ZERO HORA - 28/10
Estará chegando em breve às livrarias a nova obra do filósofo argentino Sergio Sinay, cujo título é A Sociedade que Não Quer Crescer. Tema bastante atual e que merece atenção. Não há alarmismo em afirmar que viramos uma sociedade de adolescentes vitalícios, todos preocupados em manter a juventude até os 80 anos.
Uma coisa é praticar esportes e exercícios físicos, proteger a pele, se alimentar bem, manter cuidados para garantir a saúde, investir em lazer. Outra bem diferente é se comportar de forma irresponsável, não assumir autoridade, não dar um rumo à própria vida, viver encostado nos parentes. Há quem considere mais cômodo ser criança para sempre.
De fato, é. Temos por aí uma quantidade absurda de crianções e criançonas de 40 anos, de 50 anos, até mais. O que esperar de seus descendentes?
Não é fácil lidar com desejos, fazer escolhas, sustentar decisões. Nos momentos de aperto, gostaríamos de não precisar enfrentar coisa alguma e chamar um “adulto” para resolver as questões sérias em nosso lugar. Porém, não temos mais cinco anos.
Nem 15. Não há mais justificativa para desrespeitar as leis, dirigir de forma inconsequente, se embebedar, fugir aos compromissos. Essa rebeldia juvenil até possui um certo romantismo, é a porção James Dean de cada um. Só que o ator não viveu o suficiente para virar um homem, mas você, sim.
Amadurecer é respeitar os ciclos da vida e deixar a adolescência para trás a fim de assumir seu lugar no mundo. O que não significa virar um adulto chato e prepotente. É permitido divertir-se na maturidade. Muito, inclusive. Adultos curtem a vida mais do que a garotada justamente porque não estão mais testando limites, já viraram essa página. O que fragiliza a sociedade são pessoas que, uma vez crescidas em estatura, não cresceram emocionalmente.
Um adulto de verdade é aquele que não age em busca de uma recompensa – ele faz o que tem que fazer porque é o certo.
Pra chegar a esse encontro saudável com o dever moral, é preciso que ele tenha consciência de quem é, de tudo o que viveu, de como suas experiências o moldaram, e adote uma atitude firme diante de seus filhos, de seus pares, da sociedade toda. Se considerar que isso significa “envelhecer”, que pena: seguirá sendo um garoto mimado, uma garota bobinha, sem brio para herdar o bastão de seus pais e sem consistência para passar o bastão adiante.
Pessoas maduras também têm incertezas, vacilam, fraquejam. Porém sabem a hora de cortar o laço com suas carências infantis e de interagir com o mundo a fim de torná-lo melhor, mais digno.
São agentes de transformação, e não de estagnação. Quando se tornarem idosos, poderão olhar pra trás com a consciência de ter dado um sentido à sua vida, em vez de terem percorrido anos e anos inúteis, acreditando que poderiam ser jovens para sempre só pelo fato de andarem com a aba do boné virada pra trás.
domingo, outubro 28, 2012
O amigo português - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 28/10
A vez da escrita
Chico Buarque, encerrada a turnê “Na carreira”, recolhe-se para escrever um novo romance.
O PIB da vassoura
Os professores Hildete Pereira de Melo e Cláudio Considera, da UFF, fizeram uma continha para mostrar a importância dos chamados afazeres domésticos, predominantemente femininos. Com base em dados do IBGE, numa década, estes afazeres
geraram uma riqueza acumulada superior a um PIB brasileiro.
Trem postal
Os Correios continuam dispostos a participar com uns 5% das ações do projeto do trem-bala Rio-São Paulo.
Paris é nossa
Há tantos brasileiros em Paris que a Citypharma, templo dos cosméticos e dos remédios na Rue du Four 26, Saint Germain des Prés, passou a aceitar, acredite, pagamento... em real.
Ai, se eu te pego
Michel Teló foi escalado para se apresentar na cerimônia de entrega do Grammy Latino, dia 15.
O cantor também concorre na categoria de Melhor Álbum de Música Sertaneja.
Samba do Poetinha
A União da Ilha, que homenageará Vinicius em 2013, foi autorizada pelo MinC a captar R$1.974.500.
Prefeitos em alta
Está em alta o cargo de prefeito nas 5,5 mil cidades brasileiras, cuja nova safra fica completa hoje com a eleição em segundo turno em 50 municípios.
Veja só: em 1960, os prefeitos recebiam 19% do que cabia aos governadores. Em 1988, este percentual passou para 50%. Em 2012, a proporção já é de... 75%.
Ou seja...
Em meio século, os prefeitos, que valiam um quinto dos governadores, hoje já valem três quartos.
A conta é do economista José Roberto Afonso, com base nas receitas tributárias da União, dos estados e dos municípios.
Dicionário amoroso
Sandra Wernek, a cineasta, vai rodar, 15 anos depois, a continuação do seu sucesso “Pequeno dicionário amoroso”.
Andréa Beltrão e Daniel Dantas farão, novamente, os papéis principais.
Rabicó do Rod
De Ruy Castro, sobre o roqueiro inglês Rod Stewart, que disse usar cocaína em supositórios e não pelo nariz, para poupar a voz:
— Com aquela voz, Rod castigou seu “Marquês de Rabicó” à toa...
Alô, Ministério Público!
A chileno-brasileira TAM está exigindo 680 mil milhas dos clientes que desejam retirar uma passagem de primeira classe, ida e volta, para Nova York no mês de janeiro.
Parece abuso. E é.
Bicudo em Nova York
Fernando Bicudo, o diretor e produtor, foi convidado para dirigir a ópera “Phedra & Hippolitos”, do americano Christopher Park, no
Lincoln Center, em Nova York, em 2014.
Mas gostaria de fazer, em 2013, uma pré-estreia na Cidade da Música, no Rio.
Aliás...
Como eu ia dizendo, agora que a eleição acabou, que tal Paes tratar com seriedade a Cidade da Música?
Rolls-Royce
O leilão da família Peixoto de Castro, do Rio, está marcado para março.
Entre os bens, um Rolls-Royce 1953, igual ao da Presidência da República. A organizadora é Soraia Cals.
Cena carioca
Na noite de quinta, uma moça de uns 25 anos falava ao celular num ônibus 580 (Largo do Machado-Cosme Velho). De repente, olhou para os lados, mudou o tom da voz e... começou a conversar em inglês. No que disse, bem sensual: “Let’s take a hot shower in my house?” (Vamos tomar um banho quente lá em casa?).
Uns passageiros entenderam e caíram na gargalhada.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 28/10
Governo de SP quer PPP para logística de remédio
Depois de o governo estadual de São Paulo anunciar a criação de parcerias público-privadas para a construção de cinco hospitais estaduais e de uma fábrica de medicamentos e vacinas, chega a vez da logística de remédios.
A Secretaria da Saúde, que distribui medicamentos para todo o Estado, inclusive remédios caros para câncer e transplantes, quer profissionalizar a logística.
"Queremos que uma empresa especializada assuma a distribuição e a criação de depósitos para guardar medicamentos em diferentes pontos do Estado para que o medicamento chegue na casa do paciente", diz o secretário estadual da Saúde, Giovanni Guido Cerri. O secretário pretende reduzir perdas de medicamentos, com extravios e remédios que perdem a validade, afirma.
"Já tivemos a manifestação de duas empresas interessadas em participar. Isso representará aumento de eficiência e economia", afirma.
A Furp (Fundação para o Remédio Popular) tem depósitos de medicamentos e faz boa parte da distribuição. "Com uma empresa especializada, os remédios serão monitorados, saberemos quando saiu e quando chegou."
A secretaria ainda estuda o valor da PPP, que incluirá a construção de centros de distribuição. As empresas interessadas também vão ajudar a mensurar os custos, conforme Cerri.
Além de perdas na operação atual, o secretário destaca o grande envolvimento de recursos humanos e de depósitos da secretaria, no que não é expertise da pasta.
A secretaria prepara um levantamento dos gastos atuais com logística. Por estarem pulverizados, ainda não foram medidos com precisão, segundo Cerri.
Até o final de novembro, serão estimados o valor da PPP, o custo atual e a economia possível com uma logística profissional.
As perdas que hoje ocorrem serão de responsabilidade da empresa.
A CARNE É FORTE
A rede de restaurantes Outback Steakhouse abrirá oito unidades no país em 2013. As lojas demandarão cerca de R$ 30 milhões.
O contrato de quatro restaurantes já foi fechado -dois em São Paulo, um no Rio de Janeiro e outro em Porto Alegre. Cada um receberá aporte que varia de R$ 3,7 milhões a R$ 4 milhões.
As unidades não são franquias, mas sociedades da companhia com pessoas do setor. "Cerca de 60% dos sócios atuais vieram de dentro da empresa, como gerentes ou garçons", diz o presidente da rede, Salim Maroun.
Neste ano, quatro lojas foram abertas (Florianópolis, Guarulhos, Salvador e Jundiaí) e mais três serão inauguradas até dezembro (Recife, Curitiba e São Paulo).
A expectativa da empresa é crescer 20% ao ano.
BATUCADA NO TIO SAM
Deve sair nos próximos dias a autorização para a Gol voar para Nova York (EUA), segundo o presidente da empresa, Paulo Sérgio Kakinoff.
Na sexta-feira, a companhia aérea anunciou que terá voos diários para Miami e Orlando a partir de 15 de dezembro deste ano.
A Gol estuda ainda uma entrada mais firme no mercado americano. "Las Vegas e Los Angeles são possíveis próximos destinos, mas ainda não pedimos a autorização", diz Kakinoff.
"Como a Delta é nossa sócia, faremos a ligação através da companhia aérea entre Santo Domingo (República Dominicana) e Dallas, onde ela tem um centro de distribuição com muitos destinos."
Os voos para Miami e Orlando partirão de Guarulhos e do Rio e farão escala técnica em Santo Domingo, de 40 minutos e sem troca de aeronave.
"É um mercado crescente. O brasileiro quer viajar para os EUA. Faz parte da expansão da malha da Gol, hoje em 14 países. Começamos pelo Brasil, depois Américas do Sul e Central", diz Kakinoff.
A empresa investiu na criação de duas classes: a econômica e a chamada de conforto. Ela tem mais espaço entre as poltronas, que se reclinam, e por oferecerem um serviço especial, pela duração do voo.
POTÊNCIA INDIANA
A montadora indiana Mahindra vai expandir sua rede de concessionárias do Brasil com a inauguração de 20 lojas até o final deste ano.
A meta é chegar a 75 unidades até o fim de 2013, segundo Eduard Roosli, presidente da Bramont, que representa a marca no país.
O projeto de ampliação acompanha o lançamento de três novos modelos.
O principal deles é a XUV 500, um utilitário com proposta mais urbana do que os outros modelos da indiana.
"Somos uma montadora pequena, de nicho. Nossos produtos são voltados para o trabalhador, não o dono da empresa", afirma Roosli.
"Esse novo carro tem uma proposta diferente, com uma potência maior. A outra novidade é o motor microhíbrido, que reduz a emissão de poluentes."
Escoamento
Os portos da região Nordeste precisam receber mais de R$ 11 bilhões em investimentos até 2020, de acordo com a CNI.
O número supera muito as necessidades de recursos dos portos do Norte, que carecem de R$ 2,7 bilhões, e do Sul, para onde R$ 2,4 bilhões ajudariam. Os recursos evitariam que deficiências em pelo menos seis portos travem o escoamento da produção.
Comparações e preconceitos - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 28/10
Por ser Ney Franco um treinador simples e tranquilo, o goleiro, mesmo se não tivesse sido essa sua intenção, tentou passar por cima do treinador.
Rogério Ceni e os outros jogadores devem ter aprendido que Ney Franco é educado, pacato, mas é muito mais contundente e firme do que outros treinadores falastrões e exibicionistas que eles conheceram.
Ouço, com frequência, de técnicos, jogadores e comentaristas, que Messi faz tantos gols porque os times espanhóis, fora o Real Madrid, são muito fracos e ainda marcam muito menos que os outros da Europa. Isso se tornou um lugar-comum.
Messi joga muito e faz muitos gols em todos os campeonatos e contra as melhores equipes do mundo.
Os times médios e pequenos da Espanha estão também, no mínimo, no mesmo nível dos médios e pequenos dos outros países.
O Barcelona e o Real Madrid é que são muito bons. As equipes médias da Espanha quase sempre vão bem na Liga Europa. O Atlético de Madri é o atual campeão.
Quase todos os times, grandes ou pequenos, da Espanha e de toda a Europa, que enfrentam o Barcelona jogam na retranca. Isso dificulta para Messi fazer gols.
Continuo com as comparações. Apesar de bem diferentes, Messi e Zico, outro grande craque da história, se parecem, pela concisão e pela objetividade.
A principal diferença entre os dois jogadores é que o argentino dribla e conduz a bola, colada aos pés, com mais velocidade. Como já disse o técnico do Arsenal, Arsène Wenger, Messi parece um jogador de PlayStation.
Anos atrás, Zico e Maradona jogaram juntos uma pelada organizada no Rio de Janeiro .
Um leitor, apaixonado pelo Flamengo, após ver o show de malabarismo de Maradona, me disse que, pela primeira vez, concordou e entendeu por que a maioria acha Maradona melhor que Zico.
Cruyff, Gerson e Xavi não são os melhores, mas são os com mais talento coletivo que vi atuar.
Jogam e, ao mesmo tempo, conseguem ver a partida como se fossem espectadores.
Gerson é um brilhante comentarista. Xavi será o futuro técnico do Barcelona.
Cruyff, além de ter sido ótimo técnico, é o ex-jogador que melhor fala de futebol em todo o mundo, embora muitos comentaristas brasileiros gostem de ironizá-lo, quando o holandês é contundente e sai da mesmice.
Assim como há ex-jogadores que têm preconceito contra comentaristas que não foram atletas profissionais, como se somente quem jogou fosse capaz de analisar bem os detalhes técnicos e táticos, existem jornalistas preconceituosos com ex-jogadores-comentaristas, como se somente quem cur- sou a faculdade fosse capaz e tivesse o direito de falar e escrever sobre futebol.
Eleitor, o sábio - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 28/10
Os olhos hoje estão voltados para São Paulo, onde, se confirmada, a vitória do PT selará a troca de bastão entre os tucanos e colocará a presidente Dilma na posição de favorita para o futuro próximo
A partir de hoje, 2014 está logo ali no calendário dos políticos. E o recado básico das urnas é o de que PSDB e PT ainda vivem uma polarização na política nacional. Portanto, se o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ou quem mais chegar, quiser alguma clareira para posar uma candidatura presidencial daqui a dois anos, terá que cavar esse espaço e o caminho não será fácil. Afinal, o mesmo PT que perdeu terreno em Recife, concorre voto a voto com os socialistas em Fortaleza, e ainda lidera a corrida em João Pessoa contra os tucanos. Ou seja, o fato de o PT ter perdido Recife pode ser compensado em outras praças da região.
Se o jogo praticamente empatado no Nordeste tira de Eduardo parte do fôlego rumo a uma carreira-solo, em São Paulo as previsões de vitória de Fernando Haddad fazem acender o pisca-alerta no ninho tucano. Isso porque mantém o PT numa boa posição para a próxima corrida eleitoral daqui a 16 meses. Afinal, nada indica hoje que o barco Brasil vá afundar economicamente nos próximos dois anos. As perspectivas são de recuperação. Para completar, se Haddad vencer e seu governo for do agrado dos paulistanos na primeira fase, a lógica indica que os tucanos podem ter dificuldades de garantir a reeleição de Geraldo Alckmin para o governo estadual — e, por tabela, menos votos numa corrida presidencial.
Diante desse quadro, a depender do resultado de hoje em São Paulo, o PSDB irá para o divã refazer suas avaliações e buscar um discurso mais moderno, que lhe permita se apresentar ao eleitor como uma “novidade” daqui a dois anos — algo, entretanto, que só tem alguma chance de sucesso se houver no eleitor brasileiro de maneira geral o desejo de mudança.
Até aqui, o PSDB manteve sinais trocados com o eleitor do ponto de vista nacional. Quando José Serra se apresentou com jingle “a mudança é azul”, em 2002, ele representava a continuidade e o brasileiro, de uma maneira geral, queria mudar. Depois, em 2006, quando Lula embalava o país com seu talento para dialogar diretamente com a população, o PSDB veio com o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Desconhecido fora de São Paulo, Alckmin não emplacou e ainda caiu na armadilha do discurso contrário às privatizações. Quatro anos depois, lá estava Serra novamente como candidato, numa campanha contra a “novidade” Dilma Rousseff e o governo bem avaliado de Lula. Ali, o PSDB tentou, inicialmente, uma campanha da continuidade dos projetos governamentais quando a população enxergava nele o candidato da mudança. Ou seja, o discurso não colou e a campanha migrou para o terreno religioso ao fim do primeiro turno e no segundo. Não deu certo.
Nesta campanha paulistana, mais uma vez, ao que tudo indica, o partido de Fernando Henrique Cardoso caiu no mesmo problema. Os altos índices de Celso Russomano, o “moço da tevê” como ouvi de muitos taxistas na cidade, indicaram o desejo de mudança, embora os tucanos mantivessem seus 30%. Mas, entre um Russsomano desapadrinhado e um outro candidato defendido por Lula e pela presidente Dilma, o paulistano escolheu levar Haddad e Serra ao segundo turno para conhecer melhor Haddad e confrontar as propostas dos dois.
O problema é que, neste segundo turno, as propostas para a cidade ficaram em segundo plano. As discussões foram mais no sentido de desconstruir o outro do que propriamente mostrar a que veio. E, sendo assim, a lógica hoje é a de que o desejo de mudança fale mais alto e os votos de Russomano migrem para Haddad. Serra, por sua vez, bate forte na tecla do mensalão, um julgamento que, da parte política, parece ter ficado resolvido em 2005.
Enquanto isso, no futuro…
Toda essa reflexão tem sido feita a portas fechadas e voltará com toda a carga no ninho tucano a partir desta segunda-feira. O partido pretende aproveitar esta reta final de 2012 para passar o bastão da candidatura presidencial definitivamente ao senador Aécio Neves, de forma a deixar os paulistas dedicados à tarefa de proteger o terreno comandado por Alckmin. Afinal, 16 meses voam e a ordem é construir um discurso mais sólido contra uma candidata que, pelo andar da carruagem, chegará à largada oficial com ares de favorita.
O eleitor, esse senhor absoluto da democracia, ainda não está muito aí para essa montagem de 2014. Ele não caminha tão rápido no calendário como os políticos. Na mente desse sábio cidadão comum, vem aí o Natal, as festas de fim de ano, as contas a pagar. Talvez alguns já vislumbrem o planejamento para a Copa do Mundo no Brasil, daqui a dois anos, mas é só. Quanto aos políticos, os próximos capítulos prometem. Vamos acompanhar.
Os olhos hoje estão voltados para São Paulo, onde, se confirmada, a vitória do PT selará a troca de bastão entre os tucanos e colocará a presidente Dilma na posição de favorita para o futuro próximo
A partir de hoje, 2014 está logo ali no calendário dos políticos. E o recado básico das urnas é o de que PSDB e PT ainda vivem uma polarização na política nacional. Portanto, se o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ou quem mais chegar, quiser alguma clareira para posar uma candidatura presidencial daqui a dois anos, terá que cavar esse espaço e o caminho não será fácil. Afinal, o mesmo PT que perdeu terreno em Recife, concorre voto a voto com os socialistas em Fortaleza, e ainda lidera a corrida em João Pessoa contra os tucanos. Ou seja, o fato de o PT ter perdido Recife pode ser compensado em outras praças da região.
Se o jogo praticamente empatado no Nordeste tira de Eduardo parte do fôlego rumo a uma carreira-solo, em São Paulo as previsões de vitória de Fernando Haddad fazem acender o pisca-alerta no ninho tucano. Isso porque mantém o PT numa boa posição para a próxima corrida eleitoral daqui a 16 meses. Afinal, nada indica hoje que o barco Brasil vá afundar economicamente nos próximos dois anos. As perspectivas são de recuperação. Para completar, se Haddad vencer e seu governo for do agrado dos paulistanos na primeira fase, a lógica indica que os tucanos podem ter dificuldades de garantir a reeleição de Geraldo Alckmin para o governo estadual — e, por tabela, menos votos numa corrida presidencial.
Diante desse quadro, a depender do resultado de hoje em São Paulo, o PSDB irá para o divã refazer suas avaliações e buscar um discurso mais moderno, que lhe permita se apresentar ao eleitor como uma “novidade” daqui a dois anos — algo, entretanto, que só tem alguma chance de sucesso se houver no eleitor brasileiro de maneira geral o desejo de mudança.
Até aqui, o PSDB manteve sinais trocados com o eleitor do ponto de vista nacional. Quando José Serra se apresentou com jingle “a mudança é azul”, em 2002, ele representava a continuidade e o brasileiro, de uma maneira geral, queria mudar. Depois, em 2006, quando Lula embalava o país com seu talento para dialogar diretamente com a população, o PSDB veio com o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Desconhecido fora de São Paulo, Alckmin não emplacou e ainda caiu na armadilha do discurso contrário às privatizações. Quatro anos depois, lá estava Serra novamente como candidato, numa campanha contra a “novidade” Dilma Rousseff e o governo bem avaliado de Lula. Ali, o PSDB tentou, inicialmente, uma campanha da continuidade dos projetos governamentais quando a população enxergava nele o candidato da mudança. Ou seja, o discurso não colou e a campanha migrou para o terreno religioso ao fim do primeiro turno e no segundo. Não deu certo.
Nesta campanha paulistana, mais uma vez, ao que tudo indica, o partido de Fernando Henrique Cardoso caiu no mesmo problema. Os altos índices de Celso Russomano, o “moço da tevê” como ouvi de muitos taxistas na cidade, indicaram o desejo de mudança, embora os tucanos mantivessem seus 30%. Mas, entre um Russsomano desapadrinhado e um outro candidato defendido por Lula e pela presidente Dilma, o paulistano escolheu levar Haddad e Serra ao segundo turno para conhecer melhor Haddad e confrontar as propostas dos dois.
O problema é que, neste segundo turno, as propostas para a cidade ficaram em segundo plano. As discussões foram mais no sentido de desconstruir o outro do que propriamente mostrar a que veio. E, sendo assim, a lógica hoje é a de que o desejo de mudança fale mais alto e os votos de Russomano migrem para Haddad. Serra, por sua vez, bate forte na tecla do mensalão, um julgamento que, da parte política, parece ter ficado resolvido em 2005.
Enquanto isso, no futuro…
Toda essa reflexão tem sido feita a portas fechadas e voltará com toda a carga no ninho tucano a partir desta segunda-feira. O partido pretende aproveitar esta reta final de 2012 para passar o bastão da candidatura presidencial definitivamente ao senador Aécio Neves, de forma a deixar os paulistas dedicados à tarefa de proteger o terreno comandado por Alckmin. Afinal, 16 meses voam e a ordem é construir um discurso mais sólido contra uma candidata que, pelo andar da carruagem, chegará à largada oficial com ares de favorita.
O eleitor, esse senhor absoluto da democracia, ainda não está muito aí para essa montagem de 2014. Ele não caminha tão rápido no calendário como os políticos. Na mente desse sábio cidadão comum, vem aí o Natal, as festas de fim de ano, as contas a pagar. Talvez alguns já vislumbrem o planejamento para a Copa do Mundo no Brasil, daqui a dois anos, mas é só. Quanto aos políticos, os próximos capítulos prometem. Vamos acompanhar.
Maduros, não caindo - DIANA CORSO
ZERO HORA - 28/10
Manchetes aleatórias de jornal: “Idoso(a) é atacado por ladrões”, ou “Idoso morre num acidente”, “Idoso é suspeito de assassinato”. Para minha surpresa, lendo a matéria descubro que o idoso em questão tem ao redor de 60 anos! Não estou pronta para me considerar uma idosa em 10 anos.
Para um jovem repórter de 20 anos, tudo depois dos 50 é a antecâmara do fim, então tanto faz. Não o recrimino, todos ficamos confusos para entender o que é mesmo um velho. Há o preconceito social, velhice é aquilo cujo nome não se deve mencionar, como se invocasse um mal.
Mas também a confusão é propiciada porque a fase considerada “terceira idade” (quais são mesmo as duas primeiras, não há muito mais?) tornou-se muito longa e as pessoas amadurecem e fenecem de formas díspares.
É similar ao que ocorre na infância. Existem crianças de todos os tamanhos e diferentes graus de amadurecimento respondendo pela mesma idade. O crescimento passa por épocas de aceleração, outras de estagnação. Uns funcionam aos trancos, por arranques, outros numa linha contínua, há ainda os que desabrocham do dia para a noite.
A juventude e a idade adulta são as épocas mais uniformes da vida em termos de imagem corporal. Desde que se “bota corpo” até que os “enta” começam a se empilhar, somos muito parecidos. É difícil saber se alguém tem 20 ou 30 e tantos. Depois disso, ficamos desiguais como as crianças.
Existem sexagenários, septuagenários e octogenários de todos os matizes. Tirando um que outro achaque e alguns médicos a mais na rotina, há hoje nessa fase muita gente produtiva, independente, bonita. De mesma idade, há os que cedo se acovardam, se isolam, comem e dormem frente à televisão, vivem para a doença e esperam a morte.
Em respeito a esses cidadãos vividos e vivazes, e a nós mesmos, talvez devêssemos criar uma nomenclatura mais complexa para a dita terceira idade. Gostaria do direito às etapas. Começaria, aos 60, por “adultos tardios” (assim como existem os “jovens adultos”, em inglês usam “older adults”). “Maduros” também é bacana, dá ideia de finalmente estar no ponto.
Depois, talvez “septuagenários”, ou “idosos principiantes”? Aos 80, finalmente aceitaria ser considerada idosa, para que as limitações do meu corpo fossem respeitadas com direito à acessibilidade e uma rotina mais pausada. Os argentinos têm palavras simpáticas: “maduros” para os que recém começam a sentir o pior da idade, “gente grande” para os que já chegaram lá. Aceito sugestões.
A infância, cuja valorização social tem poucas centenas de anos, já possui uma série de palavras para descrever seus processos. O mundo nunca esteve tão velho, mas a maturidade ainda não recebeu a mesma consideração. Viver mirando-se numa patética juventude eterna nos impede de usufruir da experiência. Nomear, classificar, estudar, servem para aceitar e, quem sabe, usufruir da sabedoria daqueles que talvez tenham aprendido algo com a vida.
Manchetes aleatórias de jornal: “Idoso(a) é atacado por ladrões”, ou “Idoso morre num acidente”, “Idoso é suspeito de assassinato”. Para minha surpresa, lendo a matéria descubro que o idoso em questão tem ao redor de 60 anos! Não estou pronta para me considerar uma idosa em 10 anos.
Para um jovem repórter de 20 anos, tudo depois dos 50 é a antecâmara do fim, então tanto faz. Não o recrimino, todos ficamos confusos para entender o que é mesmo um velho. Há o preconceito social, velhice é aquilo cujo nome não se deve mencionar, como se invocasse um mal.
Mas também a confusão é propiciada porque a fase considerada “terceira idade” (quais são mesmo as duas primeiras, não há muito mais?) tornou-se muito longa e as pessoas amadurecem e fenecem de formas díspares.
É similar ao que ocorre na infância. Existem crianças de todos os tamanhos e diferentes graus de amadurecimento respondendo pela mesma idade. O crescimento passa por épocas de aceleração, outras de estagnação. Uns funcionam aos trancos, por arranques, outros numa linha contínua, há ainda os que desabrocham do dia para a noite.
A juventude e a idade adulta são as épocas mais uniformes da vida em termos de imagem corporal. Desde que se “bota corpo” até que os “enta” começam a se empilhar, somos muito parecidos. É difícil saber se alguém tem 20 ou 30 e tantos. Depois disso, ficamos desiguais como as crianças.
Existem sexagenários, septuagenários e octogenários de todos os matizes. Tirando um que outro achaque e alguns médicos a mais na rotina, há hoje nessa fase muita gente produtiva, independente, bonita. De mesma idade, há os que cedo se acovardam, se isolam, comem e dormem frente à televisão, vivem para a doença e esperam a morte.
Em respeito a esses cidadãos vividos e vivazes, e a nós mesmos, talvez devêssemos criar uma nomenclatura mais complexa para a dita terceira idade. Gostaria do direito às etapas. Começaria, aos 60, por “adultos tardios” (assim como existem os “jovens adultos”, em inglês usam “older adults”). “Maduros” também é bacana, dá ideia de finalmente estar no ponto.
Depois, talvez “septuagenários”, ou “idosos principiantes”? Aos 80, finalmente aceitaria ser considerada idosa, para que as limitações do meu corpo fossem respeitadas com direito à acessibilidade e uma rotina mais pausada. Os argentinos têm palavras simpáticas: “maduros” para os que recém começam a sentir o pior da idade, “gente grande” para os que já chegaram lá. Aceito sugestões.
A infância, cuja valorização social tem poucas centenas de anos, já possui uma série de palavras para descrever seus processos. O mundo nunca esteve tão velho, mas a maturidade ainda não recebeu a mesma consideração. Viver mirando-se numa patética juventude eterna nos impede de usufruir da experiência. Nomear, classificar, estudar, servem para aceitar e, quem sabe, usufruir da sabedoria daqueles que talvez tenham aprendido algo com a vida.
Mais um serviço para o chato a jato - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 28/10
Mesmo no tempo das hélices, já havia chato a jato. Claro que já havia, o que não havia era avião a jato. A designação de hoje se deve à tecnologia dos aviões atuais, mas creio que, desde que o homem passou a utilizar meios de deslocamento que não as pernas, o chato a jato já existia. Hão de ter existido chato a cavalo, chato de trenó, chato de trirreme, chato de caravela e assim por diante. No meu caso, que sou chato a jato, não acho impossível que se trate de um problema de origem genética. O coronel Ubaldo, meu façanhudo avô materno, que nunca chegou nem perto de um avião e ficava inquieto nas raríssimas ocasiões em que algum deles sobrevoava a ilha, era renomado chato de canoa e de lombo de jegue.
O comportamento do chato a jato varia de indivíduo para indivíduo, a ponto de sua classificação ainda desafiar a ciência. Mas certos traços são praticamente universais e talvez a classificação não tenha tanta importância assim, porque todo mundo reconhece um chato a jato. A desagradável síndrome geralmente começa a manifestar-se alguns dias antes da viagem. Se a viagem é para o exterior, essa manifestação pode requerer, em certos casos, ajuda médica. A vítima passa a encher a paciência de toda a família, anotando, reanotando e cobrando providências, fazendo previsões sinistras de problemas com as autoridades do país ao qual irá, conferindo várias vezes por dia o horário de saída do voo, perdendo e achando o passaporte de hora em hora, contando, recontando, tricontando e quadricontando dinheiro e assim por diante. Tudo isso se avoluma com o decurso do tempo e, ao entrar no aeroporto, o chato a jato, que passou a viagem de táxi verificando repetidamente passagens, passaportes e outros documentos, tem certeza de que esqueceu alguma coisa em casa que não sabe o que é, mas vai fazer com que ele seja deportado de volta, assim que chegar ao destino.
Creio também que, como quase tudo mais, essa afecção piora com a idade. O grande chato a jato em que me transformaria subsequentemente já era observável desde o tempo em que eu era menino e, como o coronel, nunca tinha visto um avião de perto. O navio da Itaparica de antigamente dava três apitos curtos no instante em que estava prestes a zarpar e quem não embarcasse logo ficava em terra. Na noite anterior à viagem, eu volta e meia acordava, no meio de um pesadelo em que o navio apitava três vezes e eu, sem conseguir sair de casa por alguma razão, chegava à ponte de atracação quando ele já estava se afastando e levando minha família, que assim me deixava abandonado e desamparado, para, com alguma sorte, talvez sobreviver da cata de siris na maré vazante. De lá para cá, acabaram os pesadelos, mas a condição de chato a jato se fortalece a cada dia.
A situação é agravada por outros aspectos das viagens hoje em dia. Os grandes aeroportos são babilônias cada vez maiores e mais confusas, onde o pobre chato, patologicamente atento a modificações anunciadas pelos alto-falantes e monitores, morre cada instante, acreditando que seu voo foi cancelado e que o único jeito de chegar a Berlim, como estava planejado, é por meio de uma viagem de três dias, via Indonésia e Curdistão. O notebook a tiracolo aumenta de peso meio quilo a cada 20 metros percorridos. Mesmo nos aeroportos onde há trens internos e esteiras rolantes para quem caminha, as distâncias parecem ser sempre de alguns quilômetros e o portão G-54, que devia ficar entre o G-55 e H-6, mudou-se para a ala norte, aonde é possível chegar a partir dali dentro de uns dez minutos, em marcha acelerada.
E não esqueçamos as diversas ocasiões em que é necessário passar pela segurança e pelos órgãos de imigração. Minha situação, sob esse aspecto, merece solidariedade ou até compaixão. Além do nervosismo e da barafunda afobada que armo com papéis e documentos, como quem está levando um revólver e dois quilos de cocaína na sacola, há o problema da cara. Eu tenho a cara errada em toda parte: cara de hispano ou árabe nos Estados Unidos, cara de turco na Alemanha, cara de árabe na França, cara de imigrado centro-americano na Espanha. Isso às vezes me rende problemas e, por exemplo, não me lembro com saudade da ocasião em que, em Atlanta, fui cordialmente convidado a sair da porta daquele canudo por onde se entra no avião. Em seguida, tudo ainda dentro da maior cortesia, com o funcionário usando o vocativo sir para me dar suas ordens, fui instruído a tirar os sapatos, afastar as pernas e pôr as mãos contra a parede, como nos filmes da Swat. Usando luvas cirúrgicas, o funcionário me revistou minuciosamente, após o que um cachorro, que um policial chamava Snoopy e era um beagle como o Snoopy de Charlie Brown, me cheirou os fundilhos com um ímpeto que me pareceu transgredir os limites do profissionalismo. Não é uma boa recordação.
No entanto, continuo a viajar e, apesar de toda essa aflição, vale a pena. Enquanto vocês me leem, devo estar em Madri ou Salamanca, na esperança de não envergonhar a pátria e os amigos, nas duas ou três palestras que deverei fazer. Mesmo em tempos muito difíceis, visitar a Espanha não é nenhum sacrifício. E, afinal, há também a obrigação cívica de, quando se oferece uma boa oportunidade, falar do Brasil a um público que nos desconhece. As coisas mudaram. Nunca mais eu tive, para não ver o auditório transformado numa turba enfurecida por eu contar que não conhecia nenhum índio, de inventar histórias sobre como meu pai brigava com os selvagens que pulavam o muro do quintal, para flechar nossas galinhas. Agora, não mais. Agora a gente precisa explicar como é que isto aqui funciona. Pensando bem, talvez o tempo dos índios flechando as galinhas fosse bem mais fácil.
Sadismo exagerado - PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 28/10
Zero Hora publicou na última semana uma notícia muito estranha: um médico, aqui em Porto Alegre, prendia em casa sua namorada, uma enfermeira, e a torturava com agulhas, cortador de unhas e relho.
A enfermeira – sempre é bom recordar que era namorada do médico – apresentava marcas visíveis das agressões no rosto, no resto do corpo e, ao queixar-se à polícia, mostrava-se inteiramente lesionada e praticamente incapacitada de andar.
Sei de casos e a literatura registra a existência de sadismo e masoquismo em jogos sexuais. Não quero crer que tenha acontecido isso nesse episódio, embora ele deixe margem a essa suspeita.
Tudo isso está no meu imaginário, que se baseia no relato da notícia.
Ainda mais: o médico, depois de causar danos físicos à namorada pela tortura, a curava das lesões para que pudesse prosseguir com os maus-tratos.
Isso chega a ser fantástico: causava as lesões e depois as medicava. Que história intrigantemente contada.
Trinta anos atrás, criei uma frase aqui na minha coluna, depois muito usada nos meios de comunicação: “A maldade humana não tem limites”.
Um médico usar de relho, agulhas e cortador de unhas para torturar durante meses a sua namorada, uma enfermeira. Gostaria de conhecer melhor os detalhes dessa relação.
Há casos frequentes de sadomasoquismo em que é empregado o relho como instrumento de maus-tratos. No caso em tela, há o relho.
Diz a notícia que o médico namorava há tempos a enfermeira mas nunca tinha adotado o cárcere privado, só ultimamente.
Ou seja, maltratava-a ou torturava-a, mas não tolhia a sua liberdade. Quando passou a tolhê-la, a enfermeira foi queixar-se à polícia.
Não quero crer que ela aceitava a tortura, só não concordou com a privação da liberdade. Muito estranho tudo isso, que notícia intrigante.
Eu não teria dúvida de que o sexo está por trás disso.
Mas o médico acabou preso preventivamente e foi recolhido ao Presídio Central.
No sexo, um tapinha, um puxão nos cabelos, uma mordidinha, tudo isso são primícias que algumas pessoas consideram normais e quem sabe aceitáveis entre os parceiros.
Só que, quando essa prática descamba para a sanha doentia, corre o risco de transformar-se em tortura física.
De qualquer forma, é lamentável que um médico esteja debaixo dessa acusação. O eixo vocacional e ideal da profissão de médico é a salvação, a cura, a proteção física das pessoas. Nesse caso, contraditoriamente, o médico partiu para a tortura da namorada enfermeira.
Nunca vi dois profissionais tão deslocadas na vida como nesse episódio triste: um médico e uma enfermeira envolvidos, como autor e vítima, num episódio que, se não for de perversidade sexual, é de maldade deplorável.
Zero Hora publicou na última semana uma notícia muito estranha: um médico, aqui em Porto Alegre, prendia em casa sua namorada, uma enfermeira, e a torturava com agulhas, cortador de unhas e relho.
A enfermeira – sempre é bom recordar que era namorada do médico – apresentava marcas visíveis das agressões no rosto, no resto do corpo e, ao queixar-se à polícia, mostrava-se inteiramente lesionada e praticamente incapacitada de andar.
Sei de casos e a literatura registra a existência de sadismo e masoquismo em jogos sexuais. Não quero crer que tenha acontecido isso nesse episódio, embora ele deixe margem a essa suspeita.
Tudo isso está no meu imaginário, que se baseia no relato da notícia.
Ainda mais: o médico, depois de causar danos físicos à namorada pela tortura, a curava das lesões para que pudesse prosseguir com os maus-tratos.
Isso chega a ser fantástico: causava as lesões e depois as medicava. Que história intrigantemente contada.
Trinta anos atrás, criei uma frase aqui na minha coluna, depois muito usada nos meios de comunicação: “A maldade humana não tem limites”.
Um médico usar de relho, agulhas e cortador de unhas para torturar durante meses a sua namorada, uma enfermeira. Gostaria de conhecer melhor os detalhes dessa relação.
Há casos frequentes de sadomasoquismo em que é empregado o relho como instrumento de maus-tratos. No caso em tela, há o relho.
Diz a notícia que o médico namorava há tempos a enfermeira mas nunca tinha adotado o cárcere privado, só ultimamente.
Ou seja, maltratava-a ou torturava-a, mas não tolhia a sua liberdade. Quando passou a tolhê-la, a enfermeira foi queixar-se à polícia.
Não quero crer que ela aceitava a tortura, só não concordou com a privação da liberdade. Muito estranho tudo isso, que notícia intrigante.
Eu não teria dúvida de que o sexo está por trás disso.
Mas o médico acabou preso preventivamente e foi recolhido ao Presídio Central.
No sexo, um tapinha, um puxão nos cabelos, uma mordidinha, tudo isso são primícias que algumas pessoas consideram normais e quem sabe aceitáveis entre os parceiros.
Só que, quando essa prática descamba para a sanha doentia, corre o risco de transformar-se em tortura física.
De qualquer forma, é lamentável que um médico esteja debaixo dessa acusação. O eixo vocacional e ideal da profissão de médico é a salvação, a cura, a proteção física das pessoas. Nesse caso, contraditoriamente, o médico partiu para a tortura da namorada enfermeira.
Nunca vi dois profissionais tão deslocadas na vida como nesse episódio triste: um médico e uma enfermeira envolvidos, como autor e vítima, num episódio que, se não for de perversidade sexual, é de maldade deplorável.
Todos à loteria do poder - JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O Estado de S.Paulo - 28/10
Partidos secundários se conformam com a função impolítica de vendilhões de apoio
O peculiar modo como se deu o desenvolvimento político do Brasil, a partir da sociedade escravista que fomos durante largo tempo, impregnou nosso sistema político de anomalias que tolhem nosso caminho para a democracia. Sobretudo porque aqui não é incomum que partidos se oponham à política enquanto meio de expressão democrática da vontade coletiva.
Não há como instituir democracia sem voto, mas há como ter voto e não ter democracia
Um compreensível fetichismo do voto cerca nossa concepção de eleições, na suposição, nem sempre correta, de que votar é democratizar. Não há como instituir democracia sem voto, mas há como ter voto e não ter democracia. Ainda nestes dias, ouvi de colegas, nos corredores do recinto em que se realizou a Reunião Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais) amargas e preocupantes considerações sobre como se manipulam os cenários e as circunstâncias eleitorais em nossas universidades. Tanto no meio estudantil quanto no meio docente, para simular maiorias e anular a vontade eventual das maiorias verdadeiras. Uma cultura do golpismo se implantou no País e se disseminou por diferentes instâncias de uma sociedade que, após duas décadas de autoritarismo, estava sedenta de democracia. Ditadura ruim é a dos outros.
Não temos, na verdade, larga e consolidada tradição de voto. No período colonial, votava uma minoria, os chamados homens bons, puros de sangue e de fé, por um sistema que combinava eleição e sorteio. As câmaras municipais, que tinham composição completamente diversa da de hoje, listavam nomes e os encerravam em diferentes pelouros de cera de abelha que eram sorteados na ocasião própria de escolha da nova câmara. Não era incomum que os designados para as funções do bem público procurassem evadir-se das obrigações. Acabavam a elas forçados sob penas gravíssimas, a mais comum das quais era a multa e o encarceramento na enxovia, verdadeira pocilga municipal, por 30 dias. O oposto de hoje, em que os numerosos candidatos a edil mostram-se ansiosos pelo assento na câmara, e pelas mordomias correspondentes, com exceção talvez daqueles que, em número não pequeno, como nestas eleições e em muitos municípios, surpreendentemente não obtiveram nenhum voto. Supostamente, nem sequer votaram em si mesmos.
No Império, o voto estamental herdado da dominação colonial, o que distinguia os chamados homens de qualidade dos seres servis e de trabalho, e a eles circunscrevia os limitados direitos políticos de então, foi regulado e modificado pelo quantitativo. Qualificavam-se os eleitores e os candidatos em função de seus cabedais, numa gradação que ia da máxima riqueza nas eleições gerais a cabedais menores nas eleições locais. No limbo do sistema eleitoral diminuto ficavam os escravos e os ínfimos em geral, categoria na qual, na prática, se incluíam as mulheres. Mas, ao menos, passaram a existir os partidos políticos, na verdade dois, o Liberal e o Conservador, dando certa direção ideológica à manifestação da vontade política dos poucos que a ela tinham direito. Alternavam-se no poder na estranha dialética que nos governaria pelos tempos vindouros e de certo modo até os dias de hoje: os liberais (que nos tempos atuais têm nomes esquisitos, como o de socialistas, revolucionários, radicais, menos o de liberais) propõem as mudanças políticas e os conservadores (que também têm nomes esquisitos, como o de sociais, liberais, democráticos, trabalhistas) as executam. No fundo, e não estou fazendo ironia, aqui a direita parece ser de esquerda e a esquerda parece ser de direita. Trastrocam-se e ninguém reclama.
A democracia socialmente restritiva avançou pela República. Só lenta e gradualmente estendeu os direitos políticos a categorias que ficaram deles excluídas desde o início do regime, como os pobres, os analfabetos, as mulheres (que só puderam votar a partir de 1932, mais de 40 anos após a proclamação da República). Só com a Constituição de 1988 todos os brasileiros, a partir dos 16 anos de idade, passaram de fato a ter direito de voto.
Um fenômeno, que se observa sobretudo a partir da redemocratização de 1946 e se revigorou na redemocratização de 1984, é a proliferação de partidos políticos sem perfil ideológico ou doutrinário nítido. Mais associações de interesses na loteria do poder do que propriamente na representação política do povo. O que parece ser sadia indicação de democrática pluralidade de ideias tem se revelado muito mais antidemocrática falta de ideias. Tornou-se mais importante ser votado sem ganhar eleições do que ganhá-las. A política de coalizões é a principal evidência dessa tortuosa via da governação, o partido eleito convertido em refém dos partidos intersticiais e secundários que se conformam com a função impolítica de parasitas do poder, vendilhões de apoio como se viu no caso do mensalão. A arquitetura partidária já é montada para descumprir as funções propriamente eleitorais e políticas. Aqui, partido e política se opõem, o que, no fundo, regula nossos desapontamentos e desacertos.
Partidos secundários se conformam com a função impolítica de vendilhões de apoio
O peculiar modo como se deu o desenvolvimento político do Brasil, a partir da sociedade escravista que fomos durante largo tempo, impregnou nosso sistema político de anomalias que tolhem nosso caminho para a democracia. Sobretudo porque aqui não é incomum que partidos se oponham à política enquanto meio de expressão democrática da vontade coletiva.
Não há como instituir democracia sem voto, mas há como ter voto e não ter democracia
Um compreensível fetichismo do voto cerca nossa concepção de eleições, na suposição, nem sempre correta, de que votar é democratizar. Não há como instituir democracia sem voto, mas há como ter voto e não ter democracia. Ainda nestes dias, ouvi de colegas, nos corredores do recinto em que se realizou a Reunião Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais) amargas e preocupantes considerações sobre como se manipulam os cenários e as circunstâncias eleitorais em nossas universidades. Tanto no meio estudantil quanto no meio docente, para simular maiorias e anular a vontade eventual das maiorias verdadeiras. Uma cultura do golpismo se implantou no País e se disseminou por diferentes instâncias de uma sociedade que, após duas décadas de autoritarismo, estava sedenta de democracia. Ditadura ruim é a dos outros.
Não temos, na verdade, larga e consolidada tradição de voto. No período colonial, votava uma minoria, os chamados homens bons, puros de sangue e de fé, por um sistema que combinava eleição e sorteio. As câmaras municipais, que tinham composição completamente diversa da de hoje, listavam nomes e os encerravam em diferentes pelouros de cera de abelha que eram sorteados na ocasião própria de escolha da nova câmara. Não era incomum que os designados para as funções do bem público procurassem evadir-se das obrigações. Acabavam a elas forçados sob penas gravíssimas, a mais comum das quais era a multa e o encarceramento na enxovia, verdadeira pocilga municipal, por 30 dias. O oposto de hoje, em que os numerosos candidatos a edil mostram-se ansiosos pelo assento na câmara, e pelas mordomias correspondentes, com exceção talvez daqueles que, em número não pequeno, como nestas eleições e em muitos municípios, surpreendentemente não obtiveram nenhum voto. Supostamente, nem sequer votaram em si mesmos.
No Império, o voto estamental herdado da dominação colonial, o que distinguia os chamados homens de qualidade dos seres servis e de trabalho, e a eles circunscrevia os limitados direitos políticos de então, foi regulado e modificado pelo quantitativo. Qualificavam-se os eleitores e os candidatos em função de seus cabedais, numa gradação que ia da máxima riqueza nas eleições gerais a cabedais menores nas eleições locais. No limbo do sistema eleitoral diminuto ficavam os escravos e os ínfimos em geral, categoria na qual, na prática, se incluíam as mulheres. Mas, ao menos, passaram a existir os partidos políticos, na verdade dois, o Liberal e o Conservador, dando certa direção ideológica à manifestação da vontade política dos poucos que a ela tinham direito. Alternavam-se no poder na estranha dialética que nos governaria pelos tempos vindouros e de certo modo até os dias de hoje: os liberais (que nos tempos atuais têm nomes esquisitos, como o de socialistas, revolucionários, radicais, menos o de liberais) propõem as mudanças políticas e os conservadores (que também têm nomes esquisitos, como o de sociais, liberais, democráticos, trabalhistas) as executam. No fundo, e não estou fazendo ironia, aqui a direita parece ser de esquerda e a esquerda parece ser de direita. Trastrocam-se e ninguém reclama.
A democracia socialmente restritiva avançou pela República. Só lenta e gradualmente estendeu os direitos políticos a categorias que ficaram deles excluídas desde o início do regime, como os pobres, os analfabetos, as mulheres (que só puderam votar a partir de 1932, mais de 40 anos após a proclamação da República). Só com a Constituição de 1988 todos os brasileiros, a partir dos 16 anos de idade, passaram de fato a ter direito de voto.
Um fenômeno, que se observa sobretudo a partir da redemocratização de 1946 e se revigorou na redemocratização de 1984, é a proliferação de partidos políticos sem perfil ideológico ou doutrinário nítido. Mais associações de interesses na loteria do poder do que propriamente na representação política do povo. O que parece ser sadia indicação de democrática pluralidade de ideias tem se revelado muito mais antidemocrática falta de ideias. Tornou-se mais importante ser votado sem ganhar eleições do que ganhá-las. A política de coalizões é a principal evidência dessa tortuosa via da governação, o partido eleito convertido em refém dos partidos intersticiais e secundários que se conformam com a função impolítica de parasitas do poder, vendilhões de apoio como se viu no caso do mensalão. A arquitetura partidária já é montada para descumprir as funções propriamente eleitorais e políticas. Aqui, partido e política se opõem, o que, no fundo, regula nossos desapontamentos e desacertos.
A princesinha do mar - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 28/10
Me encanta o clima simples, onde se come bem e no fim o garçom pergunta: "Quer que faça uma quentinha?"
Copacabana é um bairro que saiu de moda, mas que tem sua vida própria, e diferente de tudo.
Outro dia fui levada por um amigo para conhecer um restaurante famoso por suas empadas, e me senti em outro universo; apesar de ser colada a Ipanema, que é colada ao Leblon, nada mais diferente do que esses bairros. O restaurante é na Barata Ribeiro, rua de tráfego intenso de ônibus, vans e motos, com direito a toda a fumaça e a todo o barulho do mundo. Numas prateleiras altas, garrafas de vinho Gatão e Periquita e, num quadrinho, a advertência: "Ao mastigar, cuidado com o recheio da empada. A azeitona tem caroço". Adorei.
Chama-se O Caranguejo, e é o oposto de um lugar cool, moderno e da moda; os garçons não foram escolhidos por sua beleza e juventude, e via-se, pela intimidade que tinham com a casa, que devem trabalhar lá há mais de 20 anos; qualquer prato pedido alimenta três com fartura -e todos são muito bons. A salada era típica de um restaurante que não é da moda: três folhas de alface, três rodelas de tomate e, em cima, três grossas rodelas de cebola. Tudo que a gente esqueceu que existia, mas que em Copacabana continua no auge da moda.
Agora, a frequência: muitos homens usavam camiseta sem manga, todos, praticamente, tinham barriga, e as mulheres -bem, nenhuma poderia aspirar a ser uma top model, e elas não estavam nem aí. Ninguém usava uma só peça de grife, ninguém falava no celular, a conversa nas mesas era animada e embalada pelos chopes que alternavam com os copinhos de Steinhagen, uma espécie de cachaça alemã só consumida por profissionais. Todo mundo era normal, e como é bom saber que ainda existe gente normal. Como o restaurante fica na esquina de uma rua que começa na praia, é muito ventilado, por isso não havia ar-condicionado.
O clima ali é familiar; os frequentadores devem ser sempre os mesmos, tanto que se falam de uma mesa para outra, e são de uma enorme gentileza; um deles me ofereceu (da mesa dele) uma travessa com patinhas de caranguejo, coisa que não lembro de ter acontecido, jamais, em minha vida. E eu aceitei, claro.
A animação é permanente: a partir das 11h todos já estão comendo muito, bebendo muito, e esse clima continua a tarde inteira, entrando pela noite. Às vezes entram famílias com crianças, e suas respectivas mães e avós; todos têm muito bom apetite e imagino que lá nunca tenha sido pronunciada a palavra dieta.
Mas por que estou falando de um lugar tão simples, mais para o modesto, sem uma só das frescuras que têm todos os restaurantes chamados chiques? Começa pela insuportável moça na porta, de preto longo, salto alto, que faz logo a pergunta: "Tem reserva?". Como eu nunca faço reserva, e o restaurante está vazio, digo que não, e ela me encaminha para a mesa. Mas se está vazio, para que a pergunta? Não entendo, e não vou, jamais, entender.
E se falo sobre este restaurante é porque me encanta esse clima simples, onde se come bem -e barato-, e no final o garçom pergunta: "Quer que faça uma quentinha para levar o que sobrou?". Sim, porque sempre sobra.
Não que eu não goste de frescuras; até gosto, mas o tempo todo é insuportável. E um lugar como esse me faz um bem tão grande ao coração e à alma que não sei nem explicar, mas me faz feliz só de saber que certas coisas simples ainda existem.
PS - E ainda tem caranguejo no toc toc, que vem inteiro, acompanhado de uma taboinha e um soquete, para poder passar o dia inteiro ocupado na nobre arte de comer um caranguejo "comme il faut".
Me encanta o clima simples, onde se come bem e no fim o garçom pergunta: "Quer que faça uma quentinha?"
Copacabana é um bairro que saiu de moda, mas que tem sua vida própria, e diferente de tudo.
Outro dia fui levada por um amigo para conhecer um restaurante famoso por suas empadas, e me senti em outro universo; apesar de ser colada a Ipanema, que é colada ao Leblon, nada mais diferente do que esses bairros. O restaurante é na Barata Ribeiro, rua de tráfego intenso de ônibus, vans e motos, com direito a toda a fumaça e a todo o barulho do mundo. Numas prateleiras altas, garrafas de vinho Gatão e Periquita e, num quadrinho, a advertência: "Ao mastigar, cuidado com o recheio da empada. A azeitona tem caroço". Adorei.
Chama-se O Caranguejo, e é o oposto de um lugar cool, moderno e da moda; os garçons não foram escolhidos por sua beleza e juventude, e via-se, pela intimidade que tinham com a casa, que devem trabalhar lá há mais de 20 anos; qualquer prato pedido alimenta três com fartura -e todos são muito bons. A salada era típica de um restaurante que não é da moda: três folhas de alface, três rodelas de tomate e, em cima, três grossas rodelas de cebola. Tudo que a gente esqueceu que existia, mas que em Copacabana continua no auge da moda.
Agora, a frequência: muitos homens usavam camiseta sem manga, todos, praticamente, tinham barriga, e as mulheres -bem, nenhuma poderia aspirar a ser uma top model, e elas não estavam nem aí. Ninguém usava uma só peça de grife, ninguém falava no celular, a conversa nas mesas era animada e embalada pelos chopes que alternavam com os copinhos de Steinhagen, uma espécie de cachaça alemã só consumida por profissionais. Todo mundo era normal, e como é bom saber que ainda existe gente normal. Como o restaurante fica na esquina de uma rua que começa na praia, é muito ventilado, por isso não havia ar-condicionado.
O clima ali é familiar; os frequentadores devem ser sempre os mesmos, tanto que se falam de uma mesa para outra, e são de uma enorme gentileza; um deles me ofereceu (da mesa dele) uma travessa com patinhas de caranguejo, coisa que não lembro de ter acontecido, jamais, em minha vida. E eu aceitei, claro.
A animação é permanente: a partir das 11h todos já estão comendo muito, bebendo muito, e esse clima continua a tarde inteira, entrando pela noite. Às vezes entram famílias com crianças, e suas respectivas mães e avós; todos têm muito bom apetite e imagino que lá nunca tenha sido pronunciada a palavra dieta.
Mas por que estou falando de um lugar tão simples, mais para o modesto, sem uma só das frescuras que têm todos os restaurantes chamados chiques? Começa pela insuportável moça na porta, de preto longo, salto alto, que faz logo a pergunta: "Tem reserva?". Como eu nunca faço reserva, e o restaurante está vazio, digo que não, e ela me encaminha para a mesa. Mas se está vazio, para que a pergunta? Não entendo, e não vou, jamais, entender.
E se falo sobre este restaurante é porque me encanta esse clima simples, onde se come bem -e barato-, e no final o garçom pergunta: "Quer que faça uma quentinha para levar o que sobrou?". Sim, porque sempre sobra.
Não que eu não goste de frescuras; até gosto, mas o tempo todo é insuportável. E um lugar como esse me faz um bem tão grande ao coração e à alma que não sei nem explicar, mas me faz feliz só de saber que certas coisas simples ainda existem.
PS - E ainda tem caranguejo no toc toc, que vem inteiro, acompanhado de uma taboinha e um soquete, para poder passar o dia inteiro ocupado na nobre arte de comer um caranguejo "comme il faut".
A guilhotina é o ioiô da tragédia - FABRÍCIO CARPINEJAR
ZERO HORA - 28/10
“Boa tarde! Há 4 meses me envolvi sexualmente com um homem comprometido, desde então tem sido um relacionamento ioiô, sempre peço um tempo pra ele quando vejo que meus sentimentos estão me dominando. Não me abro com ninguém a respeito disso. Agravantes: é meu chefe, 30 anos mais velho, meu primeiro envolvimento sexual foi com ele, trabalho com sua namorada. Grande abraço. Yasmin”
Querida Yasmin,
Quem dera fosse uma relação ioiô, seria um elogio, é um caso guilhotina, feita para sua cabeça rolar. Juntou todas as adversidades numa só pessoa, todas as proibições num único tirano.
Mistura a cena profissional com a amorosa, cria situações de chantagem (da parte dele, de sua parte), não se abre porque não tem ninguém como expor os personagens da novela, ainda convive com a namorada dele e vê o romance dos dois se desenrolar na sua frente.
Sua trama produz ciúme, inveja, prepotência e humilhação, o lado pantanoso do amor. Não há sentimentos nobres, destinados à escolha e à independência.
Como vai crescer numa relação dessas?
O inferno nem mais a cumprimenta: procurou alguém que pudesse ser seu pai (trinta anos mais velho), seu chefe, seu professor, anulando por completo seu discernimento crítico. É uma filha, uma escrava, uma aluna da tortura.
São tantos complexos que somente comprando um divã parcelado em suaves prestações.
Sofre um excesso de dependência que leva à paralisia. Você pede um tempo para não pressionar de propósito. Estabelece um falso limite, pois prevê o mais drástico dos desfechos.
O que deve ocorrer é perder o emprego, acabar sozinha e reduzir a pó seu grupo de amigos, já que seus colegas suspeitam de suas vantagens e benefícios pela proximidade com o patrão. Ainda que não fale nada do que vem ocorrendo, é o centro da mais famosa fofoca no expediente. Ao ganhar uma promoção, mesmo que mereça, será alvo de piadas e do descrédito. Nunca saberá se a namorada do amante descobriu o triângulo amoroso e puxa conversa por hipocrisia ou amizade.
O carimbo de sua carteira profissional é uma lágrima azul. Sua alegria é ser infeliz. Seu projeto de vida é acumular culpa. Nem percebeu que não deseja o melhor para sua vida, mas o pior.
Optou por ser leal a um ditador, apagar sua personalidade, frustrar planos de ascensão na carreira e no plano emocional.
Quem você deseja superar com tamanha tristeza? Sua mãe?
“Boa tarde! Há 4 meses me envolvi sexualmente com um homem comprometido, desde então tem sido um relacionamento ioiô, sempre peço um tempo pra ele quando vejo que meus sentimentos estão me dominando. Não me abro com ninguém a respeito disso. Agravantes: é meu chefe, 30 anos mais velho, meu primeiro envolvimento sexual foi com ele, trabalho com sua namorada. Grande abraço. Yasmin”
Querida Yasmin,
Quem dera fosse uma relação ioiô, seria um elogio, é um caso guilhotina, feita para sua cabeça rolar. Juntou todas as adversidades numa só pessoa, todas as proibições num único tirano.
Mistura a cena profissional com a amorosa, cria situações de chantagem (da parte dele, de sua parte), não se abre porque não tem ninguém como expor os personagens da novela, ainda convive com a namorada dele e vê o romance dos dois se desenrolar na sua frente.
Sua trama produz ciúme, inveja, prepotência e humilhação, o lado pantanoso do amor. Não há sentimentos nobres, destinados à escolha e à independência.
Como vai crescer numa relação dessas?
O inferno nem mais a cumprimenta: procurou alguém que pudesse ser seu pai (trinta anos mais velho), seu chefe, seu professor, anulando por completo seu discernimento crítico. É uma filha, uma escrava, uma aluna da tortura.
São tantos complexos que somente comprando um divã parcelado em suaves prestações.
Sofre um excesso de dependência que leva à paralisia. Você pede um tempo para não pressionar de propósito. Estabelece um falso limite, pois prevê o mais drástico dos desfechos.
O que deve ocorrer é perder o emprego, acabar sozinha e reduzir a pó seu grupo de amigos, já que seus colegas suspeitam de suas vantagens e benefícios pela proximidade com o patrão. Ainda que não fale nada do que vem ocorrendo, é o centro da mais famosa fofoca no expediente. Ao ganhar uma promoção, mesmo que mereça, será alvo de piadas e do descrédito. Nunca saberá se a namorada do amante descobriu o triângulo amoroso e puxa conversa por hipocrisia ou amizade.
O carimbo de sua carteira profissional é uma lágrima azul. Sua alegria é ser infeliz. Seu projeto de vida é acumular culpa. Nem percebeu que não deseja o melhor para sua vida, mas o pior.
Optou por ser leal a um ditador, apagar sua personalidade, frustrar planos de ascensão na carreira e no plano emocional.
Quem você deseja superar com tamanha tristeza? Sua mãe?
Corruptos falam a mesma língua - CLÓVIS ROSSI
Folha de São Paulo - 28/10
Berlusconi, Wen Jiabao e os mensaleiros reagem todos da mesma forma quando acusados ou condenados
FORMIDÁVEL A coincidência de reações de corruptos mundo afora quando apanhados com a mão na massa. Repassemos as corrupções da semana para compará-las com o mensalão brasileiro.
Na Itália, Silvio Berlusconi, três vezes primeiro-ministro, foi condenado a quatro anos de prisão por evasão fiscal. Usou companhias "off-shore" para evitar impostos sobre os direitos que sua empresa Mediaset adquirira de filmes americanos.
É o famoso caixa dois, tão presente no julgamento do mensalão. Na Itália, por muito que o país tenha fama de corrupto, ninguém se orgulha nem confessa caixa dois.
No Brasil, ao contrário, até o presidente da República da época, Luiz Inácio Lula da Silva, deu o caixa dois como desculpa para o que chamou de "erros" de seu partido.
Segundo Lula, o PT fizera "apenas" o que todo o mundo faz, ou seja, caixa dois.
Por mais que seu ministro da Justiça à época, Márcio Thomaz Bastos, tivesse dito que esse esquema é "coisa de bandido", advogados dos réus voltaram à tese do caixa dois em pleno Supremo Tribunal Federal, para espanto e indignação da ministra Cármen Lúcia.
Menos mal que, cá como lá, puniu-se a evasão fiscal que acompanha inexoravelmente o caixa dois.
Passemos à reação dos condenados: aqui, a condenação não passou, para os réus, de uma conspiração da direita mancomunada com os juízes do Supremo contra líderes que ainda se acham de esquerda.
Na Itália, Berlusconi, que responde judicialmente em mil e um casos, passou a vida dizendo que tudo não passava de perseguição de juízes esquerdistas, açulados pelos comunistas, onipresentes na retórica da direita, especialmente quando se trata de defender o indefensável.
Mudemos de continente e de regime, para a Ásia, mais exatamente a China, uma ditadura, ao contrário de Brasil e Itália. O "New York Times" acusa o premiê comunista Wen Jiabao de ter feito a mágica da multiplicação do dinheiro a favor de sua família, como se fosse um empedernido capitalista.
No Brasil, é arquiconhecido o fato de que famílias de políticos, especialmente caciques regionais, enriquecem muito rapidamente sempre que o patriarca chega ao poder, que, de resto, transmite de geração em geração.
Nem na ditatorial China nem no democrático Brasil houve, até agora, condenações mesmo quando há sérias suspeitas de que o enriquecimento não é produto exatamente das habilidades insuperáveis dos políticos e seus familiares.
Mas a reação, cá como lá, não é muito diferente. Na China, o governo simplesmente tirou do ar o "New York Times" e baniu, de suas redes sociais, palavras que pudessem conduzir o público a se informar sobre as denúncias.
No Brasil, é conhecida a ideia fixa de muita gente graúda do partido mais atingido pelas condenações do mensalão de defender o "controle da mídia".
Sorte que, na democracia, não podem fazer o que os chineses fazem, mas a fúria censória é idêntica.
Como se vê, corruptos são todos iguais, em todas as latitudes.
Ueba! Quero Limusine Única! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 28/06
Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!"
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!". Essa campanha foi mais comprida que o Carnaval na Bahia!
E o clima tá meio aquele filme "Crepúsculo": o Serra Vampiro e o Haddad, aquele galã que vira lobisomem! Apuração no Hopi Hari.
Noite do Terror! Se o Serra ganhar, não vai ter mais sol em São Paulo. Só noite! E se o Haddad ganhar, a gente ganha mais três prefeitos: Lula, Dilma, Marta. Voto combo: pipoca, Coca-Cola e dor de barriga! E o Serra virou um caixão sem alça!
E mais uma semana de campanha no Brasil ia ter ônibus grátis. Bilhete Eterno! E não tem Limusine Única? Eu quero votar de Limusine! A Limusine te pega na porta de casa e te deixa na porta da zona!
E eu já ensinei como votar no micro-ondas cívico. Se quiser Serra, aperta desencapetar. Porque ele virou evangélico. Se quiser Haddad, aperta descongelar. Porque ele é comida congelada! E faltam três teclas: "Filho duma quenga". "Elvis não morreu" e "F@D*-#&!".
E atenção! Piadas Prontas da semana: "Primeiro time do Garrincha, Pau Grande atrai gringos". Imagina na Copa! Rarará! "Japonês vence leilão de virgindade da brasileira". Vai continuar virgem. E leiloar de novo. Mas ela é fofa: vai doar a grana pra casas populares. Minha Xana, Minha Vida! Rarará!
E o mensonão? O mensalame! O Joaquim Barbosa comeu o salame inteiro! E a pena do Marcos Velório? Dois séculos e meio! Ele vai começar a cumprir a pena no Brasil e vai terminar de cumprir a pena em Umbral, aquela cidade espírita do filme "Nosso Lar". E Zé Dirceu foi indiciado por formação de quadrilha. E o Sarney por formação de família! E os tiozinhos já tão até corcundas. Os morcegos corcundas! E a Globo vai fazer uma minissérie do mensalão!
E eu insisto que o Marcos Velório é inocente. Mineiro não distribui dinheiro. Nem dos outros. E o Kassab devia ganha o Nobel de Química: transformou a cidade num cocô! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E o Haddad com aquela cara de galã indiano devia ser prefeito de Bollywood! E o Serra Vampiro com Cólica devia ser prefeito da Transilvânia! E num guento mais o Lula gritando com aquela voz de Pato Donald: "Tucanos! Tucanos!".
E o Serra já concorreu a mais eleições que o Michel Teló cantou "Ai, se Eu te Pego!". UFA! Tamo livre! Agora só quero saber do Obama! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!"
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!". Essa campanha foi mais comprida que o Carnaval na Bahia!
E o clima tá meio aquele filme "Crepúsculo": o Serra Vampiro e o Haddad, aquele galã que vira lobisomem! Apuração no Hopi Hari.
Noite do Terror! Se o Serra ganhar, não vai ter mais sol em São Paulo. Só noite! E se o Haddad ganhar, a gente ganha mais três prefeitos: Lula, Dilma, Marta. Voto combo: pipoca, Coca-Cola e dor de barriga! E o Serra virou um caixão sem alça!
E mais uma semana de campanha no Brasil ia ter ônibus grátis. Bilhete Eterno! E não tem Limusine Única? Eu quero votar de Limusine! A Limusine te pega na porta de casa e te deixa na porta da zona!
E eu já ensinei como votar no micro-ondas cívico. Se quiser Serra, aperta desencapetar. Porque ele virou evangélico. Se quiser Haddad, aperta descongelar. Porque ele é comida congelada! E faltam três teclas: "Filho duma quenga". "Elvis não morreu" e "F@D*-#&!".
E atenção! Piadas Prontas da semana: "Primeiro time do Garrincha, Pau Grande atrai gringos". Imagina na Copa! Rarará! "Japonês vence leilão de virgindade da brasileira". Vai continuar virgem. E leiloar de novo. Mas ela é fofa: vai doar a grana pra casas populares. Minha Xana, Minha Vida! Rarará!
E o mensonão? O mensalame! O Joaquim Barbosa comeu o salame inteiro! E a pena do Marcos Velório? Dois séculos e meio! Ele vai começar a cumprir a pena no Brasil e vai terminar de cumprir a pena em Umbral, aquela cidade espírita do filme "Nosso Lar". E Zé Dirceu foi indiciado por formação de quadrilha. E o Sarney por formação de família! E os tiozinhos já tão até corcundas. Os morcegos corcundas! E a Globo vai fazer uma minissérie do mensalão!
E eu insisto que o Marcos Velório é inocente. Mineiro não distribui dinheiro. Nem dos outros. E o Kassab devia ganha o Nobel de Química: transformou a cidade num cocô! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E o Haddad com aquela cara de galã indiano devia ser prefeito de Bollywood! E o Serra Vampiro com Cólica devia ser prefeito da Transilvânia! E num guento mais o Lula gritando com aquela voz de Pato Donald: "Tucanos! Tucanos!".
E o Serra já concorreu a mais eleições que o Michel Teló cantou "Ai, se Eu te Pego!". UFA! Tamo livre! Agora só quero saber do Obama! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Um olhar sobre 2013 - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo - 28/10
Nas últimas semanas houve uma boa convergência nas expectativas para 2013. Vejamos os pontos mais relevantes.
O crescimento do final do ano corrente será algo mais lento do que o imaginado. É possível até que a expansão do quarto trimestre sobre o terceiro seja menor que a deste último sobre o segundo. O mesmo ocorre com a visão para 2013: os mais otimistas estão revisando seus números para a faixa de 3,5/4,0%.
Aqui na MB mantemos a projeção para a faixa de 3,0%/3,5% que mencionei nesta coluna no início de agosto ("2012 está perdido. O que será de 2013?").
Reafirma-se hoje que o canal externo não vai melhorar no próximo ano. Embora o risco de uma crise bancária tenha sido mais uma vez afastado pelo Banco Central Europeu, continuam em cena o baixo crescimento da região, o alto desemprego nos países devedores e um lento avanço nas reformas institucionais, que buscam elevar a integração europeia.
A economia americana ainda tem de atravessar seu precipício fiscal e a chinesa chegou, como esperado, aos 7,5% de expansão do PIB. Tudo somado, o mundo não deverá crescer mais que 3,5% em 2013. Com isto, expectativas e exportações seguirão fracas. No caso destas últimas, as coisas serão piores, dada nossa opção preferencial pelos perdedores da América do Sul, em especial a Argentina, pois devemos em especial ao protecionismo da presidente Kirchner a queda observada de 3,5% no quantum exportado de manufaturados, de janeiro a setembro deste ano em relação a 2011. Este é um tema que pretendo abordar proximamente.
A retomada do consumo também será mais lenta do que o desejado, por duas razões, pelo menos: os sucessivos estímulos à compra de veículos garantiram um desempenho razoável para a indústria neste ano. Entretanto, é evidente que parte do resultado é uma antecipação de consumo, que já está levando a uma desaceleração nas vendas. Ao mesmo tempo, tenho convicção de que a expansão de crédito pessoal nos bancos públicos está servindo muito mais para refinanciar um passivo já existente junto ao setor privado, do que novas compras, ao contrário do que ocorreu em 2008/2009. É por isso que o índice das expectativas do consumidor da FGV ainda não mostra melhora consistente até outubro.
Continua sendo verdade que os investimentos estão muito mal. Conforme cálculos da Inter.B Consultoria, que aqui já mencionei, as inversões em infraestrutura vêm caindo sistematicamente de 2,5% do PIB em 2009 para 1,96% neste ano, número incapaz de sustentar crescimento de alguma expressão. Notícias recorrentes de atrasos em grandes projetos, como a transposição do São Francisco, complementam-se com a recente avaliação feita pela Confederação Nacional dos Transportes, de uma sensível perda de qualidade nas estradas brasileiras nos dois últimos anos.
Na mesma direção, o conhecido trabalho realizado pelo Banco Mundial "Doing Business" mostra, na edição de 2013, uma piora expressiva na posição brasileira. Em dois anos caímos dez posições no ranking!
A decisão de conceder uma série de projetos para o setor privado é bem vinda. Entretanto, o sucesso destas ações depende de uma regulação adequada. Infelizmente, a experiência recente na área federal não é favorável, pela recorrência de dois problemas: excesso de objetivos e interferência em questões que devem ser resolvidas pelo concessionário e pelos mecanismos do leilão. Esses fatores explicam o insucesso da concessão de rodovias de 2007, a insatisfação com o modelo dos aeroportos e as dificuldades, que já mencionei aqui, da Petrobrás em atender simultaneamente os objetivos de elevar rapidamente a produção, com um bom padrão tecnológico, a preços parecidos com os internacionais e, ao mesmo tempo, com 60% de utilização de componentes nacionais. O resultado neste caso tem sido a estagnação da produção de petróleo, atrasos nos projetos, fenomenais estouros de orçamento e um enorme stress sobre a companhia.
O mesmo parece acontecer com o recente pacote elétrico, algo que deixamos para analisar mais adiante.
Estes três vetores sugerem que o crescimento de 3% a 3,5% para o ano que vem está de bom tamanho. Neste caso, a economia brasileira terá crescido apenas 2,4% ao ano entre 2011 e 2013.
Embora não exista, evidentemente, consenso, devo dizer que nunca vi tanta gente se convencendo que estamos presos numa armadilha de baixo crescimento, convicção que partilho já há algum tempo. De um lado, a expansão global deverá ser modesta, como se sabe. Ademais, vários analistas vêm chamando atenção para a forte desaceleração do desempenho econômico dos Brics, que pode ser mais tendencial do que apenas de curto prazo. A The Economist trouxe o declínio da África do Sul como tema de capa, argumentando que o baixo crescimento deve se manter por muito tempo. Também não é difícil construir casos semelhantes para a Rússia e para a Índia. Apenas na China, admite-se que a taxa de expansão de 7,5% ao ano possa ser mantida por mais tempo (aos interessados, sugiro a leitura do trabalho de Ruchir Sharma, do número de outubro da Foreign Affairs).
O caso brasileiro, entretanto, parece-me bem forte. Além do fator externo, há hoje uma grande convergência na aceitação de que temos baixíssima competitividade e um modestíssimo crescimento na produtividade. Como consequência, a expansão do Brasil se dá pela incorporação de mão de obra, que não só se tornou escassa, mas é pouco treinada para as necessidades da produção. Há também um vasto consenso que o nosso sistema educacional é paupérrimo e que tem avançado muito pouco. Ademais, apesar de todos os esforços, as empresas brasileiras são pouco inovadoras.
Argumenta-se, corretamente, que a queda na taxa de juros abre espaço para maior investimento. Entretanto, está para mim cada vez mais claro que a queda dos juros pagos pelo Tesouro Nacional será substituída, em larga medida, por maiores gastos de custeio, e não de investimento. Neste caso, parte significativa dos benefícios da queda da Selic se perderá, e o modesto crescimento da economia poderá continuar.
Copérnico traído - MARCELO GLEISER
FOLHA DE S.PAULO - 28/10
Tendo dedicado seu grande tratado ao próprio papa, provavelmente não era a Igreja Católica que ele temia
NOS SÉCULOS 16 e 17, o que você pensava sobre o Cosmos podia lhe custar a vida; se não a vida, ao menos a liberdade e a integridade física. Imagine viver numa sociedade na qual o arranjo dos céus, por fazer parte da interpretação teológica da Bíblia, era determinado não pela ciência, mas pela fé. Essa era a época em que viveram Copérnico, Galileu e Johannes Kepler, os pioneiros da chamada Revolução Copernicana.
Copérnico trabalhava para a Igreja Católica na Polônia como uma espécie de administrador local. Mas, embora houvesse estudado medicina e jurisprudência, seu interesse real estava nos céus.
Em 1500, todos acreditavam que a Terra era o centro do Cosmo e que o Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Em 1510, Copérnico escreveu um pequeno tratado propondo algo inteiramente diferente: o Sol era o centro e a Terra girava à sua volta, tal como todos os planetas.
Ele resolveu testar a recepção da ideia distribuindo o trabalho para alguns intelectuais e membros do clero. Ao contrário do que muitos pensam, a Igreja Católica não tinha ainda uma posição oficial contra o sistema heliocêntrico (o Sol no centro). Quem se manifestou contra Copérnico foi Martinho Lutero: "Há aí um astrônomo que diz que a Terra gira em torno dos céus. O tolo acha que vivemos num carrossel". Fora isso, nada de muito dramático ocorreu com Copérnico e seu tratado.
Apesar de sua fama crescente como excelente astrônomo, Copérnico só foi publicar sua grande obra, o resumo do trabalho de toda a sua vida, em 1543.
Alguns afirmam que ele temia os outros astrônomos, pois sabia que seus dados não eram dos melhores: construiu seu sistema usando medidas astronômicas tiradas por Ptolomeu em 150 d.C. e por astrônomos árabes durante a Idade Média -Copérnico era mais um arquiteto do que um observador.
Talvez se preocupasse também com os luteranos, que avançavam em seu domínio na Europa Central. Mas quando, devido à insistência de seu único pupilo, Rheticus, ele termina o tratado, Copérnico o dedica ao papa! Certamente não era a Igreja que ele temia.
Na época, publicar um livro significava passar um tempo junto com o editor, acertando todos os detalhes. Como era já bem velho, Copérnico manda Rheticus para Nuremberg de modo a tomar conta disso.
Só que o rapaz era homossexual e acabou sendo expulso da cidade. Na pressa, deixou o manuscrito aos cuidados de Andreas Osiander, um teólogo luterano conservador.
Péssima escolha. Osiander, representando o pensamento de sua igreja, acrescenta um prefácio anônimo ao livro, dizendo que o sistema ali proposto era apenas um modelo matemático que ajudava no cálculo das posições planetárias, nada dizendo sobre o real arranjo dos céus, que permanecia geocêntrico.
Nesse meio tempo, Copérnico sofre um derrame e só recebe as provas do livro na cama. Segundo os relatos, ao ler o prefácio, compreendendo a dimensão da traição de Osiander, Copérnico morre no mesmo dia. Apenas em 1609 é que Kepler desmascara a traição, argumentando que Copérnico jamais teria escrito tal coisa. Copérnico morreu traído, mas é imortalmente celebrado como um dos heróis da história do pensamento.
Islamomania desenfreada - SÉRGIO AUGUSTO
O Estado de S.Paulo - 28/10
Fundamentalismo islâmico invade telesséries, filmes, livros, peças teatrais e debates de candidatos nos Estados Unidos
Na terra do Barack Obama o imaginário rendeu-se à islamomania. Nas livrarias, nos palcos, nas telas, o fundamentalismo maometano e suas consequências passaram a contagiar as mais variadas narrativas ficcionais pari passu com a paranoia islamofóbica desencadeada pelo atentado às torres gêmeas e em sintonia com as pautas dos noticiários e do terceiro debate entre Obama e aquele holograma chamado Mitt Romney.
Segunda-feira, enquanto os dois candidatos à eleição de 6 de novembro discutiam em Boca Raton sobre o Oriente Médio e os militares libaneses ainda procuravam os responsáveis pelo atentado à bomba contra o chefe da inteligência local, estreava num teatro do Lincoln Center, em Nova York, a peça Disgraced (Desonrado), do americano de origem paquistanesa Ayad Akhtar. Em cena, um jantar para cinco pessoas num apartamento de alta classe média em Manhattan que descamba para um indigesto confronto de ideias sobre religião, cultura, identidade, jihad e terrorismo - pelas críticas que li, muito mais excitante e fecundo que o debate dos presidenciáveis.
A islamomania tem se mostrado bem mais pervasiva na televisão. Faz pouco tempo revivemos os tumultos no Cairo que antecederam a derrubada de Mubarak e o impacto da captura de Osama bin Laden na telessérie da HBO The Newsroom, toda ambientada no fictício noticioso de um canal a cabo. Produzida e escrita pelo afiado Aaron Sorkin, Newsroom é uma comédia de suspense sobre os bastidores do telejornalismo, a integridade jornalística, a complacente submissão da mídia à celebritite, à marquetagem e aos índices de audiência, o cinismo e a sordidez da política americana - e, inevitavelmente, o Oriente Médio e suas tenebrosas circunstâncias.
Em outra telessérie, a premiada Homeland, aqui transmitida pelo canal a cabo FX, um ex-combatente americano reaparece após oito anos de cativeiro no Iraque na pele de um terrorista árabe - ou assim o crê uma agente bipolar da CIA, que de tanto espioná-lo acaba se apaixonando por ele. É um thriller psicológico que lida com espionagem, duplicidade, patriotismo, lavagem cerebral, conversão religiosa, mais os abusos da política de segurança imposta pelo governo Bush e adotada pela administração Obama - entre outras questões intrinsecamente ligadas ao caos no Oriente Médio.
De volta a Beirute. Com esse título, vai ao ar hoje à noite o segundo episódio da segunda temporada de Homeland. Quem está de volta à capital do Líbano é Carrie Mathison (Claire Danes), a agente da CIA que se amarrou no supostamente falso herói de guerra Nicholas Brody (Damian Lewis). Desligada da agência e recém-saída de uma psicoterapia barra-pesada, foi ajudar na captura de um líder jihadista e guia espiritual de Brody. Numa trajetória parecida com a do sargento a serviço do "candidato da Manchúria" à presidência dos Estados Unidos, em Sob o Domínio do Mal, Brody tornou-se o "candidato do Hezbollah" à vice-presidência.
Exageros, coincidências e implausibilidades à parte, Homeland, o teledrama mais plugado na realidade geopolítica contemporânea, é uma montanha-russa de emoções. Se por um lado alimenta a islamofobia, não isenta de culpa os americanos pelas agressões cometidas nos países árabes, de uns tempos para cá com o reforço de drones, aeronaves sem piloto que Obama entubou, Romney considera awesome (impressionantes) e a oposição liberal, uma aberração.
As autoridades libanesas não gostaram de ver Beirute retratada em Homeland como uma cidade délabrée, violenta e infestada de terroristas. Até parece que por lá xiitas e sunistas vivem em perfeita harmonia e não há atentados à bomba nem perseguições e tiroteios nas ruas. Aliás, foi por se sentir mais segura em Tel-Aviv que a produção da série rodou todas as cenas "passadas em Beirute" na capital de Israel, mais precisamente em Jaffa, habitada por árabes e judeus, o que irritou ainda mais os libaneses. O ministro do Turismo do Líbano já ameaçou processar a FoxTV.
Com arquitetura levantina, mesquitas, minaretes e um souk (mercado árabe), Jaffa era uma cidade árabe antes da ocupação israelense. A maioria dos telespectadores não percebe a diferença e só alguns poucos notaram a "presença de Israel" nos carros com placas amarelas, nas indicações de estacionamento proibido em vermelho e branco e num logo da Coca-Cola em hebraico. Homeland não passa na TV libanesa e nem o ministro da Informação do Líbano sabe que a série, a exemplo de Em Terapia, é cria israelense.
No debate sobre política externa, Obama e Romney falaram mais do Oriente Médio do que da China e ignoraram a Europa e a América Latina. Pareciam disputar quem é mais amigo de Israel, seu mais incondicional parceiro e guardião. Também constrangedora, embora eleitoralmente compreensível, foi a insistência com que ambos proclamaram a excepcionalidade da América, sua indiscutível e inalcançável superioridade sobre o resto do mundo. Nessas horas sempre me vinha à mente a figura de Will McAvoy, o impaciente, quixotesco e destemido âncora de Newsroom interpretado por Jeff Daniel. Que bom seria se ele, e não Bob Shieffer, tivesse sido o moderador daquele debate.
McAvoy é um telejornalista como aqui não temos e os americanos só tiveram quando a televisão ainda era em preto e branco. Seu parâmetro é Edward Murrow. Mas em sua primeira aparição, diante de um auditório universitário, ele mais parecia um sucedâneo de Howard Beale, o alucinado âncora do filme Rede de Intrigas. À prosaica pergunta de uma estudante ("Por que a América é o maior país do mundo?"), respondeu na lata: "Se você entrar por acaso numa cabine eleitoral, tenha em mente o seguinte: ocupamos o 7º lugar no mundo em alfabetização, o 22º em ciência, o 49º em expectativa de vida, o 30º em renda média familiar. Nós somos os primeiros do mundo em três categorias: gastos militares, número de presos per capita e adultos que acreditam que os anjos existem".
Não sei se esses índices batem, mas não tenho dúvida que McAvoy teria dado um show em Boca Raton.
Fundamentalismo islâmico invade telesséries, filmes, livros, peças teatrais e debates de candidatos nos Estados Unidos
Na terra do Barack Obama o imaginário rendeu-se à islamomania. Nas livrarias, nos palcos, nas telas, o fundamentalismo maometano e suas consequências passaram a contagiar as mais variadas narrativas ficcionais pari passu com a paranoia islamofóbica desencadeada pelo atentado às torres gêmeas e em sintonia com as pautas dos noticiários e do terceiro debate entre Obama e aquele holograma chamado Mitt Romney.
Segunda-feira, enquanto os dois candidatos à eleição de 6 de novembro discutiam em Boca Raton sobre o Oriente Médio e os militares libaneses ainda procuravam os responsáveis pelo atentado à bomba contra o chefe da inteligência local, estreava num teatro do Lincoln Center, em Nova York, a peça Disgraced (Desonrado), do americano de origem paquistanesa Ayad Akhtar. Em cena, um jantar para cinco pessoas num apartamento de alta classe média em Manhattan que descamba para um indigesto confronto de ideias sobre religião, cultura, identidade, jihad e terrorismo - pelas críticas que li, muito mais excitante e fecundo que o debate dos presidenciáveis.
A islamomania tem se mostrado bem mais pervasiva na televisão. Faz pouco tempo revivemos os tumultos no Cairo que antecederam a derrubada de Mubarak e o impacto da captura de Osama bin Laden na telessérie da HBO The Newsroom, toda ambientada no fictício noticioso de um canal a cabo. Produzida e escrita pelo afiado Aaron Sorkin, Newsroom é uma comédia de suspense sobre os bastidores do telejornalismo, a integridade jornalística, a complacente submissão da mídia à celebritite, à marquetagem e aos índices de audiência, o cinismo e a sordidez da política americana - e, inevitavelmente, o Oriente Médio e suas tenebrosas circunstâncias.
Em outra telessérie, a premiada Homeland, aqui transmitida pelo canal a cabo FX, um ex-combatente americano reaparece após oito anos de cativeiro no Iraque na pele de um terrorista árabe - ou assim o crê uma agente bipolar da CIA, que de tanto espioná-lo acaba se apaixonando por ele. É um thriller psicológico que lida com espionagem, duplicidade, patriotismo, lavagem cerebral, conversão religiosa, mais os abusos da política de segurança imposta pelo governo Bush e adotada pela administração Obama - entre outras questões intrinsecamente ligadas ao caos no Oriente Médio.
De volta a Beirute. Com esse título, vai ao ar hoje à noite o segundo episódio da segunda temporada de Homeland. Quem está de volta à capital do Líbano é Carrie Mathison (Claire Danes), a agente da CIA que se amarrou no supostamente falso herói de guerra Nicholas Brody (Damian Lewis). Desligada da agência e recém-saída de uma psicoterapia barra-pesada, foi ajudar na captura de um líder jihadista e guia espiritual de Brody. Numa trajetória parecida com a do sargento a serviço do "candidato da Manchúria" à presidência dos Estados Unidos, em Sob o Domínio do Mal, Brody tornou-se o "candidato do Hezbollah" à vice-presidência.
Exageros, coincidências e implausibilidades à parte, Homeland, o teledrama mais plugado na realidade geopolítica contemporânea, é uma montanha-russa de emoções. Se por um lado alimenta a islamofobia, não isenta de culpa os americanos pelas agressões cometidas nos países árabes, de uns tempos para cá com o reforço de drones, aeronaves sem piloto que Obama entubou, Romney considera awesome (impressionantes) e a oposição liberal, uma aberração.
As autoridades libanesas não gostaram de ver Beirute retratada em Homeland como uma cidade délabrée, violenta e infestada de terroristas. Até parece que por lá xiitas e sunistas vivem em perfeita harmonia e não há atentados à bomba nem perseguições e tiroteios nas ruas. Aliás, foi por se sentir mais segura em Tel-Aviv que a produção da série rodou todas as cenas "passadas em Beirute" na capital de Israel, mais precisamente em Jaffa, habitada por árabes e judeus, o que irritou ainda mais os libaneses. O ministro do Turismo do Líbano já ameaçou processar a FoxTV.
Com arquitetura levantina, mesquitas, minaretes e um souk (mercado árabe), Jaffa era uma cidade árabe antes da ocupação israelense. A maioria dos telespectadores não percebe a diferença e só alguns poucos notaram a "presença de Israel" nos carros com placas amarelas, nas indicações de estacionamento proibido em vermelho e branco e num logo da Coca-Cola em hebraico. Homeland não passa na TV libanesa e nem o ministro da Informação do Líbano sabe que a série, a exemplo de Em Terapia, é cria israelense.
No debate sobre política externa, Obama e Romney falaram mais do Oriente Médio do que da China e ignoraram a Europa e a América Latina. Pareciam disputar quem é mais amigo de Israel, seu mais incondicional parceiro e guardião. Também constrangedora, embora eleitoralmente compreensível, foi a insistência com que ambos proclamaram a excepcionalidade da América, sua indiscutível e inalcançável superioridade sobre o resto do mundo. Nessas horas sempre me vinha à mente a figura de Will McAvoy, o impaciente, quixotesco e destemido âncora de Newsroom interpretado por Jeff Daniel. Que bom seria se ele, e não Bob Shieffer, tivesse sido o moderador daquele debate.
McAvoy é um telejornalista como aqui não temos e os americanos só tiveram quando a televisão ainda era em preto e branco. Seu parâmetro é Edward Murrow. Mas em sua primeira aparição, diante de um auditório universitário, ele mais parecia um sucedâneo de Howard Beale, o alucinado âncora do filme Rede de Intrigas. À prosaica pergunta de uma estudante ("Por que a América é o maior país do mundo?"), respondeu na lata: "Se você entrar por acaso numa cabine eleitoral, tenha em mente o seguinte: ocupamos o 7º lugar no mundo em alfabetização, o 22º em ciência, o 49º em expectativa de vida, o 30º em renda média familiar. Nós somos os primeiros do mundo em três categorias: gastos militares, número de presos per capita e adultos que acreditam que os anjos existem".
Não sei se esses índices batem, mas não tenho dúvida que McAvoy teria dado um show em Boca Raton.
Vida inteligente - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 28/10
SÃO PAULO - No belo artigo publicado domingo passado, o físico Marcelo Gleiser, analisando os achados do satélite Kepler de que existem muitos planetas com características físicas semelhantes ao nosso, reafirmou sua fé na hipótese da Terra rara, isto é, a tese de que a vida complexa (animal) é um fenômeno não tão comum no Universo.
Gleiser retoma as ideias de Peter Ward expostas de modo persuasivo em "Terra Rara". Ali, o autor sugere que a vida microbiana deve ser um fenômeno trivial, podendo pipocar até em mundos inóspitos; já o surgimento de vida multicelular na Terra dependeu de muitas outras variáveis físicas e históricas, o que, se não permite estimar o número de civilizações extraterráqueas, ao menos faz que reduzamos nossas expectativas.
Uma questão análoga só arranhada por Ward é a da inexorabilidade da inteligência. A evolução de organismos complexos leva necessariamente à consciência e à inteligência?
Robert Wright diz que sim, mas seu argumento é mais matemático do que biológico: complexidade engendra complexidade, levando a uma corrida armamentista entre espécies cujo subproduto é a inteligência.
Stephen J. Gould e Steven Pinker apostam que não. Para eles, é apenas devido a uma sucessão de pré-adaptações e coincidências que alguns animais transformaram a capacidade de resolver problemas em estratégia de sobrevivência. Se rebobinássemos o filme da evolução e reencenássemos o processo mudando alguns detalhes do início, seriam grandes as chances de não chegarmos a nada parecido com a inteligência.
Fico com Gould e Pinker. Cérebros, mais que a quintessência de uma teleologia evolutiva, são apêndices biológicos às vezes dispensáveis. Um bom exemplo é o do tunicado, um animal marinho que nasce com um pequeno cérebro que o ajuda a eleger um lugar para fixar-se. Assim que o faz, o bicho devora esse órgão energeticamente dispendioso.
SÃO PAULO - No belo artigo publicado domingo passado, o físico Marcelo Gleiser, analisando os achados do satélite Kepler de que existem muitos planetas com características físicas semelhantes ao nosso, reafirmou sua fé na hipótese da Terra rara, isto é, a tese de que a vida complexa (animal) é um fenômeno não tão comum no Universo.
Gleiser retoma as ideias de Peter Ward expostas de modo persuasivo em "Terra Rara". Ali, o autor sugere que a vida microbiana deve ser um fenômeno trivial, podendo pipocar até em mundos inóspitos; já o surgimento de vida multicelular na Terra dependeu de muitas outras variáveis físicas e históricas, o que, se não permite estimar o número de civilizações extraterráqueas, ao menos faz que reduzamos nossas expectativas.
Uma questão análoga só arranhada por Ward é a da inexorabilidade da inteligência. A evolução de organismos complexos leva necessariamente à consciência e à inteligência?
Robert Wright diz que sim, mas seu argumento é mais matemático do que biológico: complexidade engendra complexidade, levando a uma corrida armamentista entre espécies cujo subproduto é a inteligência.
Stephen J. Gould e Steven Pinker apostam que não. Para eles, é apenas devido a uma sucessão de pré-adaptações e coincidências que alguns animais transformaram a capacidade de resolver problemas em estratégia de sobrevivência. Se rebobinássemos o filme da evolução e reencenássemos o processo mudando alguns detalhes do início, seriam grandes as chances de não chegarmos a nada parecido com a inteligência.
Fico com Gould e Pinker. Cérebros, mais que a quintessência de uma teleologia evolutiva, são apêndices biológicos às vezes dispensáveis. Um bom exemplo é o do tunicado, um animal marinho que nasce com um pequeno cérebro que o ajuda a eleger um lugar para fixar-se. Assim que o faz, o bicho devora esse órgão energeticamente dispendioso.
Horas de pasmo - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 28/10
É incompreensível que a maioria do Supremo faça qualquer sentença com absoluta falta de método
"VOSSA EXCELÊNCIA aumenta a pena-base em um ano, e sua proposta fica igual à do eminente ministro fulano de tal." Ou então: aumenta ali, ou muda acolá, e pronto.
Frases assim foram ditas inúmeras vezes, por vários ministros, nos dois últimos dias de sessão do Supremo Tribunal Federal, semana passada. Artifícios e manipulações sem conta. Foi por aí que se determinaram tantas das penas que, como todas, um tribunal deve compor de modo a serem justas e seguras. Ainda mais por se tratar do Supremo entre todos os tribunais.
Mas o que parecia estar naquelas transações não eram dias, meses e anos a serem retirados de pessoas, pelo castigo da reclusão. Em uma palavra pessoal: fiquei horrorizado.
As condições vigentes no país permitem aos juízes do Supremo a formulação das condenações mais apropriadas, sejam quem forem os réus e a extensão das penas. Por isso é incompreensível que a maioria do Supremo faça qualquer sentença sob balbúrdia de desentendimento, em absoluta falta de método e com o total descritério que se pôde ver, em sessões inteiras.
"Ajustamos no final" foi expressão também muito utilizada. Está nela denunciado o desajuste de uma decisão que é nada menos do que condenação à cadeia. Com erros tão grosseiros, por exemplo, como o de precisarem constatar que davam a Ramon Hollerbach, sócio a reboque de Marcos Valério, pena de cadeia maior, como réu secundário, que a de seu mentor e réu principal nas atividades sob julgamento.
Mas, outra vez em termos muito pessoais, não sei se foi mais chocante ver a inversão, tão óbvia desde que se encaminhava, ou a naturalidade com que quase todos os ministros a receberam, satisfeitos com o recurso à expressão "ajustamos no final". Cuja forma sem excelências e eminências é "deixa pra lá, depois a gente vê".
Tudo a levar o ministro Luiz Fux, até aqui uma espécie de eco do ministro relator, a uma participação própria: "Precisamos de um critério". Não pedia o exagero de um critério geral, senão apenas para mais uma desinteligência aguda que acometia quase todos. A proposta remete, porém, a outro caso de critério proposto. E bem ilustrativo das duas sessões de determinação das penas.
O ministro Joaquim Barbosa valeu-se de uma lei inadequada para compor uma das condenações a quatro anos e seis meses. A "pena-base" de tal lei é de dois anos, e o máximo vai a 12. Logo, o ministro relator apenas multiplicara a "pena-base" por dois. Forçosa a conclusão de que a lei aplicável era outra, cuja "pena-base" é de um ano e a máxima, de oito, Joaquim Barbosa inflamou a divergência.
Luiz Fux fez a proposta conciliatória. Os quatro anos desejados pelo relator (mais seis meses de aditivo) cabem nos limites das duas leis, não implicando a mudança de lei em diferença de pena. Ora, é isso mesmo, tudo resolvido para todos.
Como assim? Na condenação proposta pelo duro relator, o réu merecia condenação a duas vezes a "pena mínima" da primeira lei, e, se mantidos os anos totais, passou a ser condenado a quatro vezes a "pena mínima" recomendada pela segunda lei, a aplicada.
Não nos esqueçamos de dizer aos filhos ou aos netos que, por decisão do Supremo, o dobro e o quádruplo agora dão no mesmo.
Por falar em proporções, Marcos Valério pegou 40 anos e Hollerbach, 14, já na inauguração de suas condenações, ainda incompletas. O casal Nardoni, acusado do crime monstruoso de maltratar e depois atirar pela janela a pequena filha do marido, foi condenado a 28 e 26 anos.
Como os ministros do STF gostam também de outras duas palavras referentes a sentenças -as "razoabilidade e proporcionalidade" necessárias à Justiça-, aquelas penas sugerem algo de muito errado em um dos julgamentos citados. Ou no Judiciário e seus códigos. Ou no Supremo.
É incompreensível que a maioria do Supremo faça qualquer sentença com absoluta falta de método
"VOSSA EXCELÊNCIA aumenta a pena-base em um ano, e sua proposta fica igual à do eminente ministro fulano de tal." Ou então: aumenta ali, ou muda acolá, e pronto.
Frases assim foram ditas inúmeras vezes, por vários ministros, nos dois últimos dias de sessão do Supremo Tribunal Federal, semana passada. Artifícios e manipulações sem conta. Foi por aí que se determinaram tantas das penas que, como todas, um tribunal deve compor de modo a serem justas e seguras. Ainda mais por se tratar do Supremo entre todos os tribunais.
Mas o que parecia estar naquelas transações não eram dias, meses e anos a serem retirados de pessoas, pelo castigo da reclusão. Em uma palavra pessoal: fiquei horrorizado.
As condições vigentes no país permitem aos juízes do Supremo a formulação das condenações mais apropriadas, sejam quem forem os réus e a extensão das penas. Por isso é incompreensível que a maioria do Supremo faça qualquer sentença sob balbúrdia de desentendimento, em absoluta falta de método e com o total descritério que se pôde ver, em sessões inteiras.
"Ajustamos no final" foi expressão também muito utilizada. Está nela denunciado o desajuste de uma decisão que é nada menos do que condenação à cadeia. Com erros tão grosseiros, por exemplo, como o de precisarem constatar que davam a Ramon Hollerbach, sócio a reboque de Marcos Valério, pena de cadeia maior, como réu secundário, que a de seu mentor e réu principal nas atividades sob julgamento.
Mas, outra vez em termos muito pessoais, não sei se foi mais chocante ver a inversão, tão óbvia desde que se encaminhava, ou a naturalidade com que quase todos os ministros a receberam, satisfeitos com o recurso à expressão "ajustamos no final". Cuja forma sem excelências e eminências é "deixa pra lá, depois a gente vê".
Tudo a levar o ministro Luiz Fux, até aqui uma espécie de eco do ministro relator, a uma participação própria: "Precisamos de um critério". Não pedia o exagero de um critério geral, senão apenas para mais uma desinteligência aguda que acometia quase todos. A proposta remete, porém, a outro caso de critério proposto. E bem ilustrativo das duas sessões de determinação das penas.
O ministro Joaquim Barbosa valeu-se de uma lei inadequada para compor uma das condenações a quatro anos e seis meses. A "pena-base" de tal lei é de dois anos, e o máximo vai a 12. Logo, o ministro relator apenas multiplicara a "pena-base" por dois. Forçosa a conclusão de que a lei aplicável era outra, cuja "pena-base" é de um ano e a máxima, de oito, Joaquim Barbosa inflamou a divergência.
Luiz Fux fez a proposta conciliatória. Os quatro anos desejados pelo relator (mais seis meses de aditivo) cabem nos limites das duas leis, não implicando a mudança de lei em diferença de pena. Ora, é isso mesmo, tudo resolvido para todos.
Como assim? Na condenação proposta pelo duro relator, o réu merecia condenação a duas vezes a "pena mínima" da primeira lei, e, se mantidos os anos totais, passou a ser condenado a quatro vezes a "pena mínima" recomendada pela segunda lei, a aplicada.
Não nos esqueçamos de dizer aos filhos ou aos netos que, por decisão do Supremo, o dobro e o quádruplo agora dão no mesmo.
Por falar em proporções, Marcos Valério pegou 40 anos e Hollerbach, 14, já na inauguração de suas condenações, ainda incompletas. O casal Nardoni, acusado do crime monstruoso de maltratar e depois atirar pela janela a pequena filha do marido, foi condenado a 28 e 26 anos.
Como os ministros do STF gostam também de outras duas palavras referentes a sentenças -as "razoabilidade e proporcionalidade" necessárias à Justiça-, aquelas penas sugerem algo de muito errado em um dos julgamentos citados. Ou no Judiciário e seus códigos. Ou no Supremo.
O BC e a inflação - SUELY CALDAS
O ESTADÃO - 28/10
Previsibilidade é a palavra-chave para prevenir turbulências no mercado financeiro. Se os agentes do mercado ganham dinheiro com o sobe e desce das cotações de ativos, cabe ao Banco Central (BC) levar a este cenário-onde o dinheiro corre frouxo e exageros são bem-vindos - previsíveis certezas que neutralizem a ação desses agentes. Por isso desde o final dosanos 90 foram criados instrumentos de proteção contra especuladores, e entre eles despontam o Comitê de Política Monetária e o sistema de metas de inflação. Esperadas com avidez pelo mercado, as atas das reuniões do comitê costumam ir além dos fundamentos que justificam a decisão sobre juros, indicando intenções futuras do BC. Como quando, há dias, o BC preveniu que cessaram os cortes da taxa Selic
Se o governo escorrega,vacila e transmite dúvidas sobre suas intenções em política macroeconômica,abre a porteira para a especulação e o desequilíbrio do mercado financeiro e fecha para quem tem intenção de investir.Além de dificultar cálculos que definirão o futuro de seu negócio, o investidor privado passa a temer que a dúvida se traduza em mudança de rumos no futuro e acaba adiando ou desistindo do investimento. É o que de pior pode acontecer agora, quando o País busca sair de taxas medíocres de crescimento econômico e o investimento produtivo e em infraestrutura é fundamental para isso.
Foi preocupado com a porteira que, num de seus mais longos discursos para uma plateia lotada de potenciais investidores, o presidente do BC, Alexandre Tombini, reafirmou a eficácia econômica do sistema de metas de inflação, que economistas e consultores vinham avaliando como superado, enfraquecido e substituído pela meta dos juros. "Após 13 anos de adoção e 8 anos consecutivos em que as metas foram cumpridas, o regime de metas se consolidou e comprovou ser o que melhor se adapta à realidade brasileira e a um ambiente global em que os choques têm sido cada vez mais frequentes e mais intensos. Nos próximos anos a política monetária continuará sendo conduzida tendo como foco, exclusivamente, o compromisso com a estabilidade de preços, seguindo a abordagem das metas para a inflação", afirmou Tombini.
Na ênfase nessa "exclusividade" de compromisso está implícito que, se a inflação fugir do intervalo da meta,o BC vai elevar os juros, sim. Mas ele não garantiu ter por objetivo perseguir os 4,5% do centro da meta, deixando no ar a tolerância em aceitar um índice mais alto, mas que não ultrapasse o teto de 6,5% - como aconteceu em 2011, este ano e pode se estender até 2014, na projeção de bancos e consultorias.
Ao perceber que a análise da prioridade do juro sobre a inflação vinha ganhando espaço e gerando um ambiente confuso de incertezas, desfavorável ao investimento, Tombini veio a público esclarecer que o BC não abandonou o sistema de metas de inflação - uma das pernas do tripé que tem sustentado o sucesso da política macroeconômica.
Previsibilidade, transparência e estabilidade de preços são condições indispensáveis, mas não suficientes, para estimular o investimento.Decisões de ampliar a produção industrial dependem ainda da taxa de crescimento econômico,que depende de infraestrutur afluente,bem supridae e ficaz. A quiestáo problema. Embora o governo se aproprie de 36% de toda a riqueza produzida pelo País, investe só 2%. Ou seja, precisa do investidor privado.Mas a falta de um programa bem planejado, as frequentes intervenções do Estado na economia,agências reguladoras mal aparelhadas, incertezas regulatórias e longas indecisões do governo têm atrapalhado e desencorajado o investidor privado.
O caso dos aeroporto sé um exemplo.
Por ter criado regras erradas, o governo colheu um resultado ruim na primeira licitação. Agora tenta consertar o erro, mas quer impor o Estado como sócio majoritário. Primeiro, com a Infraero no comando; depois, agregando os fundos de pensão de estatais. Após ouvir um sonoro não dsgrandesoperadoras, tudo indica que a solução será seguir o modelo de privatização de FHC. Perdeu tempo e está atrasado para a Copa.
Se o governo escorrega,vacila e transmite dúvidas sobre suas intenções em política macroeconômica,abre a porteira para a especulação e o desequilíbrio do mercado financeiro e fecha para quem tem intenção de investir.Além de dificultar cálculos que definirão o futuro de seu negócio, o investidor privado passa a temer que a dúvida se traduza em mudança de rumos no futuro e acaba adiando ou desistindo do investimento. É o que de pior pode acontecer agora, quando o País busca sair de taxas medíocres de crescimento econômico e o investimento produtivo e em infraestrutura é fundamental para isso.
Foi preocupado com a porteira que, num de seus mais longos discursos para uma plateia lotada de potenciais investidores, o presidente do BC, Alexandre Tombini, reafirmou a eficácia econômica do sistema de metas de inflação, que economistas e consultores vinham avaliando como superado, enfraquecido e substituído pela meta dos juros. "Após 13 anos de adoção e 8 anos consecutivos em que as metas foram cumpridas, o regime de metas se consolidou e comprovou ser o que melhor se adapta à realidade brasileira e a um ambiente global em que os choques têm sido cada vez mais frequentes e mais intensos. Nos próximos anos a política monetária continuará sendo conduzida tendo como foco, exclusivamente, o compromisso com a estabilidade de preços, seguindo a abordagem das metas para a inflação", afirmou Tombini.
Na ênfase nessa "exclusividade" de compromisso está implícito que, se a inflação fugir do intervalo da meta,o BC vai elevar os juros, sim. Mas ele não garantiu ter por objetivo perseguir os 4,5% do centro da meta, deixando no ar a tolerância em aceitar um índice mais alto, mas que não ultrapasse o teto de 6,5% - como aconteceu em 2011, este ano e pode se estender até 2014, na projeção de bancos e consultorias.
Ao perceber que a análise da prioridade do juro sobre a inflação vinha ganhando espaço e gerando um ambiente confuso de incertezas, desfavorável ao investimento, Tombini veio a público esclarecer que o BC não abandonou o sistema de metas de inflação - uma das pernas do tripé que tem sustentado o sucesso da política macroeconômica.
Previsibilidade, transparência e estabilidade de preços são condições indispensáveis, mas não suficientes, para estimular o investimento.Decisões de ampliar a produção industrial dependem ainda da taxa de crescimento econômico,que depende de infraestrutur afluente,bem supridae e ficaz. A quiestáo problema. Embora o governo se aproprie de 36% de toda a riqueza produzida pelo País, investe só 2%. Ou seja, precisa do investidor privado.Mas a falta de um programa bem planejado, as frequentes intervenções do Estado na economia,agências reguladoras mal aparelhadas, incertezas regulatórias e longas indecisões do governo têm atrapalhado e desencorajado o investidor privado.
O caso dos aeroporto sé um exemplo.
Por ter criado regras erradas, o governo colheu um resultado ruim na primeira licitação. Agora tenta consertar o erro, mas quer impor o Estado como sócio majoritário. Primeiro, com a Infraero no comando; depois, agregando os fundos de pensão de estatais. Após ouvir um sonoro não dsgrandesoperadoras, tudo indica que a solução será seguir o modelo de privatização de FHC. Perdeu tempo e está atrasado para a Copa.
Riscos argentinos - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 28/10
Nada do que acontece na Argentina, hoje, na economia e na política, é como foi no passado, claro. Mas tudo aponta para riscos futuros. É como se fosse o primeiro passo na estrada que já levou o país ao desastre. Empresários amigos do governo recebem publicidade estatal e são incentivados a comprar jornais; os outros são asfixiados. Na economia, a inflação é tratada com descaso.
A tragédia política e o colapso econômico foram visitados até o fundo do poço no país vizinho, onde tudo parece sempre mais exagerado aos nossos olhos. Eles estão aceitando que se mine devagar a liberdade de expressão e deixando crescer a inflação, depois de terem vivido o que viveram. Duas temeridades.
- Ah, nesta luta vocês, brasileiros, estão nos vencendo de dez a zero - afirmou Ceferino Reato, jornalista argentino que entrevistei na semana passada, pela Globonews.
Ele se referia à luta contra a inflação. Eu dera a ele de presente um exemplar do meu livro que conta a vitória do Brasil na busca da estabilização.
- Lula esteve na Argentina e disse que a inflação não pode subir de maneira alguma porque isso afeta exatamente os mais pobres - contou.
Outro argentino me disse, dias atrás, que nós aprendemos sobre os riscos inflacionários, e eles, não. Aqui também há problemas, mas a população reage mais cedo. No Brasil, quando a inflação sobe, a popularidade dos presidentes tende a cair. O brasileiro ficou com uma saudável alergia à alta de preços. Oferta excessiva de crédito e aumentos salariais podem atenuar o desconforto econômico, mas é difícil imaginar o Brasil vivendo uma inflação de 25%, mascarada por um instituto de preços sob intervenção, e os institutos privados sendo ameaçados na Justiça caso divulguem o número certo. É isso que se vive lá.
Reato conta que não há uma censura à imprensa como no passado, do tipo "você não pode publicar isso". Admite que, como em qualquer país, a imprensa argentina se equivoca e publica coisas "de maneira injustificável e apressada". Mas acha perigosa a reação do governo de Cristina Kirchner, que ele considera preocupante, mesmo sendo diferente do que era no regime autoritário.
- Este governo tem formas mais sutis de pressão, por meio da publicidade estatal, que é dada aos amigos e negada aos meios independentes; ou através de leis que são aplicadas apenas aos veículos que não são do governo. Às vezes, eles favorecem empresários amigos que nem são desse ramo de negócios e que ganham vantagens na telefonia, no setor bancário, ou em outro setor, se comprarem jornais ou canais de televisão, tendo a garantia da publicidade governamental. Os outros grupos são forçados a vender as empresas. Assim, estão se formando veículos afinados com o governo. Isso é perigoso. Para nós jornalistas e para as pessoas em geral. Em uma democracia deve haver opiniões divergentes - disse o jornalista.
Ele veio ao Brasil divulgar seu livro, ainda não traduzido, "Disposición Final", sobre os crimes da ditadura segundo a confissão que conseguiu do general Jorge Videla na prisão. Escrevi sobre isso na coluna de ontem. Na conversa e na entrevista, Reato mostrou que a Argentina tem esses dois perigos à frente. O risco, evidentemente, não tem qualquer comparação possível com a dimensão do passado. Mas quem já viveu uma ditadura e uma hiperinflação sabe que o caminho é buscar a estabilidade econômica mais sólida e a democracia mais ampla, para evitar qualquer risco de repetição das velhas tragédias, porque o preço a pagar é alto demais. A moeda e a liberdade não aceitam descuidos. Na economia e na política é preciso evitar o primeiro erro.
Nada do que acontece na Argentina, hoje, na economia e na política, é como foi no passado, claro. Mas tudo aponta para riscos futuros. É como se fosse o primeiro passo na estrada que já levou o país ao desastre. Empresários amigos do governo recebem publicidade estatal e são incentivados a comprar jornais; os outros são asfixiados. Na economia, a inflação é tratada com descaso.
A tragédia política e o colapso econômico foram visitados até o fundo do poço no país vizinho, onde tudo parece sempre mais exagerado aos nossos olhos. Eles estão aceitando que se mine devagar a liberdade de expressão e deixando crescer a inflação, depois de terem vivido o que viveram. Duas temeridades.
- Ah, nesta luta vocês, brasileiros, estão nos vencendo de dez a zero - afirmou Ceferino Reato, jornalista argentino que entrevistei na semana passada, pela Globonews.
Ele se referia à luta contra a inflação. Eu dera a ele de presente um exemplar do meu livro que conta a vitória do Brasil na busca da estabilização.
- Lula esteve na Argentina e disse que a inflação não pode subir de maneira alguma porque isso afeta exatamente os mais pobres - contou.
Outro argentino me disse, dias atrás, que nós aprendemos sobre os riscos inflacionários, e eles, não. Aqui também há problemas, mas a população reage mais cedo. No Brasil, quando a inflação sobe, a popularidade dos presidentes tende a cair. O brasileiro ficou com uma saudável alergia à alta de preços. Oferta excessiva de crédito e aumentos salariais podem atenuar o desconforto econômico, mas é difícil imaginar o Brasil vivendo uma inflação de 25%, mascarada por um instituto de preços sob intervenção, e os institutos privados sendo ameaçados na Justiça caso divulguem o número certo. É isso que se vive lá.
Reato conta que não há uma censura à imprensa como no passado, do tipo "você não pode publicar isso". Admite que, como em qualquer país, a imprensa argentina se equivoca e publica coisas "de maneira injustificável e apressada". Mas acha perigosa a reação do governo de Cristina Kirchner, que ele considera preocupante, mesmo sendo diferente do que era no regime autoritário.
- Este governo tem formas mais sutis de pressão, por meio da publicidade estatal, que é dada aos amigos e negada aos meios independentes; ou através de leis que são aplicadas apenas aos veículos que não são do governo. Às vezes, eles favorecem empresários amigos que nem são desse ramo de negócios e que ganham vantagens na telefonia, no setor bancário, ou em outro setor, se comprarem jornais ou canais de televisão, tendo a garantia da publicidade governamental. Os outros grupos são forçados a vender as empresas. Assim, estão se formando veículos afinados com o governo. Isso é perigoso. Para nós jornalistas e para as pessoas em geral. Em uma democracia deve haver opiniões divergentes - disse o jornalista.
Ele veio ao Brasil divulgar seu livro, ainda não traduzido, "Disposición Final", sobre os crimes da ditadura segundo a confissão que conseguiu do general Jorge Videla na prisão. Escrevi sobre isso na coluna de ontem. Na conversa e na entrevista, Reato mostrou que a Argentina tem esses dois perigos à frente. O risco, evidentemente, não tem qualquer comparação possível com a dimensão do passado. Mas quem já viveu uma ditadura e uma hiperinflação sabe que o caminho é buscar a estabilidade econômica mais sólida e a democracia mais ampla, para evitar qualquer risco de repetição das velhas tragédias, porque o preço a pagar é alto demais. A moeda e a liberdade não aceitam descuidos. Na economia e na política é preciso evitar o primeiro erro.
Brasil rico, Brasil pobre - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 28/10
O aumento da renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.
O Brasil é hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de residência com computador ligado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.
Ao mesmo tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para 51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os brasileiros foram às compras.
No entanto, muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.
O IBGE mostra que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos, segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2011 mostra que, no ensino médio, a maioria dos alunos não sabe ir além das quatro operações aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.
Tudo isso se reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item "saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.
Como se observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu o economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo ex-ministro Delfim Netto para designar esse festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.
"Avenida Brasil" - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 28/10
Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição
Faz muitos anos que uma novela de televisão não desperta tanto interesse do público noveleiro quanto esta "Avenida Brasil", cujo derradeiro capítulo foi ao ar na noite de sexta-feira, 19 deste mês.
De fato, a novela conquistou não apenas os aficionados do gênero, como muito mais gente, até mesmo quem nunca assiste a novelas. A coisa chegou a tal ponto que, segundo foi noticiado, a presidente Dilma determinou o adiamento do comício pela eleição de Haddad, em São Paulo, que deveria realizar-se na noite daquela sexta-feira, temendo que não fosse quase ninguém.
Outro indício, jamais registrado antes, desse interesse pela novela de João Emanuel Carneiro foi o pique de consumo de energia elétrica, logo após a exibição dos capítulos finais. É que o pessoal deixava de fazer qualquer coisa -desde cozinhar até tomar banho ou ligar o computador- para só fazê-lo após o fim do capítulo. A novela interrompia o curso da vida. Isso foi o que ouvi de um repórter
de televisão.
Qual a razão de tanto sucesso, admito não saber ao certo. Imagino muitas explicações mas, se arrisco uma delas, diria que é o tipo de dramaturgia adotado pelo autor. Uma das características do gênero é a morosidade da ação dramática, que resulta numa série de outras consequências.
A razão disso é que a novela tem que durar meses, o que obriga a um número fantástico de capítulos -esta, de que falamos aqui, teve nada menos que 179, transmitidos durante sete meses.
Defendo a tese de que toda dramaturgia não dura mais que uma hora e meia a duas horas. Essa é a duração de quase todos os filmes e peças teatrais. Não existe dramaturgia para durar sete meses.
Em função disso, os nossos telenovelistas são obrigados a criar histórias paralelas, que se mesclam à história principal, tudo com o propósito de fazer com que a novela dure tanto. Isso, como já disse, faz com que a ação dramática se torne prolixa e lenta.
Essa lentidão não houve na "Avenida Brasil". Pelo contrário, nela, a ação dramática era sempre intensa, e isso se deveu ao fato de que, a cada capítulo, inesperados conflitos surgiam envolvendo os diferentes núcleos e os muitos personagens.
O preço pago pelo autor, por lançar mão de tais recursos, foi a implausibilidade de certas situações e a incoerência de atitude dos personagens, mas que João Emanuel, com sua competência, conseguiu muitas vezes superar, ganhando pelo menos a tolerância do telespectador.
É certo que, apesar dessa originalidade, em comparação com a forma dramatúrgica comumente adotada nas telenovelas, João Emanuel também se valeu de um recurso usado por todos os teledramaturgos desde o sucesso obtido pela vilã Odete Roitman (1988). Não por acaso, a execrável Carminha se tornou a principal agente da ação dramática de "Avenida Brasil".
Neste ponto, esta novela só difere das demais pelo grau de vilania e crueldade que atribuiu à personagem. Aliás, nisto, ela é quase imbatível, já que quase todos os personagens são de uma sordidez sem limites. Com a agravante de que os que escapam disso -que não matam, não traem, não subornam nem se deixam subornar- são idiotas ou tolos, como Tufão, marido de Carminha, o corno manso por excelência.
Para minha surpresa, ouvi num debate de televisão que o êxito de "Avenida Brasil" se deve ao fato de ser ela o retrato verdadeiro da nossa sociedade. Se isso é correto, moro em outro país sem o saber, já que as pessoas com quem convivo e as famílias que conheci ao longo de minha vida -e bota vida nisso- nem de longe se parecem com os personagens criados por nosso brilhante teledramaturgo.
Certamente li nos jornais e ouvi contarem histórias escabrosas, implicando traições, homicídios e falcatruas, mas nunca na escala em que nos mostrou a novela, onde todo mundo é bandido ou babaca. Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição.
Mas não se trata disso. Novela é ficção, não é a realidade, nem poderia ser. Como se sabe, a arte existe porque a vida não basta. E os bons sentimentos não dão boa dramaturgia. Haja vista o último capítulo da novela.