segunda-feira, março 19, 2012

Nasce o feminismo de resultados - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

O Dia Internacional da Mulher, data mais machista do calendário mundial, ganhou neste ano contornos especiais no Brasil. Como se sabe, 8 de março é o dia em que a mulher é tratada como classe – na homenagem mais constrangedora que se poderia conceber. É o "dia delas", exaltam os festejos paternalistas, reduzindo todas as pessoas do sexo feminino a uma categoria. Mas, como esse tipo de bondade sempre pode piorar, a criatividade populista em torno da "presidenta" está produzindo um mês da mulher como nunca se viu antes – pelo menos em termos de maquiagem progressista.

Dilma Rousseff foi homenageada com uma sessão no Congresso Nacional. Lá, o Dia da Mulher caiu na terça-feira 13. Coincidentemente, o mesmo dia marcado para o ministro da Fazenda dar explicações sobre o escândalo da Casa da Moeda, no mesmo Congresso Nacional. Foi emocionante ver Guido Mantega protegido pelo feminismo. Não se via um disfarce feminino tão eficiente desde a fuga de Brizola para o Uruguai vestido de mulher, conforme a lenda da ditadura.

José Sarney também deu seu brado feminista. Às voltas com mais uma denúncia de privatização do Estado por sua grande família, o presidente do Senado voltou suas energias para o Dia Internacional da Mulher. Em discurso emocionado, elogiou o "caráter de mulher" de Dilma Rousseff. Só um homem realmente sensível saberia identificar uma mulher com caráter de mulher.

Só um homem sensível como José Sarney saberia identificar uma mulher com caráter de mulher

Na sessão solene, vários políticos tiveram a oportunidade de parabenizar Dilma por ela ser mulher. É um mérito e tanto. É preciso muito talento gerencial para juntar, naquela escuridão danada, os cromossomos X – sem deixar que um Y venha estragar tudo, dando origem a um ser com barba, gravata e nenhum dia internacional de bajulação. Parabéns, Dilma! Esse gesto nobre se espalha pelo mundo a cada 8 de março, congratulando esposas, amantes, secretárias, ministras e especialmente mães, que, se não fossem mulheres, não dariam a ninguém a chance de nascer (o que provocaria uma onda de desemprego entre os obstetras).

Esse galanteio genérico da sociedade para com o sexo feminino não é o que há de mais estranho na modernidade. O mais estranho é boa parte das mulheres aceitar essa esmola moral, entrando felizes no curralzinho VIP do mês de março – o "seu" mês! – com pulseirinha de identificação e tudo. Talvez Luz Del Fuego precisasse nascer de novo para mandar José Sarney ir procurar o "caráter de mulher" no seu mausoléu em São Luís, no Maranhão, de preferência na próxima encarnação. Ou quem sabe uma junta celestial reunindo Zilda Arns, Ruth Cardoso e Leila Diniz pudesse fulminar com um raio esse feminismo de elevador – se possível esclarecendo que símbolos femininos não nascem em laboratório sindical.

Em pronunciamento oficial na TV, Dilma Rousseff declarou que sua própria eleição foi marcante para a afirmação das mulheres no Brasil. Mais feminino que isso, só a viúva profissional Cristina Kirchner usando sua condição de vítima do destino para violentar a liberdade de imprensa. Ouçam os cromossomos XX de Dilma falando à nação no dia 8 de março: "A mulher é uma pessoa dedicada e trabalhadora". Sotaque estranho. Quem reduz a mulher a "uma pessoa" talvez a esteja confundindo com "uma coisa" – uma coisa útil, que serve para embelezar discursos. Em lugar da mulher-objeto sexual, a mulher-objeto demagógico.

No mesmo discurso, a presidente lançou uma ameaça velada aos homens: eles ficarão em dívida com a sociedade se não olharem as mulheres com igualdade. Depois, na abertura da sessão pelo Dia Internacional da Mulher, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, companheiro de Dilma, defendeu a criação de uma cota feminina no Congresso Nacional. Talvez seja o nascimento do feminismo de resultados, onde a mulher é uma pessoa cujo valor se mede pela aritmética. Considerando que a Presidência da República foi conquistada para as mulheres por um homem, a lógica está perfeita.

O Brasil assiste orgulhoso a essa espécie de corporativismo feminista, em que a nomeação de mulheres para os altos escalões do governo é um bem em si mesmo, não importando quem sejam as portadoras dos cromossomos XX. Se o parâmetro de igualdade não for a saudosa companheira Erenice, nem tudo estará perdido.

Dilma e o bloco dos sujos - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Algo me diz que, se Renan Calheiros, Romero Jucá e Blairo Maggi estão possessos com Dilma, a presidente está certa. Não reconheço em nenhum dos três senadores acima condições morais para exigir cargos de liderança ou ministérios.

Se os parlamentares, em vez de se esconder em Brasília, quisessem escutar a voz do povo, que paga seus salários e privilégios absurdos em troca de nada, saberiam que Dilma está bem melhor no filme do que eles. Chantagear a presidente e impedir votações importantes no Congresso não ajudam os senadores. A base real, o eleitorado, enxerga o Congresso como venal e fisiologista, atuando em benefício próprio e contra o interesse público.

Vou me abster de enfileirar aqui escândalos de que Calheiros, Jucá e Maggi foram acusados, que envolvem superfaturamento, desvio de dinheiro, abuso de poder, fraudes, compra de votos, uso de laranjas e doleiros. Uma página não seria suficiente. Mas estão todos aí, vivinhos da silva, pintados de guerra e bravatas, graças ao toma lá dá cá tropicalista.

Estão aí também porque, à maneira do ex-presidente Lula, são camaleões, mudam convicções e ideias – se é que as têm – ao sabor de quem manda. Pode ser PT, PMDB, PSDB, não importa. Jucá foi presidente da Funai no governo Sarney em 1986. Aprendeu a se fazer cacique e atravessou governos incólume.

O que importa para os políticos "com traquejo" é manter a boquinha. E se tornar eterno. O presidente vitalício do Senado, José Sarney, uma vez mandou carta a esta coluna reclamando do adjetivo "vitalício". Achou injusto.

O que importa para o Senado é aumentar de 25 para 55 o número de cargos comissionados por parlamentar. O gasto anual subiu 157%, de R$ 7,4 milhões para R$ 19 milhões, se contarmos apenas o vale-refeição. Os "comissionados" são servidores contratados com nosso dinheiro, sem concurso público, pelos senadores. O guia do parlamentar diz que cada gabinete pode contratar 12 servidores. A Fundação Getulio Vargas, em estudo de 2009, definia como teto 25 funcionários de confiança por senador. Por causa de uma "brecha" (chamo isso de outra coisa), esses 25 se tornaram 55. Quantos fantasmas, alguém arrisca uma estimativa dos que nem aparecem para trabalhar? Muitos senadores liberaram seus fantasmas da exigência de ponto. São coerentes nisso. Como exigir ponto de invisíveis?

O campeão dos comissionados é Ivo Cassol, do PP de Rondônia, que contratou 67. Repetindo: Rondônia. Mas nosso inesquecível Fernando Collor, do PTB de Alagoas, não faz feio no ranking: tem 54 pajens. Collor "aconselhou" Dilma a não peitar o Congresso, porque ele teria sofrido impeachment por ser impetuoso demais. Falta memória ou desconfiômetro? É por essas e outras que os programas de humor na televisão têm reforçado suas equipes no Congresso. A OAB diz que os fantasmas são imorais – até o Facebook está pensando em censurá-los. Estão pelados, pelados, nus com a mão no bolso.

E daí? Alguém vai fazer algo ou a pauta do Congresso, fora da "zona de conforto", é a queda de braço com Dilma e o boicote a temas reais?

Que injustiça, não vamos generalizar. Existe um tema real, candente, tão importante que une todos os partidos. Da base aliada, da base oposicionista, da base mascarada. Não é o Código Florestal. Dezoito partidos pediram ao Tribunal Superior Eleitoral que libere os candidatos com "conta suja". Políticos com gastos de campanha reprovados deveriam disputar eleição, como sempre foi. Por que mudar a regra?

Dá para entender o rebuliço. Só em três Estados, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, as contas de 1.756 políticos foram reprovadas, e eles não poderiam concorrer. No país inteiro, é um blocão de sujos, e cada vez aumenta mais. Resista, TSE.

Dilma enfrentou das viúvas do Lula nos últimos dias uma saraivada de críticas a seu estilo. Foi comparada ao lutador Anderson Silva, do vale-tudo. Cientistas políticos dizem que ela mexeu numa casa de marimbondos. Devem ter se referido aos marimbondos de fogo. É ruim isso? Ela não teria traquejo, nem gosto para a política, uma presidente isolada, sem amigos. Que amigos? Os que compõem dinastias, oligarquias e são donos de capitanias hereditárias? Quando Lula distribuía afagos e benesses, era acusado de lotear o Estado. Agora, Dilma é acusada de intempestiva, virulenta e de colocar um turrão e um durão no Senado e na Câmara.

A frase da semana é do presidente do PR e ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, deposto por suspeitas de irregularidades em julho do ano passado. Ele saiu em defesa da bancada vira-casaca do PR. Ameaçou o governo: "Acabou, chega! Ninguém aqui é moleque". É. Pode ser. Afinal, os senadores se tratam por Vossa Excelência. Os moleques devemos ser nós, os 190 milhões que vêm sendo tratados como trouxas.

Falta uma agenda positiva - FERNANDO ABRUCIO

REVISTA ÉPOCA

O recente descontentamento da base governista não é novidade em nossa história nem destrói, por ora, as bases da governabilidade. A presidente Dilma Rousseff tem legitimidade e fôlego para sair dessa crise momentânea. Mas os burburinhos e episódios sazonais de traição entre os aliados podem, caso não sejam estancados, corroer aos poucos o projeto político maior, representado em última análise pela reeleição. O governo tem armas para atuar sobre esse cenário e deve fazê-lo perseguindo duas metas: a melhoria da coordenação política e a criação de uma agenda positiva no plano legislativo.

A coordenação política depende de três coisas. Primeiro, da conversa cotidiana com os aliados, procurando atender ao que for possível e estabelecendo alarmes de incêndio contra descontentamentos. Segundo, o presidencialismo brasileiro baseia-se na distribuição de verbas e, sobretudo, cargos, conforme o peso e a lealdade dos partidos situacionistas, portanto é fundamental evitar desequilíbrios entre as legendas. Por fim, é preciso fazer com que os apoiadores se sintam membros efetivos do governo.

Esses três elementos estão desequilibrados na coalizão de apoio a Dilma. Os governistas e seus líderes partidários não sabem quem são, de fato, os porta-vozes do Palácio do Planalto no Congresso. A mudança de liderança em ambas as casas pode ajudar, mas os sinais ainda são vagos. A impressão é que vigora uma conversa de surdos entre o Executivo e sua base. Cabe reforçar, aqui, que Dilma pode – deve até – aumentar a interlocução direta com os partidos. Mas não pode fazer apenas isso. Alguém reconhecido como sua "voz" precisa ter maior autonomia para articular as posições do governo no Legislativo.

A distribuição dos instrumentos de poder também está, na visão de parte da base aliada, desequilibrada. Não é fácil agradar a tantos partidos de apoio, mas é sintomático que quase todas as legendas situacionistas estejam descontentes. Em primeiro plano, é preciso compartilhar o poder mais com o PMDB. Trata-se de uma tarefa difícil para quem quer "blindar" os ministérios de maus costumes políticos. A solução não é não dar postos aos peemedebistas, mas encontrar aqueles mais adequados ao modelo de ministro almejado pela presidente. Não é fácil. Porém, é essencial trilhar esse tortuoso caminho.

Fazer os aliados se sentir governistas plenos é outra tarefa inescapável para garantir a governabilidade tranquila. É bem verdade que Dilma tem viajado pelo país elogiando seus mais diversos apoiadores e compartilhando sua popularidade. Mas o contexto da eleição municipal envenena os arranjos multipartidários. FHC já sentiu isso no pleito de 2000. Lula passou pela crise do mensalão, logo após uma briga entre partidos governistas em torno do financiamento da campanha local de 2004. A presente conjuntura é um convite à cizânia na coalizão.

Não é fácil para Dilma agradar a tantos partidos de apoio. A oportunidade está na agenda legislativa

Sem ignorar a limitação eleitoral, Dilma pode aumentar o sentimento de pertencer ao governo compartilhando os resultados das políticas governamentais. O bom desempenho econômico é um desses pontos, mas o cenário externo pode reduzir o impacto eleitoral dessa variável. O bem-estar social é um instrumento mais poderoso e seguro. Só que ele aparece como algo já dado. Os atuais congressistas teriam dificuldade para ganhar benefícios políticos mais palpáveis do combate à desigualdade, que continuarão a apoiar, mas que não contribuirá para suas ambições eleitorais. A melhoria da infraestrutura e a redução na carga tributária serão igualmente apoiadas, mas, novamente, não trarão um novo élan à base governista. E os assuntos que dominam a atual agenda do Congresso não são bandeiras poderosas para o cálculo eleitoral. A reforma previdenciária, a Lei Geral da Copa e o Código Florestal não geram bons slogans.

Ter uma agenda legislativa que desperte o interesse dos deputados e senadores é uma peça-chave da estratégia que o Executivo deve adotar para conseguir apoio do Congresso. Olhando a pauta hoje nas duas Casas, há poucos assuntos com esse potencial. Muitos têm mais chance de gerar estrago. Entre eles, um bloco se formou envolvendo questões como os royalties do pré-sal, o ICMS, a fixação de patamares mínimos de gastos em políticas públicas e a revisão do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Pior que não ter uma agenda positiva, seria deixar tomar corpo projetos que ampliam o conflito político.

Contra a interpretação corrente, é possível enxergar nessa questão uma janela de oportunidade para transformar problemas em solução, para o maior entrosamento do time governista. É preciso, ao mesmo tempo, aumentar os recursos à disposição de Estados e municípios, fazendo com que eles consigam atuar em prol de objetivos do governo federal, como elevar o investimento público, reduzir a carga tributária e incrementar o gasto social.

É possível renegociar as dívidas estaduais, levando os governadores a usar os "novos recursos" exclusivamente para investimentos – e proibindo-os de gastar esse dinheiro com despesas correntes não financeiras. Também é possível acoplar a revisão do FPE e dos royalties do pré-sal ao uso obrigatório de tais recursos com Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia. Na questão mais complicada, a revisão do ICMS, o objetivo é encontrar um caminho para reduzir os encargos sobre a economia local e, concomitantemente, abrir espaço para investimentos federais nos Estados prejudicados com a transição.

Claro que a equação não é trivial. Mas deixar rolar esse conjunto de questões sem procurar um denominador comum é temerário. Não ter uma agenda positiva no Congresso é ruim para a governabilidade, deixando-a dependente das barganhas mais imediatas. A presidente Dilma precisa ter um conjunto de causas legislativas que evite que ela fique refém do dia a dia e das surpresas da política.

Impedimento ou suspeição? - REVISTA VEJA


REVISTA VEJA

Hugo Marques


Ministro ainda não sabe se participará do julgamento do mensalão. O motivo? Sua ex-sócia e atual companheira trabalhou na defesa de três acusados no processo

Sempre que lhe perguntam se participará do julgamento do processo do mensalão - o escândalo de corrupção envolvendo políticos durante o governo Lula -, o ministro José Antonio Dias Toffoli responde de maneira evasiva. Antes de assumir o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, Toffoli foi advogado do PT, assessor jurídico do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e advogado-geral da União. Para juristas, apenas essa relação funcional com o grupo acusado de comandar o maior esquema de corrupção da história já seria um motivo suficiente para que o magistrado considerasse a hipótese de se afastar do julgamento, cujo início está previsto para maio. Existe, porém, outra razão que deve precipitar a decisão do ministro: sua ex-sócia e atual companheira atuou diretamente na defesa de três acusados de envolvimento com o escândalo do mensalão, incluindo José Dirceu, apontado pelo procurador-geral da República como o chefe da quadrilha.

Até 2007, quando assumiu a chefia da Advocacia-Geral da União, Toffoli foi sócio do escritório Toffoli e Rangel, junto de sua companheira, a advogada Roberta Maria Rangel. Antes disso, entre 2005 e 2007, Roberta foi contratada por três réus do mensalão. José Dirceu usou os serviços da banca para tentar barrar no Supremo o processo de cassação de seu mandato. Por puro acaso, a ação teve Toffoli como relator, mas foi arquivada sem que o ministro precisasse julgá-Ia. Já os ex-deputados Paulo Rocha e professor Luizinho contrataram Roberta para se defender das acusações de lavagem de dinheiro no próprio processo do mensalão. Todos os três estão envolvidos até o pescoço na engrenagem corrupta montada pelo PT que desviava recursos públicos para o caixa do partido, subornava parlamentares e maquiava a roubalheira por meio de empréstimos bancários fictícios e licitações fraudulentas no governo. Se participar do julgamento, Toffoli vai ajudar a decidir o destino de três figuras que já foram defendidas diretamente por sua companheira. Segundo especialistas consultados, é um caso que pode configurar conflito de interesses.

A lei determina que um juiz deve ser considerado suspeito - e, portanto, impossibilitado de julgar uma causa - quando existirem entre ele e uma das partes relações de parentesco, amizade ou vínculo financeiro. Ele também deve ser afastado se já tiver representado uma das partes em instâncias inferiores ou se seu cônjuge atuar como advogado no processo.

Desde que foi nomeado ministro, há dois anos e meio, o magistrado é perguntado sobre sua intenção de julgar o mensalão. Publicamente, sempre se esquivou de responder. A pessoas próximas, já confidenciou que não vê nenhuma restrição à sua atuação no caso. Essa postura tem provocado desconforto no Supremo. Nos bastidores, colegas do ministro questionam a postura de Toffoli e afirmam que sua ligação umbilical com o PT faz com que seu eventual voto - qualquer que seja ele - seja visto com desconfiança.

Procurado, o ministro disse, por meio de nota, que "não existe nenhum impedimento de ordem legal" à sua participação no julgamento. Sobre uma eventual suspeição, decidirá "no momento oportuno". Toffoli informou que já tinha conhecimento de que sua ex-sócia e atual "namorada" trabalhou para José Dirceu e os ex-deputados Paulo Rocha e professor Luizinho, mas que ele não mantém "amizade íntima ou inimizade capital com nenhum deles".

A advogada Roberta Rangel não quis se pronunciar. "O juiz deve se declarar impedido se um antigo cliente de sua mulher estiver sendo julgado", lembra o ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça Célio Borja, falando em tese, sem conhecer os detalhes do caso. O afastamento de um juiz para garantir a imparcialidade de um julgamento pode ser uma decisão pessoal do magistrado ou se dar por solicitação dos réus ou do Ministério Público. É uma questão preliminar que, certamente, ainda será motivo de muita discussão.

Aprenda, estrangeiro - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

O Congresso brasileiro vivia uma convulsão, na semana passada. Partidos que apoiam o governo se insurgiam. Alguns ameaçavam deixar o barco. O estrangeiro que desembarcasse naquele momento arriscaria: "Alguma séria questão doutrinária certamente divide os partidos. Talvez se digladiem duas visões radicalmente opostas quanto à política externa. Ou à política educacional. Quem sabe esteja para ser votado algum projeto de lei que impõe duros sacrifícios à população, como na Grécia". O brasileiro sorriria. "Eh, estrangeiro bobo! Então não ouviu as declarações dos chefes partidários? Não leu os comentaristas da imprensa?" O estrangeiro recorreria a essas fontes e ouviria as seguintes explicações:

1. Os políticos reclamam mais espaços no governo;

2. A presidente precisa conversar; precisa fazer política.

"Ah, entendi", diz agora o estrangeiro. "Falta ampliar o espaço para as grandes discussões. E também falta viabilizar as soluções de que o Brasil precisa, o que só se consegue fazendo política". Ninguém nunca se dá ao trabalho de esmiuçar o que são os tais "espaços" e que diabos significa "fazer política". O estrangeiro está, portanto, autorizado a tirar as conclusões que tirou. Obrigado, estrangeiro. Sua interpretação muito nos lisonjeia. Mas calma. Para introduzir-se no espírito da coisa, um bom início pode ser destacar um político típico e um partido típico da nacionalidade. O senhor chegou no momento certo. Tivemos um e outro em evidência, na semana passada.

O senador Romero Jucá é nossa escolha de político típico. Ele esteve no centro da crise. Sua destituição do cargo de líder do governo convulsionou o Senado. Excelente senador Jucá! Extraordinário senador Jucá! Modéstia à parte, este colunista já o destacara como exemplar típico do Hommo politicus brasileiro, neste mesmo espaço, cinco anos atrás. Pede licença para citar-se a si mesmo:

"Deseja-se alguém capaz de servir a (e servir-se de) diferentes regimes e governos? Dá Jucá na cabeça. Alguém que já pulou mais de um partido para outro do que macaco de um para outro galho? Dá Jucá. Alguém com suficiente número de escândalos em suas costas? Outra vez, Jucá não decepciona. Alguém que, representante de um estado pobre, de escassa oferta de oportunidades, consegue no entanto construir respeitável patrimônio pessoal? Jucá cai como uma luva. Um político que traz parentes para fazer-lhe parceria na carreira? Jucá! Proprietário de emissora de TV? Jucá! Um político que, derrotado aqui e denunciado ali, no round seguinte está de novo de pé, pronto para novos cargos e funções? Jucá! Jucá!".

Acrescente-se que o Brasil jamais conheceu uma única ideia de Jucá. Pronto: ele preenche todos os requisitos. Grande Jucá! Como partido típico, a escolha vai para o valente PR, o Partido da República. Na semana passada, para dar sua contribuição à convulsão em curso, o PR encheu-se de brios e anunciou o rompimento com o governo. Que partido é esse? Vai-se a seu site na internet e rememora-se que o PR, "o mais jovem dos partidos do primeiro time da política brasileira" (primeiro time!), nasceu da fusão, em 2006, do Partido Liberal, do falecido Alvaro Valle, com o Prona, do falecido "meu nome é Enéas". E a que veio? Está lá, tudo explicadinho: "Comprometido com o regime democrático, a doutrina proposta pelo PR busca a realização do Bem Comum numa sociedade livre, pluralista e participativa (...). Para o PR, a pessoa deve ser valorizada na individualidade (...). Para o PR, o Estado deve ser o gerador das garantias dos direitos humanos, promotor e guardião do Bem Comum (...)".

Trocando em miúdos: o PR quer o Ministério dos Transportes. Quer de volta o que lhe tomaram meses atrás sob acusações de corrupção. Como a presidente não lhe deu, rompeu com o governo. O líder do partido no Senado, Blairo Maggi, foi duro: "Este ministério vai ficar com o PR? Não? Então não tem mais o que discutir. Chega!".

Quer dizer, chega em termos. O senador Maggi explicou que, agora, em vez de votarem automaticamente com o governo, os sete senadores do partido agirão caso a caso. Já que agirão caso a caso, conclui-se que pode se dar o caso de, em muitas ocasiões, votarem com o governo. Acresce que o partido não devolveu nenhum dos cargos de segundo escalão que ocupa no governo. E que se mantém aberto à reconciliação ampla e irrestrita, generoso que é, desde que lhe voltem a ser abertas as portas do Ministério dos Transportes. Excelente PR! Extraordinário PR! Aprendeu, estrangeiro? Aprenda mais: o que passa por grave crise, véspera do armagedon, nos arraiais parlamentares governistas, pertence ao gênero comédia.

Lições da Europa para uma utopia tributária - MAÍLSON DA NÓBREGA

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O ICMS é uma confusa versão do seu original, o ICM (sem o "s" de serviços), criado em 1965 com a maior reforma tributária do país. Regras orientadas pelo aspecto jurídico-formal deram lugar a outras baseadas em conceitos econômicos. A reforma contribuiu para o forte crescimento de 1968-1973 (o PIB subiu a taxas chinesas, de 11,1% na média anual).

O ICMS tributa o consumo pelo método do valor agregado. Em cada etapa, registra-se o imposto devido e abate-se o valor pago na anterior. Se a alíquota for de 18%, por exemplo, em cada etapa terão sido pagos 18% sobre o que se agregou de custos e lucros ao valor da mercadoria ou do serviço. Na última, a do consumidor, a soma de todos os pagamentos corresponde, em tese, ao valor efetivo do imposto.

Esse tipo de imposto nasceu na França em 1954 com o título de taxe sur la valeur ajoutée (TVA). Foi uma revolução. Eliminava-se a tributação em cascata. isto é, a incidência continuada do imposto sobre ele mesmo. Nesse método, não se sabe quanto foi pago até a etapa final.


"A Europa foi a inspiração para o ICM e o IPl. Sua crise atual fornece outras lições. Lá, busca-se a saída via união fiscal, com mais centralização e menos soberania. De há muito, isso acontece na tributação"


A tributação em cascata reduz a eficiência. As empresas buscam economizar o imposto produzindo quase tudo. em vez de se concentrar no que fazem melhor. Com o TVA, o valor final do imposto é o mesmo. sejam quantas forem as etapas. O método facilita a especialização e a descentraliza@o, gerando ganhos de produtividade. Nas exportações, nada se cobra na saída e se credita ou se devolve o imposto recolhido nas etapas anteriores. O bem ou serviço exportado fica imune ao imposto, o que é impossível na tributação em cascata. O TVA aumenta a competitividade.

Por suas inúmeras vantagens, o TVA se espalhou pelo mundo. A Comunidade Econômica Europeia (atual União Europeia) o tornou obrigatório para seus membros em 1967, sob o nome de IVA (imposto sobre o valor agregado) ou VAT (value added tax, em inglês). A Dinamarca o adotou em 1967, seguida da Alemanha em 1968 e do Reino Unido e da Itália em 1973. E assim por diante. Estabeleceu-se a harmonização de regras e alíquotas, para minimizar sua dispersão.

O Brasil o implementou em 1967, antes de muitos países, mas em vez de um IVA nacional o imposto foi atribuído à União (IPI) e aos estados (ICM). Os municípios ficaram com o imposto sobre serviços (ISS). em cascata. A harmonização decorria de restrições para os estados fixarem normas e alíquotas. que cabiam ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e ao Senado.

A Constituição de 1988 deu aos estados o poder de criar regras e alíquotas. A harmonia desmoronou. Virou bagunça. Surgiram 27 confusas e complexas legislações estaduais. A desoneração das exportações ficou quase impossível. O caos se acelerou com o uso desbragado da substituição tributária do ICMS. pela qual se cobra. na produção, o imposto devido até a etapa final. o que é bom para inibir a sonegação e ruim para a eficiência. A substituição tributária presta-se ao arbítrio fazendário, aumenta os custos e reduz a produtividade. O ICMS adquire o caráter da velha cascata. Regredimos quase meio século.

A bagunça prejudicou o crescimento. A situação tende a piorar. Os governadores não têm incentivos para inibir o caos. Põem e dispõem frequentemente sobre o ICMS e podem fazer 2ue1Ta fiscal. Diz-se que a autonomia federativa exige que os estados tenham e comandem o imposto. Não é assim nos países que adotam o IVA.

A Europa foi a inspiração para o ICM e o IPI. Sua crise atual fornece outras lições. Lá. busca-se a saída via união fiscal, isto é, com mais centralização e menos soberania. De há muito. Isso acontece na tributação. Os países da União Europeia não podem mudar o IVA a seu bel-prazer como os estados no Brasil.

Aqui, o equivalente no campo tributário seria um IVA nacional, abrangendo o IPI, o ICMS e o ISS, e distribuído automaticamente entre as três esferas de governo. A bagunça acabaria. O potencial de crescimento e bem-estar se elevaria. A mudança reduziria a autonomia de estados e municípios. o que implica enorme complexidade política e financeira. É uma utopia. sim, mas não custa sonhar. Afinal. é assim em federações mais fortes como Alemanha, Áustria, Austrália e Nova Zelândia. Por que não no Brasil?

Mas parece uma vaca - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Estado de S. Paulo - 19/03/12


Diz-se que um psicólogo americano, tentando provar sua tese de que a gente vê imagens separadas e compõe o" conceito"na cabeça, resolveu entrevistar um vaqueiro, ao lado de seus alunos. 

Foi mais ou menos assim: - O que o senhor está vendo ali na frente?, pergunta o psicólogo.

- Uma vaca, diz o vaqueiro.

- Mas olhando bem, prestando atenção na imagem, o que parece? - Uma vaca, e ela está de lado para nós.

- Mas o senhor não está vendo, antes, um amplo plano azul e outro verde? - Sim, o céu e o pasto.

- Bom, e o objeto ali no meio...

- A vaca...

- Na verdade, o senhor não estaria vendo planos e cores brancas e negras? - É...

- Planos inclinados e tons diferentes, certo? - Olha, doutor, vista deste lado, parece uma vaca.

Podem-se ver muitas análises e planos isolados na última Ata do Comitê de Política Monetária(Copom) do Banco Central (BC), em que se anunciou que a taxa básica de juros vai parar nos 9% ao ano.

Mas parece que o Copom enxergou mesmo foi uma bela vaca: a caderneta de poupança.

O bicho já estava no pasto. No governo e fora dele-especialmente nos meios políticos - crescia a discussão sobre como mudara regra de correção da poupança.Mudança tida como obrigatória.

A poupança, pagando 0,5% ao mês mais TR,deu uma remuneração de 7,4% em 2011.O poupador não recolhe Imposto de Renda (IR),não paga taxa de administração, pode sacar a qualquer momento e tem garantia do governo.

Assim, se a taxa básica de juros fixada pelo BC- que remunera títulos do governo, base dos fundos de investimentos, e é piso do custo do dinheiro - cair para a casa dos 8%, a poupança surge como aplicação imbatível. Em um fundo, em títulos de renda fixa, o investidor paga IR (de 15% a 22,5%) mais taxa de administração.

E qual o problema de a poupança tornar-se preferencial? Começa que o Tesouro,o governo, terá dificuldades para financiar seus gastos e a rolagem da dívida.

Por que o investidor compraria quotas de um fundo ou papéis no Tesouro Direto, numa operação mais complicada e menos acessível aos pequenos, se tem a simplicidade da poupança,pagando praticamente a mesma coisa? Além disso, obviamente, os grandes aplicadores,que têm facilidade para movimentar seu dinheiro, correriam para a poupança.( Na época da inflação alta e crônica, havia de terminados momentos em que a poupança rendia bem acima dos índices de preços.

Os próprios banqueiros, direta ou indiretamente, corriam a depositar seu caixa na velha caderneta.) Por outro lado, a poupança financia a construção civil.Com os juros do BC lá embaixo,aumentariam os recursos disponíveis para a casa própria, mas em proporção certamente superior à capacidade do setor. Não haveria famílias para tomar todo esse financiamento nem construtoras para atender à demanda.Assim,sobrariam recursos num lado e faltariam em outro, com um desequilíbrio grave do sistema financeiro.

É conclusão unânime. Para que os juros caiam no Brasil, é preciso mudar o sistema da poupança, com um objetivo explícito: reduzir a remuneração, pagar menos.

Do contrário,a regra da poupança impõe um piso para a taxa básica de juros, ali nas cercanias dos 8%.

Exatamente por isso, quando a taxa caiu a 8,75% em 2009, o governo Lula preparou e divulgou uma proposta para mudar a poupança.

O debate esquentava, o governo já estava meio arrependido e, aí,com a volta da inflação,os juros subiram de novo e o problema desapareceu.

Mas voltou.Como a presidente Dilma,o ministro Mantega e o presidente do BC, Alexandre Tombini, diziam abertamente que estava em curso um processo de redução estrutural da taxa de juros e,como o Copom começou a derrubar a taxa antes e mais depressa que o mercado esperava,a discussão sobre a poupança entrou no cenário.

O governo não oficializou nada, mas todo mundo sabia que os estudos estavam em andamento. Já se pensava até em campanhas de esclarecimento.

Mas a coisa rolou também na política.

Poupança é sagrada, é o dinheiro do povo. Fazer uma maldade aí em pleno ano eleitoral? De seu lado, a oposição, de maneira tão oportunista quanto irresponsável, já esfregava as mãos: o governo confiscando o dinheiro da poupança - e, por falar nisso, Collor não está mesmo na base de Dilma? Logo, faz todo sentido a reação do governo: não se fala mais nisso pelo menos neste ano. E a queda dos juros? A taxa do BC para nos 9%até o final deste ano.

A Ata do Copom não diz isso, nem o governo.A Ata traz um longo arrazoado técnico para explicar a decisão.

Mas vamos falar francamente: estatísticas bem torturadas confessam muita coisa; cenários sobre o futuro, então... Não que seja uma prática comum e recomendável, mas não é difícil tomar uma decisão e depois buscar os argumentos para apoiá-la.

O BC tem apresentado frequentes surpresas, pequenas e grandes.

Entre elas, foram duas mudanças súbitas de curso: a primeira, no ano passado,no sentido da ousadia, da heterodoxia, quando o Copom deu uma guinada para iniciar forte redução de juros; e a segunda, agora,numa direção que se diria conservadora,quando anuncia a interrupção do processo de queda, num ponto mais alto do que sugeria ainda há poucos dias.

Os analistas, os que apoiavam e os que criticavam o BC, entenderam que o Copom da era Dilma/ Tombini era diferente, preocupava- se com crescimento, além da inflação, e marchava para testar juros mais baixos. De repente, parou.

Pode-se dizer: mas é por pouco tempo, em 2013 se retoma o processo.

Não é bem assim. Se estava certo o raciocínio do BC antes da última mudança, o momento atual oferecia uma janela de oportunidade para acelerar a derrubada dos juros. Ano que vem volta a inflação e a situação se complica.

Não é normal um BC surpreender o mercado tantas vezes seguidas.

Nem o mercado nem o BC gostam disso. Desorganiza planejamentos de empresas e pessoas.

Por isso, os analistas se esforçam para entrar na cabeça do BC e enxergar os mesmos horizontes.

Mas está difícil.

Olhando o horizonte, o BC apontou vários cenários - planos inclinados e cores.Em nenhum deles aparece a restrição da poupança.

Mas pode olhar bem - é o que parece... a vaca está lá.

Crucifixo, chatice e intolerância - CARLOS ALBERTO DI FRANCO


O Estado de S.Paulo - 19/03/12


Carlos Brickmann, jornalista arguto e politicamente incorreto, decidiu entrar no vespeiro do despejo do crucifixo de todas as dependências do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Vale a pena registrar o seu comentário.

"Há religiões; também há a tradição, há também a história. A Inglaterra é um estado onde há plena liberdade religiosa e a rainha é a chefe da Igreja. A Suécia tem plena liberdade religiosa e uma igreja oficial, a Luterana Sueca. A bandeira de nove países europeus onde há plena liberdade religiosa exibe a cruz.

O Brasil tem formação cristã; a tradição do país é cristã. Mexer com cruzes e crucifixos vai contra esta formação, vai contra a tradição. A propósito, este colunista não é religioso; e é judeu, não cristão. Mas vive numa cidade que tem nome de santo, fundada por padres, numa região em que boa parte das cidades tem nomes de santos, num país que já foi a Terra de Santa Cruz. Será que não há nada mais a fazer no Brasil exceto combater símbolos religiosos e tradicionais?

Se não há, vamos começar. Temos de mudar o nome de alguns Estados e cidades como Natal, Belém, São Luís e tantas outras. E declarar que a Constituição do País, promulgada 'sob a proteção de Deus', é inconstitucional.

Há vários símbolos da Justiça, sendo os mais conhecidos a balança e a moça de olhos vendados. A balança vem de antigas religiões caldeias. Simboliza a equivalência entre crime e castigo. A moça é Themis, uma titã grega, sempre ao lado de Zeus, o maior dos deuses. Personifica a Ordem e o Direito.

Como ambos os símbolos são religiosos, deveriam desaparecer também, como o crucifixo?"

Em São Paulo, cidade cosmopolita e multicultural, basta bater os olhos nas estações da Linha Azul do Metrô: Conceição, São Judas, Saúde, Santa Cruz, Paraíso, São Joaquim, Sé, São Bento, Luz, Santana. E aí, vamos ceder ao fervor laicista e mudar o nome de todas elas?

Carlos Brickmann foi certeiro. Mostrou a insensatez e a chatice que estão no fundo da decisão de um Judiciário ocupado com o crucifixo e despreocupado com processos que se acumulam no limbo da inoperância e do descaso com a prestação da justiça à cidadania. Na escalada da intolerância laicista, crescente e ideológica, não surpreenderia uma explosão de ira contra uma das maravilhas do mundo e o nosso mais belo e festejado cartão-postal: o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.

O Estado brasileiro é laico. E é muito bom que seja assim. Mas a laicidade do Estado não se estende por lei, decreto ou decisão judicial a toda a sociedade. O Estado não pode abolir ou derrogar tradições profundas da sociedade, pois estaria extrapolando o seu papel e assumindo a inaceitável função de tutor totalitário de todos nós.

Como já escrevi neste espaço opinativo, o laicismo, tal como hoje se apresenta e "milita", não é apenas uma opinião, um conjunto de ideias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. Também não se identifica com a "laicidade", que é algo positivo e justo e consiste em reconhecer a independência e a autonomia do Estado em relação a qualquer religião ou igreja concreta, e que inclui, como dado essencial, o respeito pela liberdade privada e pública dos cultos das diversas religiões, desde que não atentem contra as leis, a ordem e a moralidade pública.

O laicismo militante atual é uma "ideologia", ou seja, uma cosmovisão - um conjunto global de ideias, fechado em si mesmo -, que pretende ser a "única verdade" racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, no ensino, etc. Por outras palavras, o laicismo é um dogmatismo secular, ideologicamente totalitário e fechado em sua "verdade única", comparável às demais ideologias totalitárias, como o nazismo. Tal como as políticas nascidas dessas ideologias, o laicismo execra - sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele - os pensamentos que divergem dos seus "dogmas" e não hesita em mobilizar a "Inquisição" de certos setores para achincalhar - sem o menor respeito pelo diálogo - as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.

Alegará que são interferências do pensamento religioso ou de igrejas, quando um democrata deveria pensar apenas que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles; e sem reparar que o seu laicismo militante, dogmático, já é uma pseudorreligião materialista e secular, como o foram as ditaduras comunistas e o nazistas.

Pratica-se, então, o terrorismo ideológico, pelo sistema de atacar os que, no exercício do seu direito democrático, pensam e opinam de forma diferente da deles, acusando-os de serem - somente por opinarem de outra maneira - intransigentes, tirânicos, ditatoriais - três características das quais o laicismo, na realidade, parece querer a exclusividade.

O Brasil, não obstante o empenho dos proselitistas ideológicos, é um país tolerante. Na religião, igualmente, o Brasil tem sido um modelo de convivência. Ao contrário de muitas regiões do mundo marcadas pelo fanatismo e pelo sectarismo religioso, o Brasil é um sugestivo caso de relação independente e harmoniosa entre religião e Estado.

É preciso, sem dúvida, desenvolver o senso crítico contra os desvios da intolerância, do fanatismo e de certas manifestações de estelionato religioso tão frequentes nos dias que correm. Mas não ocultemos os estragos causados pelo fundamentalismo laicista.

Estado laico, sim. Mas articulado com o Brasil real, tolerante, aberto, miscigenado.

O Irã e as armas nucleares - JOSÉ GOLDENBERG


O ESTADÃO - 19/03/12

Não há nada de original na estratégia utilizada pelo Irã para justificar sua opção de desenvolver energia nuclear como um símbolo da soberania nacional que unifica o país em torno de seus dirigentes. Esses argumentos já foram usados no Brasil na década de 1970, durante o regime militar, e temos, portanto, experiência em entendê-los.

O uso de energia nuclear para fins pacíficos envolve tecnologias bem conhecidas, algumas muito benéficas, como as inúmeras aplicações médicas. A produção de eletricidade em reatores nucleares é, porém, mais controvertida, porque o custo da eletricidade produzida, em geral, é mais elevado que o de outras formas, como hidreletricidade e usinas queimando carvão ou gás natural. Além disso, acidentes com reatores nucleares podem ser extremamente graves, não só do ponto de vista dos riscos para a vida de grandes populações que habitam o entorno dos reatores, como também extraordinariamente dispendiosos. O recente desastre com os reatores nucleares no Japão teve seu custo estimado em US$ 275 bilhões.

Há países que não têm outras opções para produzir eletricidade, como a França e a Rússia, e não se mostram dispostos a abrir mão dessa fonte de energia. Já outros, como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica, se convenceram de que podem produzir a energia de que necessitam com outras fontes menos problemáticas. O Irã, a rigor, está nesta categoria: do ponto de vista técnico, esse país não tem nenhuma justificativa plausível para usar reatores nucleares para a produção de eletricidade, uma vez que dispõe de enorme reserva de gás natural (a segunda maior do mundo).

Esse é também o caso do Brasil, que possui recursos hidrelétricos abundantes. Não era essa, contudo, a visão dos militares na década de 70. Se ela tivesse vingado, Itaipu não teria sido construída. Afinal a razão acabou prevalecendo e dos 60 reatores nucleares planejados para o ano 2000 existem hoje apenas 2 funcionando, em Angra dos Reis (RJ).

Adotar a opção de instalar reatores nucleares para a produção de eletricidade pode ser, todavia, apenas uma tática para ocultar intenções de produzir armas atômicas, e há exemplos de países onde isso ocorreu. O Irã parece seguir esse mesmo caminho e as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) reforçam tais desconfianças.

Na realidade, é mais fácil produzir armas do que eletricidade com energia nuclear. O que há em comum entre essas duas possibilidades é o acesso ao urânio enriquecido (ou plutônio). Se o nível de enriquecimento for baixo (de 3% a 5%), ele é usado em reatores nucleares. Se for maior que 80%, pode ser usado para produzir bombas atômicas. No urânio encontrado na natureza há menos de 1% do material que é útil para reatores ou armas nucleares. É preciso, por isso, um processo que aumente essa porcentagem, chamado de "enriquecimento".

A Índia "pirateou", de um reator canadense instalado no seu país, o plutônio para fazer a sua primeira explosão nuclear, em 1974. Apesar disso, não conseguiu ainda construir reatores nucleares de grande porte para a produção de eletricidade. O mesmo ocorreu na Coreia do Norte. Já o Paquistão usou centrífugas "pirateadas" por Abdul Qadeer Kahn, técnico paquistanês que trabalhou na Urenco, na Holanda. O Irã está usando centrífugas do tipo paquistanês e tentando melhorá-las.

Os grandes progressos na área nuclear que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anuncia de tempos em tempos não são realmente significativos. Fazer varetas de combustível nuclear com urânio enriquecido para usar num reator de pesquisas, que é o seu último "sucesso", foi feito na década de 80 no Instituto de Energia Atômica na Universidade de São Paulo (USP).

Infelizmente, porém, não há barreira técnica intransponível entre enriquecer urânio a 5% (para reatores nucleares) ou 90% (para bombas atômicas). A barreira é uma decisão política.

Países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, como o Brasil e o Irã, estão comprometidos a não produzir bombas, mas o único mecanismo existente para garantir que isso não aconteça de fato são as inspeções da AIEA, que o Irã frequentemente impede. O Brasil e a Argentina têm o seu próprio acordo de inspeções mútuas desde 1992 e que até hoje não deu origem a problemas.

Por causa das constantes transgressões, o Irã tem recebido sanções dos países europeus e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que internamente é usado para consolidar a solidariedade ao governo, que se apresenta como vítima de uma conspiração internacional. Essa é a estratégia tradicional de governos totalitários para se legitimarem - que a Alemanha nazista utilizou em grande escala para justificar a sua política de agressão militar e até mesmo o holocausto.

Um ataque militar de Israel ou dos Estados Unidos para destruir as instalações nucleares iranianas não está excluído - operações desse tipo já foram feitas no passado por Israel contra o Iraque e a Síria. O sucesso de tal operação no Irã é, contudo, problemático.

A alternativa é um acordo político com o Irã para que abandone seus planos nucleares com fins militares, como fez recentemente a Coreia do Norte. O problema é que o atual regime identifica sua sobrevivência com o prosseguimento desses planos. No Irã a energia nuclear é apresentada como uma tecnologia modernizante e um passaporte para o Primeiro Mundo, como, aliás, se tentou fazer na década de 70 no Brasil.

Sucede que há muitas tecnologias modernizantes e o que a História mostra é que modernizar não é produzir armas, mas resolver os problemas fundamentais de infraestrutura, saúde e educação do país.

O desenvolvimento na base do "puxadinho" - SERGIO LEO


Valor Econômico - 19/03/12


Exportadores, receberam a notícia, na semana passada, de que a Receita Federal não pensa em começar tão cedo a aplicação do Reintegra, o sistema criado com o plano Brasil Maior, em agosto do ano passado, que previa o desconto nos impostos ou a devolução, em dinheiro, de 3% do faturamento das empresas exportadoras, para cobrir tributos cobrados indevidamente na produção. O Ministério da Fazenda reconhece o atraso na operação do sistema, regulamentado só em dezembro, mas, até agora, a Receita não se mostrou pronta a agir. Pedido de informação sobre o prazo de entrada do Reintegra, feito ao ministério na semana passada, pelo Valor, ficou sem resposta.

No setor privado, circula a informação de que a Receita não pensa em pagar o Reintegra antes de agosto, um ano após sua criação, e tarde demais para ter efeito significativo nas contas comerciais deste ano. Há esperança de que seja só pessimismo. Mas seria coerente com o espantoso grau de improvisação que marca as decisões do governo em relação a um dos principais dilemas e prioridade da gestão econômica - a visível perda de competitividade de boa parte do parque industrial brasileiro.

Não pode ser chamado de outra coisa que não improviso a declaração feita em dezembro pelo ministro Guido Mantega, de que mudaria o sistema de tributação de têxteis e confecções importados, de ad valorem (um percentual sobre o preço) para ad rem - um valor fixo, que se torna um percentual maior quanto menor é o preço. O ministro gastou seu latim, passaram-se mais de dois meses e não se fala mais disso no governo.

Alguém deve ter mostrado à presidente Dilma Rousseff que esse tipo de medida (usada, reconheça-se, por países desenvolvidos), além de um retrocesso, por reduzir a transparência das barreiras comerciais, é essencialmente regressivo: ao punir produtos mais baratos, tributa menos um terno Armani que outro, popular, por exemplo.

O recente acordo com o México em torno do regime automotivo entre os dois países foi outro exemplo de improviso: depois de aumentar (violando regras da Organização Mundial do Comércio) o IPI de automóveis, exceto os do Mercosul e do México, o governo descobriu que, como seria óbvio, a medida havia dado impulso às já vistosas importações de carros mexicanos. E, de Brasília, avisaram ao México que romperiam o acordo. Apelos mexicanos converteram o rompimento em um regime de cotas de importação. De quebra, enterraram-se as perspectivas de um amplo acordo comercial com o México, sonhado pela indústria brasileira.

Nesse jogo de medidas reativas e pontuais, anunciadas às vezes sem estudos técnicos sobre como viabilizá-las, o empresariado se sente obrigado a pegar o que lhe oferecem para sobreviver, enquanto não se vê no horizonte uma política articulada, consensual entre os ministérios, de longo prazo e indutora de investimentos em produtividade e aumento de capacidade.

"Não há bala de prata, toda medida é importante", argumentava, na semana passada, o ativo diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel, ao explicar a pressão do setor por uma alíquota menor que 1,5% para o imposto sobre faturamento oferecido pelo governo em troca da extinção dos 20% sobre a folha, pagos à Previdência.

A anunciada desoneração da folha de pagamentos, limitada a uma troca de imposto sobre folha por um sobre faturamento, decidida aos trancos e embates surdos na burocracia, é a esmola com que o governo anuncia enfrentar um dos vários custos que amarram a indústria nacional, o do trabalho. É um problema sério, de fato. Movido por fatores demográficos, econômicos, sociais e pela desvalorização do dólar, o custo do trabalho no Brasil aumentou em níveis preocupantes no últimos anos.

Com base nas estatísticas do Departamento de Trabalho dos EUA, o economista Jorge Arbache constatou que, entre 2002 e 2010, o custo do trabalho no Brasil, em dólares, cresceu 226%, muito mais que na China (139%), Cingapura (19%), Coreia (16,6%) e México (1,1%), entre outros. Mas, curiosamente, o custo da hora trabalhada no Brasil, em 2010, era quase metade do registrado em Cingapura, e 60% do da Coreia. Na China, a hora trabalhada custa cerca de um décimo do que no Brasil, enquanto no México tem variado pouco, equivalendo, em 2010, a pouco mais de 60% do brasileiro. Isso faz suspeitar da influência, nesses custos, da desvalorização do dólar em relação ao real forte.

Os dados da Coreia e de Cingapura enfatizam um ponto ressaltado por Arbache: "o salário, isoladamente, não é problema, como se vê com o operário da Mercedes em Stuttgart, que ganha US$ 95 mil ao ano". O maior problema, no Brasil, chama-se produtividade, e ele se agrava com o fim do bônus demográfico, o crescimento da população em idade ativa, que cresceu fortemente nos últimos anos e chegou próximo do limite a partir do qual começará a cair. O Brasil, tem trabalhador pouco produtivo, e, ao contrário de outros países, não tirou proveito do bônus demográfico, sob a forma de mão de obra barata ou acúmulo de poupança, lembra Arbache.

É Arbache que menciona a política do "puxadinho", com criação de medidas como quem acrescenta anexos à casa, sem ligação consistente com o plano arquitetônico inicial. Dilma sabe da necessidade de ter um plano de longo prazo, diz o economista. Mas os temas da inovação e do aumento de produtividade, por exemplo, mencionados como essenciais - como são - nos documentos do Brasil Maior, não parecem ocupar as cabeças pensantes do Ministério da Fazenda, instância última das decisões de política industrial tomadas nos últimos meses. Não estão nas últimas medidas anunciadas pelo governo.

Pode-se morar em uma casa feita à base de puxadinhos. Mas à custa de sérias ineficiências, e o risco de dar com a cara em paredes, no lugar onde deveriam existir portas e janelas.

Austeridade relativa - FABIO GIAMBIAGI


O Estado de S.Paulo - 19/03/12


Um estrangeiro que chegasse ao Brasil no começo de 2011 e fosse capaz de entender português teria tido a oportunidade de ler as mais diversas reportagens, declarações oficiais e relatórios governamentais destacando a muitas vezes mencionada "austeridade fiscal". Vindo de um país latino, acostumado ao uso mais elástico da linguagem, talvez ele pudesse entender mais claramente o que estava em jogo. Mas, se ele viesse de um país anglo-saxão, com uma formação cartesiana mais rigorosa, ainda que compreendesse bem a língua local, teria tido dificuldade de entender três coisas.

A primeira a gerar certa perplexidade seria a linguagem em si. Usei acima a expressão "austeridade" porque é assim que ela se manifestou nas páginas econômicas dos jornais, mas no discurso oficial a palavra raramente foi usada, sendo em geral substituída pela imagem da "consolidação fiscal", que a rigor não quer dizer absolutamente nada e, de certa forma, passa um pouco a ideia de que se trataria da "austeridade que não ousa dizer seu nome".

A segunda dificuldade para entender a realidade local seria a flagrante contradição entre a postura de um governo que, no País, ao se posicionar diante dos chamados "mercados", se esforçou por todos os meios em passar a impressão de que a nova gestão daria inequivocamente um "basta" na política fiscal fortemente expansionista de 2009/2010, mas, ao ultrapassar as fronteiras nacionais e sempre na companhia do governo argentino, pontificava em dar lições ao mundo acerca de como gastar.

Mais ainda, as autoridades estavam sempre dispostas a utilizar qualquer púlpito no âmbito do G-20 para expressar suas críticas àqueles que aspiravam a pôr um freio na gastança dos governos grego e italiano, que nunca se destacaram propriamente por serem um primor de austeridade fiscal. Seria difícil para o nosso estrangeiro evitar a associação entre o Brasil e a imagem de um jovem que, obrigado pelas circunstâncias a agir contra sua própria natureza e vestir terno no seu novo emprego, no fundo é feliz mesmo agindo com ar displicente quando sai em viagem ao exterior.

A terceira dificuldade, e a mais importante de todas, seria conciliar a versão impressa diariamente pelos jornais - com manchetes sobre o "corte de R$ 50 bilhões", austeridade e o uso frequente da palavra "arrocho" para definir a situação dos Ministérios - com a realidade dos fatos. Com a vantagem de não precisarmos ter bola de cristal por já sabermos o que ocorreu, podemos olhar para os números do ano passado. E o que nos dizem eles, agora que já sabemos como foi de fato a execução fiscal em 2011, se deflacionarmos os dados pela variação média do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)?

O que eles nos dizem são quatro coisas. Primeiro, que as despesas correntes de 2011, excetuando transferências a Estados e municípios, tiveram um aumento real de 4%. Segundo, que as transferências a Estados e municípios tiveram, sempre em termos reais, incremento de 15%. Terceiro, que o investimento público do governo federal caiu 5%. E, finalmente, que a resultante desses três efeitos foi um aumento real de 5% do gasto total.

Cotejando a situação com o noticiário sobre o ajuste fiscal efetivo da Espanha, o corte de despesas na Inglaterra ou a redução do valor das aposentadorias na Grécia, o nosso estrangeiro poderia ter indagado com curiosidade a um interlocutor: "O que vocês chamam de austeridade no Brasil? Que parte do português eu não entendi?". Algumas rubricas, em particular, chamariam a atenção dele, com destaque para o sempre instigante fato de no País o desemprego estar em queda e todo ano a despesa com seguro-desemprego crescer (7% de aumento real das despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador em 2011).

Analisando o padrão de gasto (aumento do gasto corrente e corte do investimento), a atitude do País se parece com a de um indivíduo que, com algum problema de caixa, mantém a programação para fazer a festa de aniversário, mas, para tentar se enquadrar na restrição orçamentária, tira o filho da melhor escola do bairro para colocá-lo numa escola ruim e mais barata.

O mais intrigante de tudo, porém, ainda estaria por vir, olhando em perspectiva para 2012. É que, em 2011, tudo o que foi dito acima ocorreu num contexto em que a variação real do salário mínimo, base da remuneração de 2 de cada 3 aposentados, foi nula - o que ajudou a evitar um crescimento maior da despesa -, enquanto em 2012 essa variável - que afeta as despesas do INSS, dos benefícios assistenciais e do seguro-desemprego - aumentou nada menos do que 7,5%. Em outras palavras, o gasto para este ano vem com um inequívoco "viés de alta". O governo merece crédito por ter atingido um superávit primário de 3,1% do PIB, mas o gasto agregado, tanto em 2011 como em 2012, continua aumentando firmemente.

É por essas e outras que o estrangeiro da história terá no final aprendido que, no Brasil, nem tudo o que é dito corresponde de fato ao que é dito; nem tudo o que é feito é dito; e nem tudo o que é dito é feito.

A guerra federativa - PAULO GUEDES


O GLOBO - 19/03/12

Primeiro houve um ataque aos royalties constitucionalmente assegurados aos Estados e municípios em que ocorre a extração de petróleo. Foi deflagrada uma verdadeira guerra federativa. A redivisão dos royalties seria devastadora para as finanças dos Estados produtores.

A guerra dos royalties é fruto da profunda insatisfação com o atual regime de distribuição dos recursos orçamentários entre as unidades da Federação. Pois agora vem aí um contra- ataque dos Estados produtores, a propósito da redistribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Os Estados do Norte e do Nordeste, que se lançaram com extraordinário apetite sobre os royalties do petróleo, recebem, sob a forma de transferências da União, 85% dos recursos do FPE. Mas as dificuldades financeiras de Estados e prefeituras em todo o país, em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o fato de que as regiões mais pobres não estão apenas do Norte e no Nordeste indicam a possibilidade de uma importante reformulação nos critérios de distribuição desses recursos. Afinal, os critérios atuais foram julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

O Congresso tem prazo até 31 de dezembro de 2012 para aprovar uma lei estabelecendo novos critérios para as transferências do FPE.

A descentralização de recursos e atribuições entre os entes federativos é uma exigência de nossa democracia emergente. A concentração de poder financeiro e político no governo federal é uma herança maldita do regime militar, que a social-democracia brasileira não teve a coragem de enfrentar.

O ex-presidente Lula demonstrou grande sabedoria política em acordo com os governadores de Estados produtores de petróleo em 2010. O governo federal reduzia pela metade sua fatia dos royalties, permitindo aumentar substancialmente a parte dos demais Estados e municípios, descentralizando recursos sem arruinar as finanças dos Estados e municípios produtores. Lula estava certo: é a União quem deve ceder.

A presidente Dilma Rousseff deve avançar uma proposta de reforma fiscal, para evitar a guerra federativa, atraindo governadores e suas bancadas parlamentares com uma agenda positiva que regenere as práticas políticas em nosso Congresso. Os Estados e municípios são, afinal, os novos eixos para a modernização administrativa e a descentralização operacional do Estado brasileiro.

AÉCIO NEVES - Prevenção e segurança


FOLHA DE SP - 19/03/12
Escrevo ainda em Washington, onde cumpri missão solicitada pelo governador Anastasia de negociar com o BID recursos para os programas de prevenção à criminalidade dirigidos a jovens que vivem em áreas de risco social em Minas.

Trata-se de um tipo de investimento importante para todo o país. No caso de Minas, significa a continuidade de experiências inovadoras que lidam com este grande desafio contemporâneo de maneira diferenciada e mais eficiente.

Neste modelo, o programa mineiro Fica Vivo tem sido indicado como referência a outros países pelo BID, Banco Mundial e ONU. Pesquisas neste campo constatam que os programas de prevenção à criminalidade são, de longe, os que obtêm maior êxito na garantia de segurança das comunidades. Provam que nem sempre mais armamentos significam mais segurança.

Em Bogotá (Colômbia) e em Boston (EUA), a rede do narcotráfico e as gangs foram desmontadas a partir da interferência do Estado na comunidade. Depois da prisão dos delinquentes, essas áreas foram resgatadas por ações sociais em parceria com ONGs e igrejas, para assistência de jovens em novos espaços de convivência e aprendizado.

Nas UPPs do Rio não tem sido diferente. A comunidade abrigou a polícia quando percebeu que sua missão era pacificar, e não matar.

No Fica Vivo, jovens são ouvidos e recebem atenção de uma rede de profissionais, fazem cursos e são estimulados a conviver em paz uns com os outros. Estudo publicado pelo Banco Mundial/Cedeplar mostra que o gasto para se prevenir um crime violento com este programa é dez vezes menor do que com patrulhamento ativo, tradicional.

Acredito que este é um debate especialmente pertinente em ano de eleições municipais, quando o destino de cada uma de nossas cidades volta a ser discutido. As soluções de ocupação e intervenção urbana e programas alternativos de convivência social ganham cada dia mais importância estratégica para o enfrentamento de diferentes desafios da sociedade. São esses espaços esquecidos na construção das grandes cidades que, agora, podem ajudar a salvá-las.

O recrudescimento da violência não é um fenômeno localizado -pontua Brasil afora. Falta-nos uma política nacional de segurança e um efetivo compartilhamento de responsabilidades. Pelos dados disponíveis, em 2009, 83% dos investimentos neste campo foram feitos por Estados e municípios.

Se somarmos a esta constatação uma outra, a de que a União reduziu, nos últimos 10 anos, de 44% para 33% a sua participação nos recursos para a saúde, uma pergunta se impõe: qual o sentido de prioridade que vem orientando os investimentos do governo federal?

Rótulo adulterado - LIGIA BAHIA

O GLOBO - 19/03/12
Ao longo do século XX, houve um aumento, sem precedentes, na duração da vida humana, especialmente nos países de maior renda. Nossos ancestrais caçadores-coletores viviam em média 25 anos. "A vida é desagradável, brutal e curta", famosa frase de Thomas Hobbes publicada em 1651, descreve apropriadamente a existência dos habitantes de um dos países mais ricos do mundo naquele período.

Até 1870 a expectativa de vida dos ingleses era 41 anos. Os fatores decisivos para o aumento da longevidade foram: aumento da oferta de alimentos, projetos de saúde pública (tratamento da água, pasteurização, vacinação, entre outros) e tratamento médico.

A mortalidade declinou em função de melhores condições de moradia e educação, conhecimento sobre efeitos do tabagismo sobre a saúde e inovações tecnológicas nos procedimentos médicos e medicamentos. Há controvérsias sobre a importância de cada fator para o aumento da expectativa de vida, mas amplo consenso a respeito da interação entre aumento da renda, educação, melhoria das condições de moradia e trabalho com a organização de sistemas públicos de saúde.

Essa breve retrospectiva é essencial à análise de políticas de saúde formuladas recentemente por setores empresariais brasileiros. Desde o alto de suas muitas posições de poder, inclusive nas instituições públicas, donos de negócios e seus executivos decretaram o fim das diferenças entre a saúde pública e a "saúde privada".

Obviamente, erram ao tornar equivalente o que não é. Saúde pública e "saúde privada" não são substituíveis entre si.

A saúde pública é um campo de conhecimentos, saberes e práticas. Só para começo de conversa: uma faculdade de "saúde privada" não cabe na imaginação de ninguém. E para quem passa perrengue ao precisar de atendimento também não faz sentido.

Palavras ao vento não funcionam como abre-te-sésamo e nem pagam contas. Os serviços são públicos ou privados. Os públicos são insuficientes e precários e atendem todos, e os privados restringem o atendimento àqueles que pagam direta ou indiretamente (plano ou seguro de saúde). Contudo, sentenciar falaciosamente a dissolução de dicotomias portadoras de perspectivas de futuro distintas é essencial aos interessados em transformar impostos e contribuições sociais em negócio privado e privativo. A equiparação do público ao privado apaga as singularidades da saúde pública e deixa o caminho aberto para um empresariamento, justificado eticamente pelo "tanto faz".

O deslocamento da pirâmide de renda para cima inspirou o desenho de duas possibilidades de captação de segmentos de consumidores dos segmentos C e D: construir um muro definitivo entre os segmentos com ou sem plano de saúde ou erguer mais divisórias móveis. Com a segmentação radical do sistema de saúde teríamos um sistema de saúde dual financiado integralmente ou parcialmente com recursos públicos para as parcelas sem e com coberturas privadas.

Assim, as deduções fiscais seriam menos regressivas e a separação das redes assistenciais eliminaria a possibilidade de as empresas de planos e seguros de saúde ficarem com o filé mignon (casos menos graves) e deixarem o "osso" para o SUS (casos de alto custo).

Sob essa concepção, as funções estatais seriam diferenciadas para cada segmento populacional. Para os estratos de menor renda a ação governamental incluiria a administração e a prestação de serviços e para quem optasse pelo sistema privado apenas o repasse de recursos. Alternativamente, as asserções incrementais consistem na extensão do financiamento público para ampliar as coberturas privadas e utilizar a rede SUS como retaguarda. No varejo, o exemplo mais conhecido é a tentativa de abrir mais duplas portas de entrada em hospitais públicos, julgada inconstitucional, todavia, considerada por muitos empresários e autoridades públicas um primor arquitetônico. No atacado, a ideia de especialização assistencial pública e privada adquire o formato da criação de um fundo de alta complexidade (na prática alto custo), no âmbito estatal, que funcionaria como caixa para o pagamento de tratamentos crônicos e caros.

Até o momento, as diversas modalidades de parcerias público-privadas e contratos privados estabelecidos por entes públicos não alteraram a natureza universal do SUS, portanto não se estenderam aos planos e seguros.

Porém, a rejeição dessas propostas não pode ser atribuída a uma filiação inconteste do Brasil à saúde pública.

O acelerado processo de abertura de capitais de empresas setoriais, exigente de atenção máxima à autorização de fusões e aquisições e aprovação de produtos que conjuguem poupança e seguro de vida com assistência à saúde obteve apoio incondicional de políticas públicas.

Como a formação de oligopólios na saúde, via área econômica, ocorreu por fora do debate na saúde e de qualquer tentativa de planejamento governamental de médio e longo prazo, permitiu- se que os empresários estabelecessem uma circulação colateral entre o mais tacanho comércio assistencial e os bancos de investimentos. Enquanto a maior empresa de planos de saúde é sacudida por emoções fortes na bolsa de valores, um de seus hospitais continua, como dantes, reservando leitos de terapia intensa para procedimentos que pagam mais.

As migalhas nutrem a "financeirização".

Em 2009, a expectativa de vida para os brasileiros, 73,3 anos, foi menor do que a de países com economias menos exuberantes, inclusive de vários situados na América do Sul. O "tanto faz" é irresponsável, unilateral e poroso à corrupção. Não seria indiferente aos empresários a universalização do acesso aos seus estabelecimentos.

O papel protagonista da saúde pública na organização do sistema de saúde faz toda diferença ao aumentar as chances de experimentar a vida com saúde por mais tempo.

Respeito à Anistia - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/03/12

Iniciativa de denunciar militares por sequestros durante a ditadura militar é tentativa canhestra de burlar uma decisão do Supremo


Quando julgou a Lei da Anistia em 2010, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu sem ambiguidades que ela é constitucional e que seus efeitos se aplicam tanto aos integrantes de organizações da luta armada quanto aos agentes do Estado que tenham cometido crimes políticos ou conexos.

Com a decisão, portanto, o Supremo encerrou de vez, e para o bem da sociedade, toda a polêmica sobre o alcance da anistia.

Eis que o Ministério Público Federal surpreende agora a todos ao tentar reabrir a questão com uma tese feita sob medida para burlar o entendimento da Corte.

Procuradores da República denunciaram, na Justiça Federal do Pará, o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura por sequestro qualificado de cinco pessoas na guerrilha do Araguaia (1972-1975). Curió, que comandou tropas na região em 1974, seria responsável pelo desaparecimento de Maria Célia Corrêa, Hélio Luiz Navarro Magalhães, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua Costa e Telma Regina Corrêa.

A ideia dos membros do MPF parece engenhosa. Como o sequestro é considerado um crime permanente -ele deixa de ser cometido apenas quando a vítima é libertada- e como os corpos dos militantes não foram encontrados, os procuradores argumentam que o ato criminoso persiste até hoje.

Em seu raciocínio tortuoso, os desaparecimentos no Araguaia não estariam cobertos pela Lei da Anistia, que abarca crimes entre 1961 e 1979, ano em que foi editada.

A tese foi rapidamente rejeitada na primeira instância da Justiça Federal, mas os procuradores prometem recorrer. Para o juiz do caso, "a lógica desafia a argumentação exposta". Com efeito, a Justiça se orienta pela verdade material, não por peças de ficção. Pretender que sequestros nos anos 1970 persistam até hoje é atitude artificiosa, de quem mede a legitimidade dos argumentos pelo potencial de servir aos seus propósitos.

A decisão sobre a Lei da Anistia já está tomada, e não será um subterfúgio como esse que fará a mais alta Corte do país alterar seu entendimento. A ação do MPF inevitavelmente chegará ao plenário do STF, mas consumirá tempo e recursos para nada.

Se não tem chance de êxito na arena jurídica, a iniciativa dos procuradores torna-se perniciosa no campo político. Ao buscar punição para militares anistiados, tensiona o ambiente já dificultoso para instalação da Comissão da Verdade.

O escopo da comissão é dar acesso a documentos do período de 1946 a 1988 para clarear o registro histórico. Não se deve sacrificar esse objetivo maior, ainda que a pretexto de repudiar crimes contra direitos humanos que a Lei da Anistia tornou página virada.

A síndrome de Schmidt - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 19/03/12
Não, não se trata de uma doença nova, caro leitor. Apenas de um filme cujo título é "As Confissões de Schmidt", do diretor Alexander Payne, o mesmo de "Os Descendentes", que concorreu ao Oscar neste ano, mas muito melhor do que esse.

Para começar, Schmidt é Jack Nicholson, o que já garante metade do filme. Mas o filme vai muito além desse grande ator.

Síndrome de Schmidt, nome que eu inventei, descreve o quadro de total melancolia em que se encontra o personagem central, um homem de 60 anos, após a aposentadoria e morte repentina da sua mulher. Mas qual é o diagnóstico diferencial com relação a outras formas de melancolia? Vejamos.

O filme abre com um discurso de um colega em sua homenagem, quando Schmidt se aposenta da companhia de seguros em que trabalhou a vida inteira (no caso, companhia de seguros carrega todo o peso de viver para ter uma vida segura).

Logo após a morte da sua mulher, ele descobrirá que ela fora amante do colega que discursou em sua homenagem em sua cerimônia de despedida da "firma". A cena da descoberta é feita com requintes de crueldade, porque Schmidt está imerso nas roupas da mulher morta, buscando sentir seu "doce aroma" e assim matar a saudade que sente dela.

Schmidt tem uma filha que casará com um sujeito horroroso, de uma família brega que se julga especial: você conhece coisa pior do que festa de Natal em família? Sim: uma festa de Natal em família em que os presentes são frutos da criatividade ridícula dessa família, como no caso da família do genro de Schmidt.

Schmidt fazia xixi sentado como menina porque sua mulher o proibia de fazer xixi como menino, a fim de não sujar o banheiro.

Esse é sintoma diferencial da síndrome de Schmidt: esmagar-se (mesmo sua fisiologia) para deixar tudo em seu lugar, sem conflitos, amar a paz e o bom convívio em detrimento de si mesmo. No caso específico, não há "questão de gênero" (já que banheiros estão na moda nesse assunto, vale salientar que aqui não é o caso).

Primeiro porque eu não acredito em questões de gênero, só em questões de sexo. Depois, porque não se trata de falarmos em homens vítimas da opressão feminina (ainda que se trate de alguma "opressão" nesse caso, já que, afinal, sua mulher o obrigava a fazer xixi como menina e o traiu), mas sim de falarmos de alguém que descobre que sua vida foi e é vazia, apesar de ter sido um pai e esposo dedicado, e não um desses canalhas que saem com mulheres fáceis por aí.

A síndrome de Schmidt pode e afeta também mulheres, portanto não é uma questão do sexo masculino. Mas no filme é uma questão masculina (o sexo masculino "suja banheiros") e o é antes de tudo porque, como se sabe, homens trabalham, às vezes até brincam com os filhos, mas são as mulheres que detêm o monopólio da subjetividade e da sensibilidade.

Mulheres "conhecem a si mesmas", homens não. Schmidt é uma caricatura do homem que acreditou que, cumprindo seu papel, estaria a salvo da devastação da falta de sentido da vida e do amor. Apesar das modinhas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz.

Homens não sabem falar de si mesmos. E, no fundo, é melhor que continuem assim (pensam as mulheres e os filhos): vivendo como Schmidt, no silêncio da função paterna e marital. Isso muitas vezes é objeto de piadas nas quais homens são comparados a carroças, enquanto mulheres são comparadas a grandes jatos.

Na realidade, a vida comum das famílias supõe que os homens continuem a trabalhar sem crises existenciais; qualquer coisa que se diga ao contrário disso é mais uma mentira da moda.

Isso não significa que não existam exceções, mas essas são apenas exceções. Homens com crises existenciais ficam sozinhos.

No caso de Schmidt, tudo que sua filha quer é seu cheque, e não sua presença. O filme é bom o bastante para mostrar que talvez nessas famílias "normais" não haja mesmo possibilidade de grandes relações entre pais e filhos, muito menos entre pai e filhos.

Talvez esse venha a ser um dos debates do século 21: o que fazer quando os homens começarem a falar?

A vez dos Estados - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 19/03/12

Enquanto o governo enfrenta uma rebelião no Congresso, governadores começam a explicitar insatisfação com a forma como Dilma Rousseff trata as questões federativas. Uma reunião reservada na noite de quinta-feira levou ao Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte (MG), os quatro governantes da região Sudeste.

Com uma pauta carregada de pepinos com a União, que vão da mudança nos royalties à nova regra para ICMS de importações, se queixaram que falta coordenação federal e que as discussões se arrastam sem solução. Ficaram de convocar outros Estados para essa agenda, uma nova dor de cabeça para Dilma.

Água... Bombeiros entraram em campo no fim de semana para promover a conciliação entre os grupos do PMDB: José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), de um lado, e o líder do governo, Eduardo Braga (AM), de outro.

... na fervura Estavam previstas uma reunião na casa de Sarney, ontem à noite, e novas conversas hoje. A ideia é tentar estancar o que chamam de "demonização" da ala que comandava a articulação política no Senado.

Outros planos O que mais se ouve no Palácio do Planalto é que Renan Calheiros tem de ser candidato ao governo de Alagoas em 2014, num sinal de que sua volta à presidência do Senado não tem simpatia do governo.

Troco Deputados da base querem aprovar na quarta-feira nova ida do ministro Guido Mantega (Fazenda) ao Congresso, desta vez na Câmara, com a justificativa de que querem ouvi-lo sobre política econômica. "Ficamos com ciúmes do Senado", ironiza um peemedebista.

Mais pressão 1 Entidades ligadas aos direitos humanos divulgaram nota aberta, que circulou inclusive no PT, criticando Dilma por não responder a pedido de audiência feito há quatro meses para tratar da composição da Comissão da Verdade.

Mais pressão 2 No manifesto, os grupos dizem que o "silêncio" de Dilma sobre a comissão "é facilitador para que manifestações extemporâneas" de setores militares que, dizem, "negam o direito à memória e à verdade e apoiam o obscurantismo" ocupem espaço na imprensa.

De olho A mulher de Lula, Marisa Letícia, e assessores próximos, como Clara Ant, se preocupam com a pressa com que o ex-presidente retomou os contatos políticos. A ordem é vigiá-lo para que respeite o resguardo estabelecido pelos médicos.

Último a saber Geraldo Alckmin soube pela Folha da "ciclotaxa", aprovada no Conselho Estadual do Meio Ambiente com aval do secretário Bruno Covas. "Fazemos esforço para cortar gastos e reduzir impostos e aparece uma coisa dessas?", reagiu.

Boca de urna Depois da declaração de apoio de Alckmin a José Serra, aliados do pré-candidato querem o governador em evento quinta-feira na zona sul, região em que o estafe do tucano detectou maior índice de apoio a José Aníbal e Ricardo Tripoli.

Delegacia 1 Funcionário do metrô registrou boletim de ocorrência por lesões corporais e constrangimento ilegal contra o prefeiturável Celso Russomanno (PRB), que gravou depoimentos na estação Ana Rosa semana passada.

Delegacia 2 Vicente Gilmarino Neto, responsável pela estação, disse que Russomanno o pegou pelo braço e lhe deu voz de prisão para obrigá-lo a dar explicações sobre pane num elevador.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

Depois de tanto criticarem a taxa do lixo, a defesa que os tucanos fazem da taxa da Controlar e, agora, da ciclotaxa mostra que eles têm mesmo alta taxa de hipocrisia.

DO VEREADOR ANTONIO DONATO, presidente municipal do PT de São Paulo, sobre projeto elaborado pelo Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) propondo cobrança de taxa juntamente com o IPVA para custear ciclovias.

contraponto

Beatificação instantânea

Durante sessão da Comissão de Direitos Humanos do Senado, na quarta-feira passada, Casildo Maldaner (PMDB-SC) tentava convencer Paulo Paim (PT-RS) a comparecer à Romaria Nacional dos Aposentados, marcada para abril em Nova Trento (SC). Ao descrever como o petista, um dos mais aguerridos defensores da categoria, fora recebido em edição anterior do evento na cidade natal de Madre Paulina, o peemedebista levou a plateia às gargalhadas:

-No ano passado, quando esteve lá, o Paim foi mais aplaudido que a santa... 

Legítima defesa - de quem mesmo? - MARCELO DE PAIVA ABREU

O ESTADÃO - 19/03/12

É difícil de acreditar, mas é fato. Protecionismo virou política explícita do governo brasileiro. Em contraste com o passado, quando o País se destacou na defesa do desmantelamento do protecionismo agrícola - como ficou claro nas fracassadas negociações na OMC -, agora o Brasil tornou-se campeão do protecionismo. Alega que só se defende de políticas desestabilizadoras de seus principais parceiros comerciais.

O diagnóstico que pretende justificar a maré protecionista é falho; as reminiscências históricas, distorcidas; e os pretensos remédios para reduzir a vulnerabilidade industrial brasileira, comprovadamente ineficazes. Para não falar de indignações empresariais que vicejam em meio à confusão deliberada entre interesses coletivos e interesses privados.

A despeito do que se afirma, entre 2000 e 2011 a participação da indústria no PIB se manteve em torno de 27%-30%. Em 2011, foi exatamente igual à de 2000. O que está encolhendo é a participação da indústria de transformação (que não inclui petróleo e gás natural, minério de ferro e outras extrativas, produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana e construção civil): a participação era de 17,2% em 2000 e hoje é de 14,6%.

Isso não significa que o produto da indústria de transformação esteja em queda. Está perdendo participação no PIB, algo que decorre da evolução favorável das vantagens comparativas brasileiras em outros setores da economia. Além disso, essas comparações ocultam variações importantes de preços relativos. Os preços agrícolas no Brasil, por exemplo, aumentaram 20% em relação aos preços industriais no período 2000-2011. Ou seja, em termos reais, a perda de participação da indústria de transformação foi mais modesta do que indicam os valores nominais.

A constatação dessas mudanças estruturais tem sido acompanhada de reminiscências saudosistas em relação à década de 1980, quando a indústria respondia por 47,9% do PIB. A comparabilidade dos dados de longo prazo do IBGE tem problemas insolúveis, mas é provável que tal participação excedesse de fato 40%. O que não tem sido dito é que isso ocorria porque a indústria do País era grotescamente superprotegida. A razão importações/PIB era de 3%, excluindo petróleo, comparados aos 11% de hoje. Será que pretendemos voltar a esses tempos gloriosos? Seria relevante lembrar que foi um período em que a economia não crescia e a inflação decolava além dos 200% anuais.

As medidas utilizadas para compensar as dificuldades competitivas da indústria de transformação não são eficazes. Concentram se em tentativas de conter a apreciação cambial, desonerações fiscais discricionárias, tratamento tarifário condicionado a "conteúdo nacional" e prometida intensificação de medidas de defesa comercial. A maior parte das tentativas de interferir no câmbio é "enxugamento de gelo". Os resultados, em geral modestos, acabam por ser rapidamente erodidos.

A ênfase na reversão da apreciação cambial e na redução da taxa real de juros seria bem mais apresentável se fizesse parte de um programa de reformulação radical do nível e da composição dos gastos públicos combinada com reforma tributária. Desonerações fiscais discricionárias diminuem a transparência da sinalização para a alocação de investimentos. Alguns dos efeitos adversos da questionável legislação sobre IPI e conteúdo nacional só puderam ser contornados porque o setor automotivo é concentrado. O truque não é generalizável para outros setores. Medidas de defesa comercial jamais terão o impacto agregado que pretende o governo. Forçar a adoção de medidas de antidumping e salvaguardas - onerosas administrativamente - despertará a reação de nossos parceiros comerciais.

O governo tem fugido de qualquer compromisso crível com o que é realmente relevante para aumentar a competitividade dos produtos industriais brasileiros ou minorar as consequências de mudanças estruturais inevitáveis: revolução na infraestrutura, criação de incentivos centrados em compensação de falhas de mercado e diminuição da carência de mão de obra qualificada.

Importante empresário do setor siderúrgico defendeu, recentemente, a maré protecionista,devidamente enrolado na Bandeira Nacional,invocando a defesa dos interesses presumivelmente coletivos. É preciso separar interesses coletivos de interesses empresariais, frequentemente não coincidentes. E é preciso alguma coerência: alguns dos mais ardorosos defensores do protecionismo em nome de interesses coletivos têm antecedentes ruins quando se trata da formação de cartéis à custa dos interesses dos consumidores. Não há nada condenável quando empresários defendemos interesses de seus acionistas. O que deve ser contestada é a defesa de interesses particulares travestidos em interesses coletivos.

É fato sabido que o conceito de vantagens comparativas transita cada vez com mais dificuldade em Brasília, mas a atual política comercial brasileira beira o ridículo. Estamos regredindo com grande empenho. É preciso olhar para o futuro e não repetir o que houve de pior no passado.

Nada de rir - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 19/03/12

Tente levar a sério o que Eduardo Braga (PMDB-AM), novo líder do governo no Senado, diz ter ouvido diretamente de Lula ao visitá-lo na última sexta-feira: "O momento é de transformação. O país vive uma nova realidade econômica e social, por isso é fundamental a renovação e a instituição de novos métodos e práticas políticas".

Lula disse o que Braga lhe atribui ao comentar a decisão de Dilma de confrontar os partidos que a apoiam substituindo os líderes do governo no Senado e na Câmara dos Deputados Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PTSP). Ainda teria acrescentado: A Dilma está certa. Vale a pena essa luta, porque essa é a boa luta.

Espantoso! O Lula de fala coloquial tão conhecido deu lugar ao Lula de português escorreito. O Lula responsável pelo fisiologismo levado ao extremo parece arrependido do que fez. O Lula que montou uma robusta coalizão de partidos para eleger seu sucessor agora anima Dilma a enfrentá- la. Você acredita nisso?

Salvo os presidentes-generais que dispunham de armas, os demais governaram com o apoio de partidos. Havia gente mais qualificada nos partidos. E limites mais estreitos para o fisiologismo. Lula bagunçou tudo para eleger Dilma. Os partidos sentem falta dele. Do velho Lula. O novo, de Braga, está sob o efeito de remédios.

Deputados e senadores evitam confessar que estão estupefatos. Com essa não contavam uma presidente sem receio de enfrentar o apetite irrefreável deles por cargos, liberação de emendas ao Orçamento da União e favores em geral. O que ela pensa que é? Uma versão de saias de Fernando Collor de Melo?

Comparar Dilma com Collor como fez o próprio Collor na semana passada é um tremendo despropósito. O ex-presidente penitenciouse de ter mantido distância do Congresso enquanto governou. Aconselhou Dilma a não se comportar como ele. E lembrou-se, melancólico, do seu fim humilhante o impeachment.

Collor esqueceu que foi derrubado porque prevaricou. Ou porque lhe acusaram de ter prevaricado. Roubou-se muito nas suas vizinhanças e sob seu rosto impassível e bem escanhoado. Quanto a ter tratado o Congresso com desprezo, está certo de fato o fez. E também está certo em chamar a atenção de Dilma para que não proceda assim.

Na época, empresários ligados a Collor armaram uma operação financeira no Uruguai destinada à compra por aqui de votos de deputados e senadores. Imaginavam abortar o impeachment. A poucos dias da queda de Collor, porém, grande parte do dinheiro permanecia estocada em Brasília. Não havia mais parlamentar à venda.

Diante do forte sentimento popular favorável à deposição, quem teria coragem de pôr a cara na TV para defender o presidente? Quem agora teria coragem para discursar no Congresso criticando uma presidente campeã de popularidade? Pouco importa que a popularidade original de Dilma derive da de Lula a dela, hoje, é maior do que a dele.

Enquanto estiver de bem com o distinto público, Dilma poderá ficar de mal com militares da reserva contrários a investigações sobre a ditadura de 64, evangélicos e católicos furiosos com o abrandamento da posição oficial antes refratária ao aborto, ruralistas, ministros de Estado e partidos. E tudo ao mesmo tempo.

Por temperamento, cálculo ou os dois, Dilma ambiciona quebrar velhos paradigmas da política brasileira quiçá da universal. Um deles manda que se faça política com muita saliva Dilma só gasta a dela para esporear quem a irrita. Outro cobra paciência, muita paciência a quem se envolve com política. Dilma tem paciência zero.

Ninguém governa sozinho. Procura cercar-se de auxiliares eficientes. Dilma governa sozinha. Seu ministério é medíocre. Ela, que não gosta e não sabe fazer política, escalou auxiliares que gostam de política, mas que também não sabem fazê-la. Ainda assim seu governo chegará a bom termo? A ver. Por ora, o clima no Congresso é de revide.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 19/03/12

Playcenter fechará as portas em julho em SP

O tradicional parque de diversões Playcenter, em São Paulo, será fechado, no dia 29 de julho, após 40 anos em operação, de acordo com a companhia.

A decisão foi orientada por uma mudança estratégica nos planos da empresa.

Com investimentos de R$ 40 milhões, será aberto um novo empreendimento no mesmo terreno, pelas mãos do mesmo dono.

Com o novo projeto, a companhia deixa a área de parques com brinquedos custosos e radicais, como montanhas-russas, e passa a atuar em um novo segmento, de parques para crianças pequenas, acompanhadas dos pais.

O empreendimento, que deve ser inaugurado em julho do próximo ano, inclui apenas atrações como trem fantasma com dispositivos interativos, cinema com tecnologia 4D, carrosséis e outros.

O modelo segue a linha de parques estrangeiros como Legoland e Nickelodeon Universe. Foi projetada uma extensa área verde para recreação. Adolescentes desacompanhados estão fora do foco.

A capacidade máxima será de 4.500 pessoas por dia, segundo a empresa. O Playcenter pode, hoje, receber 7.000 diariamente.

Alguns dos atuais brinquedos, que estão dentro do novo conceito, serão aproveitados. O restante do ativo deve ser vendido.

A empresa ainda analisa se dará novo nome ao parque.

Nos últimos anos houve especulações de que a área do parque seria vendida a outros investimentos imobiliários.

Banco italiano espera do BC autorização para atuar no país

Maior banco de varejo da Itália, o banco Intesa Sanpaolo aguarda autorização do Banco Central do Brasil para atuar como banco múltiplo no país.

Diferentemente de outras instituições financeiras estrangeiras que chegam ao Brasil apenas como banco de investimentos, o Intesa Sanpaolo quer operar em várias frentes porque se denomina um "banco da economia real".

"Somos um banco comercial. Nossos resultados vêm de clientes, empresas", diz Andrea Beltratti, presidente do conselho de gestão.

"Estamos interessados no Brasil porque pensamos em ser úteis a companhias da Itália que querem vir ao país, tanto na oferta de financiamento quanto no aconselhamento das melhores oportunidades no mercado brasileiro", afirma Beltratti.

O banco tem também um braço, o BIIS, para atuar em financiamento a empresas privadas em grandes obras públicas de infraestrutura, em especial em PPPs.

Hoje o Intesa Sanpaolo tem apenas um escritório de representação no Brasil.

O capital do banco no país será R$ 200 milhões e pode chegar a ser R$ 3 bilhões no prazo de três anos.

Com relação aos bancos europeus, Beltratti, que é também professor de economia na Universidade Bocconi, diz que "as duas intervenções do Banco Central Europeu foram suficientes". "Trouxe [a última] um benefício imediato e a redução do spread de crédito."

"Diariamente uma empresa italiana procura informação para entrar no mercado brasileiro"

"Estamos entre os três primeiros bancos mais bem patrimoniados. Não obstante, somos um banco italiano e tivemos de suportar um 'haircut' ['corte de cabelo', no sentido literal, 'desconto', no jargão de mercado] nos títulos do país"

"Aumentamos o capital em € 5 bi em 2011. Passamos a crise fortes em capital e liquidez"

ANDREA BELTRATTI, presidente do conselho de gestão do banco italiano

PINOTE EM DOAÇÃO

O Hospital de Câncer de Barretos inaugura no próximo dia 24 o setor ambulatorial de sua unidade infantojuvenil.

O investimento, de R$ 20 milhões, foi obtido por meio de doações nos últimos dois anos e meio, de acordo com o gestor do hospital, Henrique Prata.

"Mas só conseguiremos inaugurar metade do projeto. A parte cirúrgica deverá ser concluída no mês de dezembro. Precisamos de mais R$ 10 milhões", afirma Prata.

Com a expansão, o hospital abre 600 novas vagas para crianças por ano.

No final dos anos 1980, devido às dívidas, Prata pretendia fechar o hospital pouco depois de assumir a administração, até então sob comando de seus pais.

Um dos médicos, porém, pediu que ele permitisse a realização de uma última cirurgia que poderia salvar a vida de um paciente.

"A história mudou minha vida e a de muita gente."

Atualmente, o hospital tem deficit mensal de cerca de R$ 4,5 milhões.

8.000 m2 será a área total da unidade, que será finalizada até dezembro

R$ 4,5 mi é o deficit que o hospital tem por mês

ESCADA CHINESA

A LGTECH, fabricante nacional de elevadores, acaba de fechar uma joint venture com a chinesa Koyo, de escadas rolantes.

Com o acordo, a empresa brasileira, responsável pela importação e pela manutenção dos equipamentos, espera vender 250 unidades.

"Depois de dois anos, avaliaremos com os chineses o custo de produção para decidir se construiremos uma fábrica aqui", afirma Lauro Galdino, presidente da LGTECH.

O preço das escadas rolantes menores varia de R$ 80 mil a R$ 250 mil. Para shopping centers e metrôs, o valor é de cerca de R$ 260 mil.

Um novo shopping em Bauru (SP) já fechou a compra de 14 equipamentos.