segunda-feira, abril 02, 2012

Fantasma da Ópera - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 02/04/12

Fenômenos sinistros aconteceram sexta à noite no show de Chico Buarque, em São Paulo. Minutos antes do início do show, vários cabos da iluminação de cena se desconectaram sozinhos, provocando um atraso de 30 minutos.

Segue...

Quando o compositor interpretava “Terezinha”, a luz da plateia acendeu sozinha, quase ao mesmo tempo em que o box de vidro do camarim explodiu. E não parou por aí. A copeira dos camarins viu, assustada, um copo estourar na sua mão.

O cabra desistiu

Ontem à noite, no debate sobre o clássico “Cabra marcado para morrer” no Instituto Moreira Salles, no Rio, o cineasta Eduardo Coutinho revelou que, em 1964, o ator Cecil Thiré, então com 21 anos, era assistente de direção, mas abandonou o projeto depois que caiu de um coqueiro e foi parar no hospital. Saiu todo enfaixado.

Filme que segue

Na plateia, o filho de Thiré, o também ator Carlos Artur Thiré, 40 anos, comentou: — Agora entendi por que meu pai não quis vir ao debate, dizendo que precisava ir ao sítio dele, em Piraí.

No mais

Para quem acha que a ditadura se resumiu a uma guerra de militares contra grupos armados de esquerda: na época, a aversão dos generais à democracia e ao voto era tanta que até a cidade de Poços de Caldas não podia eleger seu prefeito porque era... estância hidromineral.

Rainha do chorinho 
Ademilde Fonseca, a cantora que nos deixou semana passada aos 91 anos, deixou gravada faixa no novo CD de Anna Bello, produzido por Edu Krieger. A rainha do choro canta “Arrasta- pé”. O álbum será lançado dia 23, dia nacional do choro.

NO FILME de sucesso, o diabo veste Prada. Mas navida real é o Papa quem calça Prada. No encontro de Bento XVI com Sérgio Cabral, em Roma, para uma reunião preparatória da Jornada Mundial da Juventude, que se realiza ano que vem no Rio, chamou a
atenção de um dos presentes o sapato do Papa, feito especialmente pela grife italiana. Na verdade, em 2007, os sapatos vermelhos de sua santidade foram eleitos pela americana “Esquire” um dos “melhores acessórios do ano”. Não é fofo?

Chico Anysio vive
Dia 12, agora, quando Chico Anysio completaria 81 anos de vida, entra no ar o novo site do humorista, hospedado na Globo.com. A página na internet já estavaprevista antes da morte do mestre do humor. A família decidiu manter o lançamento.

Os vários Chicos

O projeto reúne todo o acervo do artista, inclusive os 209 personagens vividos por ele.

Circo da violência

Alguns integrantes do Cirque du Soleil, em Recife para o espetáculo “Varekai”, tiveram suas bicicletas roubadas quando passeavam pela Praia de Boa Viagem.

Aliás

No Brasil de hoje não tem
mais cidade tranquila.

Homens de cinema
Estere -trato de Cacá Diegues desenhado por Glauber Rocha, por volta de 1970 , faz parte da mostra sobre o diretor de “Bye, Bye Brazil”, que abre hoje na Caixa Cultural, no Rio. “Cacá Diegues, cineasta do Brasil” inclui exposição de cartazes, desenhos e exibição de filmes do autor.

Segue...

Luiz Severiano Ribeiro Junior, que completaria 100 anos, e Roberto Farias, que acaba de fazer 80, tinham em comum em suas trajetórias ocinema e a Atlântida. Amanhã a família Severiano Ribeiro faz homenagem aos dois em evento no Kinoplex Leblon.

A imbatível

A transformista Jane Di Castro acaba de ser reeleita e segue no sexto mandato como síndica do edifício Kansas, em Copacabana. É ela quem cuida do visual dos porteiros. Apara os cabelos e corta as unhas da rapaziada.

Acabou em samba

O governador sergipano Marcelo Deda, que acompanhou Dilma na visita à Índia, encarou quarta o karaokê do Orient Express, restaurante do luxuoso hotel Taj Palace. Cantou Zeca Pagodinho e Vinicius de Moraes, embalado, veja só, por um pianista português e uma cantora paraguaia. Danadinho.

Armadilha eleitoral - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 02/04/12


Com o PAC engatinhando, cabe a Lula nos esclarecer: ou ele foi, no mínimo, imprevidente ao deixar obras demais, ou Dilma Rousseff é que não dá conta do recado. As duas são ruins para o PT



A volta do ex-presidente Lula à política não poderia vir em melhor hora. Quem sabe ele nos ajude a esclarecer vários pontos da política nacional e vislumbrar o mistério que cerca as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os jornais estão fartos de reportagens que, dia sim outro também, mostram paralisadas toneladas de obras das quais ele lançou pedra fundamental, assinou ordem de serviço, ou visitou logo no comecinho. Muitas simplesmente não saíram do papel. O PAC de bilhões de reais engatinha diante de um país que não tem recursos para tocar tudo simultaneamente.

Alguns vão dizer que a culpa pelos atrasos é da presidente Dilma Rousseff. Mas, como dar conta de tantas obras ao mesmo tempo com um orçamento apertado? Lula, no afã de fazê-la presidente, agiu como aquele sujeito que ganha R$ 1 mil e assume uma prestação de R$ 700. Uma hora, vai deixar de pagar o que deve. O ex-presidente deixou para ela um mar de obras, muitas vezes sem lastro financeiro. Lançou até o tal PAC 2, uma carta de intenções para o futuro e — vale aqui lembrar o ditado — de boas intenções, o inferno está cheio.

Dias desses, conversando com alguns políticos, eles me diziam que o atraso das obras não tem importância, porque ninguém no Brasil deixou de ganhar eleição em razão de não ter conseguido cumprir o prazo de uma obra. Afinal, sempre tem alguém na sala para levar a culpa quando algo atrasa: a crise internacional, as instituições ligadas ao meio-ambiente, o Tribunal de Contas da União... mas, diante do mar de projetos lançados pelos governos, é preciso que o eleitor passe a levar isso em conta na hora de escolher seus candidatos.

Por falar em candidato...

Já dissemos aqui por várias vezes que é preciso haver uma lei de responsabilidade eleitoral, que puna os autores de promessas não cumpridas. O entrevero entre o Brasil e a Fifa, por conta da Copa de 2014, é prova que ainda estamos engatinhando nesse quesito.

A própria Copa, embora positiva para o país, nos deixará uma herança que é preciso ser avaliada com cuidado: o regime diferenciado de contratações, por exemplo, que permite a contratação rápida, precisa ser avaliado. Pode ser uma grande armadilha para o futuro, como as obras do PAC viraram um problema para Dilma. Com o PAC engatinhando, caberá a Lula agora esclarecer se foi, no mínimo, imprevidente ao deixar obras demais, ou se Dilma Rousseff é que não dá conta do recado de levar avante os projetos.

E o Pagot, hein?

Chama a atenção a reportagem sobre o ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Luiz Antonio Pagot. Quem nos trouxe notícias dele foi o repórter Guilherme Amado, na página 3 do Correio, ontem. Para quem não leu, vai aqui um resumo: Pagot cumpriu a quarentena e hoje presta consultoria a empresas, fazendo o meio-campo entre o Ministério, políticos e setor privado.

O ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, diz que não o recebe, mas Pagot diz ter reuniões com ele. E vai mais além, dizendo que Passos é boa gente, mas não tem apoio. E ainda afirma que o PR não terá de volta o ministério porque senão, Dilma perde o título de faxineira, "o único que ela tem". Mais deselegante e grosseiro impossível. Nesse campo, Dilma está que nem bolo benfeito: quanto mais esses senhores agem com escárnio, mais a popularidade da presidente que os afastou do governo cresce.

O capitalismo vai sobreviver. Mais uma vez - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


A atual crise do sistema capitalista animou a esquerda velha e os que ainda sonham com a ordem socialista. Vai fracassar desta vez? Muitos reivindicaram o retomo de carcomidos tipos de intervenção do estado na economia. Os que esfregam as mãos na expectativa de assistir ao colapso do capitalismo vão se decepcionar. O capitalismo já demonstrou capacidade extraordinária de se renovar e de sobreviver a crises e aos seus críticos desde Karl Marx (1818-1883). Nada o supera na capacidade de mobilizar as energias da sociedade em prol do desenvolvimento e da geração de bem-estar. Todos os países ricos são capitalistas.

Marx escreveu com Friedrich Engels (1820-1895) uma das mais brilhantes análises da evolução do sistema de mercado, que é a expressão sinônima de capitalismo. Seu Manifesto Comunista (1848) começa afirmando que a história das sociedades até então existentes era "a história da luta de classes", que se tornaria o mote do marxismo. A burguesia - que havia posto fim ao feudalismo - daria lugar à classe do proletariado como fonte de poder. O comunismo substituiria o capitalismo. Grande ironia, o comunismo sucumbiu à superioridade do capitalismo.

O comunismo viabilizou dois inéditos experimentos econômicos controlados: nas duas Alemanhas e nas duas Coreias. Em cada um dos grupos havia a mesma cultura, a mesma língua, a mesma história e o mesmo sistema de valores, mas a prosperidade foi privilégio de quem adotou o capitalismo: a Alemanha Ocidental e a Coreia do Sul.

O capitalismo, que deve seu nome à obra essencial de Marx, O Capital, mostrou que é a melhor forma de organização econômica. Suas primeiras manifestações teriam aparecido por volta de 6000 anos antes de Cristo, na Mesopotâmia. O advento da especialização e das trocas 4000 anos antes, na era neolítica, teria sido seu impulso inicial. Os comerciantes expulsos do templo por Jesus Cristo praticavam uma forma primitiva de capitalismo.

O moderno capitalismo começou a se enraizar com o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII, na esteira da evolução da ciência, do comércio internacional. do sistema financeiro e das instituições que garantem direitos de propriedade e respeito aos contratos. Os avanços da tecnologia e das inovações nesses dois séculos forjaram as bases da Revolução Industrial. Novidade: o desenvolvimento podia ser construído com políticas públicas geradoras do ambiente institucional propício ao florescimento capitalista.

Adam Smith (1723-1790) evidenciou o papel do mercado, o qual, guiado por uma mão invisível, coordenava inúmeros interesses em favor do bem comum. Desde então, o capitalismo se renovou ao longo de crises e de mutações da realidade. Bancos centrais foram criados para regular o sistema financeiro e lidar com crises bancárias. Leis antitruste surgiram nos Estados Unidos para coibir o domínio dos mercados por monopólios e oligopólios. O advento da energia elétrica e das telecomunicações exigiu a ação regulatória do estado. Os sindicatos combateram os abusos do capitalismo e asseguraram aos trabalhadores parte substancial dos ganhos de produtividade. Na segunda metade do século XX, vieram os programas sociais para combater a tendência à concentração de renda inerente ao capitalismo.

A crise financeira global, como todas as anteriores, nasceu essencialmente de falhas de regulação, da assunção irresponsável de riscos pelo sistema financeiro e de políticas públicas equivocadas. Tal como antes, euforias típicas de períodos de prosperidade contribuíram para a leniência diante dos riscos e para o desastre.

Desde Adam Smith, o capitalismo se reinventou. Não será diferente desta vez. Os desafios incluem a reforma dos marcos regulatórios e ações para reverter a concentração de renda de alguns países ricos. Dificilmente a renovação virá sob a forma do capitalismo de estado da China e de países emergentes ou do capitalismo de compadres, que se nutre da escolha de vencedores pela burocracia e da concessão de benefícios aos amigos do rei.

As vantagens do capitalismo superam largamente os seus defeitos. Nenhum outro regime econômico será capaz de substituí-lo com sucesso. Está provado.

A crise que não houve - PAULO BROSSARD


ZERO HORA - 02/04/12


À pergunta "quem pode governar?", poder-se-ia responder "quem pode governar". Dir-se-ia um truísmo, mas não o é, pois o eleito, mesmo que por maioria absoluta, pode não ter condição de governar. A senhora presidente foi eleita com mais de 50% dos votos, mas o seu partido não elegeu cem deputados, e seu aliado outro tanto, cerca de cem, ao todo menos de 200, quando a Câmara se compõe de 513 deputados; mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer quanto ao Senado. Ora, a maioria parlamentar pode empecer mais ou menos a ação do Poder Executivo, e havendo hostilidade não há senão que esperar o fim dos mandatos executivo e legislativos. É assim no sistema presidencial, com mandatos fixos, duração de quatro anos, chova ou faça sol, sofra o país uma invasão armada ou suceda um surto de peste; não podem ser dilatados nem reduzidos, para novo pronunciamento eleitoral a realizar-se em prazo breve, como no sistema parlamentar. E ainda é mais estranhável o conflito quando ambos os poderes são de origem popular, e selecionados na mesma ocasião.
A experiência recente tem demonstrado que, em tal situação, o presidente eleito busca o apoio de um ou mais partidos, geralmente mediante a participação no governo dos colaboradores novos. Parece que a senhora presidente não teve dificuldade em compor numerosa maioria, mais de 400 da Câmara, salvo engano, e também no Senado.
Além do mais, a busca da maioria, ao que sei, não se deu com base em determinado programa de governo. O expediente foi mais chão, a entrega pura e simples de pedaços da administração aos novos sócios independentemente de sua orientação política e de seu possível ou declarado antagonismo com o novo parceiro, até o dia anterior. O resultado não foi exitoso. Alguns ministros tiveram de ser desnomeados em condições pouco lisonjeiras. E, o que é pior, a própria senhora presidente após assumiu a responsabilidade de "blindar" (emprego o vocábulo oficializado) alguns de seus preferidos, cujos antecedentes permitiam reservas. Enquanto isso, a titular do Poder Executivo praticamente suspendeu as relações com aqueles que apoiavam seu governo, ou que formavam a sua base de apoio, como agora se diz. A justificar essa diretriz, à meia-voz, falava-se na voracidade de deputados em suas pretensões e se mencionava a resistência dos mesmos a iniciativa do Executivo. É possível que haja alguma verdade nessas alegações, mas se poderia retrucar que o Executivo não se tem mostrado modelar nesse e em outros sentidos. Mas o que mais impressiona é que, à sombra de feudo concedido, se pretendeu desfigurar o Legislativo, que a Constituição proclama independente. Outrossim, o Executivo se reserva a faculdade de interferir na vida do Congresso em suas atribuições específicas. Como se sabe, em certos períodos o Poder Legislativo foi submisso aos desejos do Executivo, mas em nenhum como no longo consulado autoritário; pretender isso agora, depois da retomada da normalidade institucional, é intolerável. De modo que, em verdade, a crise existente não tinha o simplismo a ela atribuído e era e ainda é bem mais ampla e complexa.
Eis senão que, na véspera de sua viagem à Índia, a honrada senhora presidente declarou inexistir qualquer crise, "criação da imprensa", e que o fato de a Câmara haver recusado a indicação de uma pessoa para determinada função não era motivo para haver crises, pois era natural que o corpo legislativo aprovasse ou desaprovasse uma proposta do governo. Enfim, uma colher de bom senso, só lamentável que ela não houvesse dito essa verdade alguns dias antes. Mas sempre é tempo para corrigir um deslize ou mesmo um erro. Assim procedendo, a autoridade não se diminui, antes se engrandece. A crise que nunca existiu ainda não se exauriu, e a senhora presidente mais do que ninguém tem os predicados para dar-lhe o adequado tratamento. Demorar a solução importaria em seu agravamento, o que seria péssimo.

O acerto do Bolsa Família - CLAÚDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA


Faz tempo, o flagelo da evasão escolar vem sendo denunciado. Ministros discursavam, alarmados porque metade dos alunos do primeiro ano abandonava a escola. Daí a ideia de dar às famílias uma mesada, para que mantivessem seus filhos estudando. O governo atirou no que viu e nasceu o Bolsa Escola. A intenção foi a melhor possível. Mas o programa padeceu de um pecado original: quando criado, praticamente já hão havia evasão. Com uma modesta participação minha, P. Fletcher e Costa Ribeiro demonstraram que, já nos anos 70, a evasão no primeiro ano não era metade, mas menos de 1 % da turma. Existia um erro clamoroso da leitura das estatísticas. Quando começou o Bolsa Família, a evasão entre 7 e 14 anos já estava se aproximando de 3%. Portanto, não havia como fazer grande coisa, pois o f1agelo já estava quase extinto. De fato, o impacto do programa sobre a evasão foi mínimo.

Mas o programa, rebatizado de Bolsa Família, acertou no que não viu - e de forma espetacular. Quem acompanha o assunto sabe das dificuldades crônicas de dar dinheiro aos pobres, sem perdas, sem custos administrativos astronômicos e identificando as famílias certas. Ao usar a escola como âncora para o programa, resolve-se um problema antigo, de forma robusta e eficiente. É preciso entender que o Bolsa Família não foi um coelho magicamente tirado da cartola, de um dia para o outro. Pelo contrário, foi o coroamento de muitos anos de amadurecimento da capacidade técnica do governo. Antes de tudo, foi uma proeza estatística e houve muita criatividade gerencial. Uma comissão municipal identifica a família beneficiária e confirma que se enquadra no programa. Como os favorecidos são claramente identificados, qualquer um pode denunciar abusos. Cria-se. automaticamente uma conta de banco (para a mãe) e emite-se, então, um cartão magnético, permitindo retirar o dinheiro mensalmente.

Vários estudos cuidadosos já foram realizados (cito aqui dados de André Panela). Como se previa, o impacto sobre a evasão-é minúsculo, pois oito anos de Bolsa Escola aumentam a frequência em apenas 0,2 ano. As mães participantes são obrigadas a exames pré-natais e vacinas, mas o impacto sobre saúde e nutrição também é ínfimo. O impacto sobre trabalho infantil é inconclusivo. Mas isso tudo é detalhe, diante do resultado espetacular de distribuir recursos para 29 milhões de pessoas, ajudando a tirá-las da pobreza - uma das façanhas festejadas no país e reconhecidas no exterior. Um dos aspectos mais notáveis do programa é ser muito barato, consumindo 0,5% do PIS. Em contraste, o programa de transferências para idosos e inválidos, somado ao que assegura renda mínima, consome 0,6 % e beneficia 3,5 milhões de pessoas. A aposentadoria rural consome 1,7% do PIB, para 8,1 milhões. Compare-se também com os 12% que custa a Previdência. Por tudo o que se sabe, há poucos desvios, pois os valores são pequenos e são robustos os mecanismos de distribuição e fiscalização. Ouseja, passa no teste da eficiência e da equidade, coisa rara em programas desse tipo.

"O irmão da minha empregada não quis aceitar um emprego, para não perder o Bolsa Família." Essa é uma típica acusação da classe média, que costuma torcer o nariz para o programa. Contudo, estudos rigorosamente contradizem essa observação direta. De fato, as análises quantitativas existem justamente porque a observação casual pode levantar suspeitas ou hipóteses, mas é incapaz de avaliar os fenômenos no seu todo. No caso, as pesquisas mostram que, embora possa existir, o desincentivo a aceitar empregos pesa pouquíssimo. Ou seja, o senso comum está equivocado. Em suma, o Bolsa Família pode ter errado no que viu, mas acertou espetacularmente no que não viu. É considerado pelo Banco Mundial como o melhor sistema de transferência de renda. O que ainda não sabemos é quanto tempo essas famílias levarão para não precisar mais dele. Experimenta-se com vários programas de criação de emprego, alguns bastante promissores e já bem grandinhos. Mas ainda é muito cedo para dizer que o problema está sendo resolvido.

Competitividade passa pela queda do preço da energia - PAULO PEDROSA

Valor Econômico - 02/04/12


Conta de eletricidade chega a representar mais de 50% no custo de produção de algumas indústrias. Gasto seria menor se o consumidor pagasse apenas um dos vários encargos existentes na conta


Vivemos nas últimas semanas com a sensação de que a crise de competitividade da indústria brasileira se instalou de repente, por problemas de câmbio ou de juros, ou até mesmo por causa das quebradeiras na Europa, e que prontamente o governo federal tratou de buscar medidas para resolvê-la e proteger o país. Esse sentimento causado pelos números do Produto Interno Bruto (PIB) só reflete, entretanto, uma situação que vem se estruturando há alguns anos.

Por mais que possam ser necessárias (em alguns casos, de produtos que chegam a nosso mercado com preços subsidiados), não será respondendo com proteções que o país vai concorrer de igual para igual no comércio mundial de forma sustentável, pois todos sabem que esses mecanismos têm efeitos colaterais importantes e são insustentáveis no longo prazo. O que a indústria quer é condição permanente de competição, suportada por ganhos contínuos de produtividade e condições favoráveis na infraestrutura nacional, o que passa necessariamente por uma redução nos custos da energia, seja elétrica ou gás natural.

A grande indústria brasileira, que alimenta cadeias econômicas inteiras e gera empregos de qualidade em todo o país, tem esses insumos entre seus maiores custos de produção. A conta de energia chega a representar mais de 50% do que algumas indústrias gastam para produzir. Tanto o governo federal como lideranças importantes no Congresso dão sinais de ter percebido essa realidade, mas é necessária atenção na forma de como conduzir o processo para se chegar à efetiva modicidade dos custos da energia.

No caso da energia elétrica, integrantes do poder executivo têm dito que é preciso um novo pacto entre Estados para a redução do ICMS. É fato, o imposto estadual tem uma alíquota de 25%, em média, sobre as contas de energia. Mas não podemos jogar o problema para uma questão que precisa de unanimidade entre todos os governadores da federação, por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e que tomará tempo para ser equacionada. Além disso, sob o ângulo da competitividade, boa parte da indústria se credita desse imposto e, portanto, reduzi-lo não trará estímulos imediatos para a retomada da produção. É só uma questão de fluxo de caixa.

Por outro lado, se a solução passasse pela redução dos encargos, que são verdadeiros penduricalhos de políticas públicas embutidos no custo da energia, e pela condução adequada da questão do vencimento das concessões, o custo da eletricidade poderia cair aproximadamente 20% e beneficiar todos os consumidores, dos residenciais à indústria, sem qualquer tipo de protecionismo ou subsídio. Além disso, automaticamente se pagaria menos ICMS, sendo este um percentual sobre as tarifas.

Um discurso recorrente de alguns membros do governo federal é que os encargos não oneram a energia elétrica. Poderia ser verdade, se o consumidor pagasse apenas o encargo de Pesquisa & Desenvolvimento e Eficiência Energética, por exemplo, que representa 1% das contas. Ou se pagasse apenas a Reserva Geral de Reversão (RGR), que soma mais 2%. Ou se pagássemos apenas a Conta de Consumo de Combustível (CCC), que representa 5%, ou somente a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que seria 3%. Mas pagamos todos eles e, se somarmos esses exemplos, já estamos falando de 11% que o consumidor poderia pagar a menos.

E vale a pergunta: afinal, o que se faz com os recursos arrecadados por esses encargos? Essa questão deveria ser respondida com mais transparência, acompanhada de uma avaliação clara de benefícios e custos de cada uma das iniciativas incorporadas nas contas de energia.

De grande significado para evidenciar as distorções que encarecem a energia está o pagamento, pelos consumidores, de compensações aos governos dos Estados recentemente interligados à malha energética nacional pela perda do ICMS - que arrecadavam com a venda de combustível a termelétricas ineficientes. Outro bom exemplo está no contingenciamento dos recursos da Taxa de Fiscalização da Aneel - que, na prática, embute nas contas de energia uma "contribuição ao equilíbrio fiscal".

Todos os encargos foram criados com propósitos específicos, que, na maioria dos casos, se desviaram no meio do caminho. O investimento obrigatório em P&D, com o dinheiro do consumidor, não tem se refletido em ganhos que correspondam aos seus custos na cadeia do setor de energia. Com a CCC e CDE, hoje se faz política social e de desenvolvimento regional, ações que deveriam ser bancadas pelo Tesouro Nacional, portanto pelo contribuinte e não pelo consumidor. A RGR, por sua vez, foi criada para pagar a reversão de concessões. Se elas vão ser renovadas, como já indicou o governo, o encargo não tem mais razão de existir e os quase R$ 20 bilhões desse fundo deveriam voltar para os consumidores. Além disso, o tratamento das concessões que vencem poderia reduzir em até 10% o custo da energia.

E o que se dizer do Encargo de Serviços do Sistema, para pagar o combustível de quando se aciona algumas termelétricas, e do Encargo da Energia de Reserva? Os dois servem para dar segurança ao sistema, mas não consideram alternativas mais eficientes de equilibrar oferta e demanda. Além disso, seus custos são distribuídos a todos os consumidores - inclusive aos que já pagaram pela segurança em contratos de longo prazo -, enquanto seus benefícios se concentram em alguns agentes do mercado, justamente aqueles cujo comportamento pode estar colocando o sistema em risco.

Obviamente a indústria quer uma reforma tributária que envolva a redução do ICMS da energia. Mas precisa sobreviver para poder participar dessa discussão.

A contraofensiva liberal - MARIANO GRONDONA

O Globo - 02/04/12


Junto com a década de 90, que supostamente representa, o liberalismo foi demonizado entre nós. Esta condenação ideológica, que não é exclusiva do kirchnerismo porque convoca inclusive partidos supostamente opositores, como a União Cívica Radical (UCR), parte de premissas falsas. É falso como considerar que o menemismo, também demonizado por identificação com os anos 90, foi autenticamente "liberal". Ele o foi apenas parcialmente na área econômica, tanto por sua política de privatizações como por sua aliança com a UCeDe dos Alsogaray. Mas não o foi na área política, já que as reeleições de Menem pouco tiveram a ver com a ideia liberal de que os mandatos presidenciais não se devem alongar no tempo, na maneira chavista ou kirchnerista. 

Também é falso que a ofensiva antiliberal seja, na América Latina, majoritária. Crer nisso é supor que a demonização do liberalismo que campeia entre nós encarna uma corrente regional, quando seu eixo está centrado unicamente no governo kirchnerista e outros governos afins, como os que imitam a Venezuela de Chávez, francamente minoritários se comparados com o que ocorre no México, Brasil, Chile, Colômbia e no próprio Peru, onde o giro à centro-direita de seu presidente, Ollanta Humala, já é manifesto.

Que a guinada à centro-direita predomina em nossa região foi visível durante os últimos dias em dois acontecimentos. O primeiro ocorreu, paradoxalmente, em Buenos Aires, quando a Universidade Argentina da Empresa (Uade) outorgou ao ex-presidente do governo espanhol José María Aznar, do Partido Popular que governa a Espanha, o título de doutor honoris causa, em cerimônia de forte impacto. O segundo aconteceu na Universidade de Lima, que acolheu mês passado um seminário internacional promovido pelo Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, de notável irradiação no Peru e além. Passo a resumir suas conclusões, não sem antes advertir que a suposição de que o que hoje ocorre nas esferas oficiais de nosso país seja representativo do pensamento regional responde a um paroquialismo que às vezes nos aflige por supor que o mundo e a América Latina se espelham em nós e não, ao inverso, que o governo argentino é percebido hoje, no resto da região, como uma exceção bizarra ao curso que seguem a Europa e os EUA.

A jornada da última terça-feira na Universidade de Lima, convocada pela Fundação Internacional para a Liberdade, de Vargas Llosa, reuniu um notável conjunto de políticos e intelectuais, entre os quais os ex-presidentes da Colômbia, Alvaro Uribe; da Bolívia, Jorge Quiroga; do Uruguai, Luis Alberto Lacalle; do Peru, Alejandro Toledo, além do economista chileno José Piñera, irmão do atual presidente, da mexicana Josefina Vázquez, candidata presidencial do PAN, e de intelectuais e escritores do porte do cubano Carlos Alberto Montaner, do mexicano Enrique Krauze, do chileno Maurício Rojas e do argentino Marcos Aguinis.

Chamou-me a atenção o entusiasmo contagiante que demonstraram os participantes ante a doutrina liberal. Vindo de um país cujo oficialismo condena tudo que assuma um ar liberal, e onde o liberalismo é chamado pejorativamente de neoliberalismo para agravar sua condenação, porque com esse neologismo faz-se com que pareça reincidente num velho erro, o surpreendente fervor dos presentes demonstrou que consideram a doutrina em pleno apogeu, instalada mais no futuro que no passado. É fácil esquecer, em nosso país, em meio ao clima de repulsa que o rodeia, que o liberalismo triunfa hoje no mundo e na América Latina.

Impressionou-me a exposição do chileno Rojas, um ex-comunista que, em sua longa passagem pela Suécia, converteu-se à liberdade e cuja palestra se concentrou na denúncia do populismo como causa dos graves problemas que hoje enfrenta nada menos que a Europa, por essa espécie de "facilitário" em que caiu ao exagerar a ilusão do estado de bem-estar, por causa do qual os homens são tentados pelo enganoso direito de receber tudo grátis, sem a contrapartida do trabalho e do esforço. Uma deformação a que Rojas atribuiu as enormes dificuldades que hoje enfrenta o Velho Continente. Aguinis dedicou sua exposição ao "neopopulismo", mais que uma doutrina uma forma contemporânea de demagogia que já havia denunciado, com uma linguagem surpreendentemente "moderna", o próprio Aristóteles.

O ex-presidente Uribe foi recebido com extraordinários aplausos porque, tendo-se alçado em seu país contra todas as formas de demagogia, numa atitude supostamente suicida, cansou-se de ganhar eleições. Um parágrafo à parte merece o historiador Enrique Krauze, discípulo de Octavio Paz e autor de um livro notável e recente, "Redentores", no qual descreve a patologia de uma série de caudilhos latino-americanos, de Eva Perón a Che Guevara e de Fidel Castro ao próprio Chávez. Todos fundaram sua atração na ideia semirreligiosa com que se apresentaram ante o povo latino-americano como os novos profetas, os novos "redentores" de uma salvação que nunca chegou nesse novo mundo que se caracteriza, ao contrário, pela eficiência e competitividade.

A chave do êxito de uma ideologia consiste em convencer os contemporâneos de que nela pulsa o futuro. Assim se expandiu por décadas o marxismo quando difundiu a ideia de que o futuro pertence ao socialismo. Através dessa imagem "redentora", o marxismo pôde condenar o liberalismo como seu próprio passado, como reacionário. Segundo essa premissa, que se impôs entre nós, ser liberal era ser "anti-histórico" e ser socialista era ser progressista. Mas a reunião de Lima difundiu entre seus participantes um entusiasmo de sinal invertido, já que o que prova o mundo moderno, não com ideologias mas com fatos, é que o futuro começa a coincidir cada dia mais com a liberdade política da democracia e a liberdade econômica da iniciativa privada. Esta dupla convicção brilhou na reunião de Lima.

Se esta é a perspectiva histórica que deveria caracterizar a Europa e a América, não só à luz de seus inegáveis resultados mas também à sombra dos penosos fracassos do coletivismo, que começou a naufragar na União Soviética para culminar em todas as sociedades submetidas ao estatismo, é porque o papel principal do Estado nas sociedades modernas é estimular a concorrência política entre os partidos e a concorrência econômica entre as empresas. Que lugar então ocupam hoje na caravana das nações o chavismo e o kirchnerismo? Onde estamos os argentinos sob a condução de Cristina Kirchner, dona de 54% dos votos? Estamos na vanguarda ou na retaguarda da história? Estamos acompanhando o mundo ou isolados? O grande problema que enfrentamos os argentinos hoje talvez não resida em nossos recursos, mas em nossas mentes, que continuam confundindo o passado com o que chamam de "futuro" e um "futuro" que ainda chamam de "passado".

O sistema se diverte - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 02/04/12



RIO DE JANEIRO - Há dias, em São Paulo, um grupo de "artistas" despejou 200 litros de tinta no cruzamento da avenida São João com a rua Helvétia, no centro. Ao passar sobre as poças, os carros espalhavam a tinta e deixavam rastros verdes, vermelhos, amarelos e azuis. Os que vinham atrás eram respingados e também saíam imundos. A sinalização do asfalto desapareceu, o caos se instaurou e ninguém achou graça naquilo.

Semanas antes, revelou-se que as pichações com letras de sete metros de altura que têm aparecido em paredes, viadutos e túneis da cidade estão sendo feitas com extintores de incêndio cheios de tinta, não mais com os já ingênuos sprays. Ao aplicar os grandes jatos, as letras escorrem como nos cartazes de filmes de terror. Os pichadores alegam se inspirar em "artistas" de Nova York, Londres e Paris.

O objetivo é "protestar contra o sistema". No primeiro caso, disse um dos lambões, ele está "manifestando seu descontentamento" pelo fato de São Paulo ser uma cidade "cinza e fechada e as pessoas não conversarem entre si". Olha só. No segundo, o protesto não fica claro, porque os garranchos dos extintores não fazem sentido. Mas a ideia é "incomodar o sistema", segundo um manifestante -e, se o sistema não se incomodar, eles "não vão mais fazer".

Não sei o que o sistema pensa desses protestos (os donos dos lava-rápidos adoraram, porque tiveram muito mais carros para lavar), mas não conheço ninguém do "povo" -a pior vítima do sistema- a favor dessa agressão a prédios e ruas. Por ironia, quem admira os vândalos e os chama de "artistas" é justamente o sistema, do qual os críticos de arte, historiadores, curadores de museus e galeristas fazem parte.

Só espero que, com tanto estímulo oficial ao protesto, os meninos não resolvam radicalizar implodindo o MASP.

Fronteiras da Ciência - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 02/04/12


Lançado no ano passado como uma das principais bandeiras do governo da presidente Dilma Rousseff, no campo da educação, o programa Ciência sem Fronteiras já começou a apresentar problemas causados pela inépcia e pelo excesso de burocracia.

O programa tem por objetivo acelerar a internacionalização do ensino superior no País e estimular a formação de mão de obra qualificada para centros de pesquisa e inovação científica, oferecendo cerca de 101 mil bolsas de estudo no exterior em quatro anos, das quais 75 mil serão financiadas pela União, no valor de R$ 3,2 bilhões, e 26 mil custeadas pela iniciativa privada. Sob responsabilidade do CNPq e da Capes, o programa já enviou para os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França e Itália as primeiras levas de bolsistas em áreas do conhecimento consideradas prioritárias, como matemática, física, química e biologia.

Cerca de 11 mil estudantes e pesquisadores já estão no exterior, contemplados pelo Ciência sem Fronteiras, e outros 9 mil devem viajar até dezembro. Muitos bolsistas, contudo, que já se encontram no exterior, até agora só receberam a passagem aérea. Já se instalaram nas cidades onde farão graduação, especialização, mestrado, doutorado ou pós-doutorado, mas não receberam o depósito das bolsas a que têm direito.

Nem as agências de fomento nem o Ministério da Educação sabem ao certo quantos bolsistas estão passando dificuldades, por falta de recursos para pagar aluguel, plano de saúde, alimentação e transporte. Os estudantes reclamam que as autoridades educacionais são implacáveis na cobrança de prestação de contas dos gastos e das atividades acadêmicas, mas ineficientes na manutenção dos cronogramas de pagamento das bolsas. O pagamento é trimestral e, segundo as regras do Ciência sem Fronteiras, os benefícios relativos aos meses de fevereiro, março e abril deveriam ter sido pagos em janeiro. A previsão é de que o depósito seja realizado durante o mês de abril.

"É constrangedor passar por isso, ainda mais em um país onde todo mundo paga as contas em dia. Passa uma má impressão do Brasil", diz João Paulo Catanoce, que chegou em fevereiro em Vancouver, no Canadá, para cursar engenharia na Universidade da Colúmbia Britânica. Por não ter recebido a bolsa, ele atrasou o aluguel por duas semanas e teve de pedir dinheiro emprestado a um professor do laboratório de mineração, onde faz estágio. "Informei ao CNPq que teria de pagar o aluguel. Primeiro, ninguém respondeu. Depois, ninguém sabe de nada. Em seguida, recebi um e-mail dizendo que gasto com aluguel é problema do aluno", afirma Catanoce, que demorou um mês para conseguir alguma explicação sobre seu caso. Por causa do atraso no pagamento das bolsas, a Universidade da Colúmbia Britânica não irá mais aceitar bolsistas brasileiros. "Aqui ninguém sabe o que é o Ciência sem Fronteiras. Portanto, o estudante assiste às aulas clandestinamente", relata o orientador de Catanoce.

Em nota, o CNPq reconheceu que o repasse de dinheiro para alguns bolsistas está atrasado e alegou que o programa é novo e que ainda "precisa melhorar". O problema é que o atraso no pagamento de bolsas não ocorre apenas nas agências de fomento à pesquisa. Mantido pelo MEC, o Programa de Educação Tutorial, de iniciação científica, também vem sendo duramente criticado por bolsistas, orientadores e tutores, que reclamam do descumprimento do cronograma de pagamentos e das sucessivas mudanças nas regras.

O governo acertou ao lançar o Ciência sem Fronteiras, uma vez que o programa propicia vivência acadêmica no exterior, dando aos bolsistas oportunidade de aprimorar sua formação nas universidades mais bem classificadas nos rankings internacionais. Mas, para que a iniciativa dê certo, é preciso que as autoridades educacionais sejam mais eficientes, simplificando os procedimentos administrativos e pagando as bolsas em dia. Ou seja, é preciso que o governo cumpra os compromissos que assumiu.

Páscoa - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 02/04/12


A velha colocou as quatro cabeças, em linha reta, por sobre uma pedra redonda; todos esboçavam sorriso 

Duas crianças amarradas. Choravam. Nuas, sentiam frio. As cabeças doíam porque estav
am meio abertas por pancadas que recebiam de vez em quando.

O bando se ocupava com o cotidiano. Bater aos pouquinhos na cabeça de suas vítimas era um modo de preparar o cérebro para ser comido. Assim garantiam que estariam macios ao toque dos dentes.
Duas mulheres se acariciavam e se lambiam uma a outra, enquanto o filho de uma tentava em vão penetrar uma delas.

Três homens chegavam ao lugar onde viviam e traziam consigo outras duas crianças, duas meninas arrastadas pelo chão.

Gritaria e felicidade. Precisavam de quatro crianças. O jantar estava próximo. A fome era um desconforto profundo. Eles se perguntavam, às vezes, o porquê de sentirem fome. Não seria mais fácil a vida tranquila das pedras? Quando aquela dor invadia suas barrigas, as boas sensações desapareciam em meio a vontade furiosa de mastigar alguma coisa.

Sentiam uma estranha sensação de que o céu acima era poderoso, assim como a água que despencava dele. Olhavam horas para o céu, mas nenhuma voz saia daquela imensidão vazia.

Uma menina chupava os dedos sujos do próprio sangue que escorria entre suas pernas.
Outras crianças assistiam àquele gesto que já se tornara como que um hábito. Meninas faziam aquilo enquanto o velho estranho, dado a gritar, andava ao seu redor fazendo gestos com as mãos, que repetia o gesto da menina.

Em círculos, outras meninas começam a repetir o gesto da primeira, até que todas estivessem sangrando. Meninos, parados, devorados por um interesse estranho naquilo tudo, de vez em quando, corriam até o círculo das meninas e tentavam lamber o sangue delas também. Pedras jogadas por mulheres mais velhas expulsavam os meninos dali.

De vez em quando, meninos e meninas se lançavam contra as duas crianças amarradas, tentando cortar pedaços delas, mas os mais velhos as seguravam. Eles precisavam entender que apenas quando caísse a escuridão do céu eles comeriam uma parte delas, e, mesmo assim, sendo aquele dia um dia especial -porque comeriam a carne de animais iguais a eles-, a ceia demoraria mais do que o normal porque a morte seria lenta, a fim de garantir que a carne do cérebro estaria macia.
Um pouco distante da fogueira grande, mulheres preparavam uma placa de pedra e a lavavam com sangue de animais mortos no dia anterior. Os três homens colocaram as duas meninas junto às outras duas crianças. Foram buscar água e lavaram as mãos, depois se aproximaram do velho estranho dado a gritar. O velho fez um gesto com a cabeça e deu para eles três pedaços de madeira pintados de uma tinta amarelada.

Os três homens voltaram para as quatro crianças amarradas, pintaram elas com a mesma tinta e começaram a bater na cabeça das quatro, uma de cada vez, e cada vez um deles, ritmados e numa perfeição harmônica que fez todos ali pararem para assistir.

Silêncio absoluto. Fora os gemidos das quatro vítimas. As duas primeiras crianças já não choravam. Enquanto os três continuavam a bater ritmadamente na cabeça das duas crianças recém-chegadas, quatro mulheres se puseram a cortar o pescoço das duas primeiras, enquanto outras mulheres colhiam o sangue que jorrava do pescoço em cascos de frutas arredondados.

Já dentro da noite, todos permaneciam em silêncio enquanto as mulheres terminavam de cortar o pescoço das duas últimas e escorrer o sangue. Em seguida, uma velha munida de uma pedra muito fina, arrancou o cérebro das quatro cabeças pela base do crânio, numa destreza maravilhosa. Todos esboçavam um sorriso de emoção diante daquela habilidade.

Ao final, todos ao redor da pedra comeram um pedaço do cérebro das crianças (começando pelos mais velhos até os mais novos, mesmo os bebês), primeiro das duas mortas, depois das duas últimas. Beberam o sangue das quatro.

Os homens pegaram os quatros corpos sem cabeça e enterraram a distância de suas moradias. A velha colocou as quatro cabeças em linha reta por sobre uma pedra arredonda, e lá ficou por horas, como que meditando sobre o sentido da vida.

Paquidérmico - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 02/04/12


Afinal, o que é o PAC?

Vendido à sociedade brasileira como um esforço inovador, concentrado e articulado do governo federal para fortalecer e modernizar a infraestrutura nacional, o programa surpreende quem se dispõe a conhecê-lo mais de perto.

Sob o guarda-chuva da propaganda oficial, quase tudo virou PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Ações rotineiras de muitos governos e investimentos que compõem a agenda das empresas estatais, e que ocorrem há décadas no país, se transmudaram em PAC. Projetos sob responsabilidade da iniciativa privada ou de empresas públicas dos Estados também entram na conta federal.

E, pasme, o seu dinheiro também pode ter virado PAC...

É que o governo federal soma na conta de investimentos do programa os recursos usados para o financiamento da casa própria. É isso mesmo!

Se você for aos bancos oficiais e fizer um financiamento habitacional, também estará fazendo PAC, já que o financiamento é apresentado como resultado do programa. Mesmo se for para comprar um imóvel usado ou para realizar uma simples reforma!

Poucos programas federais expõem a tibieza e a crônica inapetência executiva do governo federal como esse.

Os números são reveladores: apenas 7% das obras do PAC 2 foram concluídas até dezembro de 2010, sendo que outras, cujas inaugurações chegaram a ser anunciadas para o fim daquele ano, quando o presidente Lula deixaria o governo, correm o sério risco de não ficarem prontas sequer ao final desta gestão da presidente Dilma, em 2014.

Os saldos do programa denunciam apropriação indevida de investimentos de toda ordem: para os que ainda não sabem, apenas cerca de 10% dos recursos aplicados em 2011 saíram diretamente do Orçamento Geral da União. R$ 75,1 bilhões referem-se a financiamentos imobiliários -ou seja, dinheiro do bolso dos cidadãos que pagam pelos empréstimos habitacionais.

As empresas estatais investiram R$ 60,2 bilhões, especialmente a Petrobras, em suas especificidades; o setor privado se responsabilizou por R$ 35 bilhões e R$ 10 bilhões vieram do programa Minha Casa, Minha Vida.

Dos cofres do governo federal, conta-se no Siafi apenas cerca de R$ 16 bilhões, dos quais perto de um terço refere-se a compromissos de anos anteriores não cumpridos.

Em resumo: as empresas privadas respondem pelo dobro do total dos recursos que verdadeiramente saíram do orçamento da União, as estatais pelo triplo e a população, quatro vezes mais.

A valer a criatividade da contabilidade oficial, constata-se que o PAC existe desde os anos 50/60 do século passado, quando nasceram a Petrobras e o finado BNH. A gente tinha PAC e nem sabia!

Jaz insepulto - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 02/04/12


A essa altura, quem são as mais ostensivas vítimas do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), acusado pela Polícia Federal de ser sócio do ex-bicheiro Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos ilegais em Goiás?

Ora, são os 44 senadores estúpidos que hipotecaram solidariedade a ele quando Demóstenes ocupou a tribuna do Senado para jurar inocência.
Reagiram como sempre. E de suas bocas saíram as costumeiras palavras de desagravo com as quais socorrem amiúde colegas em dificuldades.
Foram feitos de bobo por um ator de primeira linha. Tamanho era o seu talento que, ao ser desmascarado, admitiu, aparentando resignação e traindo uma ponta de melancolia:
- Eu não sou mais o Demóstenes.
Qual? O que imaginávamos que existia?
Enganou o distinto público numa atuação soberba como político acima de qualquer suspeita. E também a nós, jornalistas, céticos por obrigação.
Em momento algum nos perguntamos: poderá haver político tão ficha limpa?
Era uma preciosa fonte de informações. E isso basta para amolecer o coração do mais duro entre nós. O mensalão ocorreu nas nossas barbas. E se não fosse Roberto Jefferson...
O Senado é um luxuoso e exclusivo clube freqüentado por 81 privilegiados cidadãos. Todos ali se protegem apesar das diferenças políticas. Todos ali praticam os mesmos crimes.
Os que não praticam sabem quem o faz, mas fingem não ver. Em 188 anos de funcionamento do Senado, somente um senador foi cassado – Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF), acusado de mentir aos seus pares.
Com a experiência de ex-chefe do Ministério Público de Goiás, Demóstenes mentia com engenho e arte. Há pouco, mentiu da tribuna do Senado grosseiramente. É por isso que morreu e sabe disso. Mas ainda jaz insepulto.
Resta-lhe ganhar tempo e torcer para que o acaso faça uma surpresa. Aos que pensam que renunciará ao mandato para abreviar a própria agonia, digo: esqueçam a hipótese.
Se renunciasse, baixaria à sepultura. Pior: na condição de ex-senador, não mais seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ficaria ao alcance de decisões de qualquer juiz da primeira instância.
Demóstenes coleciona inimigos em toda parte. Foram presas 30 pessoas suspeitas de integrar a quadrilha comandada por Cachoeira. Uma vez sem mandato, por que ele não acabaria preso pela mesma razão?
Existe uma boa chance de o STF declarar nulas as provas apresentadas pela polícia contra Demóstenes.
O grampeado foi Cachoeira. Mas o que ele disse ou ouviu de Demóstenes só poderia ser usado contra Demóstenes com a prévia autorização do STF.
Há duas semanas, Demóstenes acalentava a esperança de não ser julgado pelo Senado. O julgamento ali é político. Tem a ver com as idiossincrasias dos senadores.
Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais, comunicou a gente de sua confiança no Congresso que o governo não tinha interesse na cassação do mandato de Demóstenes.
Era preferível continuar convivendo com ele de crista baixa a correr o risco de agitar os ânimos no Senado. Os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) se ofereceram para ajudar Demóstenes. Não deu certo.
Jayme Campos (DEM), senador por Mato Grosso, é o presidente em exercício do Conselho de Ética do Senado.
O PSOL pediu a cassação de Demóstenes. Jayme poderia arquivar o pedido, empurrando o problema com a barriga. Não topou.
Pedro Taques (PDT), outro senador por Mato Grosso, é voto certo pela cassação de Demóstenes. Jayme e ele podem disputar o governo do Estado em 2014. Sabe como é...
Do início da última semana para cá, abriu-se a torneira das revelações capazes de embaraçar Demóstenes ainda mais.
Resultado: a banda sadia do Senado largou-o de mão. E o DEM anunciou que irá expulsá-lo.
Diante disso, fazer o quê?
Então o governo recuou de sua intenção inicial. O PT pediu a cabeça de Demóstenes. E Sarney e Renan deram o caso por perdido.
Cumpram-se os trâmites previstos para tais ocasiões.

Doença infantil do conservadorismo - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 02/04/12


Como já contei aqui, tenho mania de ouvir rádio. Em qualquer canto da minha casa, no chuveiro inclusive, posso ouvir a programação da rádio pública americana. Como o programa matinal de notícias costuma ser meu despertador, às vezes, tal como o Gregor Samsa, penso que, se voltar a dormir mais um pouco, a metamorfose não se consumou. O palavrório kafkiano que acabei de ouvir não passou de um pesadelo. Mas, ainda habitante do meu corpo original, me pergunto se os poderes não me veem como um inseto.

Antonin Scalia é um desses que me fazem acordar inseto. Trata-se do brilhante e reacionário juiz da Suprema Corte americana, aquele que gostava de ir caçar patos com o ex-vice-presidente Dick Cheney e não se recusou a julgar um caso envolvendo o companheiro de caçadas.

Num dos debates de maior impacto sobre a vida dos americanos em décadas, o desafio judicial à lei do seguro-saúde, passada em 2010, Scalia comparou o seguro-saúde a brócolis. Explico: se Barack Obama pode obrigar a população a comprar seguro-saúde, argumentou o juiz, ele poderá obrigar a população a comer brócolis. Os republicanos têm uma relação neurótica com esse vegetal adoravelmente rico em cálcio. Na década de 90, George Bush pai disse que se recusava a comer brócolis, sua ideia de rebeldia contra a comida sensaborona de quem cresceu protestante, anglo-saxão e privado de temperos. Se, como eu, tivesse uma nonna italiana, o ex-presidente não teria associado brócolis à opressão da ausência de prazer. Mas eu digresso.

Como pode uma das mais brilhantes mentes do Direito Constitucional comparar a obrigatoriedade do seguro-saúde à obrigatoriedade de comer um vegetal? Aqui é quando a colunista se controla e não faz trocadilho de mau gosto com o estado vegetativo, uma condição médica que costuma arruinar financeiramente famílias de doentes mantidos vivos de forma artificial.

O mau gosto, ou melhor, a desfaçatez, fica por conta de Scalia, ao comparar a liberdade de escolher entre brócolis e quiabo à liberdade de não fazer seguro-saúde, obrigando quem faz a pagar cada vez mais caro para sustentar esta população supostamente protegida pela Constituição.

O juiz é sofisticado demais para não entender a economia da assistência de saúde. O seguro do automóvel, por exemplo, é obrigatório, nos Estados Unidos, porque o custo dos acidentes precisa ser compartilhado entre motoristas prudentes e barbeiros. Da mesma forma, o jovem que não fuma, faz exercício e come brócolis não deve ser forçado a pagar um preço exorbitante para assegurar a assistência médica a suas crianças, para compensar pelo libertário oitentão que nunca contribuiu para o bolo e cujas doenças acumulam contas médicas de seis dígitos. Se os políticos americanos veem como sacrilégio autoritário os impostos que sustentariam a assistência médica pública, estrangular a assistência privada não é capitalismo, é darwinismo praticado pelo mesmo partido que não acredita na Teoria da Evolução.

A liberdade individual prevista na Constituição americana e ainda fonte de inspiração de primaveras democráticas adquiriu, na postura de conservadores como Scalia, o ar untuoso do advogado de porta de delegacia. Ele não acredita no que diz. Mas dirá qualquer coisa para engambelar o cliente.

Brics, a agenda furada - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Estado de S. Paulo - 02/04/12



Um banco só nosso, sem a interferência dos países ricos. Essa parece ser uma ambição bem disseminada pelo mundo emergente. Falou nisso, o Brasil está dentro.
O governo Lula lançou a ideia do Banco da América do Sul, uma superinstituição de desenvolvimento aqui na região. Agora, na última reunião dos Brics, o governo Dilma apoiou a proposta de outro banco, a ser constituído com China, Índia, Rússia e África do Sul, para financiar projetos de infraestrutura.
O primeiro não saiu. O problema é que um banco, para emprestar, precisa antes captar recursos. Para fazer isso, precisa ter capital constituído, sólida base financeira, e credibilidade para tomar dinheiro na praça pagando juros baratos.
Já desconfiaram, não é mesmo? Quais países sul-americanos vão comparecer com capital? Muitos governos aqui da região (Chile e Colômbia, por exemplo) têm elevadas reservas em dólares. O Brasil detém as maiores de longe. Querendo, dava para juntar um dinheiro razoável, mas quem ia mandar no banco?
Quem colocasse mais capital, o maior acionista, é a resposta – e esse seria, supostamente, o Brasil. Mas a bronca de emergentes com o Banco Mundial, por exemplo, uma instituição dedicada a projetos de desenvolvimento, é o fato de ser controlado pelos EUA, em especial, e ricos em geral. Que são os maiores acionistas.
Ora, o pessoal aqui não quer colocar dinheiro em um banco que seria controlado pelo governo brasileiro. Sabe como é, tudo bem com o companheiro Lula, com a presidente Dilma, mas vai que muda o governo.
Por isso, ficou combinado que a gestão do Banco da América do Sul seria compartilhada por todos – e aí mesmo é que emperrou tudo. O que? O Chávez tendo voz e voto num bancão? – pensaram muitos governantes, inclusive por aqui. E mais o Evo Morales e o Rafael Caldera? E a presidente Cristina, que, por exemplo, não hesita em barrar a importação de salsichas brasileiras, para defender as argentinas, que tipo de decisão tomaria na alocação dos recursos?
Já no caso dos Brics parece mais fácil. São apenas cinco países, talvez mais responsáveis, todos com reservas relativamente elevadas. No total, são cerca de US$ 4,5 trilhões. Com uma parte muito pequena disso, já daria para capitalizar um bom banco. Mas só a China tem mais de U$ 3,2 trilhões – e obviamente seria chamada a colocar mais dinheiro. Acionista majoritária, seria a dona.
Seria? Pronto, de novo os problemas de governança. Os chineses têm uma sólida vocação imperialista e obviamente não colocariam dinheiro se não pudessem mandar. Por que a Rússia, por exemplo, que vive se estranhando com a China, entraria nisso?
E por que o Brasil e a Índia, que têm seus próprios bancos de desenvolvimento, colocariam dinheiro numa instituição comandada pelo governo chinês?
Mais, Brasil e África do Sul, por exemplo, precisam de capital externo para financiar investimentos, especialmente em infraestrutura e energia. Mas se podem tomar dinheiro barato no mercado internacional hoje, por que precisariam constituir um banco para isso?
Para pagar com juros menores ainda? Pode ser, mas como um banco dos Brics e outro da América do Sul conseguiria financiamento mais barato do que, digamos, o Banco Mundial?
A China precisa financiar suas empresas no exterior. Mas ela já faz isso. Exemplo: a estatal chinesa de petróleo, Sinopec, tem nada menos que US$ 15 bilhões aplicados no pré-sal brasileiro, quase sempre em sociedade com a Petrobrás.
Também combinaram na reunião dos Brics que os cinco bancos nacionais de desenvolvimento vão fazer acordo para financiar empresas dos outros países em moeda local. Por exemplo: uma companhia brasileira seria financiada em rublos quando investisse na Rússia. Tudo bem, não é mesmo? Mas continua tudo bem com uma companhia chinesa tendo financiamento do BNDES em reais?
Não tem o menor cabimento. Começa que o BNDES não está com dinheiro sobrando. Depois, sua função é arranjar recursos para empresas brasileiras, aqui e no exterior. O que vale para os demais bancos de desenvolvimento.
Ou seja, o banco dos Brics é um objetivo tão furado quanto o da América do Sul.
E por que uma reunião de cúpula dos cinco principais emergentes envereda por essa agenda mais política e ideológica? Porque é só aí, nessas propostas vagas e distantes, que tem algum acordo.
O que mais interessa ao Brasil nesse grupo? Abertura comercial para produtos agrícolas. China, Índia e Rússia são grandes importadores. O Brasil, exportador, enfrenta obstáculos e resistências em todos os três mercados.
Na via inversa. Perguntem aos industriais brasileiros de onde vem a maior competição ou ameaça predatória -- como dizem alguns. A resposta: da China, com sua moeda desvalorizada e práticas comerciais agressivas.
Mas a presidente Dilma se esmerou em atacar a guerra cambial dos ricos, EUA e Zona do Euro.
Uma agenda furada nos temas e nas propostas.

Zona que balança - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 02/04/12


Quem percorre os 20 quilômetros da avenida Sapopemba, cortando a zona leste da cidade de São Paulo, desde os limites da Mooca até os confins de São Rafael, assiste a uma paulatina mudança de paisagem urbana: marcas famosas vão sumindo das fachadas do comércio, construções perdem o acabamento e os anos de uso dos carros em circulação se tornam proporcionais à quantidade de lombadas e buracos interpostos pelo caminho.

Enquanto rodam dígitos no hodômetro, terrenos baldios intercalam conjuntos habitacionais e casas cada vez mais modestas. O mato invade o espaço que seria das calçadas e até uma multicolorida lona surge na tangente de uma curva à esquerda: "Circo de Cuba". A coincidência assume ares premonitórios.

Entre a esquina com a avenida Salim Farah Maluf e a encruzilhada com a estrada do Rio Claro, o conteúdo das urnas eletrônicas sofre um câmbio tão radical quanto a substituição do falar italianado - típico dos moradores de bairros adjacentes ao começo do trajeto - pelo sotaque nordestino, de quem vive no extremo oposto.

São dois territórios com preferências partidárias arraigadas e muito diferentes entre si. No 2.º turno da eleição presidencial de 2010, José Serra (PSDB) teve 72% dos votos na 4.ª Zona Eleitoral, a da Mooca. Mas a proporção mudava a cada quilômetro adiante, até Dilma Rousseff (PT) alcançar 65% da votação na zona eleitoral de São Mateus.

O voto do paulistano está relacionado ao bairro onde ele mora. O PT tem seus maiores redutos na região periférica da cidade, enquanto o PSDB é forte no centro expandido. Esse padrão se repete desde os anos 90 em todas as votações - para vereador ou presidente, passando por prefeito, deputado e governador.

O determinismo geográfico do voto reflete uma divisão de classe. A explosão demográfica de São Paulo centrifugou imigrantes e trabalhadores de baixa renda entre os anos 40 e 80 do século passado. Em regra, quanto mais longe a moradia, mais pobre o morador. Quanto mais periferia, menos calçamento, iluminação e hospitais.

O PT reforçou o geovoto durante os governos de Luiza Erundina (1989 a 1992) e Marta Suplicy (2001 a 2004). Canalizou investimentos, programas assistenciais e assistencialistas para as regiões mais pobres e distantes das zonas sul e leste da cidade. Cativou seu eleitorado em Parelheiros e Guaianases, por exemplo, mas alienou eleitores dos bairros mais centrais que se sentiram preteridos com a mudança de prioridade.

O PSDB é menos organizado que o PT, como provou o baixo quórum das prévias tucanas na cidade. Mas, se faltam militantes, seu eleitorado é tão fiel quanto o petista. Em 2008, PT e PSDB lideraram, juntos, os votos de legenda para vereador em São Paulo: 21% para cada partido. A divisão se repetiu em 2010 na eleição para deputado federal. A legenda do PT recebeu 22%, e a do PSDB ficou com 19% - bem à frente dos demais partidos.

A concentração do eleitorado tucano é proporcional à riqueza dos moradores. No centro expandido, varia de 82% no homogêneo Jardim Paulista a 68% no Butantã, uma zona eleitoral que mescla bairros ricos como Cidade Jardim e Morumbi com comunidades pobres, como Jardim Jaqueline e Morro da Fumaça.

Em décadas passadas, a outra parte do eleitorado antipetista foi janista e malufista. É o segmento que se concentra numa faixa contínua, desde o Jaçanã e a Vila Maria, ao norte, até a Vila Prudente, onde a zona leste faz esquina com a zona sul. Decepcionado e/ou desamparado por seus líderes, esse eleitor voltou-se para quem tem mais chances de derrotar os petistas. Votou em Serra em 2004 e em Gilberto Kassab (então no DEM) em 2008.

Nesses pedaços da cidade, só muda a intensidade da vitória, mas o vencedor é sempre o mesmo: petistas na extrema periferia e tucanos no centro expandido e no colar janio-malufista. Por isso, tornou-se estratégico o meio do caminho entre o petismo e o antipetismo. São as zonas eleitorais que oscilam de um partido a outro de eleição para eleição. É também uma zona de transição social, de emergência da nova classe média, que muda de hábitos de consumo e pode mudar também de partido.

Na zona leste, os termômetros que indicarão para qual lado a eleição vai virar são Ermelino Matarazzo, São Miguel Paulista, Vila Jacuí, Ponte Rasa, Vila Matilde, Itaquera, Conjunto José Bonifácio e Sapopemba. Na zona sul: Jardim São Luís, Socorro e Campo Limpo. Juntos, eles somam 1 milhão de votos válidos. O futuro prefeito de São Paulo deve sair de para onde essa zona balançar.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 02/04/12

Bombardier busca componente nacional

A fábrica da Bombardier, que será inaugurada neste mês, em Hortolândia, terá índice de nacionalização de equipamentos superior a 60%, segundo a empresa.

A unidade vai produzir 53 dos 54 trens que compõem o sistema da linha Expresso Monotrilho Leste, prolongamento da linha 2-verde do metrô em São Paulo.

A construção da fábrica de monotrilhos da Bombardier provocou a instalação de outras multinacionais no Brasil para atuarem no fornecimento de peças, segundo o presidente da Bombardier no país, André Guyvarch.

"No processo de produção, estamos contratando muitas brasileiras e estimulando a instalação de internacionais."

Cerca de 15 empresas já fecharam ou ainda vão fechar contratos para fornecer produtos e serviços.

Luminárias, revestimentos plásticos, componentes elétricos, vidros de janelas e portas serão feitos no país.

Uma fabricante portuguesa de bancos deve abrir uma linha no país. A Ceva Logistics acaba de fechar contrato para atuar na unidade.

A nacionalização, segundo Luís Ramos, diretor da empresa, não foi solicitada pelo governo. Foi uma iniciativa da própria Bombardier, para que os fornecedores ficassem mais próximos. É, segundo ele, uma preparação para futuramente exportar.

"Conseguir 70% de localização é ótimo. Nunca é 100%, pois peças muito específicas precisam ser importadas."

ICMS unificado pode elevar preço de têxteis, diz sindicato

O fim da guerra fiscal, na qual os Estados reduzem a cobrança de ICMS para importações que chegam a seus respectivos portos, pode prejudicar o consumidor.

"Sem o incentivo, tudo o que é importado pode ficar mais caro. Quem vai sentir no final é o consumidor", diz o presidente do Sintex (Sindicato das Indústrias Têxteis de Blumenau), Ulrich Kuhn.

No caso têxtil, 70% da matéria-prima vem de fora, segundo Kuhn. Em Santa Catarina, o desconto no ICMS para importações chega a nove pontos percentuais.

"As empresas vão ter de repassar o custo", diz.

Os governos de SC e do Espírito Santo, outro Estado afetado com a provável unificação da alíquota interestadual, defendem que a transição dos atuais 12% para 4% seja feita de forma gradual.

"Aí você dilui o aumento dos preços ao longo do tempo", afirma Kuhn.

Para compensar as perdas, o ES também quer apoio federal para obras de infraestrutura, segundo o secretário da Fazenda, Maurício Duque.

Pré-sal tipo exportação

O pré-sal já corresponde a cerca de 10% da produção total da Petrobras.

Desde abril do ano passado, a companhia já exportou 7,7 milhões de barris de petróleo oriundos do pré-sal do campo de Lula.

A operação está localizada na bacia de Santos, em São Paulo, segundo a estatal.

O Chile foi o destino de 4,9 milhões de barris.

O restante foi vendido para refinarias na China, de acordo com a Petrobras.

Segurança Para 83% dos consumidores americanos, o motivo de maior preocupação na hora de fazer pagamentos com novas tecnologias é a segurança com suas informações, segundo a American Express. Para 62%, as taxas são o segundo fator mais relevante.

Alteração na lei Após consulta do governo federal, secretários da Fazenda decidiram enviar documento ao ministério afirmando que são favoráveis à mudança da lei que só permite Estados de origem de mercadorias arrecadarem ICMS de vendas feitas on-line.

Além dos sapatos

A designer de sapatos e acessórios Constança Basto reformulou o negócio que leva seu nome. Depois de 13 anos e dificuldades com antigos sócios, Constança fechou as lojas para reabri-las com um novo parceiro, o artista plástico e economista italiano Lucio Salvatore. Nas últimas semanas, inaugurou cinco unidades próprias no Rio, em SP e Curitiba. A próxima será em Recife. "Estamos de olho em BH, Brasília, Salvador", diz Salvatore. Franquias só em 2013, quando pensa em abrir também em Nova York. "Além de sapatos, teremos bijuterias e produtos como esmalte e delineador", conta Constança, que começou a fazer calçados com um sapateiro aos 15 anos e abriu a primeira loja aos 21, no Rio.

Zagueiro privado

O número de empresas de segurança privada clandestinas caiu no país em 2011, segundo o Sesvesp (sindicato do setor em São Paulo).

"A Polícia Federal fechou 217 irregulares", diz João Palhuca, do Sesvesp. A ação, segundo ele, organiza o setor no momento em que se prepara para trabalhar na Copa. "A Fifa e o comitê organizador só podem contratar as habilitadas para atuar em estádios, hotéis e concentrações." No país há 1.500 legalizadas.

Próximos passos - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 02/04/12


Os avanços obtidos pela economia brasileira após o lançamento do real, que deu partida a um período de relativa estabilidade monetária, já próximo da "maioridade", foram enormes. No entanto, vencer uma inflação aguda que já havia se incrustado na vida do país não foi tarefa fácil, e manter a estabilidade exigiu ajustes de toda ordem, até hoje não concluídos.

As restrições ao crédito foram absolutamente necessárias nesse período de transição, pois a queda brusca da inflação assegurou de imediato um aumento de poder aquisitivo para a população. Até que a oferta doméstica pudesse responder à expansão de demanda, a economia andou sobre o fio da navalha, pois o instável equilíbrio das contas externas, na época, impedia que se recorresse maciçamente a importações.

"Esfriar" a demanda tem sido o desafio da economia brasileira, para adequá-la ao que os especialistas chamam de Produto Interno Bruto (PIB) potencial.

É quanto o país pode crescer sem gerar desequilíbrios que ponham em risco os avanços conquistados.

A política monetária teve, e ainda tem, papel fundamental nesse processo. Nos primeiros anos do real os juros básicos chegaram a ser estratosféricos e evidentemente que tal dosagem causou grande desconforto ao sistema produtivo, com reflexos negativos sobre os endividamentos públicos e privados. À medida que, com tempo, a memória inflacionária foi enfraquecendo (mas ainda não desapareceu), e reformas macro e microeconômicas puderam ser implementadas, as taxas de juros básicos começaram a baixar. Em termos nominais, depois de várias décadas, chegaram a cair, em 2010, para o patamar de um dígito, e no qual se encontram neste momento (9,75% ao ano, com perspectiva de nova queda quando o Copom voltar a se reunir).

Isso somente foi possível porque, gradualmente, a situação das contas externas melhorou, a ponto de a economia brasileira ter alcançado o grau de investimento na avaliação das principais agências internacionais de classificação de risco.

Em futuro não distante, o Brasil provavelmente terá juros básicos equiparados aos da maioria das economias emergentes.

Mas esse novo estágio dependerá também da solução de problemas que dificultam a redução do nível de inflação no país. O ponto central das metas estabelecidas pelo governo está em 4,5% ao ano, com intervalo de tolerância bem elástico (de 2,5% a 6,5% ao ano). Mesmo assim, a inflação tem andado mais próxima do teto.

Para o Brasil reduzir os juros de forma mais expressiva sem que se tenha de voltar atrás rapidamente, a economia precisará reunir condições de crescimento sustentável, poupando e investindo mais do que o observado nos últimos anos. A dívida pública terá de diminuir, e sem artificialismos (como o que ocorreria por uma redução imprudente nos juros). Nesse caso, os gastos governamentais devem ter seu rumo corrigido, deixando de crescer mais do que o desejável.

Reformas continuarão sendo necessárias, como a que está prestes a ser implantada na previdência dos servidores públicos.

A criação, já aprovada, de um fundo de pensão para funcionários que ingressarem no serviço público e quiserem se aposentar com benefícios acima do teto do regime geral é um passo importante, poderá contribuir para essa almejada queda nos juros.

Sal e açúcar serão tratados como cigarros - MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SP - 02/04/12


O acordo do governo para limitar o sódio estabeleceu valores acima dos recomendados pela OMS

No próximo sábado, dia 7, comemora-se o Dia Mundial da Saúde. Não há como discutir qualidade de vida, longevidade e o futuro do planeta sem pensar no tema.
Lidar com a saúde, manejando verbas públicas e orçamentos privados, é um desafio descomunal, em que as derrotas parecem mais próximas do que as vitórias.
Melhoramos muito, nas últimas décadas, no combate à mortalidade infantil, uma mancha vergonhosa no Brasil -afinal, há muito tempo, o país está entre as dez maiores economias mundiais.
Há um longo caminho pela frente, porém, antes que o Sistema Único de Saúde (SUS), serviço público vital para 150 milhões de brasileiros, tenha a qualidade esperada, principalmente na marcação de consultas, exames e cirurgias. Também há que melhorar os planos de saúde privados.
Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dividiu opiniões ao proibir a venda de cigarros com mentol e cravo para evitar o tabagismo precoce, pois essas substâncias tornam os cigarros mais atraentes para crianças e adolescentes.
As críticas enveredaram pela liberdade de escolha. O consumidor, segundo tais argumentos, deveria decidir, em última análise, se fumaria ou não os cigarros com sabor.
Observações semelhantes foram feitas quando a agência regulamentou a propaganda de alimentos com elevada quantidade de açúcares, gorduras e sódio (sal), além de bebidas com baixo teor nutricional.
A associação que reúne a indústria de alimentos conseguiu cassar, judicialmente, a resolução, que até agora não foi liberada.
Por outro lado, o acordo do governo federal com os fabricantes para limitar o teor de sódio em alimentos processados estabeleceu valores, em média, hoje já praticados e acima dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Quando leio ou vejo a defesa intransigente dos fabricantes de alimentos e de tabaco, me lembro do filme "The Insider" (no Brasil, "O Informante"), com atuação inesquecível de Al Pacino. Nele, é contada a história de Jeffrey Wigand, que trabalhou muitos anos na indústria de cigarros e decidiu revelar os segredos dessas companhias para viciar as pessoas.
Mesmo tendo quase 13 anos, o filme se mantém atual. Basta acompanhar as acusações de que a Anvisa foi intervencionista e ameaçou a geração de empregos da indústria do fumo. Houve até alusões à "ditadura do bem".
Segundo a OMS, o uso do tabaco provoca 4,9 milhões de mortes por ano, o que corresponde a 10 mil óbitos por dia. Se as tendências de expansão do consumo forem mantidas, serão 10 milhões de mortes por ano em 2030.
Sal, açúcar e gorduras serão avaliados, no futuro, como os cigarros hoje. Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão, 30 milhões têm pressão alta no Brasil.
A hipertensão é responsável por 47% dos infartos agudos do miocárdio, 54% dos acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e 37% das insuficiências renais.
O Brasil é o quinto país do mundo com mais diabéticos, de acordo com a Federação Internacional de Diabetes.
Em 2030, projeta-se que haverá 12,7 milhões de diabéticos no país. A doença pode causar molés-
tias oculares, renais, cardíacas, dificuldades de cicatrização e amputações.
Gorduras saturadas (de origem animal) e trans (modificadas) fazem muito mal à saúde. Aumentam as taxas de colesterol ruim (LDL) e reduzem as do bom (HDL).
Falta informação sobre o que comemos.
Pães integrais, por exemplo, são vendidos com percentuais de até 11% de sódio. Um absurdo em um alimento adquirido por quem pretende se alimentar corretamente.
Logo, a Anvisa não errou em tentar impor normas à propaganda de alimentos com gorduras, sódio e açúcares. Nem em retirar do mercado, até o segundo semestre de 2014, os cigarros com sabor.
Quem errou foi o governo federal ao fazer um acordo para diminuição do teor de sódio dos alimentos que praticamente não terá efeitos práticos para a saúde dos brasileiros.

O círculo se fecha - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 02/04/12

Com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) nas cordas, os próximos dias devem complicar a situação de outros políticos envolvidos na Operação Monte Carlo. O inquérito mostra uma conversa entre Carlinhos Cachoeira, pivô do escândalo, e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), em maio de 2011.

Cachoeira pede para o tucano interceder a favor de uma funcionária da Secretaria de Segurança Pública. "Leréia, me faz um favor aí, rapaz. O Edmundo está perseguindo o Aredes lá e tá querendo tirar a secretária dele da SSE", diz Cachoeira. Na conversa, o deputado promete ligar para tentar resolver a situação.

Tentáculos 1 Cachoeira se referia a Aredes Correia, então corregedor-geral da Polícia Civil. Num grampo anterior à conversa com Leréia, o policial pede ajuda do acusado de contravenção para que tentasse evitar a demissão da funcionária da secretaria.

Tentáculos 2 Segundo a Polícia Federal, o delegado usou sua posição como corregedor-geral para "obter e repassar informações" para a organização criminosa.

Profecia No pedido de prisão de Cachoeira, o Ministério Público Federal de Goiás usa como epígrafe uma citação de Ruy Barbosa: "De todas as desgraças que penetram no homem pela algibeira e arruínam o caráter pela fortuna, a mais grave é sem dúvida alguma essa: o jogo".

Bola... O presidente do PT da Bahia, Jonas Paulo, afirma ter avisado, por duas vezes, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) de que o ex-assessor especial da pasta Edson Oliveira tinha um comportamento inadequado.

... cantada "Eu disse que ele não era da nossa confiança", diz o dirigente. Oliveira, que foi demitido, admitiu que recebeu R$ 200 mil de propina para pagar dívida de campanha a uma prefeitura baiana em 2008. Segundo Jonas Paulo, Padilha ficou de estudar a situação do assessor.

On the road Diante da campanha de longa duração, José Serra busca uma agenda que o deixe longe do tiroteio dos outros pré-candidatos. O tucano participa hoje, em Londres, de encontro do Urban Age, grupo que discute políticas para metrópoles.

Eu? Edinho Silva diz que o cargo de presidente do PT paulista o impede de coordenar a campanha de Fernando Haddad. A ideia ganhou corpo depois que nomes da corrente CNB se queimaram. "Mas estarei presente, pois a capital é prioridade", afirma.

Superpop PC do B, PSB, PDT e PRB avançaram na montagem de frente de apelo popular para a eleição paulistana, com potencial para amealhar cinco minutos do tempo da propaganda na TV. A proposta é discutir cabeça de chapa e vice a partir de pesquisa feita em junho.

Samba e bola Para vitaminar a coalizão, os partidos preparam time de candidatos a vereador do mesmo perfil, com os ex-jogadores de futebol Marcelinho Carioca (PSB) e Dinei (PDT) e o cantor de pagode Belo (PC do B).

Vuvuzela A Frente de Resistência Urbana fará nesta semana mobilizações contra o que chama de "crimes'' da Copa de 2014, entre eles a especulação imobiliária. Haverá atos em 9 das 12 cidades-sede, entre elas São Paulo.

Bomba-relógio Se até abril não houver acordo extrajudicial entre a Varig e a União acerca de créditos que a empresa tem com o governo, aposentados e pensionistas deixarão de receber. O saldo do fundo que paga os benefícios acaba em maio.

tiroteio

Para o PT a pescaria é outra. Ela se dá sempre nas águas turvas e revoltas da corrupção, e a multiplicação dos peixes é um milagre que apenas beneficia os companheiros.

DO LÍDER DO PSDB NO SENADO, ÁLVARO DIAS (PR), sobre a acusação de que o Ministério da Pesca, sob comando do PT de Santa Catarina, comprou 28 lanchas por R$ 31 milhões e exigiu doação de campanha do dono da empresa.

Contraponto

Política é como nuvem

Paulo Maluf (PP-SP) ligou para o correligionário Salim Curiati para pedir votos para o deputado federal Dimas Ramalho (PPS), que disputa com o estadual Jorge Caruso (PMDB) uma vaga no Tribunal de Contas do Estado.

-Curiati, você precisa ajudar Alckmin e votar no Dimas.

-Mas, Paulo, e o Campos Machado? Ele lidera a campanha do Caruso -, respondeu Curiati.

Maluf, depois de pensar um pouco, respondeu:

-Curiati, o Campos é um grande líder, é meu irmão. Sabe de uma coisa? Siga a sua consciência que é o melhor.

Essa tal felicidade - II - ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA


O Estado de S.Paulo - 02/04/12


Dez anos atrás escrevi um artigo sobre felicidade, publicado no Estado em 17/3/2002. Volto ao assunto motivado por pesquisa da FGV, recém-divulgada, indicando que o "Brasil é tetracampeão em felicidade".

Esse trabalho, em parceria com a Consultoria Gallup, entrevistou cerca de 200 mil pessoas em 158 países e indagou sobre a expectativa de felicidade nos próximos cinco anos e no momento atual. Saímos vencedores nos dois quesitos. Depois do Brasil aparecem Panamá, Costa Rica, Colômbia, Catar, Suíça e Dinamarca. Merece destaque os países da América Latina aparecerem muito bem situados. Certamente, a questão climática pode ser lembrada!

A pesquisa brasileira indicou (e é um fato novo) que as mulheres são mais felizes que os homens. Marcelo Neri, da FGV, atribui o resultado ao fato de as mulheres terem conquistado maior nível de educação nos últimos anos. Acredita que educação traz felicidade porque se traduz em renda e, consequentemente, em vida melhor. A partir de 1999 a média de educação feminina superou a dos homens. Entre 2001 e 2009 a renda obtida fora do trabalho entre os homens cresceu 21%, enquanto a das mulheres teve um incremento de 47%. Outra constatação da pesquisa é a de que as mulheres solteiras, no mundo inteiro, são mais felizes que as casadas até a chegada da velhice.

Em recente palestra no Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP, André Lara Rezende indicou que, em sua lembrança, US$ 75 mil por ano para as áreas de maior custo de vida eram considerados pelos estudiosos (livro de Kaheman Thinking, Fast and Slow) um valor referencial. Colocado em outros termos, acima dessa cifra as pessoas não aumentariam sua felicidade.

Quando escrevi o artigo a que fiz referência no início, referia-me à matéria de Mara Luquet de 22/2/2002 segundo a qual a felicidade poderia representar US$ 25 mil por ano. Os pesquisadores por ela consultados à época constataram que o dinheiro compra felicidade, mas existiria uma correlação entre felicidade e renda que é muito próxima no início, iria diminuindo à medida que a renda aumenta e chegaria a ser nula quando a renda chega a US$ 25 mil. Haveria pessoas mais felizes entre os grupos ricos do que entre os mais pobres? E o que é a felicidade?

Permito-me citar uma fábula.

Certo rei, muito rico e poderoso, foi acometido de grande enfermidade. Chamaram os mais competentes médicos, que não conseguiram identificar a doença. Chamaram, então, os sábios, que, depois de muita discussão, concluíram que o rei só ficaria curado se vestisse a camisa do homem mais feliz que pudesse ser encontrado. Após muita busca, o rei perguntou-lhes: "Encontraram o homem?". "Não", foi a resposta. "E por que não?", indagou o rei. "Majestade", disseram eles, "o homem mais feliz do seu reino não tem camisa para vestir."

Em 2001 a revista dominical do jornal The New York Times publicou matéria (também citada no meu artigo) com o sugestivo título Every happy country is happy in its own way, do holandês Rot Veen Hoven. Os resultados da pesquisa indicavam que os colombianos eram mais felizes que os suíços! Os de Gana eram mais felizes que os norte-americanos e os japoneses. Na ocasião consultei o site World Database for Happiness para nos localizarmos na pesquisa. Estávamos com um índice de 7,26 (1966), que era superior ao de Chile, Índia, Venezuela, Uruguai e Espanha, para citar alguns.

Como em 2002, não tenho a pretensão de ir longe demais nesse tema, que tem sido objeto de estudo de filósofos, sociólogos e economistas. No entanto, comparando números recentes citados por André Lara Rezende com os de dez anos atrás, o nível de renda que seria necessário para iniciar um período de indiferença aos ganhos anuais teria de ser multiplicado por três. Excessiva simplificação? Não sei.

Se, no entanto, em dez anos tivemos sensíveis aumentos no bem-estar, diminuição de desigualdades e da pobreza, a qualidade de vida nas megalópoles certamente sofreu grande deterioração. Será que as pessoas que vivem fora das grandes cidades são mais felizes?

Outra pesquisa interessante diz que envelhecer e estar com o peso acima do desejado não significa necessariamente estar associado a decréscimo mental do seu bem-estar. Estudo feito pelo Warwick Medical School, da Universidade de Warwick, analisou estilos de vida e padrões de saúde em outra amostragem, de 10 mil pessoas nos EUA e no Reino Unido, e a conexão da saúde mental e física na qualidade de vida dos participantes. O relatório constatou que as pessoas investigadas indicaram ter melhorado a qualidade de sua vida mental, apesar de um decréscimo na qualidade física. Pesquisas anteriores da mesma universidade, feitas pelo professor Andrew Oswald, indicaram que os níveis de felicidade seguiam o padrão U, ou seja, o ponto mais baixo estava no meado dos 40 anos e, depois, indicavam crescimento à medida que as pessoas envelheciam. Interessante registrar que, para as mulheres nos EUA, baixo nível de exercício físico não tinha impacto em sua qualidade de vida mental, o que não era o caso dos homens, para os quais uma limitação na qualidade física dos exercícios tinha impacto adverso na sua qualidade de vida. Em resumo, com o envelhecimento há uma deterioração óbvia da qualidade de vida, mas isso não afeta seu bem-estar mental, que, ao contrário, se amplia.

E para terminar listo algumas citações bem humoradas que registrei: "O segredo da felicidade é cair nas tentações", "Paris na primavera é receita garantida de felicidade", "Felicidade é ter boa saúde e má memória" - Ingrid Bergman (com o que estou plenamente de acordo).