâneos, na hora de falar no telefone, botava o paletó e passava a mão na careca, parecendo ajeitar uma cabeleira invisível e, depois que contaram a ele que funcionava com eletricidade, acho que nunca mais tocou em nenhum.

E mais sensacionais revelações eu teria a fazer, mas suspeito que todas podem ser achadas no Google, para quem for suficientemente obsedado. O que não se acha no Google são minhas memórias pessoais em relação ao telefone. A primeira lembrança é o telefone lá de casa, quando morávamos em Aracaju. Se não me engano, o número era 631 e o aparelho ocupava um espaço solene, no corredor de entrada. Recordo as duas enormes baterias, com o formato de pilhas de lanterna, mas muito maiores. Pegava-se o fone, rodava-se a manivela e falava-se com a telefonista, para pedir a ligação. Nessa época, Salvador já tinha telefones automáticos, parecidos com os que a gente via no cinema e com um número enorme. O da casa de meu tio Cecéu, por exemplo, era 8521 e eu causava grande inveja em meus colegas de Aracaju, quando dizia que meu telefone em Salvador tinha esse numerozão — e sem telefonista.

Já as ligações interurbanas eram um problema, mesmo em Salvador ou qualquer outra cidade. Nem sempre se conseguia e o telefonema tinha que ser programado com muita antecedência. Às vezes, esperava-se o dia inteiro pela ligação. Quando a conversa se iniciava, as vozes se perdiam numa fanfarra de zumbidos, estalos, pequenos estampidos e ruídos de toda espécie, em que os telefonadores se esgoelavam em gritos altos e palavras repetidas aos berros. Era inevitável a suspeita, em alguns casos convicção, de que seria mais eficaz chegar à janela e soltar esses berros na direção da cidade para onde se telefonava, levando o papo diretamente no gogó, sem precisar de nenhum aparelho.

Pois é, nada como um dia depois do outro. Ainda passei por mentiroso, quando, regressado ao Brasil depois de uma longa temporada nos Estados Unidos, contei que o sujeito em Los Angeles discava diretamente para Nova York, na outra ponta do país, a ligação se completava como se fosse local e se ouvia perfeitamente a voz do lado de lá. Estabelecia-se um silêncio constrangido entre os ouvintes e não eram raros comentários elogiando minha fértil imaginação de romancista. O curioso é que lá eu também passava pela mesma situação, quando contava que, no Brasil, havia gente que esperava a instalação de um telefone durante décadas e as linhas eram valorizadas como excelente investimento e deixadas como herança.

Por fim, chegaram os celulares e tabletes. Tem gente que não larga o celular nem no chuveiro e dizem que já é até um acessório sexual indispensável para muitos. Creio que, no futuro próximo, os recém-nascidos, ainda na maternidade, terão vários chips implantados no cérebro e serão conectados antes de aprenderem a falar, talvez numa rede social especializada. Um chip, secretamente instalado no celular do cônjuge infiel, mostrará à parte corneada o endereço exato do motel onde o (a) sem-vergonha prevarica. Um aplicativo ora sendo aperfeiçoado saberá, por sutis alterações na voz, quando quem fala está mentindo. Realiza-se o sonho de não passarmos de uma colmeia toda interligada, em que não haverá vida privada. Feliz dia do telefone para todos.

Chávez não morreu - AGAMENON

O GLOBO - 10/03

Todos choram na Vila com a inesperada e repentina morte do ditador e comediante Chávez: Seu Madruga, Chiquinha, Quico, Dona Florinda, Professor Girafales e, principalmente, o Seu Barriga que, coitado, nunca mais vai receber o aluguel! O caricato militar venezuelano, como bom milico, bateu as suas lustradas botas depois de uma longa batalha contra o câncer que, mesmo sendo brabo, não era tão maligno como ele. Durante muito tempo, os médicos cubanos garantiram que um dia ele ia ficar bom. Mas quem conheceu o meu amigo Chávez sabia que bom, bom mesmo, ele não ia ser nunca.

Enlutado, o povo venezuelano se vestiu de vermelho e foi às ruas para enterrar o seu Pai dos Pobres e eu, é claro, também estava lá em Caraaaca!, com minhas lágrimas de crocodilo, para dar o último adeus ao espirituoso e autoritário populista latino americano. Todos os ortopedistas e fisioterapeutas que acompanham a minha coluna sabem que eu, Agamenon Mendes Pedreira, privei da intimidade de Hugo Boss Chávez de quem, fui amigo, confidente, seguidor e chantagista secreto.

Chávez era um homem polêmico: odiado pelos neoliberais de direita, temido pelos opositores porém, mais do que tudo, amado pelos puxa-sacos que, de tanto puxarem o escroto (o órgão, não o ditador), acabaram provocando um tumor na região pélvica do folclórico comandante bolivariano. Gostaram desta “sacada”?

Assim como neoliberalismo na década de 90, o neopopulismo está bombando na América Latina, o Continente Perdido. Grandes estadistas cucarachas estão no comando da América do Sul que marcha a passos largos na direção do século 19 : Dilma Inácio Roskoff da Silva , Hugo Chaves y Chapolin, Cretina Kirchner, Ovo Morales, Rafael Carreira, Ollanta Humala Sem Alça e outros geniais estadistas de esquerda estão provando às grandes potências mundiais que é possível construir uma sociedade mais justa, acabar com a pobreza e criar um mundo melhor. Mas não aqui. De repente em outro continente, na Nova Zelândia quem sabe.

Chávez e eu éramos unha e carne. Unha de um na carne do outro. Nos momentos de lazer, praticávamos juntos à arqueologia e necrofilia bolivariana. Ao seu lado, ajudei o ex-ditador vitalício a exumar o cadáver do Libertador da Avenida das Américas, Simão Bolívar. Na intenção de descolar “um qualquer” num brechó da Praça XV tentei, depois de abrir o caixão de Bolívar, levar, na mão grande, a espada daquele famoso personagem histórico. Mas não adiantou nada porque o objeto cortante de duplo sentido já se encontrava em adiantado estado de decomposição.

Penalizado com a minha vida miserável de jornalista, Chávez resolveu me nomear presidente da PEDEVERGA, a estatal bolivariana que se dedica à exploração de vibradores em buracos profundos. Infelizmente, não me adaptei às condições insalubres e dolorosas daquela sinecura venezuelana e pedi demissão .Mesmo assim, Hugo Chávez, sempre um bom camarada, resolveu me nomear Embaixador da Venezuela em Cuba. Ingrato reclamei com o estadista: “Porra, Chávez ? Em Cuba? Tu não tem um lugar melhor?”. Generoso, Chávez exclamou: “Tens razão, Agamenon! Vou te mandar à m*#!!*erda!”

Para quem não conheceu o ditador de perto, posso afirmar que Chávez também era um bom companheiro de farras. Uma vez, no Palácio de Miraflores em Caraaaaaca!, eu, ele e a Isaura, a minha patroa, enchemos a cara de uca e começamos, os três, uma bacanal boliviarina. No meio daquela orgia pornográfica onde ninguém era de ninguém, acabei rompendo com o ditador machão que nunca me perdoou por aquela traição política.

*
Desconfiados,milhares de venezuelanos foram às ruas em Caraaaca! para dar o último adeus à Chávez e terem certeza que o ditador tinha mesmo morrido.

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Agamenon Mendes Pedreira é jornalista bolivariano.

Triste país - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 10/03

Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca?


Lembro bem; era um domingo de sol em outubro ou novembro de 1955, e acordei com o rádio noticiando que o hotel Vogue estava pegando fogo.

O Vogue era na Princesa Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade.

Era lá que se encontravam os políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar, coquetel, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja.

Só saiamos de lá com o sol raiando, e vivíamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes, todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve.

No dia do incêndio a cidade inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12).

Como num incêndio não se pode usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos em seus quartos esperando por um milagre, o que não aconteceu. Chegaram os bombeiros, mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar.

Ele pegou os lençóis, amarrou um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro -conta a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola na gravata- e desceu pelos lençóis até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros.

Foi o único que se salvou (e quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde tomou uma garrafa de uísque inteira).

Os recém casados Glorinha e Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro; quem viu nunca esqueceu.

Promessas foram feitas pelo chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição, nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a história se repetiu.

Um prédio no Leblon pegou fogo -e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas quatro andares. Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu- ela com 33 anos, ele com 57; eles pareciam muito felizes.

A assessoria do Corpo de Bombeiros declarou que no Rio existem apenas três unidades que têm plataformas e escadas; escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água, claro.

Dizer o quê? Que o Brasil continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os serviço mais elementares, que os bueiros explodem, as escadas dos bombeiros são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil -o Rio, sobretudo- está bombando?

O governador declarou que o socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador mais sérios, que cuidassem mais da nossa cidade e de seus habitantes.

Aliás, não me consta que o prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de todos os limites; ele acha que é legal uma cidade animada.

Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua inutilidade.

E aproveitando o embalo, fecha-se Brasília.


Improviso e politicagem eleitoreira - CLAUDIO J. D. SALES

O Estado de S.Paulo - 10/02

A forma truculenta e politizada adotada para implementar a renovação de concessões de energia e a destruição de valor provocada nas empresas do setor elétrico - várias delas listadas em Bolsa - deixaram um sabor amargo na boca de acionistas de companhias como a Eletrobrás e dúvidas gigantes na cabeça dos que pensam em investir no setor elétrico ou em outros setores de infraestrutura.

Aprisionado pelo discurso eleitoral de redução da tarifa de energia, o governo busca de qualquer forma impedir que a anunciada redução de tarifas seja diluída pela elevação dos custos ocasionada pelo intenso despacho térmico determinado pelo Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico para compensar a desconfortável situação dos reservatórios das hidrelétricas.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem posto em funcionamento todo o parque termoelétrico, mesmo de termoelétricas que não deveriam ser acionadas com base nos modelos computacionais que balizam a operação. Este mecanismo - chamado de "despacho fora da ordem de mérito econômico" - tem imposto um custo bilionário, que é consolidado no encargo tarifário ESS-SE, o Encargo de Serviço de Sistema, subitem "Segurança Energética".

O intenso despacho termoelétrico fora da ordem de mérito - que pode superar os R$ 6 bilhões em 2013 - tem provocado forte aumento de custos do ESS-SE, encargo que tinha outra ordem de grandeza (entre 2003 e 2007, o ESS médio foi de R$ 150 milhões). Por causa desse altíssimo sobrecusto, há intensa mobilização de alguns grupos de pressão para "socializar" essa despesa.

Já se temia que o governo pudesse apelar a artimanhas "criativas", como vem adotando na área macroeconômica. E o temor tornou-se realidade com a publicação da Resolução n.º 3 do Conselho Nacional de Política Energética, que promove profundas alterações nas regras que regem o mercado de energia.

O custo do acionamento termoelétrico era rateado entre os consumidores, que são os que se beneficiam da segurança energética proporcionada por tal acionamento. No entanto, preocupado com o impacto eleitoral da elevação da conta de luz por causa do "despacho fora da ordem de mérito", o governo impôs, sem nenhuma consulta ou audiência pública, que tais custos passem a ser arcados também pelos geradores de energia.

A regra não faz o menor sentido, inclusive porque determina que um gerador deva pagar pelo custo de outro gerador para atender ao consumo de outro agente. Além disso, por que os custos da comercialização de energia de um determinado mês devem ser rateados com base na comercialização de energia nos 12 meses anteriores? O pior é que as regras promulgadas agora já se aplicam às transações que serão liquidadas neste mês, referentes ao mês de janeiro.

A resolução também prevê a implantação de profundas alterações na metodologia utilizada para definição de preços do mercado de energia, o chamado "PLD".

A intempestividade dessas medidas pega os agentes no contrapé, pois eles já fizeram suas programações para o ano corrente e já comercializaram grandes volumes de energia sob as regras então estabelecidas.

Essa socialização de despesas feita de forma arbitrária e a posteriori se torna ainda mais chocante quando se considera que grande parte dos desequilíbrios de oferta de energia atuais foi ocasionada por improvisos governamentais, entre os quais a exposição involuntária das distribuidoras em razão da não realização do Leilão A-1 de 2012, o que as impediu de contratar energia para atendimento de seus mercados.

A leitura mais simples dessa medida é a seguinte: o governo está buscando no caixa dos geradores de energia um recurso para diminuir o impacto eleitoral negativo do aumento real da energia. Isso reforça a percepção de que o Brasil é um país onde o uso político-eleitoral predomina sobre contratos e onde vencem os que têm lobbies mais poderosos em Brasília.


Meu livro fantasma - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 10/03

Ghost writer eu conhecia, é claro. Mesmo porque já me propuseram vestir lençol branco e arrastar correntes literárias, bancando a primeira pessoa em lugar de uma terceira, menos disposta às chatices da escrita. O que eu não conhecia é ghost book - até que me aparecesse um. Não qualquer um: livro fantasma de "minha" autoria.

Falo sério: tempos atrás, soube na Estante Virtual que um sebo de Belo Horizonte tinha à venda, por R$ 10, algo intitulado "O perfil no jornalismo", de Humberto Werneck. O abantesma ficou um tempo ali, depois sumiu - e eis que agora surge outro (ou será o mesmo?) em Simões Filho, município grudado em Salvador, à disposição de quem vá ao site Todaoferta e pague 25 reais. Um consolo saber que na Bahia me valorizei 150%.

Eu achava que Humberto Werneck era eu. Na verdade, é também eu. Só no Facebook tem mais dois - e, sendo um deles Júnior, há de haver ou ter havido um Sênior. No caso de "O perfil no jornalismo", cheguei a pensar no homônimo de quem falei na crônica "O Céu pode esperar", sobre o dia em que ouvi no rádio a notícia do falecimento de Humberto Werneck. Por pouco não faleci também - no ato ou tempos depois, quando topei com "meu" túmulo no Bonfim, em Belo Horizonte. Mas é pouco provável que o ocupante da tumba 143 da quadra 49 tenha escrito livros. Como 2º sargento da Polícia Militar de Minas, tinha mais o que fazer.

Vai ver então que sou xará de mim mesmo, cogitei - e estava certo: na Estante Virtual, informava-se que a obra à venda consistia em material utilizado em workshop, e workshops tenho feito por aí. Impossível saber quem foi o malandro que pegou meus textos de trabalho, distribuídos numa dessas ocasiões, e os vendeu no sebo. Imagino que tenha juntado as folhas com espiral, para dar à coisa um ar de livro. E eu que me julgava merecedor de encadernação menos vulgar. Ou será que acabei, ai de mim, na brochura? Para sabê-lo, só se adquirir "O perfil no jornalismo", de Humberto Werneck.

Comprar livro meu seria algo inédito na minha vida de autor. Paciência, alguém teria de fazê-lo. Que meu gesto vos sirva de exemplo! Como a transação seria feita na internet, eu não teria de passar pela cruel experiência de me encontrar espremido numa estante, regurgitante de ácaros e assolado pelos fungos. Já me aconteceu tantas vezes que criei calo na alma. Estou até pensando em lançar meu próximo livro num sebo, para queimar etapas. A vantagem, para o leitor, é não precisar ler, pois nesse tipo de comércio o livro em princípio já vem lido.

A primeira vez no sebo um autor não esquece. Não há como não pensar em rejeição, em não sentir-se como o bebê Moisés a boiar nas águas num cestinho. Não, é pior do que isso, pois quem abandona um recém-nascido não quer nada em troca, sejam 25 ou mesmo 10 reais.

Decidido: vou comprar. Pode vir a ser um bom investimento, se depois de morto alguém jogar sobre mim esta pá de cal literária: "De tudo o que publicou o finado, salva-se apenas 'O Perfil no jornalismo'". Mas será que valho 25 reais, minha atual cotação em Simões Filho, Bahia?

Não é pergunta que um autor se faça. Algo mais valioso está em jogo. Conta-se a história de um literato do terceiro ou quarto time que se deparou num sebo com uma de suas obras-primas. Trêmulo, pescou o volume e caiu em cima da dedicatória que fizera para um confrade, também do terceiro ou quarto time, ao qual era ligado não só pela subliteratura como por um recíproco rancor empapado de inveja - sentimento que entre escribas muitas vezes toma a forma de sorrisos e amabilidades. O desapreço pelo concorrente transparecia na espinhenta gelidez do advérbio: "Para fulano de tal, atenciosamente..." Razão de sobra, convenhamos, para que o destinatário tenha posto o presente à venda. Ultrajado, o autor comprou o refugo e o despachou de volta para o desafeto, "com renovadas atenções".

Será que o ex-proprietário de "O Perfil no jornalismo" deixou nome e endereço na folha de rosto dessa maçaroca?


O papa e as papaias - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 10/03

RIO DE JANEIRO - Na primeira visita de João Paulo 2º ao Brasil, em julho de 1980, o cardeal Eugenio 
Sales indicou meu nome para integrar a comitiva papal. Pude, assim, acompanhar o pontífice desde Roma até as diversas capitais que visitou, inclusive Manaus, que foi a última. Já estávamos instalados no avião que levaria o papa de volta a Roma quando, estranhamente, houve atraso no voo.

Ficamos sabendo que dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife/Olinda, tinha uma encomenda para Sua Santidade, e que seu avião estava atrasado. Esperou-se o famoso homem de Deus, que afinal chegou e subiu a bordo para se despedir e presentear o papa.

Durante sua estada na capital pernambucana, o papa hospedou-se no Palácio Episcopal, quando provou pela primeira vez a preciosa papaia nacional. Gostou muito, quis mais, foi servido abundantemente pelo seu amigo e hospedeiro. Daí que dom Hélder decidiu presenteá-lo com um caixote de papaias maduras.

O papa pediu ao monsenhor Romeo Pancirolli, mais tarde bispo, um de seus secretários, que o caixote não fosse para a despensa do Palácio Apostólico, onde morava, mas fosse diretamente para seus aposentos particulares. Dom Hélder vibrou.

Chegando a Roma, no dia seguinte fui apanhar umas fotos da viagem com Arturo Mari, fotógrafo oficial e pessoal de João Paulo 2°, cujo estúdio ficava ao lado da Redação do "L'Osservatore Romano", bem em frente a uma das janelas laterais do quarto de Sua Santidade. Era manhã e Arturo pediu cuidado ao pisar na calçada embaixo da janela. Algumas pessoas já tinham derrapado nas papaias esborrachadas. A Comlurb do Vaticano ainda não havia passado. Alguém, daquela janela pontifical, havia se livrado do valioso e saboroso presente que o papa recebera do Brasil.


Uma ciência - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O ESTADÃO - 10/02

Decidiram fazer um churrasco para as famílias se conhecerem. Do lado da Bea havia seu pai, sua mãe, um irmão mais moço e uma tia solteira. Do lado do noivo, Carlos Alberto, mãe viúva, duas irmãs mais velhas, sendo uma com uma namorada, e um irmão com a mulher e dois filhos menores. O churrasco seria na casa da Bea, que tinha um pátio grande com churrasqueira, e o Carlos Alberto se prontificou: seria o assador.

Acertaram a logística do encontro. Os donos da casa forneceriam as saladas e a cerveja, os visitantes trariam a carne, a sobremesa e os refrigerantes, inclusive zeros para quem estivesse controlando a glicose. E o assador. Tudo transcorreu bem.

Uma das crianças ralou o joelho e, segundo o consenso geral, exagerou um pouco nos gritos para chamar atenção, a tia solteira da Bea bebeu demais e caiu da cadeira, mas fora isso, tudo bem. Todos se entenderam, se divertiram – a namorada da irmã mais velha do Carlos Alberto tinha um repertório inesgotável de anedotas – e conversaram bastante. Menos o pai da Bea, o seu Vicente, que passou todo o churrasco emburrado. Sem dizer uma palavra.

Naquela noite, Bea perguntou aos pais se tinham gostado do Carlos Alberto. Seu Vicente e dona Nininha se entreolharam.

– Sei não... – disse o seu Vicente.

Bea se surpreendeu.

– Sei não por quê?

– Para começar – disse seu Vicente – ele botou a carne em espeto baixo com o fogo ainda alto. Não esperou o carvão virar brasa. Vi que ia ser um desastre quando os salsichões vieram queimados.

– Ora, papai. O...

– Outra coisa. Ele usou salmoura na carne, em vez de sal grosso. Ninguém mais usa salmoura. A salmoura foi usada em churrasco no Brasil pela ultima vez na administração do Washington Luiz.

– Papai, você está dando importância demais ao...

– Tem mais! Ele botou a picanha com a gordura para cima. O certo, o clássico, é com a gordura para baixo. E a costela ele botou com o osso pra cima!

– Está bem, papai. Eu prometo que o Carlos Alberto nunca mais fará um churrasco para vocês.

– Não se trata disso, minha filha.

Não se tratava só daquilo. O importante era o que aquilo revelava sobre o caráter do assador.

Alguém que se apresenta como assador sem ter a mínima ideia de como se assa não é apenas pretensioso e irresponsável. É um estelionatário. Demonstra desonestidade, arrogância e descaso pelos outros.

– O churrasco é uma ciência, minha filha. Não é para qualquer impostor.

– Mas papai...

– E o que ele inventou? Corações de galinha num espeto intercalados com pedaços de abacaxi. Não há hipótese de eu deixar minha filha casar com alguém que intercala corações de galinha com pedaços de abacaxi!

– E as sobremesas não estavam grande coisa – acrescentou dona Nininha.

O casamento foi adiado. Bea disse ao Carlos Alberto que precisava pensar.

O acaso e o jogo - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 10/03

A função do técnico é tornar a ação dos jogadores inteiramente previsível, ou seja, anular o acaso


Já falei aqui da influência do acaso em tudo o que fazemos e no que a vida faz da gente.

Observei que, no amor como na arte, ele influi decisivamente, mas, apesar disso, para que não pensem que vejo a vida como um mero jogo de acasos, sobre o qual não exerceríamos qualquer influência, afirmo que, na maioria das vezes, o acaso é neutralizado ou aceito pela nossa necessidade, ou seja, o acaso não é tudo.

Até na poesia é assim: se é verdade que a primeira palavra que escrevo na página em branco surge, às vezes, sem que eu saiba por que, ela já determina a segunda palavra, a terceira e, assim, à medida que o poema ganha corpo e sentido, só entra nele a palavra necessária. No fundo, o que fazemos quase todo o tempo é transformar o casual em necessário.

Pois bem, outro dia percebi que o mesmo -ou quase o mesmo- ocorre nos esportes, onde o fator casual é, sem dúvida, decisivo. Pense só nisto: o tiro de escanteio, num jogo de futebol. Quantos jogadores dos dois times estão dentro da área? Sete? Oito? Dez? Como saber na cabeça de qual deles a bola cairá?

Se for na cabeça de um jogador do time que bate a falta, pode ser gol; se for na cabeça de alguém do outro time, o gol pode ser evitado. O fato é que o grau de imprevisibilidade, nestes casos, é enorme.

Por isso, o escanteio é um dos momentos mais críticos de qualquer partida de futebol, uma vez que é quando há menos possibilidade de controlar o acaso.

Claro, o escanteio é um exemplo extremo, mas, durante todo o jogo, 11 contra 11, é impossível prever tudo o que pode ocorrer. A verdade, porém, é que quem der menos chance ao azar, isto é, ao acaso, ganhará a partida.

No tênis, numa partida individual, o acaso terá, sem dúvida, menos chance, embora a coisa não seja tão simples como pode parecer; é que, se aqui a ação dos jogadores é mais previsível do que no futebol, com tanta gente atuando, em compensação, por serem apenas dois os tenistas, têm menos controle sobre os fatores de espaço e tempo implicados em cada lance. Ainda assim, o controle sobre a probabilidade é maior.

Caso bastante especial é o do vôlei, quando duas equipes de seis jogadores disputam o controle sobre uma bola num campo dividido por uma rede.

Por suas características, parece que o vôlei é o esporte em que se tem maior possibilidade de neutralizar o acaso, ou seja, a probabilidade. Advirto o leitor que estou pensando essas coisas, agora, pela primeira vez. Estou "sacando" quase como um jogador de vôlei e espero confirmar o meu saque.

Se estou pensando certo, o vôlei, de todos esses esportes, parece ser aquele em que o técnico melhor consegue anular consideravelmente o incontrolável e, consequentemente, a ação do adversário. Isso se deve, creio eu, às características desse esporte e fundamentalmente ao fato de estar a quadra, que não é muito grande, dividida por uma rede.

Como os jogadores têm de passar a bola por cima dela, isso possibilita bloquear-lhes a ação e evitar que a bola caia do lado de cá da quadra. O bloqueio é, por isso mesmo, um recurso decisivo e, consequentemente, a cortada, que procura superá-lo e fazer o ponto.

Nisso tudo, o técnico tem papel fundamental, bem mais que, por exemplo, no futebol, cujo campo é grande demais, tornando imprevisível o deslocamento dos jogadores adversários.

O tamanho do campo, combinado com o número de jogadores em ação, influi decisivamente na impossibilidade de o técnico prever como o adversário se comportará e, por isso mesmo, como deve ele orientar os jogadores de seu time para chegarem ao gol, evitando, ao mesmo tempo, que o outro o consiga antes ou mais vezes.

A influência desses fatores é determinante e de tal modo que, em função dela, por exemplo, enquanto no tênis o saque favorece a quem saca, no vôlei é o contrário: quem saca mais provavelmente perde o ponto.

Em face de todas essas "sacações", concluo afirmando que, nesses diversos esportes, a função do técnico é tornar a ação dos jogadores inteiramente previsível, do seu e do time adversário, ou seja, anular o acaso. Mas isso nem Deus consegue.

A verdadeira saia justa - MAURICIO STYCER

FOLHA DE SP - 10/03

Em 2002, o mau hábito de compartilhar publicamente a intimidade ainda não estava tão disseminado


Sinônimo de situação difícil, embaraçosa, o termo "saia justa" serviu como uma luva, em 2002, ao batizar um bate-papo descontraído, protagonizado por mulheres, na TV paga.

Parte do encanto inicial devia-se à promessa de descobrir, naquele debate de mulheres famosas, detalhes picantes do que elas antes só revelavam em conversas íntimas.

Muitas discussões, em especial, sobre sexo, mas também sobre dificuldades especificamente "femininas" que elas encontravam em diferentes situações da vida, ajudaram o programa a honrar o seu título.

O cardápio de assuntos nesse terreno, porém, é inelástico. A repetição torna-se inevitável depois de algumas poucas conversas. Como provocar "saia justa" ao falar pela enésima vez sobre fingir orgasmo?

Diante dos limites evidentes da proposta, mas precisando manter o programa no ar devido ao renovado interesse do público e dos anunciantes, a solução para o "Saia Justa" tem sido a de trocar o elenco.

Já vacinado contra todos os possíveis constrangimentos que os temas "picantes" do programa podem causar, resta ao público o prazer de se divertir com a performance das artistas e jornalistas escolhidas para protagonizar a festa.

A temporada 2013 radicalizou, substituindo até a apresentadora, Mônica Waldvogel, presente desde a primeira edição. Temos agora Astrid Fontenelle no comando do bate-papo, em torno das atrizes Maria Ribeiro e Mônica Martelli e da jornalista Barbara Gancia.

Astrid e Barbara, que conheço bem, são escolhas excelentes para qualquer tipo de debate. Sou fã declarado de ambas. Maria e Monica parecem, igualmente, altamente capacitadas para discutir, divertir e provocar "saia justa".

Por que, então, o "Saia Justa" não convence mais? Tenho uma suspeita. Em 2002, o mau hábito de compartilhar publicamente a intimidade ainda não estava tão disseminado. Não havia Facebook nem Twitter nem YouTube. O que é constrangedor hoje em dia? O que causa saia justa?

"Excesso de cobrança" sobre a mulher, "obsessão pela magreza", "ditadura da juventude". O que há de novo para ouvir a respeito dos temas propostos na estreia? Não estou querendo dizer que a questão de gênero esteja superada, longe disso. Mas o formato, baseado nessa encenação sobre a troca de intimidades, soa cada vez mais artificial.

Astrid encerrou a primeira edição da nova temporada com um "salve" para Rita Lee, presença no elenco original. Sigo a cantora no Twitter e confesso que algumas mensagens suas, em 140 caracteres, são muito mais "poderosas" que um bloco inteiro de "Saia Justa".

Ainda assim, o programa do GNT consegue transmitir um interesse pelas questões que opõem mulheres a homens muito maior do que, por exemplo, a novela "Guerra dos Sexos", exibida pela Globo no seu horário das 19h.

Lançada originalmente em 1983, a comédia de Silvio de Abreu, refeita pelo próprio em 2012, é de um anacronismo exemplar. Ouvir Paulo Autran dizer para Fernanda Montenegro, há 30 anos, que as mulheres são inferiores aos homens tinha lá a sua graça. Ver Tony Ramos repetir este texto hoje, para Irene Ravache, provoca uma verdadeira saia justa.

Quem governa quem governa? - CARLOS AYRES BRITTO

ZERO HORA - 10/03

A Constituição governa quem governa. Governa de modo permanente quem governa de modo transitório


Comecemos por uma afirmação óbvia: o Poder Executivo de qualquer das quatro unidades da nossa federação tem um chefe. Estrutura-se ele, Poder Executivo, sob a chefia ou autoridade máxima de um agente político. Prefeito, governador, presidente da República, todos dirigem superiormente uma dada Administração Pública e daí se postam aos olhos do povo como a própria encarnação do governo. A face mais visível do poder público.
Estamos a falar, portanto, de um tipo de agente que é popularmente eleito para ficar no topo de um dos poderes elementares do Estado. Poder, esse, mais fisicamente próximo do conjunto da população, por lhe competir implementar as políticas públicas mais cotidianamente significativas dos interesses e valores juridicamente qualificados como próprios dessa população mesma. Interesses e valores que mais de perto viabilizam a sobrevivência, o equilíbrio e a evolução do conjunto da sociedade, por conseguinte. Donde a instantânea identificação entre chefe do Poder Executivo e o governo de toda pessoa estatal-federada: União, Estados, Distrito Federal e municípios.
Pois bem, haveria alguém acima desse governante que é o chefe do Poder Executivo? Claro que não! Nenhuma pessoa física, nenhum outro agente público, ninguém, enfim, se coloca aos olhos do povo como acima daquela autoridade que já estampa, em sua unipessoalidade, o governo de todo um povo geograficamente diferenciado e juridicamente personalizado. Mas, se não existe alguém, existe algo. Esse algo superior aos próprios governantes é a Constituição.
Com efeito, a Constituição governa quem governa. Governa de modo permanente quem governa de modo transitório. Por isso que o termo de posse do próprio chefe do Poder Executivo federal, que é o presidente da República, se dá pela prestação do "compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição". Em sequência é que vem a promessa de "observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" (art. 78, cabeça, da nossa Magna Carta Federal).
Não pode ser diferente. A Constituição é o mais estrutural, o mais abrangente e o mais permanente projeto de vida nacional. Para além de se traduzir na Lei Fundamental do Estado e de todo o povo brasileiro, ela é a Lei Fundamental da própria nação igualmente brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã. Logo, à semelhança de cada família em apartado, nação é um misto de ideia e sentimento que faz a contemporaneidade caminhar de braços dados com a ancestralidade e a posteridade ("A pátria é a família amplificada", bem sentenciou Rui Barbosa).
Ora bem, sendo obra dessa realidade atemporal que é a nação, a Magna Carta Federal exprime uma vontade transgeracional. Que já é a vontade mais qualificadamente coletiva, no sentido de que unifica história e geografia do Brasil por todo o tempo. Vontade coletiva permanente, então, a se impor à vontade transitória dos governantes que se sucedem a cada eleição geral.
Diga-se mais: a Constituição é comando pra valer. Ela cuidou de se fazer imperativa e para isso é que habilitou os cidadãos e instituiu órgãos como os Tribunais de Contas e o Ministério Público para saírem em defesa da sua irrestrita aplicabilidade. Ao lado deles, e como instância derradeira de sua autodefesa, a nossa Lei Maior apetrechou o Poder Judiciário. Não que ele, Poder Judiciário, fosse aquinhoado com a função de governar. Não é isso. Mas, se não tem do governo a função, o Judiciário tem do governo a força. A força de impedir o desgoverno. O desmando. A desordem. Desgoverno ou desmando ou desordem tanto mais intoleráveis quanto resultem do desrespeito à Constituição.
Em suma, só há governabilidade legítima nos marcos da Constituição e das leis, nessa ordem. Fora desses marcos de civilidade jurídica, o que se tem já é puro arbítrio. Autoritarismo, e não autoridade. Uma predisposição para sequenciar o promíscuo jogo do vale-tudo político-partidário, ou político-parlamentar, ou político-empresarial. Ou as três coisas juntas, para maior desgraça da nossa qualidade de vida política. Essa qualidade de vida política a que aspiramos como a primeira das nossas afirmações coletivas.


Ueba! Ex-papa joga dominó! - JOSÉ SIMÂO

FOLHA DE SP - 10/03

A melhor manchete sobre o Chávez foi a do jornal "Meia Hora": "Chávez morre sem querer querendo".


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Que semana! Chávez, caso Bruno, Chorão! E fui tomar um banho de sal grosso e escorreguei no box!

E acaba de sair a primeira declaração do Imposto de Renda: "Imposto de Renda! Eu te amo!". Declaro que te amo! Alivia pra mim?!

E esse quesito do Imposto de Renda: "situação em 31/12/2012". BÊBADO! Qual a situação do brasileiro em 31 de dezembro? Bêbado, claro!

E um amigo perguntou se declara a sogra como dependente ou ônus. É carma! Declara como carma! Porque sogra em casa é pior que assombração! Rarará! E uma amiga preencheu assim o quesito "estado civil": "À espera de um milagre". Rarará! E eu declaro que tô duro! Pronto!

E o papa? Estamos numa situação chamada Sé Vacante! Tradução: Tamo Sem Papa! Oba! Vamos transar, usar camisinha e ouvir rock. E uma amiga minha acrescentou: "E beber leite condensado direto da lata em pé na porta da geladeira". E acho que o ex-papa deve tá jogando dominó! Em Copacabana!

E o PIB? Só se falou em PIB! PIB, PIB, PIB! Lei de Murphy! O PIB caiu com o Mantega pra baixo! E uma leitora disse que PIB na casa dela quer dizer Pinto Irremediavelmente Broxa! Rarará!

E o vice do Chávez parece o Professor Girafales! Mas um amigo o acha parecido com o Borat! Só falta aquele maiozão de suspensório!

E a melhor manchete sobre a morte do Chávez foi a do jornal "Meia Hora": "Chávez morre sem querer querendo". A melhor charge foi a do Zedassilva, revelando o epitáfio: "Enfim, me callo". Duvido! Deve estar gritando em algum lugar do espaço sideral: "ianques de mierda, al carajo, mil veces al carajo".

E a melhor análise política é a do Datena: a cuíca vai roncar na Venezuela! Ah, vai! Quando a oposição chegar de Miami, vai nomear o Chapolin pra bater o Girafales!

E corre na internet uma fotomontagem com o Professor Girafales perguntando: "Nhonho, na frase 'um corintiano saiu de casa e não voltou mais' onde está o sujeito?". "Preso na Bolívia, professor!". Rarará!

E o goleiro Bruno com uniforme de detento laranja parece uma Fanta? Quantas vezes por ano ele é julgado? Já o vi subir e descer do camburão 300 mil vezes! Vai ganhar milhagem camburão! Camburão e Macarrão! A situação tá ficando psicodélica! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Matemática e futebol - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 10/03

A beleza de uma jogada vem do uso inusitado da criatividade sob regras predeterminadas


Certos resultados da matemática têm a força de verdades absolutas, independentemente de qualquer interpretação ou contexto.

Quando afirmamos que 2+2=4 sabemos que isso sempre será correto, ao menos para entidades inteligentes capazes de contar. Saindo da aritmética para a álgebra, dada uma equação, por exemplo, x + 3 = 4, sabemos que só existe uma solução para x, x = 1.

O mesmo se dá com a geometria euclidiana, que aprendemos na escola. Armados de certos axiomas (asserções tomadas como verdadeiras que servem como ponto de partida para a elaboração de resultados), podemos provar uma série de resultados que são únicos.

Por exemplo, que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus ou que a circunferência de um círculo de raio R é 2piR.

Esse tipo de aplicação cristalina da razão traz uma profunda sensação de controle: dadas certas regras, sabemos construir resultados verdadeiros. A tentação de extrapolar a matemática como sinônimo de verdade torna-se enorme: se a natureza obedece a leis matemáticas, devemos poder entendê-la de forma absoluta. Mas será que podemos afirmar que a matemática é critério de verdade no mundo natural?

O poder da matemática vem da sua independência de contexto. Mesmo que os conceitos tenham sido derivados da necessidade de medir distâncias e intervalos de tempo ou de contar cabeças de gado e calcular o seu valor, uma vez criados podem ser usados em qualquer situação adequada: um triângulo é um triângulo aqui ou em Marte.

O exercício da matemática é um jogo que segue regras predeterminadas. A inovação vem da liberdade controlada propiciada pelas regras, aliada à criatividade humana. O mesmo ocorre num jogo de xadrez: as regras são rígidas, mas duas partidas jamais são iguais.

O mesmo ocorre no futebol. O que torna esportes empolgantes é a variabilidade que existe a partir das mesmas regras. Se jogos se repetissem, esportes perderiam a graça. A diversão vem da surpresa.

Na matemática e nos esportes, o novo vem de uma estrutura rígida. Ambos são expressão de uma criatividade controlada. A beleza numa jogada vem do uso inusitado dessa criatividade dentro dos padrões permitidos pelas regras. Gol de mão não vale, mas um gol de bicicleta bem no ângulo é sensacional.

Na matemática, pode-se inventar mundos estranhos, geometrias em mais de três dimensões e noções diferentes de infinito ou conceitos como pontos e linhas, objetos sem volume que determinam as propriedades do espaço.

Essas regras e abstrações são criações da mente humana, ferramentas que usamos para ordenar a realidade que percebemos.

Da mesma forma que um partida de futebol só pode ser jogada se as regras forem seguidas, as "verdades" da matemática só fazem sentido dentro da estrutura em que foram criadas. Como nós criamos estas estruturas, a matemática é criação nossa, do nosso jeito de pensar o mundo. Outras inteligências podem inventar a matemática delas, e dicionários podem ser criados traduzindo as "verdades" de cada um.

A diferença entre a matemática e a natureza é que esta segue apenas as suas regras.


A casa do meu avô - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 10/03

Depois de mais de cem anos em poder da mesma família, foi vendida a Chácara de Vassouras. Ela pertenceu ao magistrado Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda (1864-1925).
Seu neto Carlos Lacerda passou parte da infância lá. Essas recordações renderam o livro “A casa do meu avô”.

Top social
Gisele Bündchen estará no Brasil em julho. Tem almoço marcado com Dilma e reunião com Guido Mantega.
Vem como embaixadora da Boa Vontade da ONU.

Marmita insustentável
A Rhizobium Consultoria Ambiental terá que pagar R$ 6 mil a um ex-ajudante de reflorestamento.
A empresa é acusada de servir a empregados quentinhas com comida estragada, inclusive com fios de cabelo e pernas de barata.
A decisão é da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

Cara amiga
O ex-adido cultural da França no Rio Romaric Büel vai contar em prosa os 15 anos de convivência com D. Lily Marinho.

Calma, gente
Circula na rede de intrigas do Vaticano que este italiano Marco Simeon, 33 anos, citado no escândalo dos documentos secretos, tem um namorado brasileiro, que mora no Flamengo. 
Segundo o jornal “La Repubblica”, o italiano emprestava a casa a pessoas do Vaticano para encontros sexuais.

No mais
A parceria Lula, Cabral e Paes foi boa para o Rio.
Mas a mudança do marco regulatório da exploração do pré-sal, feita pelo ex-presidente, em 2009, jogou o Rio aos leões.

Esquerda, volver
De passagem por São Paulo para lançar o livro “Menos que nada”, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, xodó da esquerda mundial, disse que a América Latina, mesmo com seus governos de esquerda, continua administrando o capitalismo:
— Dilma não mobiliza, não faz política. É uma gerente e não uma líder popular.
Para ele, não surgiu nenhuma teorização política de esquerda na América Latina desde Che Guevara.

Segue...
Zizek tem chamado a atenção para o divórcio entre capitalismo e democracia (“ide a China e Cingapura, ditaduras que aprofundam o capitalismo”) e diz que o mundo não vive em crise:

— A China e a Índia crescem, o Brasil cresce (menos, mas cresce), até a África subsaariana cresce. Crise há na Europa e, até certo ponto, nos EUA. Mas, como a esquerda é eurocentrista, ela acha que a crise do capitalismo é mundial.

Aliás...
Zizek andou perguntando a amigos brasileiros sobre a atriz Alice Braga.

— Ela é boa atriz, uma mulher de verdade, e não essas embotocadas de Hollywood. Pena que só lhe deem papéis menores.

A casa da polêmica
Esta casa caindo aos pedaços, na Ladeira do Livramento, na Gamboa, está no centro de uma polêmica.

O professor de História Milton Teixeira diz que foi ali que nasceu Machado de Assis. Seus estudos levaram a vereadora Laura Carneiro a propor o tombamento da casa.

Mas...
Os imortais da Academia Brasileira de Letras, depois de examinar alguns documentos, acreditam que não há elementos convincentes de que o lugar tenha sido um dia a casa do maior escritor brasileiro de todos os tempos.
É. Pode ser.

Raridade
O primeiro livro de história da arte do Brasil, fora de catálogo desde o século XIX, vai ganhar nova edição.
“Belas artes: estudos e apreciações”, escrito pelo crítico Félix Ferreira, em 1885, ganhou um estudo minucioso do pesquisador da USP Tadeu Chiarelli, e será relançado pela editora Zouk.

Dia do noivo
Acredite. Os homens estão reservando quartos de hotel para tomar banho, fazer as unhas e receber os amigos antes do casamento.
No Arena Copacabana Hotel, 60% dos pacotes foram feitos pelos noivos.

Beijo na favela
Policiais não tiveram trabalho para achar uma traficante de drogas do Morro da Providência que é homossexual. Na operação, sexta, na favela no Centro do Rio, os agentes avistaram uma moça beijando a namorada numa viela.
Era ela.

O DOMINGO É...
... de Sandra Annenberg, a querida coleguinha apresentadora do “Jornal Hoje”, eleita a Melhor do Ano dojornalismo da Globo pelo “Domingão do Faustão”. Aos 44 anos, ela imprime uma marca toda especial à bancada do telejornal. Um comentário seu, “Que deselegante ”, virou bordão nas redes sociais. O prêmio a deixou felicíssima. “Foi uma surpresa! Fiquei emocionada com o reconhecimento dos colegas e do público. Mas, se ganhei o troféu, foi graças ao trabalho de toda a equipe.” Que elegância! 

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 10/03

Preço da energia vai refletir realidade, diz EPE

"Em certos momentos elas ganham, em outros, elas perdem", diz Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE (empresa estatal de pesquisa energética) sobre as companhias geradoras de energia.

O governo anunciou na sexta-feira medidas para enfrentar o problema do aumento de custo causado pelo acionamento das usinas térmicas, necessário dada a insuficiente geração nas hidrelétricas.

As autoridades do setor elétrico reduziram o impacto das térmicas para o consumidor final, socorreram as empresas distribuidoras de energia, oneradas pelo despacho das térmicas, mas desagradaram às geradoras.

Empresas do segmento reclamam que terão de absorver parte dos custos, sem poder repassar a despesa aos contratos de fornecimento.

"Atendemos o que o mercado queria. Aumentar o preço no mercado de curto prazo ['spot'] sempre foi um pleito das geradoras", lembra Tolmasquim.

"O que importa é que o preço do 'spot' estava distorcido e agora o valor vai refletir o custo real da energia no país. Vai estar mais próximo à realidade", acrescenta o presidente da EPE.

Diferença na bomba

Cerca de 41% dos consumidores sempre observam a diferença de preço entre o etanol e a gasolina ao abastecer, enquanto 27% fazem o cálculo esporadicamente e 32% nunca verificam o custo.

O resultado é de uma pesquisa feita pela EPE em 2010, quando os preços estavam bem favoráveis ao etanol, e apenas agora divulgada. "O curioso é que 67% escolhem pelo preço. Só 4% priorizam o ambiente", diz o presidente Mauricio Tolmasquim.

Avanço Nórdico

A joalheria Pandora vai ampliar sua atividade no país com mais sete lojas neste ano. A expansão faz parte do plano de franquias da marca dinamarquesa que prevê ainda outras 28 lojas até dezembro de 2015.

"Serão três lojas no primeiro semestre e outras quatro no segundo. Todas em shoppings", diz Rachel Maia, principal executiva da joalheria no Brasil.

A empresa abrirá as primeiras unidades em cidades do nordeste como Salvador, Recife e Fortaleza.

"O poder aquisitivo da região aumentou e percebemos clientes em potencial", afirma Maia.

São Paulo, Rio, Brasília e Curitiba receberão mais pontos da marca.

"Em São Paulo, temos quatro lojas e devemos ter mais duas ou três."

Bebê 'hermano'

A marca argentina de roupas para bebês e crianças Babycottons entra no mercado brasileiro neste mês com a inauguração de sua primeira loja no país, no shopping Iguatemi, em São Paulo.

O projeto da empresa para o Brasil prevê mais seis unidades nos próximos seis meses em Barueri, Campinas e Ribeirão Preto, além da capital paulista.

A expectativa da companhia é ter cem franquias e 25 próprias em quatro anos.

"O Brasil está em um bom momento e o consumidor daqui já conhece a marca de Nova York e Miami", afirma o representante da empresa no país, Diego Alfieri.

A grife está com um plano de expansão também para o exterior. Por enquanto, ela tem 22 lojas distribuídas entre Argentina, EUA e Peru. O projeto inclui unidades em Honk Kong e Kuait, somando 330 em quatro anos.

Cristal partido - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 10/03
Se Dilma ainda quiser exercer o poder moderador da União, poderá valer-se da MP que destina os recursos dos royalties à educação para negociar uma fórmula que beneficie os estados não-produtores sem ferir a expectativa de receita do Rio e do Espírito Santo
Nunca se soube quem foi que sugeriu à presidente Dilma Rousseff o jogo ambíguo que ela adotou na questão dos royalties do petróleo. Na primeira rodada, contemplou os estados produtores (Rio e Espirito Santo), vetando os artigos que repartiam, também, os recursos oriundos das jazidas já licitadas. Na segunda, liberou sua base parlamentar para derrubar os vetos. Se a decisão foi solitária, tanto pior. Faltou quem sugerisse à mãe do PAC atuar também como mãe da federação, que saiu do episódio com o tecido esgarçado. Faltou ainda quem dissesse à candidata Dilma que a briga entre os estados poderá ter, até mesmo, consequências eleitorais.

O governador do Rio, Sergio Cabral, que suspendeu todos os pagamentos do estado e tem falado até em insolvência com as perdas que teve, na campanha de 2014 terá que explicar aos fluminenses seu apoio à reeleição de Dilma, num estado onde a aliança eleitoral PT-PMDB já está rompida no plano local. Mas, ainda que Cabral permaneça na aliança, a questão dos royalties já fez do Rio e do Espírito Santo campos férteis para os adversários da presidente. Aécio Neves e Eduardo Campos podem sensibilizar o terceiro maior colégio eleitoral do país dizendo que, se eleitos, vão rever o que o deputado Garotinho chama de "tunga dos royalties". Os votos do Rio (onde Lula ganhou em 2002 e 2006) serão fundamentais para Dilma. Aécio tentará repetir o feito de JK, obtendo votação avassaladora em Minas. Eduardo Campos pode rachar o Nordeste. São Paulo, em 2014, será terra de ninguém, onde tudo poderá acontecer.

Mas se o problema eleitoral é dos candidatos, o federativo é do país. O angu de caroço está feito, e todo mundo vai meter a colher. Esta semana aportarão no Supremo dois tipos de ação. A dos parlamentares derrotados, pedindo a anulação da sessão, dificilmente será acolhida. Seria ingerência demais num rito interno do outro poder. O resultado foi por maioria esmagadora e a condução do senador Renan Calheiros foi calculadamente serena e firme. Ele precisava, e conseguiu, confirmar sua autoridade sobre o conjunto bicameral. Já o mandado de segurança dos governadores deve resultar na concessão de liminar, suspendendo a mudança nas regras até que ocorra o julgamento de mérito sobre a constitucionalidade da lei sancionada.

Quem tem agora uma chance de atuar positivamente na recomposição do tecido federativo esgarçado é o próprio Congresso. Na quarta-feira, 13, todos os governadores estarão na Câmara, a convite do presidente Henrique Eduardo Alves, para discutir o pacto federativo. Este convite, como registrado por esta coluna, foi feito em seu segundo dia como presidente da Casa. Antes, portanto, do agravamento do conflito dos royalties. O que ele propunha era a pactuação de uma agenda mínima e consensual sobre os principais problemas tributários e federativos. O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, diz que esta agenda, agora, tornou-se mais urgente. "Vamos ouvir os governadores e dizer a eles que algumas soluções podem ser construídas dentro do próprio Congresso".

Por exemplo, através da medida provisória que altera as regras de correção das dívidas dos estados, da qual Cunha é relator, da MP que unifica o ICMS e do projeto que regulamenta a partilha do Fundo de Participação dos Estados, que têm como relator o senador Walter Pinheiro. Mas se Dilma ainda quiser exercer o poder moderador da União, poderá valer-se da MP que destina os recursos dos royalties à educação como espaço de renegociação de uma fórmula que atenda a duas exigências: garantir o acesso dos outros estados à riqueza do petróleo, sem ferir a expectativa de receita do Rio e do Espírito Santo, derivadas dos contratos já assinados.

Tudo é eleição
Prefeitos de capitais e governadores de todos os partidos foram aquinhoados pela presidente Dilma com milhões e bilhões do PAC-2 na quarta-feira passada. No paralelo, todos fizeram muita política na passagem por Brasília. O governador Eduardo Campos, que voltou rouco para Recife, apresentou os prefeitos do PSB ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti, do PDT, dando os primeiros pontos na costura de uma aliança. Fortunatti é candidato a presidente da Frente Nacional de Prefeitos, e deve ter o apoio dos socialistas, contra o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que vem sendo pressionado pelo PT a concorrer. A eleição será no dia 23.

Eduardo Campos vem se exercitando no papel de articulador dos interesses federativos e quer ter o apoio da entidade nas negociações com o Governo e o Congresso.

Agora sai?
Os peemedebistas ouviram da presidente que, a partir do dia 10 de março, que vem a ser hoje, ela começaria efetivamente a tratar da reforma ministerial, que ela chama de ajustes. A impaciência está aumentando.

O PDT também não vê a hora de emplacar o deputado Manoel Dias no lugar de Brizola Neto no Ministério do Trabalho.

Já o PSD poderá ver Afif Domingos ministro depois que o Senado aprovou o projeto, votado antes pela Câmara, que cria o Ministério da Micro e Pequena Empresa. Amanhã, Dilma recebe a senadora do partido e líder ruralista Kátia Abreu. Uma conversa promissora, que não ficará no protesto da senadora contra a invasão de sua fazenda pelos sem-terra.

Construir a unidade - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 10/03

A cúpula do maior partido de oposição, o PSDB, considera que neste momento sua principal tarefa é vencer a agenda da divisão partidária. A expectativa do candidato, o senador Aécio Neves, é que esta etapa seja concluída no próximo 25 de março, quando os líderes tucanos de São Paulo farão um grande evento, a exemplo do ocorrido em Goiás, para demonstrar esta unificação.

Menos carisma
Nas cerca de nove horas que passou em Caracas, quinta-feira, a presidente Dilma manifestou "preocupação" ao corpo diplomático brasileiro na Venezuela com o futuro do país deixado por Hugo Chávez. Segundo acompanhantes de Dilma na viagem, ela avaliou que Nicolás Maduro deverá se eleger com um percentual altíssimo de votos por conta da comoção que tomou conta do país vizinho. Mas Maduro não tem o mesmo carisma e o apelo popular de Chávez. Mais do que nunca, disse a presidente, a Venezuela precisará do Brasil, que deverá ajudar o governo para evitar que haja uma eventual decepção com o novo presidente, seguida de convulsão social.

"Só quem antecipa uma campanha eleitoral é quem não tem voto, não precisa ampliar , ou quem não tem segurança e precisa se consolidar"
Francisco Dornelles Senador PP-RJ

Sem acordo
Apesar dos esforços pela conciliação, o ministro Brizola Neto (Trabalho) e o presidente do PDT, Carlos Lupi, continuam apostando na guerra. Brizola, que procura se sustentar no Ministério, também tenta desestabilizar Lupi, pregando a democratização das decisões no partido e a transparência na gestão dos recursos do Fundo Partidário.

Suspense
A presidente Dilma vai decidir nos próximos dias quais os pedidos do PMDB serão atendidos na reforma ministerial. O partido quer ampliar seu espaço no governo. Na terça-feira, Dilma e o vice Michel Temer tem novo encontro marcado.

Opção pelo desgaste
Parte do PSC queria indicar para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara as deputadas Lauriete (ES) ou Antônia Lúcia (AC). Mas os fundamentalistas do partido não quiseram acordo e bancaram o pastor Marco Feliciano (SP).

A mil por São Paulo
A região Sudeste é considerada pelo PSB o calcanhar de Aquiles do governador Eduardo Campos (PSB-PE) na empreitada a presidente. Em São Paulo, aceita todos os convites que recebe. Nas próximas semanas, irá a três eventos: uma festa do Pastor Wellington, da Assembleia de Deus, fará palestra na Associação Paulista de Prefeitos; e se reunirá com empresários

Teoria da conspiração
Ministros avaliam que não é ruim o governador Eduardo Campos fazer um discurso de oposição. Dizem que ele ocupa o espaço do PSDB. Acham até que é combinado e que ele desempenha o papel do vice de Lula, José Alencar.

Briga pela paternidade
O presidente do PSDB de Minas Gerais, deputado Marcus Pestana, acusa a presidente Dilma de “estelionato” e “incoerência” por anunciar fim dos impostos da cesta básica cinco meses depois de vetar projeto do PSDB sobre o tema.

O ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp, vai sobreviver à reforma. O ministro Aloizio Mercadante derrotou o PMDB.


Alerta vermelho - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 10/03

Em conversa com dirigentes do PT, Lula manifestou preocupação com o desempenho de governos petistas, sobretudo no Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal. Citando a derrota de Ana Júlia (Pará), atribuída por ele à ausência de diagnóstico das falhas da gestão, pediu novas pesquisas de avaliação dos mandatos de Tarso Genro, Jaques Wagner e Agnelo Queiroz. O ex-presidente quer traçar panorama para 2014 conhecendo os pontos frágeis da sigla nos Estados que administra.

Pop 
Pesquisas qualitativas sobre o pronunciamento em que Dilma Rousseff anunciou a desoneração da cesta básica mostraram alto "grau de retenção" da mensagem em várias classes sociais. O impacto da mensagem foi considerado maior que o do anterior, em que a petista falou da redução da conta de luz.

Vamos... 
O sociólogo Antonio Lavareda fechou com o PSB e foi contratado para realizar pesquisa nacional para o partido de Eduardo Campos.

... por partes 
Sócio de Lavareda na agência de publicidade DM/Blackninja, Duda Mendonça terá uma reunião ainda em março com o governador de Pernambuco e pré-candidato ao Planalto.

Inflação 
Um veterano em disputas eleitorais estima em R$ 50 milhões o custo das principais campanhas presidenciais em 2014, graças ao cenário com muitos candidatos com potencial de votos.

Mapa 1 
De olho na montagem dos palanques regionais, Eduardo Campos se encontrou na semana passada com políticos das regiões Norte e Centro-Oeste, nas quais seu PSB ainda patina.

Mapa 2 
Em almoço em Brasília, Campos negociou apoio do senador peemedebista Waldemir Moka (MS), membro da bancada ruralista e provável candidato ao governo de seu Estado. Também esteve com Sérgio Petecão (PSD-AC) e Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO).

Quase lá 
A Rede, de Marina Silva, montou sedes para receber listas de assinaturas em 25 dos 27 Estados. As exceções são Maranhão, com pendências burocráticas, e Rio Grande do Norte, onde há dificuldade de recrutamento de apoiadores.

Carimbo 
Nesta semana começa nova etapa da fundação da sigla: dirigentes enviarão aos tribunais regionais eleitorais nomes dos responsáveis pelo processamento das adesões documentadas.

No escuro 1 
Terminado o diagnóstico da situação da prefeitura, auxiliares de Fernando Haddad são unânimes em apontar a área de saúde como aquela em que há menos informações disponíveis.

No escuro 2 
O secretário José de Filippi Jr. relatou que não há dados centralizados sobre os serviços prestados pelas organizações sociais de saúde -foco de polêmica durante a campanha eleitoral, e que Haddad prometeu manter. O Ministério da Saúde foi acionado para ajudar a levantar as informações.

Time 
O ex-ministro Luiz Dulci (Secretaria-Geral) coordenará a campanha de Rui Falcão à reeleição no PT.

Show do milhão 
Autor da PEC que delega ao procurador-geral de Justiça investigações sobre deputados e prefeitos, Campos Machado (PTB) iniciará coleta de assinaturas nas 645 cidades paulistas. Com ajuda de consórcios regionais de prefeituras, o petebista pretende chegar a um milhão de signatários.

Portfólio 
Certo de que terá legenda para concorrer a governador em 2014, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf (PMDB), pilotará 70 inaugurações de escolas técnicas da rede Sesi/Senai até o final deste ano em São Paulo.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
"Com a criação dos novos partidos, o governo Dilma em breve solicitará mais terra a Goiás para abrigar seus ministérios."
DO LÍDER DO DEM NA CÂMARA, RONALDO CAIADO (GO), sobre a aprovação do Ministério de Micro e Pequena Empresa para abrigar o PSD.

contraponto

Espeto de pau

José Batista Júnior, dono do grupo JBS-Friboi, convidou políticos goianos para jantar em sua casa de Brasília. Pré-candidato ao governo pelo PSB, ele discutia o cenário de 2014 com os ex-deputados Wober Júnior (PPS-RN) e Barbosa Neto (PSB-GO). Em dado momento, acabaram os bifes. Júnior, então, gritou para cozinheira:

-Por favor, traga mais carne!

A chefe da cozinha respondeu que os bifes haviam acabado. Wober não perdoou:

-Como é possível acabar a carne na casa do dono do maior frigorífico do mundo?

Ação social de Chávez - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/03

Por que choram os venezuelanos que choraram nos últimos dias? Hugo Chávez era de fato amado por uma parte da população. As suas políticas sociais foram erráticas mas produziram efeitos quantificáveis. As escolas bolivarianas com tempo integral viraram um programa restrito, já as pensões se espalharam. As misiones usam 25% do gasto social, mas têm falhas administrativas graves.

Choram porque foram beneficiados por alguns dos vários programas sociais criados e se sentiram parte do país nos discursos e na maneira de governar do presidente morto. Nos programas sociais houve falhas; no discurso, o velho populismo. Mas Chávez fez o que outros governantes da Venezuela não fizeram.

O histórico dos seus programas sociais é tão tumultuado quanto era a sua forma de governar. As misiones permaneceram, mas algumas com mais eficácia que outras. São mais de 40 misiones : programas sociais para atacar um específico problema. A Mercal leva alimentação de baixo custo aos mais pobres; Barrio Adentro tem a função de melhorar a oferta de saúde aos mais pobres; as misiones educativas , aumentar a matrícula escolar e qualidade das escolas. Elas foram criadas à margem da estrutura administrativa de governo, o que provocou duplicação do esforço, desperdícios. A Vivienda urbanizou áreas pobres, mas construiu muito menos do que se propôs.

Todos os programas continuam dependentes de fatores externos, como as receitas do petróleo, e por isso nos 14 anos de governo houve oscilação dos gastos com esses programas. A Barrio Adentro depende ainda dos médicos cubanos. Um estudioso da ação social de Hugo Chávez, o pesquisador Carlos Aponte Blank, acha que o maior defeito dos programas foram as prioridades cambiantes e a falta de sustentabilidade.

Houve fases. Na primeira, de 1998 a 2003, uma das estrelas era a escuela bolivariana de horário integral. A meta era universalizar esse formato, mas o programa estagnou. Foi criado o programa Plan Bolívar 2000, para atender às emergências sociais. Houve corrupção e o programa foi abandonado. E assim, vários outros. A polarização política na Venezuela impede que setores contrários a Chávez reconheçam os avanços; já o chavismo utiliza os programas de forma demagógica. O ideal seria ter políticas sustentáveis e a cultura do direito do cidadão.

O aumento dos beneficiários de pensões para pessoas com mais de 60 anos foi constante nos 14 anos. Em 1998, havia apenas 16% da população com direito ao benefício. Pulou para 27% em 2004, 40% em 2007, e 43,3% em 2009, e nos últimos anos deve ter chegado a 50%. A redução da pobreza só aconteceu após 2004. Quando ele assumiu, 50% dos venezuelanos estavam abaixo da linha da pobreza, em 2004 o número havia piorado para 53%, em 2007 caiu para 33%, e em 2011 foi a 31,9%. As maiores quedas da mortalidade infantil e do analfabetismo foram nos anos recentes.

"A melhora de boa parte dos indicadores aconteceu entre 2004 e 2007, fase em que é maior a bonanza petroleira e em que também são maiores os gastos sociais", diz Carlos Aponte Blank. O gasto social por habitante voltou a subir nos últimos dois anos por causa da eleição.

O grande mérito de Chávez foi tentar reduzir o histórico abandono da população pobre da Venezuela, mas as políticas sociais não têm sustentabilidade fiscal, nem se consolidaram como uma política de Estado. São ainda o velho assistencialismo paternalista.

O choro coletivo em Caracas traz a marca de uma região que ou excluiu os pobres ou os atendeu com políticas apresentadas como bondades de um "pai dos pobres". Esse pêndulo entre exclusão é manipulação é o maior erro histórico da América Latina.


O passado bate à porta - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 10/03
No próximo dia 20 de março transcorrerá o 10º aniversário do colossal desastre estratégico, militar e político do governo do ex-presidente George W. Bush: a invasão do Iraque por tropas americanas em 2003. Trata-se de uma efeméride amarga para os Estados Unidos. A retirada das últimas unidades de combate, oito anos após o triunfal assalto a Bagdá, se deu na calada da noite, de fininho, sem olhar para trás.

Só houve perdas. Foram 4.400 os soldados mortos em combate, sequelas em todos os veios da vida americana e será de mais de US$ 3 trilhões a conta final da empreitada.

Sem falar no rombo moral provocado na nação, que minimizou, tolerou ou aceitou o recurso à tortura em nome de uma cruzada civilizatória em terra estrangeira. Essa conta, ao contrário do que gostariam os mandantes de hoje, permanece em aberto. É assim em todos os países com porões ainda escuros, mas a História mostra que faxinas superficiais não resistem ao tempo.

Exatamente quatro anos atrás, com Barack Obama recém-empossado na Casa Branca, o Departamento de Justiça foi obrigado pela ONG União das Liberdades Civis a liberar alguns memorandos da era Bush autorizando as polêmicas "técnicas duras de interrogatório".

Obama já havia proibido o recurso a esses procedimentos e acreditou poder colocar uma pá no assunto.

Seguir em frente. No dia da liberação dos memorandos, declarou: "Atravessamos um sombrio e doloroso capítulo de nossa história", disse à época, "mas não ganharemos nada se gastarmos tempo e energia apontando culpados do passado".

Não é tão simples assim. Esse tipo de passado costuma reaparecer sem pressa, fica rondando. Um levantamento ainda sigiloso de seis mil páginas sobre detenções e interrogatórios na era Bush, produzido recentemente pela Comissão de Inteligência do Senado, concluiu que durante anos agentes da CIA iludiram o Executivo, o Legislativo e o Judiciário sobre as técnicas que usavam em prisioneiros suspeitos de serem terroristas.

Passado incômodo para John Brennan, que esta semana foi confirmado como novo diretor da CIA. Brennan trabalha na agência há quase um quarto de século, ocupou dois cargos de combate ao terrorismo no governo Bush e foi o responsável pelo briefing diário de 20 agências de inteligência americanas. No primeiro mandato de Obama foi seu assessor para assuntos de segurança nacional e o arquiteto da atual política de eliminação seletiva de terroristas.

Apesar de biografia tão imbricada às práticas adotadas pela CIA, o novo diretor declarou desconhecer os fatos listados no relatório. "Não sei qual é a verdade. Preciso me inteirar dos fatos com cuidado e ver qual a resposta da agência", declarou durante sua sabatina no Capitólio.

Tem mais "passado" batendo às portas do presente neste 10º aniversário da guerra. Esta semana, o jornal britânico "The Guardian" publicou o resultado de uma investigação que levou quinze meses para ser concluída e contou com a colaboração da BBC Arabic. Ela revela a existência de um elo entre o Pentágono e os centros de detenção e tortura que funcionaram no Iraque durante a guerra.

O elo se chama James Steele. Veterano das Forças Especiais que conduziram as chamadas "guerras sujas" dos Estados Unidos na América Central dos anos 1980, Steele se movimentava nas sombras de sua aposentadoria de coronel quando foi pinçado pelo secretário de Defesa Donald Rumsfeld para mudar o curso do insucesso americano no Iraque. Sua missão: montar, financiar e supervisionar comandos paramilitares iraquianos capazes de impor o medo, obter informações e acabar com a insurreição contra a ocupação dos Estados Unidos.

Em El Salvador, Steele já havia cumprido missão semelhante com grande sucesso, comandando unidades locais que se transformaram rapidamente em esquadrões da morte. Ao término do conflito, havia 17 mil civis e guerrilheiros mortos e um milhão de refugiados num país de pouco mais de 6 milhões de habitantes.

Steele aportou em Bagdá como "Consultor para Assuntos de Energia". Seus despachos confidenciais para Rumsfeld eram repassados ao presidente Bush e ao vice Cheney, que naquele ano de 2004 corriam o risco de não se reeleger se a guerra no Iraque degringolasse.

A prioridade passou a ser uma só: evitar a qualquer custo que o claudicante governo provisório iraquiano fosse derrotado pela insurreição.

Em pouco tempo, perto de 15 centros de interrogatório clandestino operados pelas milícias paramilitares começaram a funcionar. Steele tinha acesso a todas essas unidades.

Além dele, outro coronel da reserva, James Coffman, também tinha entrada livre nos centros. Coffman era o principal assessor do general David Petraeus, comandante das operações no Iraque na era Bush, diretor da CIA no governo Obama e recentemente envolvido em ruidoso e ruinoso triângulo amoroso que o jogou na aposentadoria.

Oito anos atrás, o repórter do "New York Times" Peter Maas e o fotógrafo Gilles Peress haviam publicado um longo e fundamentado artigo sugerindo a cumplicidade de Steele com o que ocorria nos centros de interrogatório montados por ele. Testemunharam, inclusive, um filete de sangue ainda escorrendo de uma das mesas da sala onde foram recebidos pelo americano.

Mas em 2005 a opinião pública dos Estados Unidos ainda não queria ouvir relatos desse tipo. O artigo caiu no vazio, e Steele, encerrada sua missão no Iraque, retornou condecorado ao Texas, de onde administra ocasionais palestras sobre combate ao terrorismo.

Agora, com o relatório do Senado e a investigação do "Guardian", começa a ser mais difícil colocar o gênio de volta na garrafa. A reportagem do jornal londrino veio acrescida de um documentário de 51 minutos com entrevistas de vítimas e testemunhas daqueles porões, além de depoimentos de parceiros daqueles tempos. Esse passado sombrio, do qual só apareceram pontículas até agora, não ronda apenas o presente. É a autoridade moral futura dos Estados Unidos que está atrelada a ele.