segunda-feira, maio 07, 2012

Melhor assim - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

O presidente Nicolas Sarkozy assumiu em 2007 seu cargo, do qual pode estar se despedindo neste fim de semana, com a promessa de construir nada menos do que uma “nova França” – tarefa realmente ambiciosa, num país que está aí há uns 2000 anos e já viu mais ou menos tudo o que poderia ter visto. O resultado final de todos os seus esforços é que a França de hoje continua muito parecida, no bom e no ruim, com a de cinco anos atrás – e, pelo que tem ensinado a experiência, a França de daqui a cinco anos será muito parecida com a de hoje. Não é, naturalmente, o que dizem os políticos, a mídia e quem se dedica a explicar como o mundo funciona; anunciam graves consequências para a França, a Europa e o alinhamento dos planetas no sistema solar caso neste segundo e decisivo turno das eleições presidenciais Sarkozy consiga se segurar em sua cadeira – ou se, ao contrário, tiver de passá-la para o candidato da oposição e favorito, François Hollande. O primeiro é o campeão da “direita”, o segundo o campeão da “esquerda” e ambos pregam programas opostos entre si. Um garante que se o outro ganhar a França se transformará numa ruína praticamente imediata. Mas no mundo das realidades, seja quem for o vencedor, a França acordará nesta segunda-feira com a mesma cara que tinha na véspera.

É uma boa notícia. A França de hoje tem muito mais do bom do que do ruim – e nesses casos o melhor que pode lhe acontecer é ir se segurando mais ou menos onde está. O fato que realmente interessa, e do qual bem pouco se fala, é o seguinte: a França é um dos países mais bem-sucedidos do mundo. Tem problemas, claro, e alguns deles são até reais. Mas é um país de verdade, com 65 milhões de habitantes, e não um parque de diversões – e tem uma situação admirável para quem chegou a esse porte. Não há um único buraco em seus 11 000 quilômetros de autoestradas de primeiríssima classe. O trem-bala existe; está sempre no horário, mantém velocidade média de 300 quilômetros por hora e sua rede já é cinco vezes maior que o trajeto entre Rio de Janeiro e São Paulo. A França tem um PIB per capita acima dos 42000 dólares anuais. Soube aproveitar com inteligência, rapidez e eficácia todo o avanço tecnológico das últimas décadas. Produz mais que o Brasil, num território equivalente a 6% do nosso e com um terço da nossa população. O salário mínimo é cinco vezes superior ao brasileiro, a saúde pública é impecável e a classe C já emergiu 100 anos atrás. O cidadão francês não sabe o que é um assalto a mão armada, e não tem a menor ideia do que possa ser um arrastão em prédios de apartamento. Nunca ouviu falar em firma reconhecida, nem em desabamento de morros. Desconhece a existência de filas de ônibus. Rouba-se pouco, e jamais com prejuízo para os serviços públicos. Os fiscais não extorquem: apenas fiscalizam. A soma de todas as suas dificuldades, considerando-se a vida como ela é, parece uma brincadeira quando comparada à de certos Brics, a começar pelo que é representado na letra B.

A França, certamente, tem complicações sérias, como o desemprego e a invasão de seu território pelos pobres do mundo que, por bem ou por mal, querem emigrar para lá. Também tem uma paixão mal resolvida, e provavelmente sem solução, pelo “estado forte”, a quem se atribui poderes comparáveis aos de Nossa Senhora de Lourdes. Já conseguiu ter um Ministério da Educação e outro do Ensino Público, e mantém curiosidades como o Ministério da Coesão Social ou o da Ruralidade. Sarkozy, com o seu estilo MMA de governar, não conseguiu diminuir nenhum desses problemas; também não os tornou piores do que eram ao assumir. Hollande, que carrega o malvado apelido de “Pudim” e tem como principal destaque de sua carreira o fato de nunca ter se destacado em nada, parece o homem certo para repetir o mesmo trajeto. Melhor para a França. Ela tem a sorte de não precisar dos seus políticos para conservar tudo aquilo que já soube construir.

Era costume dizer que um dos primeiros sinais da velhice aparece quando o indivíduo começa a ser chamado de “senhor” pelo médico (ou, pior ainda, pelo padre), e já trata um e outro de “você”. François Hollande acaba de dar uma nova contribuição para as práticas populares de contagem do tempo. Em sua juventude, foi um fã entusiasmado de Jimi Hendrix – e, quando alguém que pode tornar-se presidente da França tem no seu álbum de ídolos alguém como Jimi Hendrix, ficamos avisados, mais uma vez, de que a vida está passando depressa.

O assustador ataque aos bancos - MAILSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


O atual governo tem demonstrado inédita inquietude em relação aos juros. Em vez de prosseguir o trabalho paciente e tecnicamente fundamentado de seus antecessores, que permitiu diminuir de forma sustentada as taxas de juros, agiu politicamente. Determinou que os bancos públicos reduzissem as taxas de juros para induzir as instituições financeiras privadas a fazer o mesmo. Experiências semelhantes provocaram perdas e necessidade de injeção de recursos do Tesouro naqueles bancos. Em lugar de recorrer a medidas estruturais, a presidente Dilma decidiu atacar os bancos privados: "É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo".

Acontece que solidez e lucratividade não têm necessariamente relação com juros altos. A solidez foi construída ao longo de anos, fruto do trabalho dos bancos e do governo, particularmente do Banco Central. A solidez explica por que os bancos brasileiros resistiram bem aos efeitos da atual crise financeira mundial. A solidez é para ser comemorada, não para outros motivos. Quanto à lucratividade, estudos mostram que os bancos não têm retorno diferente do das grandes empresas brasileiras.

Medidas para reduzir as elevadas taxas de juros do Brasil devem integrar permanentemente a agenda do governo. Isso têm acontecido nos últimos dezoito anos, pelo menos. Ainda figuramos entre os campeões dos juros altos, mas a situação tem melhorado. A taxa de juros básica do Banco Central (Selic) - que influencia as demais - já foi de mais de 40% ao ano e hoje caminha para as proximidades dos 8% ao ano. O spread bancário também diminuiu. Foi o efeito de um esforço de reformas para atacar as razões estruturais da excepcionalidade.

A vitória contra a inflação descontrolada (Plano Real) e a estabilidade macroeconômica foram seguidas de outros avanços: a alienação fiduciária, a nova Lei de Falências, o crédito consignado, o acompanhamento sistemático das condições de crédito pelo Banco Central e, mais recentemente. a Lei do Cadastro Positivo. Tudo isso reforçou a segurança na concessão de empréstimos e melhorou o ambiente informacional. Os bancos adquiriram meios para bem avaliar riscos, premiar os bons pagadores com menores taxas de juros e expandir o acesso ao crédito. O potencial de crescimento se ampliou. O bem-estar aumentou.

É preciso avançar com medidas estruturais de mesmo quilate. Por exemplo, duas causas explicam as altas taxas de juros: a tributação das transações financeiras e o volume de recursos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central, ambos sem paralelo no mundo. Resquícios de insegurança jurídica típica do Brasil reclamam novas reformas.

Além de ter taxas de juros das mais altas do mundo, o Brasil ostenta um dos maiores níveis de emprego informal do planeta. São duas excepcionalidades derivadas de problemas estruturais acumulados, de difícil solução em prazo curto. Não se vê, todavia, alguém culpando os empregadores pela informalidade no mercado de trabalho. Não há como promover no grito a formalização, nem dessa forma baixar a taxa de juros. Felizmente, tal como aconteceu nos juros, a informalidade tem diminuído sob a influência da estabilidade macroeconômica, do crescimento da economia, da melhor fiscalização e de avanços institucionais.

A presidente mira e acena um alvo fácil. Atacar sintomas que a população confunde com causas faz subir a popularidade. A maioria pensa como Dilma. A desinformação é enorme. A educação financeira é deficiente no Brasil. Os bancos nunca foram benquistos. O tema tende a ser influenciado pela emoção.

No Plano Cruzado (1986), faltou carne no mercado. Era um sintoma decorrente do insustentável congelamento dos preços. Vender gado para abate era o caminho certo para o prejuízo. Os pecuaristas se protegeram. O custo de reter o seu rebanho era preferível à falência. O governo empreendeu então uma espetaculosa caça ao boi no pasto, com helicópteros e policiais federais. A medida não salvou o Plano Cruzado. Espera-se que, caso fracasse sua cruzada contra os bancos, Dilma não se aventure a procurar juros baixos no pasto.

PA apoia Freixo - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 07/05/12

Paes que se cuide. Boa parte do PA (Partido dos Artistas) apoia nesta eleição municipal o seu rival Marcelo Freixo (PSOL). Caetano Veloso reuniu sábado,num jantar em torno de Freixo, estrelas como Marisa Monte, Camila Pitanga, Wagner Moura, Djavan, Paula Lavigne, Dira Paes e outros.

PV e PSDB

Gilberto Gil também participou, embora seu PV tenha candidato (Aspásia Camargo). Outro que estava lá era Paulo Henrique Cardoso, filho de FH, embora o candidato oficial do PSDB seja Otavio Leite.

23 = idade do aborto

Pesquisa com 375 mulheres publicada nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz revela que 93 (quase 1/4) sofreram ou se submeteram a um aborto. A idade média das mulheres que abortaram foi 23 anos.

Caso de polícia

Há duas semanas, Carolina Dieckmann levou seu computador, onde estavam as tais fotos íntimas, para conserto numa loja Mac. É apenas hipótese. Mas a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, que hoje ouve a atriz, investiga se algum funcionário copiou as fotos, objeto de chantagem.

De fora

A Odebrecht avisa que não tem qualquer interesse em comprar a Delta.

Minha guerra alheia
A Agência Riff vendeu para a Colômbia os direitos de “Minha Guerra Alheia”, da Marina Colasanti (publicado no Brasil pela Record). No livro, a escritora, que nasceu na Etiópia, retorna às suas memórias de infância.

Gois também é cultura
Uma nota aqui em 2006 sobre um pedido do Vietnã ao Itamaraty para pesquisar uma passagem de Ho Chi Minh pelo Rio, em 1911, levou a premiada roteirista Cláudia Mattos (de “180°”) a inscrever um projeto em edital para transformar a história num filme.

Segue...

Projeto aprovado, Cláudia, acredite, foi ao Vietnã, onde viu nos museus dedicados ao revolucionário e estadista, em Hanói e Saigon, mapas que até ilustram a passagem dele por aqui. Mas, como há informações contraditórias, a cineasta vai fazer um documentário ficcional.

No Rio...

Ho Chi Minh (1890-1969) teria vindo para o Rio num navio de bandeira francesa, em 1911. Aqui, teria trabalhado de três a seis meses como cozinheiro.

Leilão do Copa
Móveis, cortinas, roupas de cama e banho dos quartos localizados no prédio principal do Copacabana Palace serão leiloados por Soraia Cals e Evandro Carneiro no dia 3 de julho. Por esses quartos passaram figuras lendárias como Orson Welles e Rita Hayworth.

Valzinho eterno

Valzinho (1914-1980), um dos precursores da bossa nova, já pode ter sua obra digitalizada. Chegou de Portugal Edgar Costa, sobrinho de Valzinho e dono de seus acetatos raríssimos e discos de 78 rotações. Alô, MIS!

Papagaio de pirata

Dias atrás, numa gravação do “De pernas pro ar 2”, no Hospital TotalCor, em Ipanema, um senhor que passava parou e ficou de papo com a produção até conseguir uma ponta no longa. Aparecerá numa cena em que Ingrid Guimarães acena para um táxi ao sair do hospital.

De molho

A atriz Heloísa Périssé, a Monalisa de “Avenida Brasil”, está com dengue.

Sequestra eu

Rodrigo Rangel, o ator que interpreta o agiota Moreira, em “Avenida Brasil”, quinta passada, estava em frente ao seu condomínio, na Barra, quando uma moça gritou: “É violento, mas eu gosto. Sequestra eu.” — O cativeiro lá de casa já tem uma, mas agradeço a preferência! — respondeu o ator.

Vaza tudo! - MELCHIADES FILHO


FOLHA DE SP - 07/05/12


BRASÍLIA - Se os constrangedores diálogos coletados pela Polícia Federal não tivessem vindo a público, Demóstenes Torres estaria agora na vanguarda dos protestos contra a mudança na caderneta de poupan ça, posando de baluarte da retidão no Senado e na imprensa. A Delta continuaria a responder por obras superfaturadas e a ganhar contratos em troca de propina. Não saberíamos que Carlinhos Cachoeira contava com uma rede de arapon gas para destruir adversários.

Por isso é tão espantoso quanto revelador o desinteresse dos congressistas que dirigem a CPI do Cachoeira pelos áudios e transcrições das operações policiais. CPI que, paradoxalmente, só foi instalada devido à divulgação dos grampos.

O presidente Vital do Rêgo (PMDB-PB) e o relator Odair Cunha (PT-MG) manobram para limitar as revelações ao já revelado. Empenham-se em dificultar o acesso dos colegas à pequena parcela de documentos encaminhada pelo Judiciário quando deviam, além de facilitar essa consulta, batalhar para receber tudo o que a Polícia recolheu.

Milhares de conversas não foram anexadas ao lote entregue à CPI. Não há quase nada, por exemplo, de um longo período de 2010. Justamente aquele em que a campanha presidencial pegava fogo.

Esse material está represado em algum degrau da pirâmide investigativa -Polícia Civil, PF, Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, Ministério da Justiça... Alguém anda negociando o vazamento a conta-gotas desse conteúdo. Ou o não vazamento em bloco.

Só a CPI tem poder para evitar uma grande armação. Claro, é necessário cuidado com os grampos. Nem sempre bastam como prova de ilicitude. Podem até arrastar terceiros indevidamente para o furacão. Mas, para fazer justiça e ao mesmo tempo impedir injustiças, é preciso conferir tudo o que sustenta o inquérito e tudo o que foi descartado.

Além das políticas monetária e fiscal - GUSTAVO LOYOLA


Valor Econômico - 07/05/12


A crise econômica da zona do euro parece longe do fim. Seus custos sociais aumentam a cada dia, assim como a impaciência dos cidadãos atingidos pelo desemprego e pela falta de perspectivas. O problema é que as políticas macroeconômicas tradicionais se mostram impotentes não apenas para combater as causas profundas da crise, mas também para mitigar suas consequências negativas sobre a conjuntura econômica. Neste contexto, os riscos de desagregação do euro não podem ser negligenciados.

O euro sofre hoje de um tríplice problema: crise fiscal, crise bancária e crise de crescimento. A simultaneidade dessas crises, aliada à complexidade da governança da Comunidade Europeia e da moeda única, dá às dificuldades europeias uma dimensão única na história econômica recente. Neste sentido, a crise tem características inéditas, fato que reforça a tentação do experimentalismo na formulação e condução das políticas anticrise - sejam elas comunitárias ou nacionais. Aí se tem, aliás, mais um fator de risco inerente ao problema europeu, qual seja o uso de heterodoxias não testadas no campo da política econômica.

Consideremos inicialmente as políticas macroeconômicas usuais: a política monetária e a política fiscal. Com relação à primeira delas, quase não há espaço adicional para ações do Banco Central Europeu (BCE). De um lado, as taxas de juros já se encontram num patamar de quase zero, pouco restando a fazer com este instrumento para aumentar a liquidez nos mercados e incentivar a atividade econômica. De outro, com as operações de refinanciamento de longo prazo (LTRO - Longer Term Refinancing Operations), cujo montante hoje atinge cerca de um trilhão de euros, o BCE trouxe um socorro efetivo para as necessidades mais urgentes de liquidez no mercado bancário europeu e conseguiu reduzir a níveis suportáveis, pelo menos no curto prazo, as taxas de juros pagas pelos países atingidos pela crise, como Itália e Espanha. Contudo, embora indispensável para evitar o colapso do mercado bancário e de títulos da dívida, essa atuação do BCE não é capaz de lidar com as raízes da crise e, assim, não pode ser considerada como solução para os problemas do euro.

Quanto à política fiscal, a necessidade de ajuste das contas públicas choca-se frontalmente, no curto prazo, com o objetivo de estimular a atividade econômica. O corte de gastos e a elevação de impostos - medidas típicas de ajuste fiscal - são ambas depressoras da atividade, o que representa uma dificuldade adicional no contexto de economias já bastante deprimidas. Mesmo não havendo dúvidas de que uma melhor posição fiscal favorece o crescimento econômico - haja vista o aumento da confiança e a redução dos prêmios de risco - não há como ignorar os efeitos das políticas de austeridade fiscal sobre a atividade, mormente quando a política monetária se encontra em "ponto morto", como ocorre no momento na zona do euro.

Numa situação como essa, a qualidade do ajuste fiscal se torna ainda mais relevante do que o mero nível quantitativo de redução do déficit. Os governos devem idealmente buscar ajustes que perdurem no longo prazo, como é o caso das mudanças nos regimes previdenciários, anomalamente generosos na maioria dos países em dificuldades. Este tipo de ajuste é muito mais propenso a gerar aumento de confiança nos agentes econômicos do que cortes de despesas ou elevações temporárias de impostos. Além disso, devem ser poupados os gastos públicos em investimentos fundamentais para o crescimento, como nas áreas da educação e da inovação.

Por sua vez, não há como se reestabelecer a confiança na moeda sem mexer com a contraditória situação de uma moeda única convivendo com autoridades fiscais nacionais independentes, com pouca ou nenhuma coordenação a nível supranacional. A experiência histórica ensina que o fortalecimento de uma autoridade fiscal central é quase sempre fundamental para a consolidação de uma unidade monetária estável em determinado território. A presente crise coloca os países europeus diante de um dilema: ou avançam no processo de integração, por meio do fortalecimento de uma união fiscal, ou criam condições para que os países-membros possam abandonar a moeda única, de maneira ordenada e não traumática. Continuar no meio-termo não é mais uma opção.

Por último, e não menos importante, há a importante e urgente questão da recapitalização dos bancos europeus, sem o que as perspectivas de recuperação econômica mantêm-se pífias nos próximos anos. O atendimento deste objetivo, porém, implica maior pressão sobre as contas públicas dos países membros do euro, alguns dos quais não têm como amealhar no mercado os recursos necessários. Desse modo, o uso de recursos gerados a nível comunitário é inevitável, o que também conspira para a necessidade do fortalecimento de uma autoridade fiscal supranacional.

Banda cara e lenta - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 07/05/12


Uma pesquisa com usuários de banda larga, fixa e móvel, de 40 países, foi organizada pela Consumers International (CI), em colaboração com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com o objetivo de identificar os principais problemas e falhas desses serviços. A CI é uma federação mundial de entidades de defesa do consumidor, que reúne 220 organizações de 115 países. O Idec foi o responsável pelos dados das Américas.

Os resultados mostraram que são comuns as queixas de usuários sobre a velocidade de conexão - 75% dos usuários, em todos os países pesquisados, se queixaram da velocidade de sua conexão, que não corresponderia ao que lhes foi vendido; sobre grandes obstáculos ou mesmo impossibilidade de mudança de operadora; e sobre insatisfação com a forma como as empresas atendem às reclamações. E a fonte principal dessas distorções é a concentração da oferta. O Brasil não foge à regra, pois apenas três grupos controlam 80% do mercado da banda larga fixa e quatro grupos ficam, atualmente, com 98% da banda móvel.

Numa escala de 1 (situação de monopólio) a 5 (mercado competitivo), o Brasil recebeu nota 2, a mesma dada ao Chile, Costa Rica e México. Os países do continente americano também se destacam pelo preço desses serviços, em geral, 50% mais alto que a média internacional. E o Brasil deve estar entre os recordistas. Aqui, os usuários pagam o equivalente a US$ 50, enquanto os britânicos gastam, em média, US$ 29 e os indianos, US$ 21.

"A falta de competição faz com que os preços sejam altos", como disse Guilherme Varella, advogado do Idec e um dos responsáveis pela pesquisa (O Globo, 30/4). "As principais empresas investem em propaganda para angariar mais clientes. No entanto, não investem mais na malha de distribuição."

O elevado preço cobrado no Brasil contrasta com o previsto no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em maio do ano passado, cuja meta era a universalização da oferta de internet rápida, e cujos preços deveriam variar entre R$ 35 e R$ 29,90, em locais onde houvesse isenção fiscal. A chamada banda larga popular tem avançado no País, embora mais lentamente do que se desejaria. Segundo informações do Idec, isso se deve, em grande parte, à falta de divulgação do PNBL pelas operadoras, com as quais a Telebrás firmou termos de compromisso. Quando há informação adequada, são comuns as propostas de empresas que condicionam a banda larga à compra de um plano de telefonia, o que é uma prática ilegal, mas difícil de coibir. Isso acaba pesando no preço cobrado do consumidor e trava, muitas vezes, a ampliação do mercado. Outra característica do País é que 27% dos usuários consideram "muito ruim" o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) de sua operadora.

A pesquisa da Consumers International surpreende quanto ao total de brasileiros com acesso à internet, apresentado como sendo de 79 milhões, bem mais do que geralmente se estima (60 milhões). É um número muito significativo. Na Índia, somente 13,4 milhões usam a internet, número baixíssimo numa população que ultrapassa 1 bilhão de pessoas.

Os especialistas alertam, no entanto, para a qualificação do que é banda larga. Estima-se que só 20% dos internautas brasileiros tenham acesso à internet com velocidade, pelo menos entre 256 quilobits por segundo (kbps) e l megabyte por segundo (Mbps). Para especialistas, a internet de 512 kbps a 784 kbps, como previsto pelo PNBL, não mereceria a qualificação de banda larga.

No Brasil, quanto mais aumenta a oferta, mais aumentam as reclamações, afirma Juliana Pereira, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. "Cada vez mais estamos sendo atropelados pela evolução e convergência tecnológica", observa. "Já passamos pelos problemas da telefonia móvel e temos que aprender com essa experiência."

Não parece haver dúvida de que o PNBL, além de ainda mal ter saído do papel, não supre a falta de uma regulamentação efetiva de proteção ao consumidor.

Na trinca fantasma, falta atacar o maior deles - MARCO ANTONIO ROCHA

O Estado de S. Paulo - 07/05/12


A presidente Dilma já apontou, com clareza, aliás, os três principais obstáculos que, a seu ver, amarram a economia brasileira, o crescimento e um desenvolvimento mais harmonioso: câmbio, juros e impostos.

Não há muitos economistas que discordem desse diagnóstico, embora se possa falar de outras fontes de atraso, como, por exemplo, da infraestrutura precária de portos e meios de transportes, da energia caríssima e, é claro, do eterno problema dos baixos níveis de ensino, treinamento e pesquisa.

Mas digamos que no plano mais imediato, a curto prazo, para obtermos maiores taxas de crescimento do PIB - como ela, o governo e todos nós desejamos -, os três obstáculos exijam superação com certa urgência. Dos outros, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai cuidando pachorrentamente.

O obstáculo cambial parece estar encontrando um rumo de superação, com o Banco Central dosando suas intervenções, suas compras de moeda estrangeira, de modo a evitar, primeiro, quedas de cotação e consequente valorização indireta do real; e, segundo, mantendo principalmente o dólar num patamar que possa ajudar a indústria brasileira a exportar e desestimular o consumidor brasileiro a comprar produtos importados. Isso ainda não foi alcançado, é evidente, mas se pode dizer que a política cambial agora está ganhando experiência nessa busca - sem aquela obsessão de acumular reservas, como em passado recente, reservas que, aliás, nas atuais circunstâncias, são até desaconselháveis, pois têm um custo elevado.

Para que se entenda qual era - em boa parte ainda é - o problema causado pelo câmbio à economia brasileira, é bom recorrer também a uma fala da presidente na qual ela se referia ao "tsunami monetário" que vinha invadindo os países chamados emergentes, entre os quais o Brasil. Ela mencionava especificamente a derrama de dinheiro que os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos desataram com o fito, de um lado, de promover a retomada de suas economias, e, de outro, ajudar governos e bancos privados em dificuldades (isso principalmente na Europa).

Esse aumento proposital da liquidez internacional acabou derramado, em parte, no Brasil e em outros países emergentes, uma vez que a remuneração das aplicações financeiras nos países de origem caía a praticamente zero, enquanto aqui, por exemplo, essa remuneração se mantinha como das melhores do mundo. Compreensivelmente, os detentores da grana derramada pelos governos ricos escolhiam o país que melhor pagasse por ela.

Além disso, já vinha de antes uma persistente tendência de desvalorização da moeda americana, em relação a outras moedas fortes, e também ao real.

As duas coisas se juntaram e um dos resultados a gente vê nas reportagens das TVs que mostram levas de turistas brasileiros apinhando as lojas de Miami e enchendo malas de bugigangas. Ficou barato comprar lá fora, até porque o consumidor brasileiro comum esteve - e talvez esteja ainda - ganhando melhor numa moeda que se valoriza. Ficou barato comprar lá fora, indo lá fora, fisicamente, como turista ou comprando aqui os produtos de fora, até pela internet.

Bom, e que importância tem isso? Se o nosso balanço de pagamentos continua positivo?

A importância é que muitas indústrias brasileiras deixaram de fabricar aqui grande número de produtos e artigos e começaram, elas mesmas, a importar esses produtos ou, então, a importar insumos e componentes dos produtos, em vez de fabricá-los aqui. Na prática, algumas se tornaram apenas montadoras. É a isso que se dá o nome de processo de desindustrialização, que, numa economia com bom nível industrial, como a brasileira, representa perda de empregos, menor criação de empregos e, sobretudo, perda, aos poucos, de expertise industrial - do que, aliás, não somos campeões mundiais e o que precisamos ganhar muito mais, ao invés de perder.

Portanto, o problema cambial vinha não só amarrando a economia brasileira, como causando déficits estratégicos a prazo mais longo.

Não há garantia de que o problema esteja superado, mas, pelo menos, o governo o está administrando com algum sucesso.

A segunda amarra apontada por Dilma é a dos juros - os mais altos do mundo, como ela disse, e que de fato não se justificam num país que tem um sistema bancário tão sólido quanto se comprovou na crise financeira mundial de 2008. A ordem para que os bancos públicos reduzissem suas taxas de juros e, agora, a decisão sobre a remuneração das cadernetas mostram, pelo menos, uma luz no fim do túnel e "limpam a área", como se diz, para maiores quedas dos juros. O que também interessa ao governo, pois, quanto menor a taxa básica (Selic), menor é o custo da dívida do governo e maior a sobra de dinheiro para investimentos.

Se o governo derruba os dois obstáculos, câmbio e juros, o que não é certo, fica no ar a grande charada: os impostos.

Alguém aí aposta numa reforma fiscal séria?

Tema para profunda meditação e, talvez, outro artigo.

POUPANÇA, JUROS E ....INFLAÇÃO - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 07/05/12

Governo quer dólar caro e juro no chão. E a inflação?


Sei de pessoas que rasparam o dinheiro dos fundos de investimento e colocaram tudo na poupança. Isso pouco antes de serem anunciadas as novas regras da caderneta.
Não, não são economistas, muito menos jornalistas. Nem funcionários do governo. Não foi, portanto, dica de cocheira, mas uma boa intuição. Pessoas com nível comum de educação financeira, acompanhando o noticiário, imaginaram: os caras ainda vão mexer na poupança, mas como não são loucos de garfar os depósitos já existentes, a caderneta pode ser uma boa opção, mesmo porque esses fundos já não estão dando grande coisa.
Bingo.
Lembrei de um amigo, professor de literatura, ignorante em economia, que, na véspera do Plano Collor, sacou todo o dinheiro que tinha na poupança, sua única aplicação, e guardou tudo em casa, em sacos de papel. Como você adivinhou? – perguntavam todos, depois do confisco. E ele: “Não adivinhei nada quando vi aquele debate todo, pensei: deixo meu dinheiro em casa, quando eles resolverem o que fazer, deposito de novo”.
Para os que acompanham mais de perto o noticiário econômico, havia uma pista muito forte no atual episódio. Quando, há poucas semanas, o Banco Central, inesperadamente, avisou que a taxa básica de juros seria reduzida para 9% ao ano e ali ficaria por um bom tempo, muitos analistas (inclusive este colunista) sugeriram que a causa dessa decisão estava na velha caderneta. Esta colocava um piso para os juros. (Confira no artigo aqui publicado em 19 de março último também em www.sardenberg.com.br, Política Econômica).
O Banco Central não admitiu isso, nem a presidente Dilma, muito menos o ministro Mantega, mas a coisa estava lá. E se tratava de algo preciso: reduzir o rendimento da poupança.
Muitos especialistas em Banco Central apresentaram outros argumentos técnicos para o surpreendente piso fixado explicitamente pelo BC, uma atitude rara. Mas quando se estava nessa discussão, o BC surpreende de novo, ao anunciar que a taxa básica poderia, sim, cair abaixo dos 9%. O que se passou entre uma e outra surpresa?
No primeiro momento, o governo Dilma não pretendia “mexer na poupança”, potencial de trauma nacional, antes das eleições de outubro. Depois achou que podia correr o risco, para aproveitar a onda favorável à queda dos juros. Decidido isso, o BC precisava desfazer a informação de que os 9% eram o piso do juro básico – o que fez na ata do Copom publicada no último dia 26. Não por acaso, desde esse dia aumentaram as especulações sobre as mudanças na poupança.
Não é mesmo uma razoável sequência? Mesmo porque, é inteiramente verdade que não havia como prosseguir na derrubada dos juros com uma aplicação financeira que rendia, por lei, sempre um pouco acima dos 7% ao ano, sem imposto de renda, sem taxas, segura e com o aplicador podendo sacar seu dinheiro a qualquer dia. Trata-se de rendimento fora do padrão para economias estáveis. Em resumo, tratava-se de um instrumento pré-Real.
Até 23 de abril, havia R$ 431 bilhões depositados na poupança – dinheiro esse que será integralmente corrigido pela regra velha, 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial de Juros (TR, fixada pelo governo). Nos doze meses encerrados em abril, isso deu 7,26%.
A taxa básica do BC certamente vai a 8,5% em 30 de maio, em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Claro, se não fosse para isso, por que mexer agora nas regras para os novos depósitos na poupança?
E faz todo sentido, dada a lógica do governo, especular com uma taxa básica (a Selic) de 8% ou menos que isso. Os fundos de investimento lastreados em títulos do governo vão pagar isso, menos IR e taxa de administração. Ou seja, o pessoal da poupança velha estará com um belo trunfo na mão.
A menos, é claro, que a inflação dispare. Depois de perder para a inflação de 2001 a 2004, o rendimento da poupança tem superado o IPCA (índice tomado como referência pelo BC) desde 2005. A inflação oscilou entre o mínimo de 3,1%, em 2006, e os 6,5% do ano passado, com média de 5,21%. Para este ano e o próximo, a previsão é de um IPCA acima dos 5% mas abaixo dos 6%, o que garantiria ganho real para a poupança velha.
Existe o risco da inflação subir além disso? A resposta é sim. A presidente Dilma explicitou sua agenda de política econômica: derrubar juros, desvalorizar o real e reduzir impostos. Não tem feito nada para o último quesito. A arrecadação tem obtido seguidos ganhos reais expressivos, quer a economia cresça, quer não.
Quanto aos dois primeiros, há ações efetivas. Não é o caso de discuti-las aqui, mas de chamar a atenção para outro ponto. Notaram que a presidente não relacionou a inflação – baixa, claro – como objetivo de política econômica?
Duas possibilidades: uma, a presidente dá de barato que a inflação está firmemente controlada duas, a presidente não se incomodará com um índice de preços mais elevado.
Reparem: a derrubada acelerada dos juros, com o objetivo explícito de ampliar o crédito para pessoas e empresas, tem efeito inflacionário. (Não faz muito tempo, o próprio BC dizia que era preciso segurar a expansão do crédito). A desvalorização do real em relação ao dólar também tem efeito inflacionário. Variam conforme o momento, as circunstâncias locais e externas, mas são movimentos pró-inflação.
É mais difícil,toma mais tempo e exige reformas profundas a redução dos juros mantendo inflação baixa. Já os chamados economistas desenvolvimentistas, que consideravam Dilma até um pouco ortodoxa, dão outra receita: juro lá em baixo imediatamente, na base da vontade política e da pressão, dólar caro (ou moeda local desvalorizada), controle de capitais, proteção à indústria local e pé na taboa do crescimento. E se der inflação de, digamos, 15% a 20%. ? Não tem problema, dizem, países emergentes podem suportar isso na arrancada.
Pensaram na Argentina?

Horizontes da internet - AÉCIO NEVES

FOLHA DE S.PAULO - 07/05/12



Eterno país do futuro, o Brasil já pode comemorar o fato de ter deixado de ser promessa num dos campos mais relevantes da atualidade: a internet.
O site Social Bakers nos informa que somos a segunda nação com mais usuários no Facebook, com mais de 46 milhões de perfis, atrás apenas dos EUA. Praticamente um em cada quatro brasileiros está na mídia social de maior expressão nos dias de hoje.
Quando ainda nem se usava amplamente a expressão "redes sociais", o Brasil já dividia a liderança do Orkut com a Índia. Em vários momentos da última década, as pesquisas Ibope-Nielsen mostraram uma liderança persistente dos brasileiros em tempo médio de navegação, à frente de internautas dos EUA, do Reino Unido, do Japão, da França e da Alemanha, entre outros.
Um dos maiores fenômenos da breve história do YouTube teve um inusitado colorido verde-amarelo e ainda ecoa. Sem entrar no mérito dos que gostam e dos que não gostam do gênero, não há como ignorar o feito de Michel Teló, que bombou entre os videoclips mais vistos planeta afora. Polêmicas à parte, o fenômeno confirmou a existência de imensa e promissora janela de oportunidades para os brasileiros.
A grande vantagem aqui é que nada disso até agora dependeu do governo federal. Muito pelo contrário. Toda essa estimulante performance se dá a despeito de uma banda larga ruim e cara, que costuma nos empurrar para posições sofríveis nos rankings de qualidade tecnológica.
A velocidade com que se multiplicaram os celulares, resultado da correta privatização do sistema Telebrás, nos anos 90, está a exigir mais determinação na democratização e na melhoria dos serviços de banda larga.
Há um largo horizonte de crescimento pela frente. Com uma múltipla teia de conexões em todos os continentes, a internet pode ser uma plataforma importante para que empresas brasileiras se renovem e encontrem novos mercados para seus produtos.
Isso sem contar as muitas oportunidades na era da Copa e das Olimpíadas para a marca Brasil. O país do café, do Carnaval e do futebol pode abrir, assim, outras promissoras fronteiras de posicionamento internacional.
No campo interno, em que pese muitas vezes a ocorrência de um organizado enfrentamento político de baixíssimo nível, há inquestionáveis ganhos com a disseminação de informação e a construção de um ambiente favorável ao debate sobre as grandes causas e mazelas nacionais.
Tal como em outras partes do mundo, aos poucos a internet espontaneamente se movimenta para redescobrir o
país real, dos enormes passivos sociais e da corrupção institucionalizada. Contra toda massiva propaganda oficial, agora basta apenas um click.

Adolescência interminável - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 07/05/12


O mundo nunca foi tão adolescente. A cada quatro terráqueos, um tem entre 10 e 24 anos. São 1,8 bilhão de pessoas nessa idade especial. Mas desde quando um marmanjo de 24 anos é adolescente? Num passado recente não era, mas passou a ser - ou melhor, não deixou de ser. E isso pode virar um problema. Segundo a revista científica The Lancet, a adolescência vem espichando a cada geração, nas duas pontas: a puberdade chega mais cedo, e a maturação do papel social dos jovens ocorre cada vez mais tarde.

Basta observar como tem avançado a idade média dos jovens ao terminar os estudos, com que conseguem seu primeiro emprego fixo, quando se casam, e com que as mulheres se tornam mães. Todos esses marcos do fim da adolescência foram adiados nas últimas gerações. As repercussões sociais dessa mudança são maiores do que nos damos conta. Daí o dossiê da The Lancet.

A palavra "adolescente" deriva do latim "adolescere", que significa "crescer", "desenvolver-se". Adolescente é quem está crescendo, e adulto, quem já cresceu, já se desenvolveu. Mas o crescimento não se mede pelo número do sapato nem pelo comprimento da barra da calça ou da saia. É uma questão de amadurecimento, de andar com as próprias pernas sem a muleta dos pais.

A adolescência começa quando os hormônios da puberdade mudam a fisiologia e a fisionomia das crianças. É uma revolução que transforma todo o corpo, com repercussões do comportamento à capacidade cognitiva do cérebro. Jovens púberes, por exemplo, tendem a questionar regras, buscar novas experiências e tomar atitudes de risco com mais frequência que os impúberes.

O coquetel hormonal em ebulição tem impactos diretos sobre a mortalidade. O gosto por arriscar-se faz com que os adolescentes estejam entre as principais vítimas das mortes violentas. Se a adolescência se prolonga, a chance de sucumbir aos seus efeitos também. Nas últimas décadas, o mundo conseguiu reduzir drasticamente a morte na infância. Mas os avanços na redução da mortalidade de adolescentes foram bem menos impressionantes. O Brasil não é exceção.

De 1996 a 2010, as mortes de crianças brasileiras com menos de 5 anos caíram praticamente à metade, de 88 mil para 47 mil por ano. A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes dessa faixa etária regrediu quase na mesma proporção. Já as mortes e a mortalidade de adolescentes de 10 a 24 anos permaneceram estáveis. Em 2008, pela primeira vez na história do Brasil, morreram mais adolescentes do que crianças. E a tendência só se acentuou desde então.

Nesses 15 anos, as mortes por causas naturais diminuíram, e as violentas, aumentaram. Morreram mais adolescentes brasileiros por tiro e acidentes de carro e moto, e menos por doenças infecciosas como aids, ou por problemas cardíacos. Foram e continuam sendo vítimas de causas de morte evitáveis, que podem ser amainadas por políticas públicas. Esse não é o único impacto sobre a longevidade. É na adolescência que se formam os hábitos alimentares que vão influenciar a saúde pelo resto da vida.

A adolescência tardia também tem consequências positivas, principalmente econômicas. A extensão do período sob o mesmo teto dos pais permite aos adolescentes permanecer mais tempo na escola. Por isso as novas gerações têm potencial para formar a força de trabalho mais qualificada que o Brasil já teve, com impactos positivos sobre a produtividade e a renda. Mas, para esse potencial se concretizar, é preciso que haja oportunidades de emprego compatíveis com essa escolaridade mais alta.

O ano de 2011 foi rico em exemplos de como a adolescência estendida tem impactos profundos sobre áreas improváveis, como a política. Os levantes árabes foram impulsionados por essa população adolescente, gente tão jovem quanto os indignados espanhóis, os saqueadores de Londres e os ocupadores de Wall Street. Todos eles buscando seu lugar na sociedade e topando com obstáculos maiores do que seus pais para encontrá-lo. E enquanto não encontram, sua adolescência é interminável.

O tango de Tibério e Lola - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/05/12

Estavam dançando um tango: quando ele ia, ela recuava, quando ele recuava, ela vinha

O amor é um tango. Hoje vou contar uma história de amor que ouvi de alguém esses dias. Esta história é real e nos faz pensar, afinal, quem somos nós.
Tibério era um jovem promissor. De boa família e com bons antecedentes, era visto como alguém inteligente, vivo e alegre. Vivia sua vida, numa casa de classe A, quando, numa noite de calor, viu alguém chegar à vizinhança. Loira, naquela idade que as avós chamavam de menina-moça, mesmo que ainda novinha, já se mostrava pronta para um investimento erótico.
Lola passeava pela vizinhança, livre e senhora de si, como são as fêmeas da espécie quando seguras de sua beleza e de seu charme. Para o coração do jovem Tibério, aquilo foi demais.
Ficou obcecado por Lola. Tentou voltar para sua vida pré-Lola, mas não adiantou. Nada do que tinha fazia mais sentido, pensava naquela jovem loira todo o tempo. Ficava parado olhando para parede, como se sua casa, sua vida e seus objetos de valor tivessem se esvaziado de sentido. Se Tibério soubesse filosofia, diria que a vida perdera o significado.
Ele era ainda virgem. No fundo da alma, se envergonhava disso e preferia que este fato permanecesse em segredo.
Mas, de repente, tomou uma decisão e resolveu abordar a bela e irresistível Lola, a loira arrasadora do "cartier", como dizem os franceses. Quem sabe, pensou Tibério no silêncio de sua alma, ela fosse, ainda que jovem e virgem, uma loira devassa em potencial? Pelo caminhar dela, balançando, ainda que discretamente, as promissoras ancas, ele pensou que tinha alguma chance.
Chegou perto e tentou falar com ela. Nada. Aquele olhar de desprezo que só fêmeas lindas da espécie sabem dar quando percebem que algum jovem candidato está por perto. Mas, percebia Tibério, Lola o olhava pelo canto dos olhos.
Tibério tinha razão. Ela estava dando sinais de interesse. Aproximou-se e tentou chegar bem pertinho. Lola, literalmente rosnou para ele. De primeira, Tibério temeu que ela o fosse morder de fato.
Tibério correu para casa, temeroso. Mas o desejo era grande, e Lola seguramente o olhava de longe, com olhos doces. Todos os seus genes ancestrais diziam: "Tibério, vá fundo, cara!".
O jovem voltou à carga. Pensou naquilo que todo macho pensa: "Ela quer um presente!". Não tinha nada à mão e, infelizmente, dependia da sua família para ir a um shopping, portanto teve uma ideia desesperada: "Vou dar para ela o que eu mais gosto e assim ela vai ver que eu quero muito ficar com ela".
Correu e pegou um objeto (pouco importa o que era, mas sim o valor que tinha para ele; de longe alguém diria que não passava de uma bola). Colocou carinhosamente o objeto diante da bela Lola. Ela, de novo, desprezou o infeliz Werther. Recuou. De longe, de novo, percebeu o discreto sorriso da bela Lola. Ela estava mesmo dançando um tango com ele: quando ele ia, ela recuava, quando ele recuava, ela vinha.
Uma dor grande se apoderou do pobre coração apaixonado. Mas, de novo, seus genes clamavam pela jovem Lola. Decidiu fazer-se de macho poderoso do pedaço e se aproximou confiante.
De repente, assim como quem ia roubar um beijo e um abraço, Tibério tentou se apossar de Lola. Ela, agora sem dúvida nenhuma, rosnou e o mordeu sem pena.
Tibério fugiu humilhado. Perdido, tentou comer alguma coisa. Mas, de novo tomado pelo amor, pensou se Lola não o aceitaria em troca de sua comida importada, mesmo que por um segundo tivesse pensado que aquilo não eram modos de abordar uma dama fina como Lola.
Docemente, ele empurrou a comida para ela. Lola comeu a comida dele e virou de costas. Tibério ficou arrasado e sentou-se, triste, enquanto a contemplava pela porta de vidro. Lola olhou para ele e ensaiou um sorriso, mas não adiantou. Tibério já estava triste e adormeceu. No dia seguinte, à mesma hora que Lola chegara, reconhecendo o carro, correu para o porta-malas para ver se a bela Lola voltara. Mas não.
Alguém perguntará: como uma bela dama pode vir num porta-malas? Simples: basta ela ser uma golden retriever, e ele, um border collie.
Sim, o amor é um tango, seja entre humanos, seja entre cães.

Fim do horror - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/05/12


RIO DE JANEIRO - Quando São Paulo instituiu o programa Cidade Limpa, em 2007, nós, no Rio, ficamos com inveja. Era a prova de que não estávamos condenados a olhar para nossas cidades e apenas tartamudear, "O horror... O horror...", como Kurtz, em "Coração das Trevas", de Joseph Conrad -no caso, o horror provocado pelo lixo visual pespegado aos prédios e lojas, agredindo-nos com a cafonice de seu gigantismo e suas cores. Por que o ser humano insiste em acanalhar o ambiente em que vive?
São Paulo provou que se podia tomar providências -decretar a proibição e varrer aquilo de nossas vistas. A medida do prefeito Gilberto Kassab foi ainda mais corajosa porque se sabia que os estabelecimentos comerciais e as agências de propaganda tentariam vergar a lei, e pelo fato de a cidade não ter uma grande tradição de preservação paisagística e ambiental. Os processos vieram, a prefeitura os enfrentou na Justiça e venceu, e São Paulo ficou mais humana.
No Rio, o prefeito Eduardo Paes acaba de adotar a medida, ainda que não tão radical -limita-se à zona sul e ao centro, e não contempla bancas de jornal, abrigos e ônibus. Mas impõe limites, inclusive para as fachadas das lojas, que não poderão esmagar o transeunte que passa por elas, e promete evaporar das marquises, da lateral e do alto dos edifícios os outdoors que impedem o carioca de contemplar sua paisagem. Já vão tarde.
E por que os botequins do Rio, tão ricos de história e variedade gastronômica, se submeteram às cervejas, cujas cores padronizaram seus letreiros e banalizaram quarteirões inteiros? Pois terão de ser como antes, com suas cores próprias, assim como, um dia, as praias se livrarão da ditadura do vermelho e recuperarão suas barracas coloridas.
No Rio, o horizonte costumava ficar no infinito. Logo voltará a ficar.

Tributos e mercado financeiro - EVERARDO MACIEL


O Estado de S.Paulo - 07/05/12


O compromisso com a simplificação é discurso recorrente das autoridades fiscais. Na prática, todavia, essa proclamação é, frequentemente, negada. Evidência disso é a tributação contemporânea das aplicações financeiras - território no qual superabundam o experimentalismo e a excessiva criatividade.

Na segunda metade dos anos 90, foi feito um enorme esforço visando a simplificar a tributação do mercado financeiro, no âmbito do Imposto de Renda, pela eliminação de exceções e de situações que privilegiam determinadas modalidades de aplicação financeira. Essa política se assentava em dois pressupostos: dar concretude ao princípio da neutralidade, que prescreve máxima parcimônia no uso da tributação como fator a influenciar as decisões dos agentes econômicos; e eliminar situações que caracterizassem elisão fiscal, a exemplo da postergação para o resgate do Imposto de Renda devido nas aplicações em renda fixa.

Nos últimos anos, contudo, a simplificação vem cedendo, cada vez mais, espaço para uma impressionante complexidade.

Não se pode negar que têm surgido novos produtos no mercado financeiro, em virtude dos diferentes interesses dos aplicadores e da engenhosidade das instituições financeiras. O que causa espanto, entretanto, é que a expansão na linha de produtos se fez acompanhar de uma grande diversidade de tratamentos tributários, exigindo do aplicador conhecimentos de especialista, envolvendo isenções, dedutibilidade, alíquotas decrescentes ou fixas, tributação definitiva ou sujeita a ajustes na declaração anual, etc.

Nesse universo se incluem produtos como Fundos de Renda Fixa, Fundos de Renda Variável, Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letra de Crédito Imobiliário (LCI). Nessa salada de letras, cada produto tem tributação específica, que pode variar em função do tempo da aplicação.

VGBL, especificamente, admite duas situações com tratamento diferenciado: tributação regressiva e tributação progressiva, e esses adjetivos não têm o mesmo significado que o adotado na doutrina tributária, sendo associados ao tempo para resgatar.

A opção por um desses produtos implica, macabramente, especular sobre a própria expectativa de vida do aplicador. No caso da tributação regressiva, a opção é definitiva, o que significa dizer que nem mesmo sua expectativa de vida pode ser revista.

A propósito, dizia Benjamim Franklin que só a morte e o Imposto de Renda são inevitáveis. Não imaginava, contudo, o político e pensador norte-americano que, na tributação do VGBL, a associação entre morte e Imposto de Renda fosse levada tão a sério.

Nesse contexto de complexidade, opção mais rentável só pode ser exercida, com eficácia, pelos grandes aplicadores, que dispõem de assessoria própria de planejamento tributário. Os demais contribuintes ficam ao sabor da sorte e da generosidade dos gerentes das instituições financeiras. Mais uma vez, o planejamento tributário, infelizmente, passa a ser ferramenta para tratamento desigual entre contribuintes.

Na semana passada, a poupança trouxe novidades. Embora não tenha sido alterada a norma isencional aplicável, o governo federal promoveu significativas mudanças na remuneração das cadernetas de poupança, ainda que pendentes de aprovação pelo Congresso Nacional. Trata-se de providência que tardava a acontecer. Muito provavelmente, os governos não ousaram mudar antes por força dos traumas decorrentes do confisco da poupança no Plano Collor, em desfavor de sua decantada segurança.

Sem lugar a dúvidas, uma trajetória decrescente na política de juros iria, em algum momento, resultar numa migração maciça de recursos das demais aplicações financeiras para a poupança.

Tendo em vista que a maior parte das aplicações financeiras está associada a títulos da dívida pública, que financiam os gastos governamentais, e que os recursos das cadernetas de poupanças são destinados, basicamente, ao financiamento de investimentos imobiliários, a migração das aplicações iria produzir um grande desequilíbrio nas contas públicas. Não se pode deixar de reconhecer o acerto da mudança, malgrado se possam fazer algumas ponderações quanto à solução adotada.

Por prudência política, foram estabelecidos dois regimes de remuneração: os depósitos anteriores a 4 de maio permanecerão com as regras antigas e os depósitos posteriores a essa data, sempre que a Selic cair para 8,5% ou menos, passarão a ser remunerados com 70% da Selic mais Taxa Referencial (TR). Essa dualidade de tratamento, entretanto, irá confundir o aplicador e dificultar a contratação de financiamentos com base na poupança.

Mais ousadia teria sido incorporar as receitas da poupança ao financiamento geral das contas públicas, ainda que mantida a vinculação dos recursos. Tal medida permitiria construir um modelo de remuneração que não obrigasse a poupança, refúgio dos pequenos aplicadores, a ter a pior remuneração do mercado financeiro.

Lições da poupança - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 07/05/12

Ao criticar os juros, Dilma mirou especialmente a classe C, que não tem conseguido guardar dinheiro na poupança e está endividada. Ela entendeu o recado que Fernando Henrique Cardoso deu há um ano



No último sábado à noite, um caixa eletrônico travou e reteve o cartão de um correntista que tentava fazer um saque num shopping de Brasília. Ele estava furioso: “Estou aqui há um tempão, não consigo tirar o meu cartão, não tem nem com quem reclamar. Esses bancos cobram tarifas caras da gente e não atendem. Só a Dilma para dar um jeito nesses bancos”, dizia o cidadão. Na minha cabeça, a luz acendeu na hora: Dilma, de boba, não tem nada.

O comportamento dele mostra que Dilma deu um tiro certeiro ao decidir enfrentar a batalha dos juros cobrados pelos bancos, cartões de crédito e financiamentos em geral. A reação é um forte indício de que o discurso dos juros, feito em 1º de maio na tevê, deve ter atingido seu objetivo estratégico. Ao eleitor que estava de folga no feriado e acompanhou o discurso, Dilma está mais para a mulher corajosa que combate os bancos do que para a presidente que mexeu na poupança dois dias depois. Qual imagem vai prevalecer, quem vai decidir são os parlamentares, que irão analisar e debater as mudanças na poupança a partir de hoje.

Por falar em imagem...
Mesmo em relação ao rendimento da poupança, a forma como o governo mexeu nessa seara mostra que o Brasil vem amadurecendo no respeito aos contratos. Erra quem for comparar essa mexida ao confisco promovido em meio ao deslumbramento collorido, em 1990. Desta vez, quem tinha dinheiro na poupança antes do anúncio da mudança não sofrerá qualquer perda em seus rendimentos. Lá, não escapou ninguém. Também é bom lembrar que, em 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretendia mudar os rendimentos de depósitos acima de um determinado valor. E, agora, três anos depois, a mexida vem, sem afetar qualquer poupador.

E, de mais a mais, vale a pena lembrar que o consumidor anda cansado de comprar uma geladeira e pagar por quase três no crediário. E cada vez se endividando mais. Não é de hoje que os jornais estampam a inadimplência do brasileiro. Uma pesquisa encomendada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro mostrou que, em março deste ano, 44,6% das famílias brasileiras estavam endividadas. Em março de 2011, esse percentual era de 41,6%. O maior percentual de inadimplência estava na classe C: 22%.

Por falar em classe C...
Está claro que, ao criticar os juros cobrados pelos bancos, incluídos aí os dos cartões de crédito, Dilma mirou especialmente esse público que mudou de padrão de vida. E, nesse grupo, quem está endividado achará muito mais interessante pagar menos juros do que ganhar uns trocados a mais na poupança — até porque não tem sobrado muito para poupar, por causa das prestações.

Não por acaso, no ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertava ao PSDB que era preciso mirar a classe C, preparar projetos para servi-la melhor. Afastado do dia a dia da política — por isso mesmo com uma visão melhor do todo — ele afirmava que aí estava a chave para conquistar simpatias e, por tabela, votos. Dilma parece ter entendido o recado e, como está no poder, começa a agir. Portanto, ao PSDB e ao DEM, é melhor ir devagar ao criticar a mexida na poupança. Até porque, se os juros caírem mais, será sinal de que Dilma estava certa. Aí, quem criticar pode ter o mesmo destino que o PT teve em 1994, quando criticou o Plano Real e amargou mais oito anos de oposição. E não houve CPI que fizesse o brasileiro eleger o PT até que a economia começasse a fraquejar.

Por falar em CPI...
Esta semana, ao que tudo indica, a CPI continuará na trilha do senador Demóstenes Torres, que depõe no Conselho de Ética, dos deputados citados e dos governadores, inclusive o do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O peemedebista não consegue mais participar de solenidades sem constrangimentos. Está passando da hora de ele vir a público apresentar a comprovação da quitação de suas despesas no exterior. Se continuar essa fumaça sobre suas viagens, ficará cada vez mais difícil ele passear pelo Rio de Janeiro ou andar pelo calçadão sem ouvir vaias ou desaforos. Bem... Talvez ele console a sua esposa dizendo: “Sempre teremos Paris”.

Castigo sem crime DENIS LERRER ROSENFIELD


O Estado de S.Paulo - 07/05/12


O castigo - ou, em linguagem jurídica, a punição e a pena - guarda relação com o crime. Mais especificamente, a relação se faz segundo um critério de proporcionalidade e razoabilidade, não sendo admitido como racional que uma pena em muito exorbite o ato cometido. Em casos desse tipo, tal condenação pode ser dita injusta.

A injustiça, no entanto, pode ser ainda maior se o castigo não guardar relação alguma com o ato que o ensejou. Ou seja, saltaria à vista como irracional que punição e pena não guardassem relação com a ação que está em sua origem. Não se trata aqui de uma desproporcionalidade, mas de pura e simples ausência de relação, o que significaria dizer que pena e punição são claramente injustas. Os que sofrem tal castigo deveriam, pois, ser considerados injustiçados.

Em grandes cidades e metrópoles brasileiras estamos, cada vez mais, observando "injustiças" que têm como objeto empreendedores que enfrentam adversidades dessa natureza. Têm-se multiplicado as notícias sobre imóveis em construção, ou até mesmo acabados, que simplesmente têm suas obras embargadas ou não podem entrar em funcionamento por decisão de prefeituras ou de ações do Ministério Público (MP). Seguiram tudo o estipulado pela legislação em vigor e, de repente, se veem em situação de suposta irregularidade.

O fato mais recente que tem chamado a atenção da opinião pública se refere a um shopping center na cidade de São Paulo (JK Iguatemi) que, pronto, não pode funcionar. Casos assim não são algo novo, mas se inscrevem em longa lista que pode envolver os mais diferentes tipos de empreendimentos imobiliários, em cidades maiores ou litorâneas.

Evidentemente, estamos dando como pressuposto que todas as normas foram seguidas, conforme a legislação em vigor. Um grande empreendimento imobiliário deve passar por uma série de etapas, como autorizações da prefeitura, seguindo o Plano Diretor da cidade, que, por meio de uma secretaria ou órgão especializado, dá o sinal verde para que a obra comece. Há, no entanto, condicionantes impostas, que exigem a realização de obras viárias, necessárias, por exemplo, para a circulação de veículos naquela região.

Autorizações ambientais, municipais ou estaduais, conforme o caso, são igualmente necessárias, seja para a implantação do projeto, seja para a realização das condicionantes, cada uma delas burocraticamente vinculada a um órgão estatal. Ademais, o MP pode atuar em qualquer etapa do processo, inclusive em sua conclusão, segundo uma interpretação própria da lei, ou para determinar se essas várias regras e condicionantes foram observadas.

Hipoteticamente, vamos considerar que o empreendedor tenha obedecido a tudo o que lhe foi estipulado. Nesse caso, o empresário terá agido de boa-fé, atento à lei e ciente de suas consequências. Os que não o fizerem devem, certamente, ser punidos, o seu caso se inserindo na relação e na proporcionalidade entre o ato e sua punição, entre o crime e seu castigo. Devemos igualmente afastar, por ideológica e insensata, qualquer consideração do empresário como "especulador" e "irresponsável", por ser nitidamente preconceituosa.

Acontece, contudo, que essas diferentes instâncias administrativas e estatais não atuam de forma coordenada e frequentemente seguem critérios distintos. Individualmente, poderíamos estar de acordo com a secretaria responsável pelo Plano Diretor, com o órgão ambiental, com o MP ou com qualquer outro órgão que atue nesse processo.

Outra, porém, é a realidade quando esses diferentes órgãos e instâncias, além de agirem descoordenadamente, seguem tempos completamente aleatórios. Por exemplo, se uma das condicionantes para o prosseguimento da obra implicar uma autorização ambiental suplementar, esta não deveria demorar um tempo indeterminado, que pode tornar todo o projeto inviável. Teria de haver um prazo fixo para a decisão, que não poderia ser postergado indefinidamente.

Da mesma maneira, as condicionantes da prefeitura devem ser claras e precisas, sob pena de a aleatoriedade tomar conta de todo o projeto. Igualmente, não deveria ter o MP a prerrogativa de embargar, a qualquer tempo, uma obra que tenha seguido todos os trâmites legais, segundo uma nova interpretação.

Imagine-se um empreendedor submetido a um emaranhado jurídico e administrativo desse tipo. O seu empreendimento fica submetido a completa insegurança, prejudicando o seu investimento, criando instabilidade para seus funcionários e demais trabalhadores. No caso de uma obra pronta, a repercussão social e economicamente negativa entra em cadeia de descoordenações, pois, por exemplo, lojas de shoppings não podem ser abertas, causando prejuízos a outros empresários. Empregos tampouco podem ser criados e, se já criados, seus trabalhadores se encontram em insegurança. Impostos também não são recolhidos, pois as novas lojas não podem começar a funcionar. Tome-se em conta, além de tudo disso, que a construção de um novo shopping leva em torno de cinco anos, sendo dois só de projetos, trâmites administrativos e as mais distintas autorizações.

O disfuncionamento é total. Os empresários submetem-se, então, a um verdadeiro calvário. A burocracia e as instâncias judiciais os encaram como infratores que devem ser submetidos a castigos e penas, embora os seus autores não se considerem pessoas que tenham incorrido em infração alguma. A situação torna-se particularmente insensata, pois se consideram injustamente punidos.

Na tradição bíblica, Jó sofre uma série de infortúnios sem ter jamais blasfemado contra Deus e sem nunca ter cometido nenhuma infração contra seus mandamentos. Será que é isso que está sendo imposto a empreendedores brasileiros, como se o Estado tivesse uma posição de tipo divino?

Tatu subiu no pau - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 07/05/12


Guerra é guerra. Fazia uma semana que a Revolução de 1924 começara, uma insurgência de jovens oficiais do Exército, aliados a oficiais da Força Pública de São Paulo. O plano de um deslocamento ferroviário rápido, já no dia 5 de julho, um sábado, em direção ao Rio de Janeiro, para tomar a capital federal e depor o presidente da República, Artur Bernardes, não dera certo. Tropas legalistas do Exército e da Marinha foram mais rápidas, chegaram a São Paulo em poucas horas e ergueram uma barreira que confinou os revoltosos no interior da cidade. Eles a abandonariam de trem no dia 28, para o interior e o sul, única saída que ficara aberta. Era o começo do fim da República Velha. Com a Revolução de Outubro de 1930, de que participariam os tenentes da revolta de São Paulo, começaria no Brasil uma nova era política.

Os revoltosos, sob o comando do tenente João Cabanas, da Força Pública de São Paulo, estavam havia dois dias imobilizados na fábrica Maria Zélia, no Belenzinho, com uma metralhadora na torre, mirando, sobretudo o Instituto Disciplinar, mais tarde Febem. Havia o risco de que ali se entrincheirassem os legalistas, vindos pela várzea do Tietê. Os revoltosos de Cabanas haviam descido da Avenida Celso Garcia, pela Rua da Intendência, uma rua residencial, hoje bloqueada pelos portões de uma fábrica Matarazzo desativada, e ocupado a fábrica têxtil de Jorge Street, que mais tarde seria prisão política. A Vila Maria Zélia ainda lá se encontra, testemunho das ideias sociais do industrial e médico e dos acontecimentos históricos que ali tiveram lugar.

Cabanas ganhara notoriedade, logo nos primeiros dias da Revolução, ao mandar fuzilar, no centro de São Paulo, na vigência da lei marcial, dois saqueadores dos muitos que invadiam para roubar, bancos, lojas e casas abandonadas pelos moradores que fugiram para o interior ou para o campo de refugiados da Cruz Vermelha na zona leste. Nas ruas, Cabanas era logo reconhecido, queriam conversar com ele. Tornou-se popular. Sua primeira missão fora a de ocupar a Estação da Luz.

Combateu nas ruas a seu modo. Na noite fria de 12 de julho, para animar a tropa e intimidar os inimigos, deles debochando, na Maria Zélia, usou uma arma insólita. Lá no meio da escuridão, mandou que seus soldados cantassem a marchinha Tatu Subiu no Pau, de Eduardo Souto, sucesso do Carnaval de 1923: "Tatu subiu no pau, é mentira de mecê; lagarto ou lagartixa isso sim é que pode sê". Ou, então, a polca-chula, de 1906, de Armides de Oliveira, Vem Cá, Mulata: "Vem cá, mulata. Não vou lá, não. (...) O povo gosta da nossa dança e de nos ver nunca se cansa..." Na terceira noite, uma bala atravessou o antebraço esquerdo de Cabanas, que foi recolhido ao Hospital do Brás por algumas horas. Pouco depois comandava a retirada de sua tropa.

Jogada ensaiada - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 07/05/12


Numa tentativa de minimizar o desgaste causado aos seus governadores pelos respingos do esquema de Carlinhos Cachoeira, dirigentes do PSDB e do PT negociam a aprovação de um requerimento único, em tom ameno, para levar à CPI os governadores Marconi Perillo (PSDB-GO), Agnelo Queiroz (PT-DF) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ). O objetivo, afirma um dos artífices da proposta, é promover uma sessão que se pareça mais com uma audiência pública do que com um depoimento, evitando constrangimentos ao trio.

A estratégia já foi colocada na mesa e só não prosperou porque o PMDB, por enquanto, resiste à ideia.

Laços Nas conversas gravadas pela Polícia Federal, Cachoeira e seus auxiliares tratam de negócios da Neo Química, adquirida por R$ 1,3 bilhão pela Hypermarcas.

Caixa 1 A Hypermarcas foi uma das maiores doadoras da campanha de Demóstenes Torres (GO) ao Senado, repassando R$ 500 mil. Além disso, Marcelo Limírio, acionista da empresa e sócio do senador em uma faculdade, doou mais R$ 200 mil.

Carro-forte Em diálogo captado pela PF, Geovani Pereira, tesoureiro do esquema de Cachoeira, pede cautela para Gleyb Ferreira, auxiliar do empresário, ao volante porque o carro estava cheio de dinheiro. "Se você bater e pegar fogo estamos f...".

Boi... O PSDB viu no interesse do Grupo JBS na Delta uma maneira de seu proprietário, José Batista Júnior, filiado ao PSB, ganhar espaço político e enfrentar Marconi Perillo em 2014, com o aval do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

... na linha O Planalto acompanha aliviado as negociações para o grupo comprar a Delta. Isso porque o TCU já deu sinais de que pretende vetar a operação de redistribuição das obras do PAC tocadas pela empresa para outras empreiteiras, o "plano A" da equipe de Dilma.

Aí não Caso ganhe corpo no Supremo Tribunal Federal a ideia de suspender o recesso de julho para julgar o processo do mensalão, advogados dos réus prometem reagir e apontar quebra do regimento interno da corte.

Onde pega Predomina hoje no entorno de José Serra (PSDB) a avaliação de que pode ser mais perigoso enfrentar Gabriel Chalita (PMDB) que Fernando Haddad (PT) num eventual segundo turno em São Paulo.

Cenários Os tucanos acham que Haddad terá "teto" pela histórica rejeição que existe em setores da cidade ao PT, ao passo que Chalita seria o fator "imponderável" da atual campanha, capaz de decolar, a exemplo do que ocorreu com o prefeito Gilberto Kassab em 2008.

Reloaded 1 Com a popularidade em lenta recuperação, Kassab aposta numa bandeira antiga para melhorar sua avaliação na reta final da gestão: o Cidade Limpa. Desde a última sexta-feira, passou a operar uma equipe com dedicação exclusiva à fiscalização do programa.

Reloaded 2 Até agora, o Cidade Limpa usava funcionários de várias secretarias para efetuar suas fiscalizações. A meta do prefeito é aumentar em 40% as autuações por desrespeito à lei.

Calendário A Prefeitura de São Paulo esta comunicando todas as igrejas que, a partir do ano que vem, restringirá os eventos realizados na tradicional praça Campo de Bagatelle, na região norte, aos domingos. No futuro, todos eles serão transferidos para o complexo de Pirituba.

Tiroteio

"O governo da presidente Dilma repete a velha prática de Lula e, sempre que há uma crise, como agora com a CPI, usa o Orçamento e o fisiologismo para acalmar sua base aliada".

DO PRESIDENTE DO PSDB, SÉRGIO GUERRA (PE),

sobre o salto na liberação de recursos para emendas parlamentares de congressistas a partir de março, período que coincide com a operação que prendeu Carlinhos Cachoeira.

Contraponto

As paredes têm ouvidos

Durante a solenidade de posse da nova presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministra Cármen Lúcia, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) se encontrou com o ministro Arnaldo Versiani e o advogado eleitoral e ex-ministro do tribunal Fernando Neves.

Neves perguntou se o senador já havia se declarado candidato ao governo do Distrito Federal em 2014.

Ao que Rollemberg rebateu:

- Calma, ministro! Se eu lançar a candidatura aqui, o TSE pode me cassar!

Contra a Constituição - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 07/05/12


Enterrado em 1988, com a promulgação de uma Constituição moldada nos preceitos do estado democrático de direito, o ciclo do autoritarismo que dominou a vida política durante a vigência do regime militar de 64 deixou previsíveis sequelas institucionais no país. Algumas na forma de explícitos dispositivos do que ficou conhecido como "entulho autoritário". O mais pernicioso deles foi a Lei de Imprensa, uma aberração de 1967, que, não obstante o visível contraste com o espírito liberalizante da Carta de 88, se manteve em vigor na vida jurídica brasileira até 2009, quando foi, enfim, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.

Há distorções até mesmo de origem posterior ao ciclo da ditadura militar. Foram - ou são - fruto de uma "cultura do autoritarismo" que marca boa parte da história política do país, caso da Lei Eleitoral. Restritiva, anacrônica, sequer pode ser atribuída diretamente ao arbítrio do período militar, por ser de 1997. Mas é considerada um entulho contaminado por uma tradição discricional que ainda se manifesta em práticas políticas condenáveis, mesmo estando o Brasil, com o anteparo da Constituição, oficialmente livre de atentados a direitos individuais.

Foi com base nos dispositivos dessa lei que, em março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu a veiculação de propaganda eleitoral no Twitter - por extensão, em outros meios da chamada rede social - antes de 6 de julho, quando começa o período oficial da campanha para as eleições municipais deste ano.

A decisão do TSE foi provocada por um recurso do ex-candidato a vice-presidente Indio da Costa, multado em 2010 por ter veiculado em sua página no microblog mensagens em que pedia votos para o candidato à Presidência José Serra.

Para além de evidenciar que, ao ancorar decisões na lei eleitoral de 97, o TSE tem se mostrado restritivo, a proibição é inequívoco ataque ao princípio da liberdade de expressão assegurado pela Constituição. Não se questiona a necessidade de a Corte, como guardiã constitucional da lisura dos pleitos eleitorais, barrar excessos e evitar a prevalência do abuso do poder econômico nas campanhas. Isso, tanto quanto correto, é fundamental para o aprimoramento da democracia no país. Mas, ao exorbitar na regulação do processo eleitoral, o tribunal parece incorrer no mesmo equívoco de ameaçar programas humorísticos e coibir análises jornalísticas na TV e no rádio - tentativa, de resto e felizmente, abortada em 2010 por conta de recurso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) junto ao STF.

Assim como no caso dos programas de TV, trata-se de censura ao livre debate de ideias a restrição de propaganda nas redes sociais. O próprio placar da votação no TSE (4 a 3) demonstra que a Corte não tem posição unânime, evidência de que a decisão merece ser revista, até mesmo por ferir direito constitucional dos cidadãos. Empossada na presidência do Tribunal, portanto como a maior autoridade eleitoral da próxima campanha, a ministra Cármen Lúcia, contrária à proibição, proferiu certeira comparação: "O Twitter é uma mesa de bar virtual."

O que introduz outro fator crucial no debate: além de ferir a Constituição, a decisão da Justiça Eleitoral pode ser inócua. Afinal, como rastrear as redes sociais? À parte ser inaceitável, é possível censurar a rede mundial de computadores?

Constituição tem um programa - RENATO JANINE RIBEIRO


Valor Econômico - 07/05/12


O Supremo falou: as políticas de ação afirmativa são constitucionais. Elas consistem em tratar desigualmente os desiguais, por um tempo e como meio, para que se consiga um fim fundamental, que é promover a igualdade de direitos entre as pessoas. A unanimidade na decisão é um sinal de que a sociedade brasileira, pelo seu maior tribunal, opta pela inclusão social dos grupos que, ao longo da história, foram discriminados negativamente.

Mas vale a pena ver algumas implicações de longo prazo da decisão do STF. Comentei na semana passada que o Supremo dá mais valor a direitos humanos do que aos políticos. Nossos juízes compreendem melhor os direitos que têm pessoas - individuais ou mesmo muitos indivíduos - como titulares do que os que têm a pólis, a sociedade inteira como sujeito: por exemplo, o direito ao que se chama "democracia", o poder do povo. Conta-se que certa vez Fernando Henrique Cardoso teria reclamado de uma sentença do Supremo, má para as finanças governamentais, dizendo que "eles não pensam no Brasil". Mudando o contexto, eu poderia sugerir que os ministros pensam mais nos brasileiros do que no Brasil. Os brasileiros são titulares dos direitos humanos. Estes têm sido tratados com esmero por nossa corte suprema. Já o Brasil é a sociedade democrática que estamos construindo. A esse respeito, o STF parece ter menos convicções. Tolerou, como observei aqui, a concessão de dois governos estaduais a candidatos derrotados nas urnas. Se a reflexão dos ministros desse à questão da democracia a atenção que tem dedicado aos direitos humanos, isso não teria acontecido.

Talvez pela mesma razão, salvo erro meu, os ministros não basearam seus votos sobre a ação afirmativa no artigo 3º da Constituição, que define os "objetivos fundamentais" de nossa sociedade. O Brasil assim se propôs em 1988 a "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e a "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". Durante os primeiros anos de vigência da Constituição, esses pontos ficaram de lado. O salário mínimo não subia sequer o mesmo que a inflação, contrariando o artigo 7º da Carta, que diz quais necessidades do trabalhador ele deve atender. Mas os "objetivos fundamentais" do país foram se implantando. Por exemplo, é meta do Brasil a integração latino-americana (artigo 4º). Disso, podemos sugerir que o Mercosul e ações análogas sejam imperativo constitucional. Se um governo quiser sair dele sem razões muitíssimo boas, o Supremo poderá impedi-lo. Ou, se tivesse pretendido participar da invasão do Iraque, a corte suprema poderia tê-lo proibido, dado o princípio constitucional da não-intervenção. Não quer dizer que o Brasil não possa travar guerra alguma, nem ter conflitos políticos com os países vizinhos; mas isso teria de ser bem justificado.

Entendo que as ações afirmativas visam a erradicar a desigualdade acentuada. Aliás, a Constituição manda erradicar, não só a miséria, mas a pobreza. Simplificando, é pobre quem vive da mão para a boca. Poupa ou progride pouco. Tudo o que ganha vai para sua sobrevivência. Já o miserável, trabalhando ou sem emprego, corta na própria carne. Alimenta-se de suas reservas físicas. Degrada-se. Está abaixo da linha de sobrevivência. Até se entenderia que a Carta priorizasse o fim da miséria. Mas ela não quer erradicar só esse traço indecente de nossa sociedade. Ela propõe "erradicar a pobreza". A Constituição quer uma sociedade brasileira de classe média. Quando a presidente Dilma disse que esse era seu objetivo, expressava a meta dos constituintes de 1988. Eles não quiseram o fim dos ricos. Mas propuseram o fim da pobreza. Todos devem ter direito de ascender na vida e de, poupando, adquirir bens duráveis. Se o farão, é outra coisa; mas a sociedade deve dar-lhes oportunidade para isso, de modo que, se não o conseguirem, tenham que culpar somente a si mesmos.

Exige-se, do governante, que aja para reduzir a desigualdade injusta. É o que fundamenta - e limita - as ações desse tipo. Quando se tornarem desnecessárias, não deverão persistir; mas não antes disso. Assim, se é lícito adotar ações que ampliem a presença social de negros, mulheres e egressos de escolas públicas, por outro lado serão inconstitucionais medidas legais que direta ou mesmo indiretamente aumentem o protagonismo de brancos, varões e formados por escolas caras. Evidentemente, ninguém colocará isso às escâncaras; mas nosso país é perito em subsidiar os ricos e a classe média em programas ditos sociais, que aumentam, em vez de diminuir, a desigualdade. Parece-me legítimo interpretar a parte programática da Constituição de modo a determinar ações dos gestores públicos, em especial, penso eu, a das prefeituras.

Há dias, Laura Capriglione informou, no jornal "Folha de S. Paulo", que a Prefeitura de São Paulo gasta "per capita", no Jardim Europa, o dobro do que despende em bairros pobres e necessitados da cidade. A Constituição permite contestar essa política. É até plausível contestar políticas que, mesmo não agravando a miséria, não a minorem. Talvez as consciências ainda não estejam maduras para isso. Mas acredito que em breve, se os poderes eleitos na cidade ou no país não explicitarem políticas de redução da pobreza, sobretudo a extrema, serão cobrados para tanto, pela opinião pública, pelo voto popular e também pelo Ministério Público e o Judiciário. Desde já, deveríamos exigir que cada plano diretor diga como vai melhorar a condição de vida dos pobres. Leis ou atos que aumentem a distância entre quem mora bem e quem mora mal devem ser declarados inconstitucionais.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 07/05/12


Brasil é um dos países de acesso mais difícil ao mercado livre de energia

Em toda a América Latina, o Brasil é um dos países onde é mais difícil atingir o limite para um consumidor de energia entrar no mercado livre, ou seja, poder escolher seu próprio fornecedor, segundo a Abraceel (que reúne comercializadores do setor).

Só indústrias que demandam acima de 3 MW podem contratar energia de qualquer gerador e, portanto, buscar preço e condições favoráveis.

Existem também situações especiais para quem consome acima de 0,5 MW, mas são restritas a fontes limpas incentivadas pelo governo.

Há países na Europa em que o volume de demanda exigido é tão baixo que o mercado livre fica acessível até ao consumidor residencial.

"É como poder escolher o fornecedor de telefonia", diz Reginaldo Medeiros, da Abraceel, que acredita ser possível levar o mercado livre também às residências no Brasil.

"Defendemos que isso ocorra no futuro. Para a Aneel, seria melhor deixar as empresas competirem entre si para baixar o preço", diz.

O ambiente livre, entretanto, ainda é desconhecido da população, segundo Paulo Toledo, da comercializadora Ecom Energia. "O setor decidiu lançar uma campanha."

Além da campanha de comunicação para atrair empresas que ainda não participam do mercado livre, associações ligadas ao setor discutem com o governo mudanças regulatórias. Uma das sugestões seria reduzir o limite para que mais empresas ingressem.

"Se um dia o residencial vai poder comprar energia no mercado livre eu não sei. Mas ele deve aprender que, se mais indústrias puderem usar esses benefícios, pode haver uma redução no preço de produtos que ele consome", diz Cristopher Vlavianos, da comercializadora Comerc.

Toyota vai lançar no Brasil sua marca de luxo Lexus
A Toyota se prepara para abrir no Brasil uma operação de sua marca de luxo Lexus, para concorrer com grifes como BMW e Mercedes.

A partir do lançamento, em junho, será aberta uma concessionária, em São Paulo, para vender três modelos de veículos sedans e um SUV.

A marca Lexus entrava no Brasil só por meio de encomendas, via importação, em número muito baixo. "Nos últimos três anos, vendemos menos de dez unidades por ano, até porque não era nosso objetivo aqui", diz o diretor Frank Gundlach.

Apesar dos desafios tributários impostos aos importados no país, a empresa avalia que há mercado consumidor disponível, segundo Shunichi Nakanishi, presidente da Toyota Mercosul e da Lexus Brasil. "É natural expandir aqui, pois o potencial é ainda muito grande", afirma.

"O segmento de veículos de luxo triplicou em três anos no país", diz Gundlach.

As restrições a empréstimos para compra de carros, que têm afetado as vendas em geral, também não abalam o consumidor de luxo, que é menos dependente de financiamento, diz a empresa.

Os veículos de alto luxo, cujos testes abrangem uma espécie de ressonância magnética, virão do Japão. Os preços não foram divulgados.

A empresa contratou profissionais especializados para atender os clientes em salas individuais.

CONEXÕES FINANCEIRAS

Para atender principalmente imigrantes, como coreanos e bolivianos, a Western Union vai abrir no bairro paulistano do Brás sua primeira loja própria no país.

A empresa, que já atua no Brasil por meio de cerca de 11 mil pontos de atendimento com parceiros, terá uma unidade específica para efetuar transferências de dinheiro, pagamento de contas e outros serviços financeiros que ainda serão lançados.

"O Brás é uma região de grande fluxo de remessas. A meta é chegar a 30 mil pontos no país em cinco anos", diz Felipe Buckup, que acaba de assumir a direção da Western Union no Brasil.

A empresa já procura um segundo ponto, que deve ser inaugurado neste ano, também em São Paulo.

Argentina, a marginalizada - LUIZ FELIPE LAMPREIA


Valor Econômico - 07/05/12


Cerca de 20 anos atrás, um importante ministro argentino surpreendeu um embaixador recém-chegado do Brasil, dizendo-lhe que "a Argentina é pródiga em três coisas: carne, trigo e em tomar atitudes insanas". A decisão de expropriar 51% da YPF, maior empresa energética argentina, braço da empresa espanhola Repsol é um desses gestos. Somada à sua desconsideração em relação aos credores estrangeiros e ao crescente e arbitrário protecionismo que desrespeita todas as regras mundiais e regionais, a decisão tomada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner leva a Argentina para mais perto de ser considerado internacionalmente como um país sem lei.

Quaisquer que sejam seus benefícios e popularidade no curto prazo, gestos de tal gravidade sempre implicam graves consequências de longo prazo. Em particular, criam o risco de isolar um país dos principais fluxos de crédito, investimento e comércio - ou seja, todas as atividades que geram oportunidade econômica e prosperidade.

Maus governos são sempre orientados por seu anseio de um surto imediato na popularidade, independentemente dos custos futuros. Governos argentinos vem fazendo disso um hábito desde que Juan Domingo Perón chegou ao poder em 1946.

Com efeito, como resultado da decisão de Cristina, a Argentina agora se encontra em ostracismo internacional nos mercados de energia e financeiros. Impossibilitada de prover qualquer investimento ou recursos tecnológicos e know-how para explorar as reservas da YPF, seu governo precisará convidar outros para preencher o vazio financeiro e tecnológico criado pela exclusão forçada da Repsol. Mas qualquer empresa internacional que participe da exploração dos bens expropriados da Repsol poderá enfrentar sérios problemas legais.

A Petrobras, gigante brasileira no setor energético e uma das maiores companhias do mundo, foi publicamente convidada a expandir sua produção na Argentina mediante novos investimentos. A Petrobras, com os seus interesses em todo o mundo, nunca poderia aceitar esse convite, especialmente em vista de seu esforço para obter o financiamento de que necessita para explorar as imensas reservas brasileiras de petróleo no mar.

Comenta-se que a Sinopec, segunda maior empresa petrolífera chinesa, manteve discussões com a Repsol para adquirir uma parte substancial de seus ativos na Argentina. Agora, todas as alternativas estão fora de questão. Como disse à Reuters uma fonte chinesa não identificada, "essa é uma situação complicada para qualquer empresa, tendo em vista as medidas tomadas pelo governo. Para mim, seria suicídio político permitir a uma empresa chinesa prospectar os direitos de controle sobre a YPF, após o anúncio de estatização".

A Repsol foi severamente prejudicada pela ação de Cristina, tendo perdido cerca de 50% de sua capacidade produtiva e um terço de sua receita. O governo da Espanha, indignado, promete vigorosa retaliação, e com certeza terá o apoio político da União Europeia. Mas é difícil imaginar que medidas poderão efetivamente levar Cristina a reconsiderar [sua decisão]. Afinal de contas, uma vez que tudo isso era previsível, e que os investidores estrangeiros agora ficarão mais reticentes em entrar no mercado, ela claramente calculou que os benefícios políticos superariam largamente os custos econômicos.

Mas isso depende muito de a estatização resultar em aumento da produção. Parece claro que isso não acontecerá, a menos que o governo decida injetar enormes recursos fiscais na YPF à custa de outras necessidades prementes. Uma vez que isso é improvável, é inevitável uma escassez no suprimento.

O petróleo desperta grande fascínio popular. Para países que o possuem em abundância, é um dos pilares mais sólidos e centrais de nacionalismo. E é, em toda parte, o motivo real ou imaginário de muitas guerras - o "ouro negro" que alimenta e desperta a cobiça. Para aqueles governantes que não se importam se suas vitórias são de Pirro, é também um recurso de fácil acesso para manipular a imaginação pública com as teorias da conspiração e posturas patrióticas.

O governo de Cristina tem emitido sinais de que está determinado a continuar em seu curso errático, não apenas criando caos na economia, mas também marginalizando o país aos olhos da comunidade internacional. Mas decisões como essa, que por vezes parecem começar bem, invariavelmente, terminam mal.

Pessoalmente, estou profundamente entristecido com o fato de a Argentina ter enveredado nesse terreno de erros e ilusões. É um grande país, com pessoas sofisticadas e extremamente bem-sucedidas em todos os campos. Para o Brasil, não pode haver satisfação em ver um vizinho tão próximo distanciar-se do direito internacional e envolver-se em aventuras perigosas, em última instância em detrimento de seu próprio povo.