segunda-feira, dezembro 24, 2012
O voto distrital torna mais fácil escolher políticos melhores - J.R. GUZZO
REVISTA VEJA
Este é um ano em que o brasileiro comum e a Justiça fizeram as pazes. Não em tudo, é claro, porque não é possível chegar nem perto disso, mas o público, finalmente, teve a satisfação de ver gente poderosa ser condenada a penas de prisão. É muito bom que isso tenha acontecido e, quanto mais acontecer, melhor será para todos. Continua exatamente do mesmo tamanho, entretanto, o problema que está na raiz de toda essa história: os delinquentes condenados pelo STF não entraram no governo à força, nem por obra do Divino Espírito Santo. Quem os colocou no poder, ou lhes deu acesso ao Erário, foi o eleitorado brasileiro — diretamente, ou por influência dos políticos que elegeu. É uma coisa desagradável de dizer, claro. Mas na vida real é isso, precisamente, que acontece — e aí não há supremo tribunal que resolva, nem com o rei Salomão na presidência dos trabalhos.
O fato, para falar português claro, é que o brasileiro vota muito mal. E uma dessas coisas que se falam em conversas particulares, mas raramente em público — seria preconceito, elitismo ou fobia ao povo. Tudo bem, mas a realidade é a realidade. O deputado federal mais votado do Brasil é o palhaço Tiririca, de São Paulo, que se elegeu em 2010 com 1,3 milhão de votos e o lema “Tiririca, pior do que está não fica”. O Ministério Público registra, só no ano de 2012, a abertura de 10000 inquéritos para apurar crimes de corrupção e atos de improbidade administrativa. Dos atuais deputados e senadores, mais de 250 respondem a processos penais — possivelmente, um recorde mundial. Não existe, fora das penitenciárias, nenhum lugar onde o porcentual da população
acusada de crimes supere os números encontrados no Congresso Nacional.
Mais exemplos? Perfeitamente. O deputado federal Natan Donadon, de Rondônia, condenado por desvio de dinheiro público a treze anos de cadeia, em 2010, continua no seu cargo — nas últimas eleições parlamentares, nesse mesmo ano de 2010, foi reeleito com mais de 40000 votos. O deputado Paulo Maluf, de São Paulo, que só pode viver solto no Brasil — será preso se puser os pés fora do país, por ter contra si um mandado internacional de captura —, recebeu 500000 votos na eleição de 2010; como muitos outros, tem conseguido se safar da Lei da Ficha Limpa, aprovada pelo Congresso num momento de susto diante de um projeto apoiado por 1,6 milhão de assinaturas populares. O grande herói de todos eles é o deputado José Geraldo Riva, de Mato Grosso, que tem nas costas 102 processos por improbidade, responde a vinte ações penais e é considerado o maior “ficha-suja” do Brasil. Apesar de todo esse prontuário, foi reeleito tranquilamente dois anos atrás, e continua dando ordens na política mato-grossense. Será que isso tudo não está dizendo que o eleitorado brasileiro vota mal?
Há outro fato incômodo: o eleitorado vota mal porque é ignorante. De novo, muita gente boa fica horrorizada ao ouvir uma coisa dessas. Mas como alguém poderia sustentar o contrário num país onde 75% da população entre os 15 e os 64 anos de idade não consegue ler, escrever nem calcular plenamente? Ou seja: só um quarto dos brasileiros adultos é capaz de entender realmente o que lê, de escrever o que realmente quer dizer e de continuar aprendendo com a utilização dessas habilidades. As demais pessoas adultas não apenas são ignorantes; estão travadas na ignorância, pois o que sabem não é suficiente para que possam aprender mais. Não podem fazer as mesmas coisas que os cidadãos instruídos. Têm os mesmos direitos, mas não têm as mesmas capacidades. São iguais perante a lei, mas não perante a vida. Trata-se de uma verdade amarrada em fas. Horrível não é dizer que o eleitorado é ignorante; horrível é que ele seja ignorante.
Quem considera que isso é um insulto ao povo fica convidado a demonstrar como é possível algum país ter, ao mesmo tempo, três quartos de sua população adulta vivendo no analfabetismo funcional e eleitores capacitados a identificar com clareza os seus interesses. Não dá. “Seria demagógico supor que a qualidade das decisões que uma pessoa toma não muda com melhorias radicais de instrução”, escreve o economista Gustavo Ioschpe, um dos mais competentes especialistas brasileiros na área da educação. É isso. O eleitorado não é ruim, nem bom, pelo fato de ser semianalfabeto. Também não tem nenhuma obrigação de votar bem; tem apenas o direito de votar em quem quiser. Mas é inevitável que a ignorância produza consequências concretas; eleitores sem interesse em política, desinformados sobre a vida pública, indiferentes à própria cidadania e que votam basicamente por obrigação, para ter os documentos “em ordem”, tendem naturalmente a escolher mal. Ou não?
Sendo as coisas o que são, a questão que se coloca é a de sempre: que fazer? Não é possível, por exemplo, zerar tudo e só dar o título de eleitor a quem passar num exame de conhecimentos gerais do tipo Enem. É inviável, igualmente, terceirizar as eleições brasileiras para outro país — convocar o eleitorado da Alemanha, digamos, para votar nas nossas eleições, na suposição de que os alemães são mais instruídos e, portanto, escolheriam melhor. A saída mais viável, no aqui e ago-ra, é desmontar o atual conjunto de regras eleitorais e colocar no seu lugar um novo sistema de eleições para deputados e senadores — os que escrevem e aprovam todas as leis vigentes no país. O objetivo é muito simples: tomar mais fácil para o eleitorado brasileiro, tal como ele é hoje, a escolha de políticos mais bem qualificados para trabalhar pelos interesses reais da população — e, ao mesmo tempo, tomar mais difícil a eleição sistemática dos vigaristas, escroques e parasitas que são o resultado inevitável da maneira como se vota hoje no Brasil. Esse novo sistema se chama voto distrital; está em uso desde sempre nas democracias mais bem-sucedidas do mundo, e é o alicerce para qualquer reforma política séria que se pretenda fazer no país.
A melhor recomendação em favor do voto distrital é o pavor que a grande maioria dos políticos brasileiros tem dele. Sabem muito bem o estrago que isso pode fazer no sistema eleitoral em vigor — e tudo o que querem é deixar as coisas exatamente como estão, ou se possível ainda piores, porque são os únicos beneficiários da presente situação. Seu principal argumento é dizer que o voto distrital é uma coisa complicadíssima, impossível de ser entendida pelos neurônios disponíveis no eleitorado — e, portanto, uma solução “inviável”. Pura tapeação. Não se trata de nenhum problema de trigonometria esférica, ou algo assim. Na verdade, é uma maneira muito simples de votar; até jornalistas são capazes de escrever a respeito. O voto distrital é um sistema destinado, basicamente, à eleição das pessoas que vão formar o Poder Legislativo, e se amarra no princípio segundo o qual cada eleitor tem um voto — nem mais, nem menos. O voto de um, portanto, tem de ter exatamente o mesmo peso do voto de outro. Numa eleição desse tipo, em linhas gerais, o Brasil seria dividido em 513 distritos — que é o número de cadeiras existente hoje na Câmara dos Deputados. Cada distrito teria, com pequenas diferenças, a mesma quantidade de eleitores — cerca de 270 000, considerando-se a divisão dos atuais 140 milhões de eleitores brasileiros pelos 513 lugares que há na Câmara. Cada partido apresentaria um, e apenas um, candidato por distrito. Cada distrito elegeria um, e apenas um, deputado federal — aquele que recebesse mais votos no território distrital, como acontece hoje com prefeitos e governadores.
O estado de Minas Gerais, por exemplo, tem hoje 15 milhões de eleitores; seria dividido em 55 distritos, e teria assim 55 deputados, em vez dos 53 que tem agora. O estado da Bahia, com 10 milhões de eleitores, ficaria com 37 distritos e igual número de parlamentares, ou dois a menos que os 39 que manda atualmente para Brasília. As grandes modificações ficam para os extremos. O estado de São Paulo, que, com 31 milhões de eleitores, reúne o maior eleitorado do Brasil, saltaria dos setenta deputados federais que tem hoje para 114; o estado de Roraima, que é o menor de todos, com menos de 300000 eleitores, ficaria só com um representante, em vez dos oito atuais. A mudança é grande porque a distorção que existe no presente sistema também é grande. Por uma trapaça numérica, a lei em vigor fixa um teto máximo de setenta deputados por estado; mas esqueceu de fixar qual a população que cada estado brasileiro pode ter, e o resultado é que o estado mais populoso do Brasil não tem direito de eleger os representantes que lhe caberiam. Na outra ponta existe um piso mínimo de oito deputados por estado, e unidades como Roraima acabam com um número de deputados desproporcional à sua população.
A conta é simples. Em São Paulo, aritmeticamente, é preciso quase 450000 cidadãos para eleger um deputado; em Roraima bastam 37 500. O que dá mais ou menos valor ao voto de um cidadão, pelo sistema vigente, é o seu endereço residencial. Não haveria, numa mudança dessas, nenhum favorecimento a São Paulo, nem aos “paulistas”, como pregam os inimigos do voto distrital; favorecidos seriam os brasileiros que moram em São Paulo, qualquer que seja o lugar onde tenham nascido. Que culpa têm por viver ali? Por que o seu voto deveria valer menos? O equilíbrio entre os estados, igualmente, não seria
prejudicado: cada uma das 27 unidades da federação continuaria tendo três senadores, independentemente do tamanho do seu eleitorado. Haverá, é claro, distritos com territórios muito maiores que outros, mas o número de eleitores será equivalente em cada um deles. Qual é o pecado? Na verdade, embora a justiça e a lógica do princípio “um homem, um voto” desagradem por instinto aos políticos brasileiros, não é esse o seu principal problema. O que realmente os assusta no voto distrital é tudo aquilo que vem com ele.
O novo sistema, para começar, acabaria com os Tiriricas e Malufs. Eles teriam de se candidatar por um único distrito, e só poderiam ser votados ali — e não mais no estado inteiro, da mesma forma como um candidato de Goiás, por exemplo,
não pode receber votos no Paraná. Já é duvidoso, em primeiro lugar, que fossem eleitos. Teriam de enfrentar, mano a mano, candidatos fortes no seu distrito, em vez de concorrerem sem adversários definidos, como ocorre na geleia geral de hoje. Além disso, acaba a farra das “sobras” — os votos excedentes que recebem e servem para eleger um monte de zés-ninguém que tiveram votações miseráveis. Elimina-se a necessidade de gastar fortunas correndo atrás de votos no estado inteiro, o que só favorece os candidatos com mais dinheiro. No horário eleitoral obrigatório só vão aparecer os concorrentes do distrito onde vive o eleitor — o que simplifica decisivamente a sua escolha. Os partidos nanicos, que em geral são apenas gangues montadas para extorquir governos, tendem a sumir do mapa. Mais que tudo, os deputados estarão sempre cara a cara com os eleitores de seu distrito, e terão de explicar diretamente a eles, a cada eleição, o que fizeram no seu mandato. Por que aumentaram o próprio salário? Por que empregaram tantos parentes? Por que não cassaram o colega ladrão? Por que não fizeram nada de útil? Os candidatos adversários, com certeza, não vão se esquecer de fazer essas cobranças. Para nenhum deputado haverá a possibilidade de recuperar em outros lugares do estado os votos que perdeu em seu distrito.
O que está escrito aí acima não é um projeto de lei, algo que exige conhecimentos técnicos e respostas para detalhes importantes do processo eleitoral; é apenas um artigo de revista. Ninguém pretende, igualmente, sustentar que o voto distrital resolveria “tudo” — nada é capaz de resolver tudo de uma vez. É apenas um primeiro passo, mas sem ele não se começa a caminhada até o ponto ao qual é preciso chegar. O que dificulta o debate do voto distrital, no fim da contas, não são as suas falhas, e sim as suas virtudes. Elas desmancham um sistema que mantém o Brasil do jeito que está hoje, e só interessa aos políticos — que, naturalmente, não se animam a mudar algo que os favorece. É uma lei da natureza. “As espécies são capazes de desenvolver instintos que as protegem”, escreveu Charles Darwin em A Origem das Espécies. “Mas nenhuma espécie desenvolve instintos em benefício de outra.”
Eis aí o sistema eleitoral brasileiro, descrito cientificamente. Entregue aos políticos, só mudará para pior.
Este é um ano em que o brasileiro comum e a Justiça fizeram as pazes. Não em tudo, é claro, porque não é possível chegar nem perto disso, mas o público, finalmente, teve a satisfação de ver gente poderosa ser condenada a penas de prisão. É muito bom que isso tenha acontecido e, quanto mais acontecer, melhor será para todos. Continua exatamente do mesmo tamanho, entretanto, o problema que está na raiz de toda essa história: os delinquentes condenados pelo STF não entraram no governo à força, nem por obra do Divino Espírito Santo. Quem os colocou no poder, ou lhes deu acesso ao Erário, foi o eleitorado brasileiro — diretamente, ou por influência dos políticos que elegeu. É uma coisa desagradável de dizer, claro. Mas na vida real é isso, precisamente, que acontece — e aí não há supremo tribunal que resolva, nem com o rei Salomão na presidência dos trabalhos.
O fato, para falar português claro, é que o brasileiro vota muito mal. E uma dessas coisas que se falam em conversas particulares, mas raramente em público — seria preconceito, elitismo ou fobia ao povo. Tudo bem, mas a realidade é a realidade. O deputado federal mais votado do Brasil é o palhaço Tiririca, de São Paulo, que se elegeu em 2010 com 1,3 milhão de votos e o lema “Tiririca, pior do que está não fica”. O Ministério Público registra, só no ano de 2012, a abertura de 10000 inquéritos para apurar crimes de corrupção e atos de improbidade administrativa. Dos atuais deputados e senadores, mais de 250 respondem a processos penais — possivelmente, um recorde mundial. Não existe, fora das penitenciárias, nenhum lugar onde o porcentual da população
acusada de crimes supere os números encontrados no Congresso Nacional.
Mais exemplos? Perfeitamente. O deputado federal Natan Donadon, de Rondônia, condenado por desvio de dinheiro público a treze anos de cadeia, em 2010, continua no seu cargo — nas últimas eleições parlamentares, nesse mesmo ano de 2010, foi reeleito com mais de 40000 votos. O deputado Paulo Maluf, de São Paulo, que só pode viver solto no Brasil — será preso se puser os pés fora do país, por ter contra si um mandado internacional de captura —, recebeu 500000 votos na eleição de 2010; como muitos outros, tem conseguido se safar da Lei da Ficha Limpa, aprovada pelo Congresso num momento de susto diante de um projeto apoiado por 1,6 milhão de assinaturas populares. O grande herói de todos eles é o deputado José Geraldo Riva, de Mato Grosso, que tem nas costas 102 processos por improbidade, responde a vinte ações penais e é considerado o maior “ficha-suja” do Brasil. Apesar de todo esse prontuário, foi reeleito tranquilamente dois anos atrás, e continua dando ordens na política mato-grossense. Será que isso tudo não está dizendo que o eleitorado brasileiro vota mal?
Há outro fato incômodo: o eleitorado vota mal porque é ignorante. De novo, muita gente boa fica horrorizada ao ouvir uma coisa dessas. Mas como alguém poderia sustentar o contrário num país onde 75% da população entre os 15 e os 64 anos de idade não consegue ler, escrever nem calcular plenamente? Ou seja: só um quarto dos brasileiros adultos é capaz de entender realmente o que lê, de escrever o que realmente quer dizer e de continuar aprendendo com a utilização dessas habilidades. As demais pessoas adultas não apenas são ignorantes; estão travadas na ignorância, pois o que sabem não é suficiente para que possam aprender mais. Não podem fazer as mesmas coisas que os cidadãos instruídos. Têm os mesmos direitos, mas não têm as mesmas capacidades. São iguais perante a lei, mas não perante a vida. Trata-se de uma verdade amarrada em fas. Horrível não é dizer que o eleitorado é ignorante; horrível é que ele seja ignorante.
Quem considera que isso é um insulto ao povo fica convidado a demonstrar como é possível algum país ter, ao mesmo tempo, três quartos de sua população adulta vivendo no analfabetismo funcional e eleitores capacitados a identificar com clareza os seus interesses. Não dá. “Seria demagógico supor que a qualidade das decisões que uma pessoa toma não muda com melhorias radicais de instrução”, escreve o economista Gustavo Ioschpe, um dos mais competentes especialistas brasileiros na área da educação. É isso. O eleitorado não é ruim, nem bom, pelo fato de ser semianalfabeto. Também não tem nenhuma obrigação de votar bem; tem apenas o direito de votar em quem quiser. Mas é inevitável que a ignorância produza consequências concretas; eleitores sem interesse em política, desinformados sobre a vida pública, indiferentes à própria cidadania e que votam basicamente por obrigação, para ter os documentos “em ordem”, tendem naturalmente a escolher mal. Ou não?
Sendo as coisas o que são, a questão que se coloca é a de sempre: que fazer? Não é possível, por exemplo, zerar tudo e só dar o título de eleitor a quem passar num exame de conhecimentos gerais do tipo Enem. É inviável, igualmente, terceirizar as eleições brasileiras para outro país — convocar o eleitorado da Alemanha, digamos, para votar nas nossas eleições, na suposição de que os alemães são mais instruídos e, portanto, escolheriam melhor. A saída mais viável, no aqui e ago-ra, é desmontar o atual conjunto de regras eleitorais e colocar no seu lugar um novo sistema de eleições para deputados e senadores — os que escrevem e aprovam todas as leis vigentes no país. O objetivo é muito simples: tomar mais fácil para o eleitorado brasileiro, tal como ele é hoje, a escolha de políticos mais bem qualificados para trabalhar pelos interesses reais da população — e, ao mesmo tempo, tomar mais difícil a eleição sistemática dos vigaristas, escroques e parasitas que são o resultado inevitável da maneira como se vota hoje no Brasil. Esse novo sistema se chama voto distrital; está em uso desde sempre nas democracias mais bem-sucedidas do mundo, e é o alicerce para qualquer reforma política séria que se pretenda fazer no país.
A melhor recomendação em favor do voto distrital é o pavor que a grande maioria dos políticos brasileiros tem dele. Sabem muito bem o estrago que isso pode fazer no sistema eleitoral em vigor — e tudo o que querem é deixar as coisas exatamente como estão, ou se possível ainda piores, porque são os únicos beneficiários da presente situação. Seu principal argumento é dizer que o voto distrital é uma coisa complicadíssima, impossível de ser entendida pelos neurônios disponíveis no eleitorado — e, portanto, uma solução “inviável”. Pura tapeação. Não se trata de nenhum problema de trigonometria esférica, ou algo assim. Na verdade, é uma maneira muito simples de votar; até jornalistas são capazes de escrever a respeito. O voto distrital é um sistema destinado, basicamente, à eleição das pessoas que vão formar o Poder Legislativo, e se amarra no princípio segundo o qual cada eleitor tem um voto — nem mais, nem menos. O voto de um, portanto, tem de ter exatamente o mesmo peso do voto de outro. Numa eleição desse tipo, em linhas gerais, o Brasil seria dividido em 513 distritos — que é o número de cadeiras existente hoje na Câmara dos Deputados. Cada distrito teria, com pequenas diferenças, a mesma quantidade de eleitores — cerca de 270 000, considerando-se a divisão dos atuais 140 milhões de eleitores brasileiros pelos 513 lugares que há na Câmara. Cada partido apresentaria um, e apenas um, candidato por distrito. Cada distrito elegeria um, e apenas um, deputado federal — aquele que recebesse mais votos no território distrital, como acontece hoje com prefeitos e governadores.
O estado de Minas Gerais, por exemplo, tem hoje 15 milhões de eleitores; seria dividido em 55 distritos, e teria assim 55 deputados, em vez dos 53 que tem agora. O estado da Bahia, com 10 milhões de eleitores, ficaria com 37 distritos e igual número de parlamentares, ou dois a menos que os 39 que manda atualmente para Brasília. As grandes modificações ficam para os extremos. O estado de São Paulo, que, com 31 milhões de eleitores, reúne o maior eleitorado do Brasil, saltaria dos setenta deputados federais que tem hoje para 114; o estado de Roraima, que é o menor de todos, com menos de 300000 eleitores, ficaria só com um representante, em vez dos oito atuais. A mudança é grande porque a distorção que existe no presente sistema também é grande. Por uma trapaça numérica, a lei em vigor fixa um teto máximo de setenta deputados por estado; mas esqueceu de fixar qual a população que cada estado brasileiro pode ter, e o resultado é que o estado mais populoso do Brasil não tem direito de eleger os representantes que lhe caberiam. Na outra ponta existe um piso mínimo de oito deputados por estado, e unidades como Roraima acabam com um número de deputados desproporcional à sua população.
A conta é simples. Em São Paulo, aritmeticamente, é preciso quase 450000 cidadãos para eleger um deputado; em Roraima bastam 37 500. O que dá mais ou menos valor ao voto de um cidadão, pelo sistema vigente, é o seu endereço residencial. Não haveria, numa mudança dessas, nenhum favorecimento a São Paulo, nem aos “paulistas”, como pregam os inimigos do voto distrital; favorecidos seriam os brasileiros que moram em São Paulo, qualquer que seja o lugar onde tenham nascido. Que culpa têm por viver ali? Por que o seu voto deveria valer menos? O equilíbrio entre os estados, igualmente, não seria
prejudicado: cada uma das 27 unidades da federação continuaria tendo três senadores, independentemente do tamanho do seu eleitorado. Haverá, é claro, distritos com territórios muito maiores que outros, mas o número de eleitores será equivalente em cada um deles. Qual é o pecado? Na verdade, embora a justiça e a lógica do princípio “um homem, um voto” desagradem por instinto aos políticos brasileiros, não é esse o seu principal problema. O que realmente os assusta no voto distrital é tudo aquilo que vem com ele.
O novo sistema, para começar, acabaria com os Tiriricas e Malufs. Eles teriam de se candidatar por um único distrito, e só poderiam ser votados ali — e não mais no estado inteiro, da mesma forma como um candidato de Goiás, por exemplo,
não pode receber votos no Paraná. Já é duvidoso, em primeiro lugar, que fossem eleitos. Teriam de enfrentar, mano a mano, candidatos fortes no seu distrito, em vez de concorrerem sem adversários definidos, como ocorre na geleia geral de hoje. Além disso, acaba a farra das “sobras” — os votos excedentes que recebem e servem para eleger um monte de zés-ninguém que tiveram votações miseráveis. Elimina-se a necessidade de gastar fortunas correndo atrás de votos no estado inteiro, o que só favorece os candidatos com mais dinheiro. No horário eleitoral obrigatório só vão aparecer os concorrentes do distrito onde vive o eleitor — o que simplifica decisivamente a sua escolha. Os partidos nanicos, que em geral são apenas gangues montadas para extorquir governos, tendem a sumir do mapa. Mais que tudo, os deputados estarão sempre cara a cara com os eleitores de seu distrito, e terão de explicar diretamente a eles, a cada eleição, o que fizeram no seu mandato. Por que aumentaram o próprio salário? Por que empregaram tantos parentes? Por que não cassaram o colega ladrão? Por que não fizeram nada de útil? Os candidatos adversários, com certeza, não vão se esquecer de fazer essas cobranças. Para nenhum deputado haverá a possibilidade de recuperar em outros lugares do estado os votos que perdeu em seu distrito.
O que está escrito aí acima não é um projeto de lei, algo que exige conhecimentos técnicos e respostas para detalhes importantes do processo eleitoral; é apenas um artigo de revista. Ninguém pretende, igualmente, sustentar que o voto distrital resolveria “tudo” — nada é capaz de resolver tudo de uma vez. É apenas um primeiro passo, mas sem ele não se começa a caminhada até o ponto ao qual é preciso chegar. O que dificulta o debate do voto distrital, no fim da contas, não são as suas falhas, e sim as suas virtudes. Elas desmancham um sistema que mantém o Brasil do jeito que está hoje, e só interessa aos políticos — que, naturalmente, não se animam a mudar algo que os favorece. É uma lei da natureza. “As espécies são capazes de desenvolver instintos que as protegem”, escreveu Charles Darwin em A Origem das Espécies. “Mas nenhuma espécie desenvolve instintos em benefício de outra.”
Eis aí o sistema eleitoral brasileiro, descrito cientificamente. Entregue aos políticos, só mudará para pior.
Ladrões de cofres e de instituições - REINALDO AZEVEDO
REVISTA VEJA
Antes uma realidade quase intangível, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi parar na sala de estar dos brasileiros em 2012. No ano em que Carminha e Nina, da novela Avenida Brasil, embaralharam as noções corriqueiras de Bem e de Mal, os ministros se tomaram porta-vozes dos anseios de milhões de brasileiros justamente por terem sabido o que era o Bem e o que era o Mal. Cumpre notar que os juizes do STF não acharam o direito nas ruas, no alarido dos bares ou nos debates das redações. Decidiram segundo a Constituição, as leis e a jurisprudência da Corte. Personagens como José Dirceu, José Ge-noino e João Paulo Cunha se dizem vítimas de um tribunal de exceção e conclamam seus eventuais seguidores a julgar os juizes. Queriam ser tratados como sujeitos excepcionais. A questão é mais ampla do que se percebe à primeira vista.
A luta dos homens por igualdade perante a lei produziu tudo o que sabemos de bom e de útil nas sociedades; já o discurso da igualdade ao arrepio da lei só gerou morte e barbárie. Os atores políticos que tornam o mundo mais justo e tolerante anseiam por um horizonte institucional que universalize direitos para que emerjam as particularidades. Nas democracias, porque são iguais, os homens podem, então, ser diferentes. Nas ditaduras, em nome da igualdade, os poderosos esmagam as individualidades. Nas tiranias, porque são diferentes, os homens são, então, obrigados a ser iguais. Uma possibilidade acena para a pluralidade das sociedades liberais, e a outra, para os regimes de força, que encontraram no comunismo e no fascismo sua face mais definida.
O petismo no poder é fruto do regime democrático, sim, mas o poder no petismo é herdeiro intelectual do ódio à democracia e da crença de que um partido conduz e vigia a sociedade, não o contrário. Na legenda, não são poucos os convictos de que certos homens, em razão de sua ideologia, de seus compromissos ou de seus feitos, se situam acima das leis. Eis o substrato das acusações infundadas de que os ministros do STF desprezaram a jurisprudência da Corte para condená-los. Trata-se de uma mentira influente até mesmo entre aqueles que, de boa-fé, saúdam a “mudança” do tribunal.
Doses de ignorância específica e de má-fé se juntaram em pencas de textos sustentando, por exemplo, que, “sem o ato de ofício”, seria impossível punir um corrupto. Fato! O truque estava no que se entendia por isso. Os atos de ofício designam o conjunto de competências e atribuições de uma autoridade, com ou sem documento assinado. O Artigo 317 do Código Penal — uma lei de 1940 — assim define a corrupção passiva: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Ora, como poderia assinar um documento quem ainda nem tomou posse? O voto de um congressista é um de seus atos de ofício. Se recebeu vantagens indevidas em razão dele, praticou corrupção passiva. Pouco importa se traiu até o corruptor.
A questão é igualmente vital quando se trata da corrupção ativa, um dos crimes pelos quais foi condenado José Dirceu, definida no Artigo 333 do Código Penal pela mesma lei de 1940: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Nos dois casos, se o ato for efetivamente praticado, o que se tem é a elevação da pena.
Dirceu e seus sequazes, no entanto, sustentam que inexistem provas e que ele está sendo condenado com base numa interpretação falaciosa da chamada “Teoria do Domínio do Fato”, que busca responsabilizar criminalmente o mandante, aquele que, embora no domínio do fato criminoso, não deixa rastro. É evidente que não pode ser aplicada sem provas. E não foi. Há não uma, mas muitas delas contra Dirceu. Parlamentares disseram em juízo que os acordos com Delúbio Soares tinham de ser referendados pelo então ministro; ficaram evidentes suas relações com os bancos BMG e Rural, como atestam depoimentos da banqueira Kátia Rabello; foi ele um dos articula-dores da reunião, em Lisboa, entre Marcos Valé-rio, um representante do PTB e dirigentes da Portugal Telecom etc. O Artigo 239 do Código de Processo Penal trata das provas indiciárias: “Considera-se indício a circunstância conhecida e proada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
Não é uma inovação para perseguir Dirceu. A lei é de 1941. Em uma de suas intervenções, o então ministro Ayres Britto esclareceu (no fim deste artigo, o endereço com a íntegra de sua intervenção):
“(...) os fatos referidos pelo Procurador-Geral da República (...) se encontram provados em suas linhas gerais. Eles aconteceram por modo entrelaçado com a maior parte dos réus, conforme atestam depoimentos, inquirições, cheques, laudos, vistorias, inspeções, e-mails, mandados de busca e apreensão, entre outros meios de prova. Prova direta, válida e robustamente produzida em Juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais e processos administrativos, porém conectadas com as primeiras em sua materialidade e lógica elementar(...)”.
A última falácia dizia respeito à cassação dos mandatos dos deputados condenados com trânsito em julgado. Corria-se o risco, como se escandalizou o ministro Gilmar Mendes, de o Brasil ter um deputado encarcerado. Da combinação dos Artigos 15 e 55 da Constituição com o Artigo 92 do Código Penal, decidiu o STF que parlamentares condenados em última instância por crimes contra a administração pública estão automaticamente cassados. Inovação? Feitiçaria? Juízo excepcional? Não! Apenas a aplicação dos códigos que regem o país.
A gritaria que se seguiu à decisão chega a ser ridícula. Eis a redação do Artigo 92 do Código Penal, que cassa o mandato dos deputados men-saleiros, segundo autoriza a Constituição:
São também efeitos da condenação
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
É trecho da Lei n° 9268, de 1996, aprovada pela Câmara e pelo Senado. O Congresso, pois, já decidiu que deputados e senadores condenados em processos criminais, com trânsito em julgado, têm seus respectivos mandatos cassados, nas condições discriminadas acima. Para os crimes de pequeno potencial ofensivo, a palavra final é das duas Casas. O STF harmonizou os dispositivos constitucionais e deu eficácia à lei. Julgamento havido em 1995 tratava de caso muito distinto e, como se nota, se deu antes da lei de 1996.
Coube ao decano, Celso de Mello, o voto de desempate, alinhando-se com o relator e agora presidente da Casa, Joaquim Barbosa, que resistiu a todas as patrulhas e intimidações de 2007 a esta data: “Não se revela possível que, em plena vigência do estado democrático de direito, autoridades qualificadas pela alta posição institucional que ostentam na estrutura de poder dessa República possam descumprir pura e simplesmente uma decisão irrecorrível do STF”. O ministro estava dizendo, por outras palavras, que, nas democracias de direito, é a igualdade perante a lei que permite aos homens exercer as suas particularidades; é só nas tiranias que as particularidades de alguns igualam todos os outros na carência de direitos. Uma fala oportuna, no momento em que certos “intelectuais” de esquerda e deslumbrados do miolo mole resolveram defender uma variante dita “progressista” do “rouba, mas faz”, na suposição de que o desvio ético seria um preço a pagar pelo avanço social. É espantoso. É o “rouba porque faz”. Só há um jeito de isso ser considerado aceitável: além dos cofres, eles precisam ser bem-sucedidos em roubar também as instituições.
Em nome do povo — isto é, das leis —, o Supremo lhes disse “não”.
Antes uma realidade quase intangível, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi parar na sala de estar dos brasileiros em 2012. No ano em que Carminha e Nina, da novela Avenida Brasil, embaralharam as noções corriqueiras de Bem e de Mal, os ministros se tomaram porta-vozes dos anseios de milhões de brasileiros justamente por terem sabido o que era o Bem e o que era o Mal. Cumpre notar que os juizes do STF não acharam o direito nas ruas, no alarido dos bares ou nos debates das redações. Decidiram segundo a Constituição, as leis e a jurisprudência da Corte. Personagens como José Dirceu, José Ge-noino e João Paulo Cunha se dizem vítimas de um tribunal de exceção e conclamam seus eventuais seguidores a julgar os juizes. Queriam ser tratados como sujeitos excepcionais. A questão é mais ampla do que se percebe à primeira vista.
A luta dos homens por igualdade perante a lei produziu tudo o que sabemos de bom e de útil nas sociedades; já o discurso da igualdade ao arrepio da lei só gerou morte e barbárie. Os atores políticos que tornam o mundo mais justo e tolerante anseiam por um horizonte institucional que universalize direitos para que emerjam as particularidades. Nas democracias, porque são iguais, os homens podem, então, ser diferentes. Nas ditaduras, em nome da igualdade, os poderosos esmagam as individualidades. Nas tiranias, porque são diferentes, os homens são, então, obrigados a ser iguais. Uma possibilidade acena para a pluralidade das sociedades liberais, e a outra, para os regimes de força, que encontraram no comunismo e no fascismo sua face mais definida.
O petismo no poder é fruto do regime democrático, sim, mas o poder no petismo é herdeiro intelectual do ódio à democracia e da crença de que um partido conduz e vigia a sociedade, não o contrário. Na legenda, não são poucos os convictos de que certos homens, em razão de sua ideologia, de seus compromissos ou de seus feitos, se situam acima das leis. Eis o substrato das acusações infundadas de que os ministros do STF desprezaram a jurisprudência da Corte para condená-los. Trata-se de uma mentira influente até mesmo entre aqueles que, de boa-fé, saúdam a “mudança” do tribunal.
Doses de ignorância específica e de má-fé se juntaram em pencas de textos sustentando, por exemplo, que, “sem o ato de ofício”, seria impossível punir um corrupto. Fato! O truque estava no que se entendia por isso. Os atos de ofício designam o conjunto de competências e atribuições de uma autoridade, com ou sem documento assinado. O Artigo 317 do Código Penal — uma lei de 1940 — assim define a corrupção passiva: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Ora, como poderia assinar um documento quem ainda nem tomou posse? O voto de um congressista é um de seus atos de ofício. Se recebeu vantagens indevidas em razão dele, praticou corrupção passiva. Pouco importa se traiu até o corruptor.
A questão é igualmente vital quando se trata da corrupção ativa, um dos crimes pelos quais foi condenado José Dirceu, definida no Artigo 333 do Código Penal pela mesma lei de 1940: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Nos dois casos, se o ato for efetivamente praticado, o que se tem é a elevação da pena.
Dirceu e seus sequazes, no entanto, sustentam que inexistem provas e que ele está sendo condenado com base numa interpretação falaciosa da chamada “Teoria do Domínio do Fato”, que busca responsabilizar criminalmente o mandante, aquele que, embora no domínio do fato criminoso, não deixa rastro. É evidente que não pode ser aplicada sem provas. E não foi. Há não uma, mas muitas delas contra Dirceu. Parlamentares disseram em juízo que os acordos com Delúbio Soares tinham de ser referendados pelo então ministro; ficaram evidentes suas relações com os bancos BMG e Rural, como atestam depoimentos da banqueira Kátia Rabello; foi ele um dos articula-dores da reunião, em Lisboa, entre Marcos Valé-rio, um representante do PTB e dirigentes da Portugal Telecom etc. O Artigo 239 do Código de Processo Penal trata das provas indiciárias: “Considera-se indício a circunstância conhecida e proada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
Não é uma inovação para perseguir Dirceu. A lei é de 1941. Em uma de suas intervenções, o então ministro Ayres Britto esclareceu (no fim deste artigo, o endereço com a íntegra de sua intervenção):
“(...) os fatos referidos pelo Procurador-Geral da República (...) se encontram provados em suas linhas gerais. Eles aconteceram por modo entrelaçado com a maior parte dos réus, conforme atestam depoimentos, inquirições, cheques, laudos, vistorias, inspeções, e-mails, mandados de busca e apreensão, entre outros meios de prova. Prova direta, válida e robustamente produzida em Juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais e processos administrativos, porém conectadas com as primeiras em sua materialidade e lógica elementar(...)”.
A última falácia dizia respeito à cassação dos mandatos dos deputados condenados com trânsito em julgado. Corria-se o risco, como se escandalizou o ministro Gilmar Mendes, de o Brasil ter um deputado encarcerado. Da combinação dos Artigos 15 e 55 da Constituição com o Artigo 92 do Código Penal, decidiu o STF que parlamentares condenados em última instância por crimes contra a administração pública estão automaticamente cassados. Inovação? Feitiçaria? Juízo excepcional? Não! Apenas a aplicação dos códigos que regem o país.
A gritaria que se seguiu à decisão chega a ser ridícula. Eis a redação do Artigo 92 do Código Penal, que cassa o mandato dos deputados men-saleiros, segundo autoriza a Constituição:
São também efeitos da condenação
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
É trecho da Lei n° 9268, de 1996, aprovada pela Câmara e pelo Senado. O Congresso, pois, já decidiu que deputados e senadores condenados em processos criminais, com trânsito em julgado, têm seus respectivos mandatos cassados, nas condições discriminadas acima. Para os crimes de pequeno potencial ofensivo, a palavra final é das duas Casas. O STF harmonizou os dispositivos constitucionais e deu eficácia à lei. Julgamento havido em 1995 tratava de caso muito distinto e, como se nota, se deu antes da lei de 1996.
Coube ao decano, Celso de Mello, o voto de desempate, alinhando-se com o relator e agora presidente da Casa, Joaquim Barbosa, que resistiu a todas as patrulhas e intimidações de 2007 a esta data: “Não se revela possível que, em plena vigência do estado democrático de direito, autoridades qualificadas pela alta posição institucional que ostentam na estrutura de poder dessa República possam descumprir pura e simplesmente uma decisão irrecorrível do STF”. O ministro estava dizendo, por outras palavras, que, nas democracias de direito, é a igualdade perante a lei que permite aos homens exercer as suas particularidades; é só nas tiranias que as particularidades de alguns igualam todos os outros na carência de direitos. Uma fala oportuna, no momento em que certos “intelectuais” de esquerda e deslumbrados do miolo mole resolveram defender uma variante dita “progressista” do “rouba, mas faz”, na suposição de que o desvio ético seria um preço a pagar pelo avanço social. É espantoso. É o “rouba porque faz”. Só há um jeito de isso ser considerado aceitável: além dos cofres, eles precisam ser bem-sucedidos em roubar também as instituições.
Em nome do povo — isto é, das leis —, o Supremo lhes disse “não”.
2013, o ano da volta ao passado - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
O governo Lula beneficiou-se do ciclo de reformas institucionais lideradas por Fernando Henrique Cardoso que resultaram no aumento da produtividade e, assim, do potencial de crescimento da economia. A produtividade explica 88% da diferença de expansão do PIB nos dois períodos (1995-2002 e 2003-2010), da ordem de 2,3% e 4,1 %, respectivamente.
As reformas de FHC impressionam: Plano Real; privatização das telecomunicações e de rodovias; eliminação de restrições ao capital privado (nacional e estrangeiro), inclusive no petróleo; câmbio flutuante; metas para a inflação; modernização das normas cambiais; reestruturação de dívidas estaduais e municipais; Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e maior abertura da economia, para citar as principais. Tudo isso levaria tempo para frutificar.
O PT foi contra a maioria dessas reformas. Duvidou do Plano Real, mobilizou multidões contra a privatização da Telebras, questionou a LRF no Judiciário e tachou de neoliberais os avanços institucionais. No governo, mais amadurecido, Lula teve a coragem de manter as mudanças que condenava. Por isso, pôde colher os frutos dos plantios anteriores e da emergência da China como o principal parceiro comercial do país. O maior crescimento permitiu expandir as políticas sociais, incluindo aumentos reais do salário mínimo. Lula se consagrou como grande presidente, ainda que os escândalos em áreas do governo possam turvar esse brilho.
Nos seus dois primeiros anos, Lula continuou o ciclo de reformas de FHC: nova Lei de Falências, reforma do Judiciário e inovações no sistema financeiro. Estas ampliaram o acesso ao crédito a milhões de brasileiros, inclusive para a casa própria. De 2005 em diante, tudo parou. Muitos de seus companheiros nunca aceitaram a política econômica. Depois da crise mundial de 2008, foram despertadas idéias contrárias, que estavam adormecidas pelo êxito econômico e pelo pragmatismo de Lula. Iniciou-se crescente intervenção estatal na economia e partiu-se para a reedição de políticas do passado, notadamente as do govemo Geisel (1974-1979).
No governo Dilma, tais idéias triunfaram de vez. A taxa de juros baixou na marra, o regime cambial deixou de ser flutuante, o cumprimento da meta de superávit primário passou a depender de malabarismos financeiros e artifícios contábeis. O Banco Central (BC) se tornou tolerante à inflação e o controle de preços da gasolina - que fragiliza a Petrobras e os produtores de eta- nol - voltou à cena. A famigerada "conta movimento", pela qual o BC supria o Banco do Brasil de recursos e constituía canal para subsídios generosos, foi ressuscitada, agora via Tesouro e BNDES. Entre 2008 e 2012, os aportes ao BNDES saltaram de 15 bilhões de reais para 270 bilhões de reais, e o acumulado deve aumentar em 2013. O protecionismo reapareceu. A confusa intervenção no mercado de energia elétrica escancarou o DNA autoritário e antilucro do governo. O foco principal da política econômica é o estímulo à demanda, um equívoco (o problema está na oferta, sobressaindo a baixa competitividade da indústria).
A nova política econômica era reivindicada por lideranças empresariais e por economistas. Dizia-se que o investimento e o PIB cresceriam com uma combinação de juros baixos, câmbio desvalorizado, crédito subsidiado e proteção à indústria. Não funcionou. Desconsiderou-se a relevância da produtividade, que despencou por causa da paralisia das reformas. O intervencionismo excessivo criou incertezas que inibem o investimento. O potencial de crescimento caiu. A expansão do PIB em 2012 pode ficar abaixo de 1%. Para 2013, as previsões otimistas do ministro da Fazenda (crescimento de 4%) podem não se confirmar (mais uma vez).
O desempenho medíocre de 2012 não mudou as convicções do governo. Basta, diz-se. paciência para esperar os efeitos positivos das medidas na taxa de investimento - que cai há cinco trimestres seguidos e pode cair novamente no trimestre em curso - e no crescimento do PIB. Dilma tem legitimidade política e instrumentos para dobrar a aposta na estratégia, cuja validade será testada em 2013. Esperemos e torçamos para que dê certo. Eu tenho cá minhas dúvidas.
As reformas de FHC impressionam: Plano Real; privatização das telecomunicações e de rodovias; eliminação de restrições ao capital privado (nacional e estrangeiro), inclusive no petróleo; câmbio flutuante; metas para a inflação; modernização das normas cambiais; reestruturação de dívidas estaduais e municipais; Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e maior abertura da economia, para citar as principais. Tudo isso levaria tempo para frutificar.
O PT foi contra a maioria dessas reformas. Duvidou do Plano Real, mobilizou multidões contra a privatização da Telebras, questionou a LRF no Judiciário e tachou de neoliberais os avanços institucionais. No governo, mais amadurecido, Lula teve a coragem de manter as mudanças que condenava. Por isso, pôde colher os frutos dos plantios anteriores e da emergência da China como o principal parceiro comercial do país. O maior crescimento permitiu expandir as políticas sociais, incluindo aumentos reais do salário mínimo. Lula se consagrou como grande presidente, ainda que os escândalos em áreas do governo possam turvar esse brilho.
Nos seus dois primeiros anos, Lula continuou o ciclo de reformas de FHC: nova Lei de Falências, reforma do Judiciário e inovações no sistema financeiro. Estas ampliaram o acesso ao crédito a milhões de brasileiros, inclusive para a casa própria. De 2005 em diante, tudo parou. Muitos de seus companheiros nunca aceitaram a política econômica. Depois da crise mundial de 2008, foram despertadas idéias contrárias, que estavam adormecidas pelo êxito econômico e pelo pragmatismo de Lula. Iniciou-se crescente intervenção estatal na economia e partiu-se para a reedição de políticas do passado, notadamente as do govemo Geisel (1974-1979).
No governo Dilma, tais idéias triunfaram de vez. A taxa de juros baixou na marra, o regime cambial deixou de ser flutuante, o cumprimento da meta de superávit primário passou a depender de malabarismos financeiros e artifícios contábeis. O Banco Central (BC) se tornou tolerante à inflação e o controle de preços da gasolina - que fragiliza a Petrobras e os produtores de eta- nol - voltou à cena. A famigerada "conta movimento", pela qual o BC supria o Banco do Brasil de recursos e constituía canal para subsídios generosos, foi ressuscitada, agora via Tesouro e BNDES. Entre 2008 e 2012, os aportes ao BNDES saltaram de 15 bilhões de reais para 270 bilhões de reais, e o acumulado deve aumentar em 2013. O protecionismo reapareceu. A confusa intervenção no mercado de energia elétrica escancarou o DNA autoritário e antilucro do governo. O foco principal da política econômica é o estímulo à demanda, um equívoco (o problema está na oferta, sobressaindo a baixa competitividade da indústria).
A nova política econômica era reivindicada por lideranças empresariais e por economistas. Dizia-se que o investimento e o PIB cresceriam com uma combinação de juros baixos, câmbio desvalorizado, crédito subsidiado e proteção à indústria. Não funcionou. Desconsiderou-se a relevância da produtividade, que despencou por causa da paralisia das reformas. O intervencionismo excessivo criou incertezas que inibem o investimento. O potencial de crescimento caiu. A expansão do PIB em 2012 pode ficar abaixo de 1%. Para 2013, as previsões otimistas do ministro da Fazenda (crescimento de 4%) podem não se confirmar (mais uma vez).
O desempenho medíocre de 2012 não mudou as convicções do governo. Basta, diz-se. paciência para esperar os efeitos positivos das medidas na taxa de investimento - que cai há cinco trimestres seguidos e pode cair novamente no trimestre em curso - e no crescimento do PIB. Dilma tem legitimidade política e instrumentos para dobrar a aposta na estratégia, cuja validade será testada em 2013. Esperemos e torçamos para que dê certo. Eu tenho cá minhas dúvidas.
A lógica desastrosa de Lula sobre a imprensa - EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA
Há coisa de dez dias, em Paris, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou dos jornais. De novo. "Quando político é denunciado, a cara dele sai noite e dia nos jornais", disse ele. Na sequência, lançou uma acusação baixa contra a imprensa: "Vocês já viram banqueiro nos jornais? São eles que pagam as publicidades da mídia". Segundo Lula, os anunciantes estão a salvo das reportagens investigativas, pois os repórteres e os editores não têm a dignidade de apurar os fatos e de publicá-los com um grau mínimo de independência crítica.
Claro: os jornalistas de brio, honrados, foram ultrajados por ele. O interessante é que quase ninguém se deu ao trabalho de responder à ofensa. Por que será?
Existe uma explicação. Essa história de político falando mal dos jornais e das revistas já se banalizou. Virou uma epidemia. Lula não é o único, embora seja dos mais reincidentes. Há cerca de dois meses, no final da campanha municipal, em São Paulo, o então candidato a prefeito José Serra (PSDB) deu de acusar os repórteres que formulavam perguntas incômodas (na opinião dele) de ser agentes de "pautas petistas". Ao desqualificar os profissionais que cumpriam seu dever de perguntar, procurava se esquivar das indagações e, em parte, foi bem-sucedido na manobra. Lula, outra vez, lança mão do mesmo truque. Quando lhe cobram explicações sobre os escândalos de seu partido, investe contra a reportagem. Como ele fala isso a toda hora, seus vitupérios já não chamam a atenção. Deixaram de ser notícia. Daí que os próprios jornalistas não se dão ao trabalho de responder.
Desta vez, porém, uma resposta não pode faltar. O julgamento de Lula está baseado em quatro grandes mentiras, que desinformam a sociedade e podem induzir a enganos desastrosos. Por isso, tratemos de pôr as coisas a limpo.
Primeira mentira. Não é verdade que a imprensa não publica reportagens que incomodam banqueiros. Você, leitor, há de se lembrar. Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos; Luís Octávio índio da Costa, do Banco Cruzeiro do Sul; Salvatore Cacciola, do Banco Marca; Silvio Santos, do Banco Panamericano; Katia Rabello, do Banco Rural; Ricardo Guimarães, do Banco BMG; entre outros, muitos outros, também se lembram muito bem.
Segunda mentira. Não é verdade que os bancos privados são os maiores anunciantes do Brasil. Segundo um levantamento do anuário Mídia Dados, o Bradesco investiu, em 2011, R$ 905 milhões em publicidade. É muito dinheiro. Mas atenção: a Caixa, que pertence ao governo federal, investiu mais que o Bradesco: R$ 1,092 bilhão. E os dois maiores anunciantes privados do país em 2011 não têm nada a ver com bancos: Casas Bahia (R$ 3,3 bilhões) e Unilever (R$ 2,6 bilhões).
Terceira mentira. Não é verdade que qualquer acusação contra político vira manchete assim sem mais nem menos. A imprensa erra, claro que erra, deve ser criticada com rigor - mas a imprensa não é uma instituição corrupta, vendida. Nos escândalos recentes (mensalão etc), acertou muito e ajudou a flagrar os bandidos de colarinho branco.
Quarta mentira. Não é verdade que os anunciantes saem sempre bem na foto. Se assim fosse, nenhuma revista, nenhum jornal, ninguém falaria mal dos governos (federal e estaduais), que anunciam bem mais que os banqueiros privados. Já vimos que a Caixa é um anunciante mastodôntico, assim como o Banco do Brasil (R$ 587 milhões em 2011), e, não obstante, alguns de seus dirigentes andaram frequentando o noticiário. Somente o ministério da educação, segundo estimativas do mesmo Mídia Dados, veiculou anúncios no valor de R$ 298 milhões em 2011 - e nem por isso está a salvo de críticas. Essas quatro grandes mentiras põem em marcha uma lógica desastrosa. Nos dois governos de Lula, os gastos de dinheiro público em publicidade se mantiveram em crescimento. Hoje, o governo federal, com suas estatais, é um dos maiores anunciantes do mercado. Agora que sabemos que, na opinião de Lula, os jornalistas são comprados pelos anunciantes, é o caso de perguntar: com que propósito o governo gasta fortunas em comunicação? Será que pretende comprar jornalistas? Será que os anúncios governamentais são uma tentativa de suborno?
Cuidado. Não caia em embromação. A imprensa pode perfeitamente brigar com os anunciantes, sejam eles estatais, governamentais ou privados. Ela pode até perdê-los. O que ela não pode perder é a confiança do leitor, a sua confiança, que vale mais que banco, mais que ouro. A boa imprensa, aquela que realmente conta, é refém apenas da verdade. Não cede ao dinheiro do anunciante nem aos gritos dos políticos.
Há coisa de dez dias, em Paris, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou dos jornais. De novo. "Quando político é denunciado, a cara dele sai noite e dia nos jornais", disse ele. Na sequência, lançou uma acusação baixa contra a imprensa: "Vocês já viram banqueiro nos jornais? São eles que pagam as publicidades da mídia". Segundo Lula, os anunciantes estão a salvo das reportagens investigativas, pois os repórteres e os editores não têm a dignidade de apurar os fatos e de publicá-los com um grau mínimo de independência crítica.
Claro: os jornalistas de brio, honrados, foram ultrajados por ele. O interessante é que quase ninguém se deu ao trabalho de responder à ofensa. Por que será?
Existe uma explicação. Essa história de político falando mal dos jornais e das revistas já se banalizou. Virou uma epidemia. Lula não é o único, embora seja dos mais reincidentes. Há cerca de dois meses, no final da campanha municipal, em São Paulo, o então candidato a prefeito José Serra (PSDB) deu de acusar os repórteres que formulavam perguntas incômodas (na opinião dele) de ser agentes de "pautas petistas". Ao desqualificar os profissionais que cumpriam seu dever de perguntar, procurava se esquivar das indagações e, em parte, foi bem-sucedido na manobra. Lula, outra vez, lança mão do mesmo truque. Quando lhe cobram explicações sobre os escândalos de seu partido, investe contra a reportagem. Como ele fala isso a toda hora, seus vitupérios já não chamam a atenção. Deixaram de ser notícia. Daí que os próprios jornalistas não se dão ao trabalho de responder.
Desta vez, porém, uma resposta não pode faltar. O julgamento de Lula está baseado em quatro grandes mentiras, que desinformam a sociedade e podem induzir a enganos desastrosos. Por isso, tratemos de pôr as coisas a limpo.
Primeira mentira. Não é verdade que a imprensa não publica reportagens que incomodam banqueiros. Você, leitor, há de se lembrar. Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos; Luís Octávio índio da Costa, do Banco Cruzeiro do Sul; Salvatore Cacciola, do Banco Marca; Silvio Santos, do Banco Panamericano; Katia Rabello, do Banco Rural; Ricardo Guimarães, do Banco BMG; entre outros, muitos outros, também se lembram muito bem.
Segunda mentira. Não é verdade que os bancos privados são os maiores anunciantes do Brasil. Segundo um levantamento do anuário Mídia Dados, o Bradesco investiu, em 2011, R$ 905 milhões em publicidade. É muito dinheiro. Mas atenção: a Caixa, que pertence ao governo federal, investiu mais que o Bradesco: R$ 1,092 bilhão. E os dois maiores anunciantes privados do país em 2011 não têm nada a ver com bancos: Casas Bahia (R$ 3,3 bilhões) e Unilever (R$ 2,6 bilhões).
Terceira mentira. Não é verdade que qualquer acusação contra político vira manchete assim sem mais nem menos. A imprensa erra, claro que erra, deve ser criticada com rigor - mas a imprensa não é uma instituição corrupta, vendida. Nos escândalos recentes (mensalão etc), acertou muito e ajudou a flagrar os bandidos de colarinho branco.
Quarta mentira. Não é verdade que os anunciantes saem sempre bem na foto. Se assim fosse, nenhuma revista, nenhum jornal, ninguém falaria mal dos governos (federal e estaduais), que anunciam bem mais que os banqueiros privados. Já vimos que a Caixa é um anunciante mastodôntico, assim como o Banco do Brasil (R$ 587 milhões em 2011), e, não obstante, alguns de seus dirigentes andaram frequentando o noticiário. Somente o ministério da educação, segundo estimativas do mesmo Mídia Dados, veiculou anúncios no valor de R$ 298 milhões em 2011 - e nem por isso está a salvo de críticas. Essas quatro grandes mentiras põem em marcha uma lógica desastrosa. Nos dois governos de Lula, os gastos de dinheiro público em publicidade se mantiveram em crescimento. Hoje, o governo federal, com suas estatais, é um dos maiores anunciantes do mercado. Agora que sabemos que, na opinião de Lula, os jornalistas são comprados pelos anunciantes, é o caso de perguntar: com que propósito o governo gasta fortunas em comunicação? Será que pretende comprar jornalistas? Será que os anúncios governamentais são uma tentativa de suborno?
Cuidado. Não caia em embromação. A imprensa pode perfeitamente brigar com os anunciantes, sejam eles estatais, governamentais ou privados. Ela pode até perdê-los. O que ela não pode perder é a confiança do leitor, a sua confiança, que vale mais que banco, mais que ouro. A boa imprensa, aquela que realmente conta, é refém apenas da verdade. Não cede ao dinheiro do anunciante nem aos gritos dos políticos.
O humanismo do Deus da carnificina - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 24/12
Essa hipótese é conhecida por todo estudioso do cristianismo antigo: Deus pode ser mal
HOJE É véspera de Natal. Noite feliz. Proponho como espiritualidade natalina a hipótese do filme "Deus da Carnificina", de Roman Polanski. O filme é uma peça de teatro, uma prova perfeita de que menos é mais.
O elenco arrasa: Jodie Foster (a chata politicamente correta azeda), Kate Winslet (a gostosa reprimida e histérica que vomita quando fica nervosa e se ressente da ausência do marido que não larga o celular), Christoph Waltz (advogado cínico de uma indústria farmacêutica, marido da Winslet) e John C. Reilly (marido da Foster, aparentemente pacífico e submisso a ela, com medo de hamsters, mas que estoura no fim e a acusa de ser moralista e "fake").
Dois casais se encontram na casa de um deles (Foster e Reilly) para conversar sobre a porrada na cara que o filho deles recebeu do filho do outro casal (Winslet e Waltz).
O que de início parece ser uma conversa civilizada entre pessoas que têm um conflito para resolver num "espírito Obama de ser", do tipo "a guerra do Oriente Médio pode ser resolvida com um ciclo de filmes chatos sobre a paz", acaba por se transformar num desentendimento geral em que as verdadeiras e sombrias personalidades e vergonhas aparecem.
Exceção feita ao advogado que, desde cedo, revela sua impaciência com o blá-blá-blá do amor à África da personagem da Foster e sua ideia de que nós ocidentais de fato superamos nossas misérias em favor de uma sociedade com "consciência social". Consciência social é sempre tão falsa como bolsa Prada "fake", ou se não é falsa, você é um puritano fanático que baba sangue na mesa.
Ela escreve livros sobre Darfur e a miséria na África e, em meio a seus berros contidos de histérica, ela decreta que quem não se preocupa com a pobreza mundial não tem caráter. Tenta passar a imagem de que ama e perdoa a todos, inclusive o filho da Winslet que bateu em seu filho, mas no fundo é uma passiva agressiva, aquele tipo de mulher descrita por Woody Allen, que fala baixinho, mas fere fundo com sua saliva venenosa e cruel.
Outro traço risível da personagem da Foster é seu "amor à cultura". Quando Winslet vomita em seus livros de arte (aquele tipo de livro-trambolho de arte que a classe média "semiletrada", termo usado pelo crítico Otto Maria Carpeaux, deixa em sua mesa de centro como atestado de sua ilustração afetada), Foster começa a gritar e fala como eles procuram dar aos filhos uma educação "cultural" para fazer deles pessoas melhores.
Risadas? Se não bastasse o clichê dos nazistas que choravam com Bach à noite e torravam judeus de dia, qualquer pessoa inteligente e não afetada por essa falácia de que a cultura deixa alguém melhor sabe do ridículo dessa hipótese pedagógica.
Foster é aquele tipo de mãe que acha que seus filhos ficam nas redes sociais discutindo a fome em Zâmbia, quando na realidade estão fazendo bullying em rede com algum colega feio da escola.
O conflito central do enredo se dá entre esse novo puritanismo "fake" que assola o mundo contemporâneo de gente chiquezinha de Nova York e São Paulo (gente que fala frases do tipo "Nova York é outra coisa"), representada por Jodie Foster, e o cinismo niilista do advogado interpretado por Waltz.
A hipótese do advogado, que dá nome ao filme (em inglês "Carnage", que é carnificina), é de que talvez exista um Deus, mas ele é mal e gosta de nos ver nos matando, daí a carnificina. Em oposição ao besteirol da África vítima, ele narra suas viagens à África, nas quais vê como eles se matam entre si com prazer, cortando-se mutuamente em pedaços. E Deus se diverte com isso.
Essa hipótese é conhecida por todo estudioso do cristianismo antigo: alguns textos antigos falam de um Deus mau, o Deus dos gnósticos.
Ele seria um sádico e nos criou para nos torturar. Essa hipótese, com diferenças locais, aparece em heréticos como os bogomilos e cátaros na Idade Média, em Sade no século 18, em Cioran no 20 e em Lars von Trier na sua releitura do Éden, no "Anticristo".
Eu prefiro o niilismo do advogado Waltz ao amor "político" da Foster. Escolho a dor, e não a mentira, porque sou um humanista.
Essa hipótese é conhecida por todo estudioso do cristianismo antigo: Deus pode ser mal
HOJE É véspera de Natal. Noite feliz. Proponho como espiritualidade natalina a hipótese do filme "Deus da Carnificina", de Roman Polanski. O filme é uma peça de teatro, uma prova perfeita de que menos é mais.
O elenco arrasa: Jodie Foster (a chata politicamente correta azeda), Kate Winslet (a gostosa reprimida e histérica que vomita quando fica nervosa e se ressente da ausência do marido que não larga o celular), Christoph Waltz (advogado cínico de uma indústria farmacêutica, marido da Winslet) e John C. Reilly (marido da Foster, aparentemente pacífico e submisso a ela, com medo de hamsters, mas que estoura no fim e a acusa de ser moralista e "fake").
Dois casais se encontram na casa de um deles (Foster e Reilly) para conversar sobre a porrada na cara que o filho deles recebeu do filho do outro casal (Winslet e Waltz).
O que de início parece ser uma conversa civilizada entre pessoas que têm um conflito para resolver num "espírito Obama de ser", do tipo "a guerra do Oriente Médio pode ser resolvida com um ciclo de filmes chatos sobre a paz", acaba por se transformar num desentendimento geral em que as verdadeiras e sombrias personalidades e vergonhas aparecem.
Exceção feita ao advogado que, desde cedo, revela sua impaciência com o blá-blá-blá do amor à África da personagem da Foster e sua ideia de que nós ocidentais de fato superamos nossas misérias em favor de uma sociedade com "consciência social". Consciência social é sempre tão falsa como bolsa Prada "fake", ou se não é falsa, você é um puritano fanático que baba sangue na mesa.
Ela escreve livros sobre Darfur e a miséria na África e, em meio a seus berros contidos de histérica, ela decreta que quem não se preocupa com a pobreza mundial não tem caráter. Tenta passar a imagem de que ama e perdoa a todos, inclusive o filho da Winslet que bateu em seu filho, mas no fundo é uma passiva agressiva, aquele tipo de mulher descrita por Woody Allen, que fala baixinho, mas fere fundo com sua saliva venenosa e cruel.
Outro traço risível da personagem da Foster é seu "amor à cultura". Quando Winslet vomita em seus livros de arte (aquele tipo de livro-trambolho de arte que a classe média "semiletrada", termo usado pelo crítico Otto Maria Carpeaux, deixa em sua mesa de centro como atestado de sua ilustração afetada), Foster começa a gritar e fala como eles procuram dar aos filhos uma educação "cultural" para fazer deles pessoas melhores.
Risadas? Se não bastasse o clichê dos nazistas que choravam com Bach à noite e torravam judeus de dia, qualquer pessoa inteligente e não afetada por essa falácia de que a cultura deixa alguém melhor sabe do ridículo dessa hipótese pedagógica.
Foster é aquele tipo de mãe que acha que seus filhos ficam nas redes sociais discutindo a fome em Zâmbia, quando na realidade estão fazendo bullying em rede com algum colega feio da escola.
O conflito central do enredo se dá entre esse novo puritanismo "fake" que assola o mundo contemporâneo de gente chiquezinha de Nova York e São Paulo (gente que fala frases do tipo "Nova York é outra coisa"), representada por Jodie Foster, e o cinismo niilista do advogado interpretado por Waltz.
A hipótese do advogado, que dá nome ao filme (em inglês "Carnage", que é carnificina), é de que talvez exista um Deus, mas ele é mal e gosta de nos ver nos matando, daí a carnificina. Em oposição ao besteirol da África vítima, ele narra suas viagens à África, nas quais vê como eles se matam entre si com prazer, cortando-se mutuamente em pedaços. E Deus se diverte com isso.
Essa hipótese é conhecida por todo estudioso do cristianismo antigo: alguns textos antigos falam de um Deus mau, o Deus dos gnósticos.
Ele seria um sádico e nos criou para nos torturar. Essa hipótese, com diferenças locais, aparece em heréticos como os bogomilos e cátaros na Idade Média, em Sade no século 18, em Cioran no 20 e em Lars von Trier na sua releitura do Éden, no "Anticristo".
Eu prefiro o niilismo do advogado Waltz ao amor "político" da Foster. Escolho a dor, e não a mentira, porque sou um humanista.
'Uma p... mulata' - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 24/12
— Não vem uma mulata tirar foto comigo. Só homem...
E mais...
Ainda de Lan, no mesmo samba, ao ver numa parede do Renascença, clube fundado por negros, a pintura de um preto velho (saravá!):
— Já falei pra eles (diretores do clube). Não cobro nada. Se quiserem, podem pôr meus desenhos para decorar. Em vez de preto velho, põe uma puta mulata!
Lan é fofo.
O piloto sumiu
Veja como são as coisas. A Gol, que, como se sabe, ao engolir a Webjet, demitiu todos os tripulantes da miúda, não está conseguindo fechar sua escala deste fim de ano por falta de... gente.
Novo voo
O comandante Carlos Luiz Martins, ex-presidente da Varig, está de mudança para a Suíça.
Será diretor-geral da Federação Internacional de Voleibol em Lausanne, presidida pelo brasileiro Ary Graça.
Tensão nos arquivos
Laéssio Rodrigues de Oliveira, preso em 2007 sob a acusação de furto de documentos históricos em diversos museus, bibliotecas e arquivos do Rio, foi solto agora, depois de uma temporada no presídio Bangu 8.
Entre suas vítimas, segundo o processo que o condenou, estão instituições importantes como Biblioteca Nacional, Museu Histórico Nacional e Itamaraty. Semana passada, teria sido barrado ao tentar visitar a ABL. Calma, gente.
Cachimbo do Perfeito
Perfeito Fortuna, o agitador, compôs a marchinha “Mojicabocanabotija” para o baile da Fundição Progresso, em janeiro.
Trechinho: “Ascendeu Mojica/( ... ) A Cristina'kish'/Chaves dichavou/Dilma não resistiu/Mojica apresentou/Era um tal de traga, traga/Um tal de tosse, tosse/Na cerimônia da fumaça/Mojica tomou posse.”
Eu bebo sim
O carioca, ic!, está entornando todas neste fim de ano.
A AmBev e a Heineken não estão dando conta da demanda de consumo nos templos da boemia mais tradicionais do Rio. No Bar Luiz, por exemplo, na Rua da Carioca, o chope escuro das duas cervejarias está em falta há mais de dez dias.
Feliz 2013
Dezesseis equipamentos de LED serão instalados próximos às balsas dos fogos, no réveillon de
Copabacana, para o povão acompanhar o espetáculo de dança de luzes no céu, com direito à trilha sonora.
Trinta pessoas foram contratadas só para montar este show.
No palco
“O lugar escuro”, livro de Heloísa Seixas sobre a doença de Alzheimer, virou peça de teatro.
Estreia dia 4 de janeiro, no Sesc-Copacabana, no Rio. Os ensaios têm levado às lágrimas quem os assiste.
Oração do coração
Chico Alencar, o deputado boa-praça do PSOL, entregou à editora Vozes os originais de um novo livro.
Chama-se “Oração do coração”, e tem prefácio de Leonardo Boff. Chico, como se sabe, passou por cirurgia cardíaca há pouco, e, viva!, está bem.
Mil e uma noites
Quando menos se espera, chega o... carnaval.
O tema do camarote da revista “Rio, Samba & Carnaval”, na Marquês de Sapucaí, em 2013, será “Puro desejo”, com cenografia do carnavalesco Renato Lage, inspirada em “As mil e uma noites”.
No mais
Feliz Natal!
VETA, DILMA!
A coluna perguntou a alguns coleguinhas do GLOBO o que eles pediriam para a presidente vetar em 2013
ALUIZIO MARANHÃO. “A Infraero nos aeroportos.”
ARNALDO BLOCH. “A demolição da escola e da'aldeia indígena' para as obras do Maracanã.”
ARTHUR DAPIEVE. “Veta, Dilma, ousa fazer o que nem FH nem Lula fizeram e veta qualquer renovação de aliança com as velhas oligarquias regionais. Sarney, Collor, Jader, Renan, Roriz, esses políticos não têm nada a ver com a sua história.”
CORA RISNAI. “Eu queria que a Dilma vetasse o abandono de animais.”
ILIMAR FRANCO. “Qualquer iniciativa destinada a reduzir os programas sociais ou que tenha como objetivo promover a concentração da renda em determinadas regiões do país em detrimento das demais.”
FERNANDO CALAZANS. “Gostaria que a presidente vetasse a permanência por mais de duas eleições desses dirigentes de federações e confederações esportivas que se eternizam nos cargos. Seria o primeiro passo para acabar com a politicagem e a má administração em toda a esfera do esporte brasileiro.”
FLÁVIA OLIVEIRA. “Veta, Dilma! Qualquer ato de intolerância religiosa que ameace os direitos civis no Brasil. O Estado é laico, ensina a Constituição. Sim ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à liberdade de culto, à independência do voto. Sim à democracia plena.”
GEORGE VIDOR. ”Dilma poderia vetar muitos itens da política do seu próprio governo na área de petróleo, como, por exemplo, o desalinhamento nos preços dos combustíveis e a interrupção das rodadas que poderiam atrair bilhões em investimentos para o Brasil.”
HELENA CELESTINO. “A árvore da Lagoa. Engarrafa ainda mais a cidade, já que os guardas não aparecem — e, pior, a cada ano, está mais feia.”
JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS. “Dilma, veta essa saída do metrô na Praca N. S. da Paz. Mantém o metrô, claro, mas abre o buraco na calçada da Rua Visconde de Pirajá. Pode ser em frente ao Fórum Ipanema. Vai ajudar o comércio, vai desovar o passageiro na parte que interessa e deixar em paz o tesouro de verde e paz que é a praça. E, pelo amor de Deus, veta qualquer arquitetura grandiosa para a estação. Basta um buraco no chão, e que os trens saiam no padrão internacional, de cinco em cinco minutos.”
JORGE BASTOS MORENO. “Dilma, veta Eduardo Cunha para a liderança do seu maior parceiro da base, o PMDB, na Câmara. Ele não quer fazer política, mas negócio.”
LUIZ PAULO HORTA. “Gostaria que Dilma vetasse o excesso de retórica nas reuniões entre latino-americanos. Nesse ponto, até que ela se segura bem; mas seus colegas de continente são insuportáveis. O campeão era o Chávez; agora, por causa de algumas células antibolivarianas, acho que ele vai passar o bastão à senhora Kirchner. Veta, Dilma!”
MERVAL PEREIRA. ”Pediria que ela vetasse a tentativa do PT de confrontar o STF. Mas temo que ela não tenha esse poder.”
MIRIAM LEITÃO. “Dilma, não desafeta, não! Explico: desafetar é reduzir o tamanho de áreas de conservação. A presidente tem reduzido a proteção de várias áreas, como a da Floresta Nacional de Jamanxin. Isso faz com que os grileiros desmatem ainda mais, para ela desafetar mais. Portanto, presidente, vete a desafetação (esse é o nome) de áreas protegidas. Em português, vete o desafeto em relação à Amazônia.”
PATRÍCIA KOGUT. “Não depende de veto presidencial. Mas, se dependesse, eu pediriaà presidente para vetar os descalabros que vemos acontecer todos os dias nos hospitais brasileiros. Em 2013, gostaria de ver o governo investindo pesado na saúde, ajudando a diminuir filas e dando tratamento digno e competente a tanta gente que precisa.”
RENATO MAURÍCIO PRADO. “Veta, Dilma, a relação promíscua dos políticos com os cartolas — vide a escolha das sedes da Copa de 2014 e o derrame de dinheiro público na construção de estádios de um Mundial anunciado com a promessa de que seria todo bancado pela iniciativa privada. Se der, veta também a eternização dos dirigentes nos comandos das confederações e federações esportivas.”
ZUENIR VENTURA. “Dilma, veta os apagões. Protegei-nos das trevas nesse verão. Veta, Dilma, a tentação de deixar subir-lhe à cabeça o sucesso nas pesquisas de opinião.”
O DIA DO ANO
Em tempo de balanço, a coluna escolheu 2 de agosto, uma quinta, como o dia mais marcante de 2012. Na data, o STF começou a julgar os 38 réus do mensalão.
Embora alguns ministros tenham absolvido parte dos mensaleiros, nossa Suprema Corte condenou o crime e demonstrou nojo e asco à corrupção que envolveu o meu, o seu, o nosso dinheiro.
O PT foi pego fazendo a mesma coisa feia que tanto havia condenado no passado. Em causa própria, Lula ainda tentou contemporizar com a lambança ao dizer, naquela famosa entrevista em Paris, em 2005: “O PT fez o que é feito no Brasil sistematicamente.” É. Pode ser.
Mas o STF mandou um recado: o Brasil tem que acabar com o crime sem castigo.
MEMÓRIAS DE OSCAR
O ano de 2012 também ficará marcado como aquele em que o Brasil perdeu Oscar Niemeyer. O gênio da arquitetura que jamais traiu suas convicções, ao morrer no dia 5 de dezembro, deixou muitas histórias.
Uma delas é contada pelo publicitário boa-praça Márcio Ehrlich. Consta que, numa filmagem no Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, o mestre, acabada a gravação, afastou-se um pouco e, do nada, sacou uma caneta do bolso e... começou a desenhar numa coluna da imponente construção que ele mesmo projetara.
A turma arregalou os olhos e correu para filmar a cena. Mas, ao voltar com a câmera, em vez de Niemeyer, que já ia longe, estava um funcionário do museu, apagando o desenho, revoltado:
— Um engraçadinho sujou o museu! Impressionante! Há testemunhas.
Discurso de Natal - CARLOS ORSI
FOLHA DE SP - 24/12
Dirão que Papai Noel ocultou o 'aniversariante', que o comércio tomou a data cristã. Mas a raiz do Natal não é o cristianismo. A data já era de festas antes dele
Tão inevitável quanto o próprio Natal são os excessos que o acompanham: de gastos, de comida, de bebida, de riso e de uma alegria que parece não ter outra fonte além da constatação de que, a despeito dos melhores esforços de nossos sábios e hábeis líderes, o país, a civilização e o mundo duraram mais um ano.
E, tão inevitável quanto os excessos, há o murmúrio que vem por baixo da música e do riso, a advertir-nos de que o Natal é uma festa desvirtuada: Papai Noel tomou o lugar do "aniversariante", o menino de Belém! E o interesse comercial engoliu a caridade. Deveríamos nos insurgir contra isso, queixa-se. O Natal deveria voltar a suas raízes cristãs.
Muitas dessas exortações são, provavelmente, bem intencionadas e, até certo ponto, salutares. Sempre é bom ter a mão estendida para os desfavorecidos, principalmente num período de ostentação e fartura, quando as desigualdades ganham ainda mais relevo.
Mas, ao falarem em "raízes cristãs", as vozes de alerta ignoram que a vinculação do 25 de dezembro à figura de Jesus de Nazaré é apenas uma dentre várias. Que a data já estava ligada a um período de festas muito antes da primeira celebração cristã de Natal registrada pelos romanos, no ano 334. Segundo o historiador húngaro Geza Vermes, "a chance de Jesus ter nascido em 25 de dezembro é de 1 em 365 (ou 366, em anos bissextos)".
Ninguém menos que o papa Bento 16 afirmou, em dezembro de 2009, que "a festa do Natal atingiu sua forma definitiva no século 4º, quando substituiu o festival romano de Sol Invictus, o sol invencível".
"Substituiu." A palavra indica que já havia uma festa, à qual o Natal cristão se sobrepôs. Como, então, falar em "raízes cristãs"? As verdadeiras raízes são muito mais profundas: mesmo a adoração romana do Sol Invictus (cuja festa, Dies Natalis Solis Invicti, já incluía até mesmo o nome "Natal") parece ter sido copiada de cultos orientais antigos.
Dos símbolos atuais do Natal, a guirlanda e a própria árvore enfeitada -cuja criação às vezes é atribuída a Lutero- remetem a mitologias que precedem o cristianismo.
O período em torno de 25 de dezembro era especial, para os povos antigos da zona temperada do hemisfério Norte, por incluir o solstício de inverno. A data marca não apenas a noite mais longa do ano como também a promessa de retorno à vida, que ressurge em meio à escuridão, ao gelo e à neve: após a maior das noites, os dias vão se tornando cada vez mais longos. O sol, aos poucos, vence as trevas.
Não é de surpreender, portanto, que celebrações marcadas por fartura, tendo como tema a alegria e a esperança de uma vida melhor, fossem populares. E, como praticamente não há civilização no mundo, hoje, que não seja fruto de um transplante ou de um enxerto da matriz do norte, também não surpreende que uma celebração tão enraizada na cultura de lá tenha se universalizado.
O caráter cristão, supostamente essencial, é apenas uma roupagem, talvez passageira, fruto de um acidente histórico. Em sua raiz mais profunda, a festa celebra não um personagem ou um sistema, mas a esperança de vida após o duro inverno, real ou metafórico.
Num mundo cada vez mais plural, todos os que desejarem partilhar do sentimento deveriam se sentir livres para dar a ele sua face favorita, incluindo a de um bebê numa manjedoura, mas também a de um velhote de gorro vermelho ou, até, face nenhuma. Doutrinas têm donos, mas alegria, esperança e generosidade não admitem monopólio.
Dirão que Papai Noel ocultou o 'aniversariante', que o comércio tomou a data cristã. Mas a raiz do Natal não é o cristianismo. A data já era de festas antes dele
Tão inevitável quanto o próprio Natal são os excessos que o acompanham: de gastos, de comida, de bebida, de riso e de uma alegria que parece não ter outra fonte além da constatação de que, a despeito dos melhores esforços de nossos sábios e hábeis líderes, o país, a civilização e o mundo duraram mais um ano.
E, tão inevitável quanto os excessos, há o murmúrio que vem por baixo da música e do riso, a advertir-nos de que o Natal é uma festa desvirtuada: Papai Noel tomou o lugar do "aniversariante", o menino de Belém! E o interesse comercial engoliu a caridade. Deveríamos nos insurgir contra isso, queixa-se. O Natal deveria voltar a suas raízes cristãs.
Muitas dessas exortações são, provavelmente, bem intencionadas e, até certo ponto, salutares. Sempre é bom ter a mão estendida para os desfavorecidos, principalmente num período de ostentação e fartura, quando as desigualdades ganham ainda mais relevo.
Mas, ao falarem em "raízes cristãs", as vozes de alerta ignoram que a vinculação do 25 de dezembro à figura de Jesus de Nazaré é apenas uma dentre várias. Que a data já estava ligada a um período de festas muito antes da primeira celebração cristã de Natal registrada pelos romanos, no ano 334. Segundo o historiador húngaro Geza Vermes, "a chance de Jesus ter nascido em 25 de dezembro é de 1 em 365 (ou 366, em anos bissextos)".
Ninguém menos que o papa Bento 16 afirmou, em dezembro de 2009, que "a festa do Natal atingiu sua forma definitiva no século 4º, quando substituiu o festival romano de Sol Invictus, o sol invencível".
"Substituiu." A palavra indica que já havia uma festa, à qual o Natal cristão se sobrepôs. Como, então, falar em "raízes cristãs"? As verdadeiras raízes são muito mais profundas: mesmo a adoração romana do Sol Invictus (cuja festa, Dies Natalis Solis Invicti, já incluía até mesmo o nome "Natal") parece ter sido copiada de cultos orientais antigos.
Dos símbolos atuais do Natal, a guirlanda e a própria árvore enfeitada -cuja criação às vezes é atribuída a Lutero- remetem a mitologias que precedem o cristianismo.
O período em torno de 25 de dezembro era especial, para os povos antigos da zona temperada do hemisfério Norte, por incluir o solstício de inverno. A data marca não apenas a noite mais longa do ano como também a promessa de retorno à vida, que ressurge em meio à escuridão, ao gelo e à neve: após a maior das noites, os dias vão se tornando cada vez mais longos. O sol, aos poucos, vence as trevas.
Não é de surpreender, portanto, que celebrações marcadas por fartura, tendo como tema a alegria e a esperança de uma vida melhor, fossem populares. E, como praticamente não há civilização no mundo, hoje, que não seja fruto de um transplante ou de um enxerto da matriz do norte, também não surpreende que uma celebração tão enraizada na cultura de lá tenha se universalizado.
O caráter cristão, supostamente essencial, é apenas uma roupagem, talvez passageira, fruto de um acidente histórico. Em sua raiz mais profunda, a festa celebra não um personagem ou um sistema, mas a esperança de vida após o duro inverno, real ou metafórico.
Num mundo cada vez mais plural, todos os que desejarem partilhar do sentimento deveriam se sentir livres para dar a ele sua face favorita, incluindo a de um bebê numa manjedoura, mas também a de um velhote de gorro vermelho ou, até, face nenhuma. Doutrinas têm donos, mas alegria, esperança e generosidade não admitem monopólio.
Sandices, sob patrocínio brasileiro - MAURO LAVIOLA
O GLOBO - 24/12
Torna-se enfadonho para quem escreve (e também para quem lê) discorrer sobre os "malfeitos" que ocorrem no Mercosul. A leitura da declaração conjunta da recente reunião de cúpula do bloco, por mais boa vontade que se tenha, é desanimadora até para os mais otimistas. Dos sessenta itens que compõem a peça, nenhum se refere a progressos obtidos na gestão operativa do bloco. Também pudera, porque das trinta e sete Decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), apenas quatro referem-se a aspectos operacionais autorizando prorrogações dilatórias de listas setoriais de exceções à TEC. A Venezuela, que ainda não cumpriu qualquer requisito institucional como membro pleno, já assegurou manter 225 itens em exceção até dezembro de 2017.
Por outro lado, após vinte e um anos de vigência do Tratado de Assunção, só agora os mandatários dos países membros descobriram que "o estímulo dos empreendimentos conjuntos, em particular a integração produtiva no Mercosul, implica o engajamento crescente dos setores empresariais, públicos e privados". Assim sendo, resolveram criar o Fórum Empresarial do Mercosul, que ocorrerá semestralmente em paralelo às reuniões dos chefes de estado. Sua criação parece reconhecer supostas deficiências do Fórum Consultivo Econômico-Social que há anos funciona no bloco.
Quem se der ao trabalho de ler a declaração integralmente pode inferir que o Mercosul diagnosticou todas as mazelas do mundo, porque nela estão contidas todas as recomendações possíveis nos planos regional, continental e mundial de cunho político, econômico e social. Nota-se especial preocupação com as questões dos direitos humanos, vínculos com os diversos movimentos regionais e internacionais, apoio aos distintos foros e cúpulas planetárias em andamento, desenvolvimento sustentável e meio ambiente, políticas públicas de combate à fome, à erradicação da pobreza e à desigualdade social entre os povos. A pérola da coroa está no item 55: "Tendo em vista a importância dos valores culturais dos povos, reiteraram que o uso tradicional do mastigado ("akulliku") da folha de coca é uma manifestação cultural ancestral dos povos da Bolívia e do Peru, que deve ser respeitada." Fala sério!
Como esperado, a Decisão CMC 68/12 foi o clímax do encontro por aprovar o Protocolo de Adesão da Bolívia como membro pleno do Mercosul enquanto o Equador, também formalmente convidado, solicitou tempo adicional de avaliação. Diz o citado documento que "a adesão do Estado Plurinacional da Bolívia ao Mercosul contribuirá para a consolidação do processo de integração da América do Sul, com base no reforço mútuo e convergência dos diferentes esforços e mecanismos sub-regionais de integração". O Estado Plurinacional consiste numa nova estratégia histórica, cultural, filosófica, política e socioeconômica de enfrentamento ao capitalismo implantada pelo atual governo dito social-democrata do país. Que clarividência!
Segundo o documento de adesão, a Bolívia terá prazo de quatro anos, contados a partir da aprovação do protocolo pelos demais Estados Partes, para incorporar em seu ordenamento jurídico a Nomenclatura Comum (NCM), a Tarifa Externa Comum (TEC) e o Regime de Origem do Mercosul. Além disso, terá de compatibilizar sua adesão com seus compromissos na CAN. Ver para crer.
Mais lamentável ainda é ver o Brasil, justamente no exercício da presidência pro-tempore, patrocinar esse amontoado de petulâncias e sandices no moribundo Mercosul.
Torna-se enfadonho para quem escreve (e também para quem lê) discorrer sobre os "malfeitos" que ocorrem no Mercosul. A leitura da declaração conjunta da recente reunião de cúpula do bloco, por mais boa vontade que se tenha, é desanimadora até para os mais otimistas. Dos sessenta itens que compõem a peça, nenhum se refere a progressos obtidos na gestão operativa do bloco. Também pudera, porque das trinta e sete Decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), apenas quatro referem-se a aspectos operacionais autorizando prorrogações dilatórias de listas setoriais de exceções à TEC. A Venezuela, que ainda não cumpriu qualquer requisito institucional como membro pleno, já assegurou manter 225 itens em exceção até dezembro de 2017.
Por outro lado, após vinte e um anos de vigência do Tratado de Assunção, só agora os mandatários dos países membros descobriram que "o estímulo dos empreendimentos conjuntos, em particular a integração produtiva no Mercosul, implica o engajamento crescente dos setores empresariais, públicos e privados". Assim sendo, resolveram criar o Fórum Empresarial do Mercosul, que ocorrerá semestralmente em paralelo às reuniões dos chefes de estado. Sua criação parece reconhecer supostas deficiências do Fórum Consultivo Econômico-Social que há anos funciona no bloco.
Quem se der ao trabalho de ler a declaração integralmente pode inferir que o Mercosul diagnosticou todas as mazelas do mundo, porque nela estão contidas todas as recomendações possíveis nos planos regional, continental e mundial de cunho político, econômico e social. Nota-se especial preocupação com as questões dos direitos humanos, vínculos com os diversos movimentos regionais e internacionais, apoio aos distintos foros e cúpulas planetárias em andamento, desenvolvimento sustentável e meio ambiente, políticas públicas de combate à fome, à erradicação da pobreza e à desigualdade social entre os povos. A pérola da coroa está no item 55: "Tendo em vista a importância dos valores culturais dos povos, reiteraram que o uso tradicional do mastigado ("akulliku") da folha de coca é uma manifestação cultural ancestral dos povos da Bolívia e do Peru, que deve ser respeitada." Fala sério!
Como esperado, a Decisão CMC 68/12 foi o clímax do encontro por aprovar o Protocolo de Adesão da Bolívia como membro pleno do Mercosul enquanto o Equador, também formalmente convidado, solicitou tempo adicional de avaliação. Diz o citado documento que "a adesão do Estado Plurinacional da Bolívia ao Mercosul contribuirá para a consolidação do processo de integração da América do Sul, com base no reforço mútuo e convergência dos diferentes esforços e mecanismos sub-regionais de integração". O Estado Plurinacional consiste numa nova estratégia histórica, cultural, filosófica, política e socioeconômica de enfrentamento ao capitalismo implantada pelo atual governo dito social-democrata do país. Que clarividência!
Segundo o documento de adesão, a Bolívia terá prazo de quatro anos, contados a partir da aprovação do protocolo pelos demais Estados Partes, para incorporar em seu ordenamento jurídico a Nomenclatura Comum (NCM), a Tarifa Externa Comum (TEC) e o Regime de Origem do Mercosul. Além disso, terá de compatibilizar sua adesão com seus compromissos na CAN. Ver para crer.
Mais lamentável ainda é ver o Brasil, justamente no exercício da presidência pro-tempore, patrocinar esse amontoado de petulâncias e sandices no moribundo Mercosul.
Audácia e imprudência - MARCELO DE PAIVA ABREU
O ESTADÃO - 24/12
A recente viagem da presidente Dilma Rousseff à França e à Rússia explicitou algumas das dificuldades que o governo hoje enfrenta. Tanto no terreno da diplomacia econômica quanto no da condução da política econômica.
Em seus discursos em Paris e Moscou, a presidente repetiu a atual posição brasileira nos foros internacionais. Em ritmo de "a Europa, mais uma vez, se curva diante do Brasil", criticou o "corte radical de gastos" e a opção por políticas econômicas ortodoxas, em sintonia com as reticências francesas de "meu querido" François Hollande quanto às políticas da senhora Merkel (não mencionada explicitamente).
Receitou, ainda, a "união bancária" na Europa e a ampliação das formas de atuação do Banco Central Europeu. O "grave ajuste que sofremos", nas décadas de 1980 e 1990, foi mais uma vez citado como exemplo das conseqüências funestas de políticas econômicas austeras. Já outros diriam que, ao contrário do que foi sugerido, a inflação de três dígitos combinada à estagnação iniciada em 1980 resultou de políticas econômicas imprudentes e bem longe de austeras.
O discurso-padrão presidencial parece resultar da confluência de visões de estatistas empedernidos, fantasiados de keynesianos, com a de grandes eminências pardas em busca de reabilitação curricular. A visita a Paris sugere que as relações franco-brasileiras são afetadas pelas mesmas limitações que comprometem a diplomacia do Brasil em relação a países latino-americanos com os quais o Palácio do Planalto considera haver convergência ideológica. Tal como na América Latina, salta aos olhos que o Brasil, também na Europa, está escolhendo os parceiros errados.
Já a visita à Rússia ilustra outras limitações da estratégia brasileira. Os magros resultados da visita mais uma vez frustraram expectativas despropositadas quanto à possível sintonia entre países que compõem o bloco dos Brics.
A convergência de interesses pode até ocorrer, e é importante que seja explorada, especialmente no campo político. Mas daí a esperar que a Rússia, com tradição protecionista tão arraigada quanto no Brasil, seja especialmente flexível na admissão de exportações brasileiras há distância apreciável. A resistência chinesa às propostas brasileiras de misturar tarifa com câmbio na Organização Mundial do Comércio (OMC) é outra evidência de tais dificuldades.
O que preocupa é a dificuldade que o governo tem de admitir as graves limitações de sua política econômica. Há claro risco cumulativo de deterioração de desempenho em relação a amplo leque de temas: manutenção da inflação em níveis apresentáveis; conciliação da redução de tarifas elétricas com a ameaça de racionamento; persistência do colapso gerenciai associado a investimentos na infraestrutura; para citar os mais notórios. Enquanto isso, o ministro Guido Mantega celebra pretenso sucesso na formulação de “bases para que o Brasil obtenha taxas elevadas de crescimento por muitos anos”.
Não se trata, aqui, de seguir a manada e dedicar-se à eleição meio pueril de “país da moda” que caracteriza muitos analistas de mercado, como se houvesse uma permanente corrida de ratos - rat race - entre as economias emergentes. Páginas e páginas têm sido dedicadas ao suposto colapso do Brasil e à pretensa ressurreição do México como a mais promissora grande economia latino-americana, com argumentos de curto prazo sendo extrapolados, sem nenhum pudor, para o longo prazo. Quem depositou infundadas esperanças no lançamento do Cristo Redentor ao espaço, como a revista The Economist, estava fadado a mudar de opinião algo abruptamente, pois o diagnóstico original já era falho. Os problemas potenciais das políticas econômicas adotadas a partir de meados do governo Lula, e agravados desde a posse de Dilma Rousseff, eram bem visíveis. Muitos analistas internacionais insistiram por muito tempo na tese de que, apesar da aproximação política do lulismo com o chavismo e o neoperonismo, Lula, na prática, estava mais para social- democrata do que para populista de esquerda. A sugestão, agora, de que os problemas enfrentados pelo Brasil poderiam ser resolvidos com a mera substituição de Guido Mantega é ridícula. Nem o ministro imaginaria forma mais eficaz de garantir a sua sobrevida, pois não é necessária muita perspicácia para antecipar resposta indignada da presidente, deixando claro que só é influenciada por revistas nacionais...
A despeito de todas essas dificuldades, a popularidade da presidente se mantém em níveis extremamente altos. Isso deve ser objeto de preocupações quanto ao futuro, em vez de ser simploriamente comemorado. Não há garantia de manutenção de tal popularidade, se os resultados da política econômica não forem sustentáveis. E seria lamentável que fosse necessária significativa queda da popularidade presidencial para que houvesse reorientação da política econômica.
Há substanciais problemas econômicos à frente em 2013. E a cada dia mais improvável que uma conjunção favorável de eventos estenda a vida útil da atual colcha de retalhos que compõe a política econômica. As implicações políticas de um 2013 acidentado do ponto de vista econômico podem ser decisivas em 2014.
A recente viagem da presidente Dilma Rousseff à França e à Rússia explicitou algumas das dificuldades que o governo hoje enfrenta. Tanto no terreno da diplomacia econômica quanto no da condução da política econômica.
Em seus discursos em Paris e Moscou, a presidente repetiu a atual posição brasileira nos foros internacionais. Em ritmo de "a Europa, mais uma vez, se curva diante do Brasil", criticou o "corte radical de gastos" e a opção por políticas econômicas ortodoxas, em sintonia com as reticências francesas de "meu querido" François Hollande quanto às políticas da senhora Merkel (não mencionada explicitamente).
Receitou, ainda, a "união bancária" na Europa e a ampliação das formas de atuação do Banco Central Europeu. O "grave ajuste que sofremos", nas décadas de 1980 e 1990, foi mais uma vez citado como exemplo das conseqüências funestas de políticas econômicas austeras. Já outros diriam que, ao contrário do que foi sugerido, a inflação de três dígitos combinada à estagnação iniciada em 1980 resultou de políticas econômicas imprudentes e bem longe de austeras.
O discurso-padrão presidencial parece resultar da confluência de visões de estatistas empedernidos, fantasiados de keynesianos, com a de grandes eminências pardas em busca de reabilitação curricular. A visita a Paris sugere que as relações franco-brasileiras são afetadas pelas mesmas limitações que comprometem a diplomacia do Brasil em relação a países latino-americanos com os quais o Palácio do Planalto considera haver convergência ideológica. Tal como na América Latina, salta aos olhos que o Brasil, também na Europa, está escolhendo os parceiros errados.
Já a visita à Rússia ilustra outras limitações da estratégia brasileira. Os magros resultados da visita mais uma vez frustraram expectativas despropositadas quanto à possível sintonia entre países que compõem o bloco dos Brics.
A convergência de interesses pode até ocorrer, e é importante que seja explorada, especialmente no campo político. Mas daí a esperar que a Rússia, com tradição protecionista tão arraigada quanto no Brasil, seja especialmente flexível na admissão de exportações brasileiras há distância apreciável. A resistência chinesa às propostas brasileiras de misturar tarifa com câmbio na Organização Mundial do Comércio (OMC) é outra evidência de tais dificuldades.
O que preocupa é a dificuldade que o governo tem de admitir as graves limitações de sua política econômica. Há claro risco cumulativo de deterioração de desempenho em relação a amplo leque de temas: manutenção da inflação em níveis apresentáveis; conciliação da redução de tarifas elétricas com a ameaça de racionamento; persistência do colapso gerenciai associado a investimentos na infraestrutura; para citar os mais notórios. Enquanto isso, o ministro Guido Mantega celebra pretenso sucesso na formulação de “bases para que o Brasil obtenha taxas elevadas de crescimento por muitos anos”.
Não se trata, aqui, de seguir a manada e dedicar-se à eleição meio pueril de “país da moda” que caracteriza muitos analistas de mercado, como se houvesse uma permanente corrida de ratos - rat race - entre as economias emergentes. Páginas e páginas têm sido dedicadas ao suposto colapso do Brasil e à pretensa ressurreição do México como a mais promissora grande economia latino-americana, com argumentos de curto prazo sendo extrapolados, sem nenhum pudor, para o longo prazo. Quem depositou infundadas esperanças no lançamento do Cristo Redentor ao espaço, como a revista The Economist, estava fadado a mudar de opinião algo abruptamente, pois o diagnóstico original já era falho. Os problemas potenciais das políticas econômicas adotadas a partir de meados do governo Lula, e agravados desde a posse de Dilma Rousseff, eram bem visíveis. Muitos analistas internacionais insistiram por muito tempo na tese de que, apesar da aproximação política do lulismo com o chavismo e o neoperonismo, Lula, na prática, estava mais para social- democrata do que para populista de esquerda. A sugestão, agora, de que os problemas enfrentados pelo Brasil poderiam ser resolvidos com a mera substituição de Guido Mantega é ridícula. Nem o ministro imaginaria forma mais eficaz de garantir a sua sobrevida, pois não é necessária muita perspicácia para antecipar resposta indignada da presidente, deixando claro que só é influenciada por revistas nacionais...
A despeito de todas essas dificuldades, a popularidade da presidente se mantém em níveis extremamente altos. Isso deve ser objeto de preocupações quanto ao futuro, em vez de ser simploriamente comemorado. Não há garantia de manutenção de tal popularidade, se os resultados da política econômica não forem sustentáveis. E seria lamentável que fosse necessária significativa queda da popularidade presidencial para que houvesse reorientação da política econômica.
Há substanciais problemas econômicos à frente em 2013. E a cada dia mais improvável que uma conjunção favorável de eventos estenda a vida útil da atual colcha de retalhos que compõe a política econômica. As implicações políticas de um 2013 acidentado do ponto de vista econômico podem ser decisivas em 2014.
Natal, natalidade... - RUBENS RICUPERO
FOLHA DE SP - 24/12
Com queda na fecundidade, Brasil se aproxima do colapso demográfico de espanhóis e italianos
O Natal, festa de um nascimento, parece dia adequado para tratar de uma crise despercebida no Brasil: a dos nascimentos. Desde 2003, quando pela primeira vez se registrou taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição da população (2,1 filhos por mulher), os nascimentos caem em ritmo acelerado.
Os dados recentes sugerem que a taxa esteja em 1,8, atingindo já 1,5 em cidades do interior de São Paulo e Estados do Sul.
O país se aproxima rápida e perigosamente do colapso demográfico de espanhóis e italianos (1,2 a 1,3), para não falar dos japoneses. Perdemos da França, da Suécia, dos escandinavos.
O surpreendente (e alarmante) é que até a Argentina e o Uruguai, sociedades maduras, as primeiras a se urbanizarem na América Latina, já nos deixaram para trás. O normal seria que as sociedades prematuramente envelhecidas do Rio da Prata tivessem menos filhos que nós.
No entanto, nos mapas demográficos da América Latina, elas aparecem como tendo fecundidade média, ao passo que o Brasil está na zona de baixa fecundidade.
Os únicos no continente com taxas tão minguadas são cubanos e alguns caribenhos de cultura histórica com mais de um ponto de contato com a brasileira.
E os Estados Unidos, perguntará o leitor? Conservam fecundidade alta, graças aos imigrantes, mas essa superioridade começa a mudar. Estudo recente indica que os nascimentos chegaram ao ponto mais baixo desde 1920, devido à queda geral de 8% de 2007 a 2010. A queda maior foi entre as mulheres imigrantes (declínio de 14%) e das mexicanas (23%), justamente o grupo que antes garantia alta natalidade.
A explicação é a crise econômica, que atingiu, sobretudo, os grupos vulneráveis. Para o Brasil, com pleno emprego, salários em alta, expansão do consumo, tal razão não vale. Aliás, um dos paradoxos brasileiros é que outros índices como a violência e a criminalidade, que deveriam estar caindo com a moderação demográfica e a melhoria do bem estar, continuam a se agravar de modo assustador.
Nos países afetados pela queda da natalidade, o problema está no centro das atenções. Nos EUA, os índices desencadearam debate intenso. Na Rússia, o presidente Putin anunciou um programa de 1,5 trilhão de rublos (US$ 53 bilhões) para recuperar a fecundidade. Se falhar, os 143 milhões de russos serão apenas 107 milhões em 2050. Trata-se, como disse o presidente, de questão de sobrevivência da nação.
A França, país histórico da queda da natalidade, inverteu a situação com política de ênfase em incentivos a famílias com filhos e construção de creches. O mesmo fazem os escandinavos, com resultados que permitiram recuperar parte da fecundidade perdida. Tentam adotar políticas similares a Coreia e o Japão, que temem se converter numa espécie de asilo para idosos.
No Brasil, o assunto é olimpicamente ignorado. Políticas de natalidade ou de imigração soam tão excêntricas como no tempo em que ainda vivíamos a explosão demográfica. Véspera de Natal é um bom momento para refletirmos que o nascimento de um ser humano pode fazer uma enorme diferença!
Com queda na fecundidade, Brasil se aproxima do colapso demográfico de espanhóis e italianos
O Natal, festa de um nascimento, parece dia adequado para tratar de uma crise despercebida no Brasil: a dos nascimentos. Desde 2003, quando pela primeira vez se registrou taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição da população (2,1 filhos por mulher), os nascimentos caem em ritmo acelerado.
Os dados recentes sugerem que a taxa esteja em 1,8, atingindo já 1,5 em cidades do interior de São Paulo e Estados do Sul.
O país se aproxima rápida e perigosamente do colapso demográfico de espanhóis e italianos (1,2 a 1,3), para não falar dos japoneses. Perdemos da França, da Suécia, dos escandinavos.
O surpreendente (e alarmante) é que até a Argentina e o Uruguai, sociedades maduras, as primeiras a se urbanizarem na América Latina, já nos deixaram para trás. O normal seria que as sociedades prematuramente envelhecidas do Rio da Prata tivessem menos filhos que nós.
No entanto, nos mapas demográficos da América Latina, elas aparecem como tendo fecundidade média, ao passo que o Brasil está na zona de baixa fecundidade.
Os únicos no continente com taxas tão minguadas são cubanos e alguns caribenhos de cultura histórica com mais de um ponto de contato com a brasileira.
E os Estados Unidos, perguntará o leitor? Conservam fecundidade alta, graças aos imigrantes, mas essa superioridade começa a mudar. Estudo recente indica que os nascimentos chegaram ao ponto mais baixo desde 1920, devido à queda geral de 8% de 2007 a 2010. A queda maior foi entre as mulheres imigrantes (declínio de 14%) e das mexicanas (23%), justamente o grupo que antes garantia alta natalidade.
A explicação é a crise econômica, que atingiu, sobretudo, os grupos vulneráveis. Para o Brasil, com pleno emprego, salários em alta, expansão do consumo, tal razão não vale. Aliás, um dos paradoxos brasileiros é que outros índices como a violência e a criminalidade, que deveriam estar caindo com a moderação demográfica e a melhoria do bem estar, continuam a se agravar de modo assustador.
Nos países afetados pela queda da natalidade, o problema está no centro das atenções. Nos EUA, os índices desencadearam debate intenso. Na Rússia, o presidente Putin anunciou um programa de 1,5 trilhão de rublos (US$ 53 bilhões) para recuperar a fecundidade. Se falhar, os 143 milhões de russos serão apenas 107 milhões em 2050. Trata-se, como disse o presidente, de questão de sobrevivência da nação.
A França, país histórico da queda da natalidade, inverteu a situação com política de ênfase em incentivos a famílias com filhos e construção de creches. O mesmo fazem os escandinavos, com resultados que permitiram recuperar parte da fecundidade perdida. Tentam adotar políticas similares a Coreia e o Japão, que temem se converter numa espécie de asilo para idosos.
No Brasil, o assunto é olimpicamente ignorado. Políticas de natalidade ou de imigração soam tão excêntricas como no tempo em que ainda vivíamos a explosão demográfica. Véspera de Natal é um bom momento para refletirmos que o nascimento de um ser humano pode fazer uma enorme diferença!
Semeando incertezas - MAURICIO CANÊDO PINHEIRO
O GLOBO - 24/12
As recentes medidas do governo para reduzir o custo da energia elétrica no Brasil já foram alvo de intenso debate e muita controvérsia. Boa parte da discussão se deu em torno do conteúdo das medidas, ou seja, dos efeitos que as novas regras, por si, teriam no setor. Entretanto, tão importantes quanto o teor das medidas, são os aspectos relativos à forma como elas foram anunciadas.
Os ativos envolvidos na prestação de serviços de infraestrutura não podem ser facilmente alocados para outros usos. Uma vez que o investimento já foi feito, os governos se sentem tentados a extrair condições mais vantajosas do que aquelas acordadas inicialmente. Quando os investidores anteveem essa possibilidade, ajustam suas expectativas, reduzindo o nível de investimento. Trata-se do risco regulatório.
As normas de funcionamento dos setores de infraestrutura, definidas pelo arcabouço legal e pelos contratos de concessão, são muito importantes para minimizar o risco regulatório. Mas não são suficientes. É preciso também uma governança regulatória adequada.
Entre outras medidas, o governo deve buscar emitir os sinais corretos e evitar ruídos na comunicação de suas decisões. Principalmente daquelas que têm impacto na taxa de retorno dos investimentos.
Embora um bom ambiente regulatório deva minimizar o grau de discricionariedade, decisões do governo em setores regulados sempre têm algum nível de arbitrariedade. Além disso, dificilmente envolvem situações em que todos ganham. Sendo assim, é importante que o processo decisório seja considerado "legítimo" ou "justo" por todas as partes interessadas. Todos os agentes afetados pela decisão - empresas e consumidores - devem ser envolvidos e consultados.
Nesse sentido, a publicação com antecedência de estudos que sustentam as decisões e a realização de consultas e audiências públicas são mecanismos consagrados. Esses procedimentos ajudam a ancorar as expectativas dos investidores e dão mais transparência às decisões, reduzindo a percepção de risco regulatório por partes dos agentes econômicos.
Nada disso foi feito no âmbito das recentes medidas no setor elétrico. Não por acaso, criou-se a partir do seu anúncio um ambiente de incerteza e volatilidade, que em nada ajudou no processo e que tirou o foco dos pontos essenciais da discussão.
É inegável que o custo da energia é um dos principais entraves ao crescimento sustentado do Brasil e que é urgente reduzi-lo. Entretanto, é preciso atenção aos detalhes. Se o governo pretende atrair o investimento privado para o setor de energia no Brasil - e é importante que o faça - deve estar atento não somente às normas em si, mas também à governança regulatória. O mesmo vale para os demais setores de infraestrutura. Nesse sentido, particular atenção deve ser dada aos ritos e procedimentos envolvidos na proposição e na mudança das regras. O conteúdo é essencial, mas a forma também é importante.
Jogo do perde perde - GEORGE VIDOR
O GLOBO - 24/12
O petróleo foi a tábua de salvação da economia fluminense, mas o Rio ainda arrecada menos ICMS que Minas Gerais
Graças ao impasse que a liminar do ministro do STF Luiz Fux acabou produzindo nas votações do plenário, o Congresso terá agora um tempo precioso para refletir sobre todo esse episódio, lamentável, que envolveu a disputa pelos royalties do petróleo extraído no mar. Sem querer ofender ninguém, o que se viu até agora foi um inacreditável fenômeno de asneira coletiva, pois não há um ganhador sequer. O país perde porque está sendo submetido a um vexame internacional, já que o conceito de royalty seria reinventado aqui, sem paralelo em qualquer outro lugar no planeta. Perdem os entes federativos não produtores, porque ficarão com dois passarinhos voando, em vez de um na mão, diante da possibilidade de uma briga judicial longa. Perdem os entes federativos produtores, que ficam sem um horizonte de longo prazo na organização das suas finanças. Perdem os políticos com ambições nacionais que contribuíram para acirrar os ânimos (será que o governador Eduardo Campos ou o senador Aécio Neves acreditam mesmo que poderão vencer uma eleição presidencial sendo rejeitados por um colégio eleitoral importante, como o Rio de Janeiro?). Além disso, os líderes do Congresso saíram desgastados por estimularem uma votação que seria a desmoralização do parlamento: a avaliação de três mil vetos presidenciais em um teste de múltipla escolha exporia deputados e senadores ao ridículo.
Felizmente, esse jogo que só tem perdedores, por enquanto, ainda não terminou. Vai ser difícil, pois muitos dos que deveriam atuar como bombeiros foram os que mais puseram lenha na fogueira, mas um acordo político é a saída para esse grande impasse.
O petróleo foi a tábua de salvação que tirou o Estado do Rio de Janeiro do atoleiro, porém mais por efeitos indiretos do que diretos. A economia fluminense responde pela segunda maior parcela do Produto Interno Bruto do país, mas quando se considera a arrecadação de ICMS o Estado do Rio cai para o terceiro lugar, perdendo para Minas Gerais. E a razão mais uma vez está no petróleo, de longe o segmento que mais pesa no PIB estadual. O petróleo é tributado no destino, e não na origem (o mesmo acontece apenas com a energia elétrica). Embora royalties não sejam um imposto, ajudam as finanças estaduais e municipais a reduzir essa diferença.
Sim, é possível produzir fármacos
Durante anos a indústria farmacêutica nacional viveu de copiar medicamentos dos grandes laboratórios internacionais. Os chamados similares conquistavam mercado com a chamada "empurroterapia", pela qual o vendedor da farmácia ou da drogaria, "estimulado" a tal, acabava convencendo o consumidor a comprar esse tipo de medicamento no lugar do que havia sido indicado ou receitado pelo médico. A utilização dos genéricos mudou esse quadro, e vários laboratórios migraram para o novo ramo, com melhora substancial dos produtos.
Fora dos genéricos, restaram poucos em condições de concorrer no mercado. Uma dessas exceções é o Cristália, que se originou de um pequeno laboratório em Itapira, cidade próxima a Campinas (Estado de São Paulo), que era mais conhecida por abrigar grandes clínicas psiquiátricas com capacidade para internação de pacientes. A Cristália é uma das raras indústrias farmacêuticas nacionais que produz princípios ativos, os chamados fármacos. Atualmente, o país importa mais de 85% desses insumos. A necessidade levou a empresa a investir também em biotecnologia, e o resultado é que a Cristália tem 43 patentes registradas e reconhecidas, número superior ao que a Universidade de São Paulo (USP) detém nesse segmento, por exemplo.
O desenvolvimento tecnológico fez com que a Cristália conquistasse 50% do mercado brasileiro de anestésicos, um segmento que exige rigorosíssimo controle de qualidade. A empresa criou também uma unidade exclusiva para medicamentos oncológicos, de custo elevado, para tratamento do câncer.
O fundador da Cristália permanece como seu principal acionista. Quarenta anos atrás, a convite de um colega, o médico recém-formado Ogari de Castro Pacheco aceitou ser clínico geral de uma das clínicas psiquiátricas e se mudou para Itapira. Naquele momento começava uma longa história que culminou com a criação da Cristália, cujo complexo industrial se estende hoje por uma área de 70 alqueires , antes tomada pelo pasto. A presidente Dilma em breve vai inaugurar mais uma fábrica desse complexo.
No apagar das luzes
O TCU deu sinal verde para a contratação do consórcio que montará os equipamentos de Angra 3, que receberá financiamento da Caixa Econômica Federal para adquirir equipamentos. Feliz Natal a todos.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 24/12
Embratur quer companhia de fora em voo doméstico
A Embratur se prepara para levar ao governo uma proposta para permitir que companhias aéreas da América do Sul possam realizar voos domésticos no país.
A ideia, de acordo com o presidente da entidade, Flavio Dino, é desenvolver um mercado comum de aviação, semelhante ao padrão praticado na Europa.
"Seria uma mudança no Código Brasileiro de Aeronáutica. A maior concorrência entre as empresas elevaria a competitividade, e poderiam ser praticados preços mais baixos entre destinos brasileiros", diz.
O objetivo é estimular o turismo de brasileiros dentro do país, que, segundo Dino, perdeu uma parte de sua atratividade devido aos altos valores cobrados pelas passagens domésticas.
"Quando o brasileiro compara o preço de viajar dentro do país, prefere ir para a Europa", afirma.
A entrada de estrangeiros no Brasil deve avançar aproximadamente 5% neste ano, enquanto as partidas de turistas brasileiros rumo ao exterior registram uma velocidade mais alta, segundo projeções da entidade.
"Estimamos que a saída cresça aproximadamente 15%", diz.
"A medida contribuiria também para elevar o turismo entre os países da região. E é importante para aumentar a oferta em um momento em que o governo pretende expandir o número de aeroportos", afirma Dino.
ELETRO DO SUL
Com aporte de R$ 45 milhões, a gaúcha Cadence, importadora e fabricante de eletrodomésticos, irá construir uma unidade fabril em Piçarras (SC).
A planta deverá ter o dobro da capacidade de produção da atual, em Navegantes (SC).
Atualmente, nessa unidade, são fabricados 10 mil aparelhos por dia, entre ferros de passar, batedeiras, ventiladores e liquidificadores.
"Com o crescimento do mercado, é muito possível que fiquemos com as duas plantas operando juntas", afirma o presidente da empresa, Nelson Lisot.
A Cadence, que possui as classes B, C e D como seu público alvo, também pretende começar a fabricar outros eletrodomésticos na nova unidade -que tem previsão de ser inaugurada em 2014.
No fechamento deste ano, a empresa deve faturar aproximadamente R$ 215 milhões.
BRILHO NA ÁRVORE
Além de peças únicas e pedras raras, as joalherias preparam itens acessíveis para a demanda natalina.
Na Tiffany há peças de R$ 270 a R$ 492 mil, segundo Luciana Marsicano, diretora-geral da marca no Brasil.
As joias do designer Ara Vartanian não se repetem. Mesmo as que ele considera "mais comerciais", procuradas para presentes "menores", têm variações de tonalidades para conservar a exclusividade.
A Vivara sempre cria uma coleção para o Natal. Algumas joias têm detalhes de diamantes, que as valorizam, sem torná-las muito caras.
COM QUE JOIA
Anel da Tiffany R$ 19.315
Pingente da Tiffany R$ 270
Brinco de ouro da Vivara, R$ 2.990
Pulseira de Antonio Bernardo R$ 39.900
Brincos de Antonio Bernardo, com quartzo R$ 8.600
Anel de Ara Vartanian, de ouro com diamantes, R$ 4.750
Brincos de Ara Vartanian, de safiras e diamantes, R$ 58.200
Marcha à ré em direção ao futuro - NATHAN BLANCHE
O ESTADÃO - 24/12
A principal tese do governo, de que o crescimento turbinado pela demanda traria a reboque o investimento, mostra-se um grande equívoco. De acordo com o índice de vendas do varejo do IBGE, o consumo cresceu a um ritmo de 9,1% em outubro, em relação ao mesmo período do ano anterior, mas os investimentos vêm caindo há cinco trimestres consecutivos, o que tem ampliado o desequilíbrio entre oferta e demanda.
Em meados de 2012, quando ficou evidente que a maioria dos resultados dos indicadores econômicos seria pífia, havia uma esperança de que, sendo a presidente economista, mesmo dotada de pensamento econômico mais heterodoxo, seria pragmática e, de olho nas eleições de 2014, copiaria seu antecessor, editando sua Carta ao Povo Brasileiro e fazendo mudanças necessárias na sua equipe e na política econômica. Mas isso não se confirmou.
Ao que estamos assistindo são apostas dobradas na denominada "nova matriz econômica", formada por desonerações fiscais juros baixos e câmbio desvalorizado. Além de ser centrada na presidente, essa política é caracterizada por intervenções setoriais e que pouco têm a ver com reformas estruturais.
Apesar da avaliação do governo, de que esta nova matriz trará crescimento econômico elevado pautado por inclusão social e de que é só uma questão de tempo para os resultados aparecerem, já se notam alguns resultados desta nova equação. O País encerra o ano com um crescimento abaixo de 1% e inflação de 5,8% (próxima ao teto da meta).
Além da incerteza em relação ao ambiente macroeconômico, a relação do governo com o setor privado tem sido de embate, de estabelecimento de novas regras de forma atabalhoada e de descaso com acionistas - vide o caso da Petrobrás, na medida em que a empresa vem sendo utilizada para controle inflacionário. Isso reforça o cenário de insegurança nas regras dojogo, o que afugenta o "espírito animal" do investidor.
As constantes mudanças de regras podem ser vistas no que diz respeito ao câmbio. O influxo cambial tem resultado negativo desde maio. Para reverter esse processo, o Ministério da Fazenda revogou a maioria das medidas impeditivas sobre a entrada de dólares. Mesmo assim, a pressão sobre o real continua.
Com relação à agenda de investimentos, ainda que se tenha percebido que o setor privado é crucial nesse processo, a posição ideológica de que o Estado tem de estar presente é evidente. As concessões dos aeroportos (PPPs), tendo como precondição a participação de 49% da Infraero, e a exploração do pré-sal, com a presença de 30% da Petrobrás, sinalizam a continuidade da forte presença do Estado. A palavra privatização continua fora do vocabulário do governo.
O paradoxo também é evidente na questão da indústria, na medida em que os novos incentivos ao investimento no setor, com a inclusão de cláusulas de ganhos de produtividade, são criados com o comprometimento "nacionalista", como a exigência de alto porcentual de produtos nacionais a serem utilizados como insumo. Adicionalmente, no centro desta questão está o fato de que o modelo de crescimento puxado pelo consumo tem reflexos no mercado de trabalho, o que ajuda a explicar a perda de competitividade da indústria. Entre janeiro de 2005 e junho de 2012, a produtividade do trabalho cresceu 10,8%, enquanto o salário real subiu 254%. Neste mesmo período, a inflação média foi de 45,2%. Os preços dos produtos industrializados recuaram 84%.
Não existe desvalorização ou "pacotes do governo" de estímulos para combater a perda de competitividade que possam substituir as reformas estruturais para melhorar o chamado custo Brasil.
Neste ano, as desonerações fiscais superam 1% do PIB, número equivalente aos investimentos públicos. Para 2013, foram incluídos no Orçamento subsídios adicionais de R$ 16 bilhões. Sem contar a renúncia fiscal para o setor elétrico e a renovação do incentivo via IP1 para automóveis e linha branca. Esses custos fiscais carecem de uma contrapartida de esforço fiscal (controle de gastos). Neles não estão incluídos os enormes gastos do Tesouro com a recriação da "conta movimento" no bojo das operações com juros subsidiados pelo BNDES. Aliás, essas operações têm sido alvo das notificações ao Poder Executivo pelo Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, que apontam falta de transparência e respeito ao processo orçamentário e à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesta linha de incentivos e artifícios fiscais, a economia brasileira tem tristes precedentes, que, inclusive, após o "milagre brasileiro", resultaram em duas décadas perdidas para a economia. Não é possível obter ganhos de produtividade e competitividade por meio de desvalorização cambial e juros baixos determinados por decreto. As taxas de juros e de câmbio no médio prazo devem refletir fundamentos. Já assistimos a esse filme.
Em suma, embora o cenário não seja de ruptura, a perspectiva é de crescimento medíocre para a economia brasileira no médio prazo. Todos conhecemos aquele ditado que diz que "em time que está ganhando não se mexe". Então, por que não voltar ao tripé anterior, que nos garantiu crescimento e desenvolvimento sustentável.
FESTA ALHEIA - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 24/12
NA CANELA
Com bilhetes esgotados, os estrangeiros barrados pelos clube assistiram à partida na tribuna de imprensa. Foram credenciados de última hora pela Associação Mineira de Cronistas Esportivos. A entidade foi notificada extrajudicialmente pelo Atlético a pagar R$ 8 mil pela "invasão". "Aqui não tem carteirada. Eles não estavam trabalhando nem autorizamos o credenciamento", diz Kalil.
DE BICO
O presidente do Atlético também vetou a entrada de uma delegação da Seleção da Espanha que tentou conhecer o Centro de Treinamento do clube em busca de lugar para treinar na capital mineira. "Não quero seleção nenhuma aqui. O Atlético não pediu Copa do Mundo nem tem interesse no Mundial", afirma Kalil.
VITAMINADO
O ministro Marco Antonio Raupp (Ciência e Tecnologia) liberou R$ 400 milhões para a infraestrutura de pesquisa.
O dinheiro será gasto, por exemplo, com novos prédios de instituições de ensino superior federais e estaduais.
EDIR NA TECLA SAP
A trupe do bispo Edir Macedo inicia novo giro mundial para divulgar a autobiografia do líder da Igreja Universal, "Nada a Perder".
De janeiro até o Carnaval, Douglas Tavolaro, coautor do livro e diretor de jornalismo da Record, passa por quatro continentes: Nova York, Londres, Cidade do México, Paris, Hong Kong, Johannesburgo, Manila (Filipinas) e Maputo (Moçambique).
LADY GAGA 2
A cantora estoniana Kerli, cujos vídeos foram vistos por mais de 10 milhões de pessoas na internet, virá ao Brasil. A artista de 25 anos que tem estilo similar ao de Lady Gaga se apresenta no dia 25 de janeiro no Metrópole.
CLUBE FORA DO TOM
O cantor Reinaldo Kherlakian, que ia se apresentar no clube Paulistano na noite de quinta, diz que foi barrado ao tentar entrar na agremiação. "O segurança empurrou minha mulher e, ao perguntar o que ele estava fazendo, ele me deu um soco. Vou fazer exame de corpo de delito e processar o clube."
O Paulistano afirma que o episódio foi um "erro de comunicação" pelo nome de Kherlakian não estar registrado na portaria. O clube diz que não houve agressão.
DAR O SANGUE
Clientes da Claro em SP serão bombardeados com 15 milhões de torpedos entre a véspera de Natal e o início de janeiro. A força tarefa servirá para dar gás na campanha "Não dê férias para a doação de sangue", promovida pela Secretaria de Estado da Saúde. Os postos de coleta funcionarão inclusive nos dias 24, 25 e 31 de dezembro e em 1º de janeiro.
FESTA JOINHA
A modelo e comunicadora Cassia Avila comemorou seu aniversário na loja do marido, o joalheiro Jack Vartanian, nos Jardins. Joseph, filho do casal, e o designer Guto Neves estavam na festa, na última quarta.
CIRCUITO
A atriz Juliana Didone e a cantora Monique Maion foram à abertura do espaço cultural AVA no Jardim Paulistano. A exposição "3,1416", do fotógrafo Ancar Barcalla, foi aberta na ocasião.
CURTO-CIRCUITO
A casa de shows Villa Mix faz festa ao som de Rafael Barreto e da dupla Fábio & Renan. 18 anos.
O clube D-Edge, na Barra Funda, terá hoje a balada "On the Rocks". 18 anos.
A banda Double You toca hoje na Casa da Fazenda do Morumbi, que abre as portas às 23h. 18 anos.
"Bistrôs Rio de Janeiro" ganhou o prêmio de melhor guia gastronômico do Brasil da associação internacional Gourmand World Cookbook Awards.