REVISTA VEJA
O pior momento do Hino Nacional é quando é tocado antes dos jogos dos campeonatos disputados rotineiramente no Brasil. Por efeito de estúpida lei estadual que, salvo engano, primeiro foi baixada em São Paulo, e em seguida copiada em outros estados, o hino tem de ser executado antes de qualquer competição esportiva- Não se tinha inventado ainda maneira mais segura de torná-lo banal e inoportuno. Hino Nacional é ferramenta para ser utilizada com parcimônia. As Olimpíadas oferecem um momento adequado e justo para que ele provoque os efeitos de que é capaz.
O mensalão não é o primeiro escândalo a envolver pessoas situadas no coração do poder, no Brasil, mas é o primeiro cujo julgamento transcorre sem que se anteveja o abalo das instituições. Ao atentado da Rua Tonelero, em 1954, em que morreu o major Vaz e foi ferido o jornalista Carlos Lacerda, por obra de agentes subalternos do governo Getúlio Vargas, seguiram-se um inquérito ilegalmente conduzido por militares e uma gritaria da oposição que preparavam o golpe. No processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, pairavam desconfianças de que o caso pudesse desandar em ameaça às recém-conquistadas liberdades. O fato de não se preverem catástrofes semelhantes para o atual julgamento representa uma coisa boa, a contrastar com as tantas ruins que o episódio evoca
Uma frase do ministro das Relações Exteriores da Bolívia, David Choquehuanca, causou confusão na semana passada. Ele fez votos para que o dia 21 de dezembro, o último do calendário maia, marque o fim da Coca-Cola na Bolívia e o início do mono- cochinche, uma bebida popular no país. O ministro tomava carona nos augúrios do calendário maia para profetizar "o fim do egoísmo, do individualismo e da divisão do país", simbolizados na troca da Coca-Cola pela bebida nacional. Era uma alegoria, mas foi interpretada como notícia de que o governo iria proibir a Coca-Cola na Bolívia, e como tal circulou em sites brasileiros. 0.k., houve engano. Mas as palavras do ministro indicam que a Coca-Cola continua no centro das fantasias bolivarianas do governo Evo Morales.
É curioso que a declaração do boliviano venha à luz na mesma quadra em que o novo presidente da Coreia do Norte, o jovem Kim Jong-un, surpreendeu o mundo com uma festa em que dividia as atenções com Mickey Mouse, Branca de Neve e o ursinho Puff. O fim do calendário maia pode estar indicando que os dois países se preparam para permutar posições. Enquanto a Bolívia imbica no rumo de tornar-se uma Coreia do Norte dos Andes, a Coreia do Norte apresta-se para tomar-se, pelo menos, uma Bolívia do mar da China.
Grande Gore Vidal. O escritor americano falecido na semana passada tinha a veia dos grandes provocadores. "O grande e nunca mencionado mal no centro da nossa cultura é o monoteísmo", defendeu, numa palestra de 1992, em Harvard. Um "Deus do céu" está no centro das grandes religiões monoteístas. "Elas (essas religiões) são literalmente patriarcais —Deus é o pai onipotente —, daí o desprezo pela mulher por 2000 anos nos países afetados pelo Deus do céu e seus delegados machos na terra. O Deus do céu é ciumento, claro. Requer total obediência. (...) Em última análise, o totalitarismo é a única política que serve aos propósitos do Deus do céu. Qualquer movimento de natureza liberal ameaça sua autoridade e a de seus delegados na teira. Um Deus, um rei, um papa, um chefe na fábrica, um pai-líder na casa da família." Os grandes provocadores assacam com espantosa sem-cerimônia contra as verdades estabelecidas, e nisso Gore Vidal era um campeão. (O colunista agradece ao amigo José Roberto Whitaker Penteado por lhe ter revelado a palestra de Gore).