domingo, janeiro 01, 2012

Rocinha do Brasil - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 01/01/12

O ano que acabou ontem foi da Rocinha. Mas a favela, como mostram dados fresquinhos do IBGE, não é um Maranhão de miséria. Como em tantas outras favelas, a vida lá é muito mais dinâmica, viva e complexa do que muita gente pensa. Exemplo: a proporção de pessoas vivendo com menos de meio salário mínimo no país é de 10,1 %. Na Rocinha, é de 2,2%.

Segue...

Outro dado interessante é o número de domicílios com saneamento adequado: 62% no Brasil, e 86% na Rocinha. E a média nacional de analfabetos adultos (9,6%) é maior do que a da favela carioca (6,7%).

A conta da tragédia

STJ deve definir no início do ano valores das indenizações às famílias de vítimas de dois acidentes, da Gol (que se chocou com um Legacy, em 2006) e da TAM (em 2007, em Congonhas). Embora alguns familiares tenham ingressado com ações nos EUA, especula-se que a Justiça daqui poderá ser mais rigorosa em relação aos valores.

Não é fofo?

Outro dia, um amigo ligou para Lula atrás de notícias de sua saúde. Dona Marisa atendeu e chamou o marido por um apelido carinhoso: — Lu... telefone para você.

Sois Rei!

Não tem empresário, político, jogador de futebol ou artista famoso. Nas blitzes da Lei Seca no Rio quem mais tenta dar carteirada e resiste ao uso do bafômetro são os juízes. Não são todos, claro.

Do Axé a Mozart
O Ministério da Cultura planeja criar um trio elétrico, invenção do carnaval baiano, dedicado à... música clássica. “A ideia”, diz Antonio Grassi, da Funarte, “é que uma pequena orquestra toque num trio elétrico pelas ruas das cidades”.

Rei Baltazar
A editora José Olympio vai lançar este ano um romance inédito de José Cândido de Carvalho, o escritor e jornalista fluminense autor do consagrado “O coronel e o lobisomem”, livro com mais de 55 edições. Chama-se “Rei Baltazar”.

Hotel Gasômetro
Um hotel de cinco estrelas é um dos projetos de ocupação de parte do espaço do Gasômetro de São Cristóvão, dentro do plano de revitalização da área do porto carioca. O lugar foi fundado em 1911 pelo grupo belga SAG (Société Anonyme du Gaz do Rio).

Furnas fora do Rio

Depois dos royalties, já tem gente querendo tirar do Rio a sede de Furnas. Na verdade, a primeira sede da empresa, em 1963, foi na cidade mineira de Passos.

Mangueira resiste

Embora o apoio das comunidades às UPPs seja muito grande, no caso da Mangueira, ainda há alguma resistência dos moradores. Não é fácil apagar tantos anos de domínio dos fora da lei na favela de Cartola. É pena.

Cena carioca

O escritor Flávio Moreira da Costa foi testemunha ocular da história. Ele tomava uma água de coco na Praia de Copacabana, e chegou um sujeito simples, pobre, dizendo ao dono do quiosque:
— Eu trusse a sacola. O dono:
— Não é trusse, cara, é trouxe!
O rapaz pensou um segundo e respondeu:
— P..., a sacola é minha e fui eu que trusse. É trusse mesmo! Faz sentido.

No mais

Feliz Ano Novo, para valer.

VAMOS TORCER, VAMOS COBRAR
O leitor, nosso senhor, é testemunha que a turma da coluna sempre que registra uma promessa de benfeitoria ou anúncio de solução para algum problema sapeca no final o bordão "vamos torcer, vamos cobrar". Mas, como no caso do Chapolin, talvez houvesse gente que não contasse com nossa astúcia e apostasse que a coluna ia esquecer de cobrar. Afinal, o Brasil é um país de pouca memória. Veja aqui algumas das 38 promessas feitas em 2011 cujas execuções nosso intrépido repórter Daniel Brunet foi conferir no local.

MARECHAL FERIDO

Em janeiro, a coluna registrou que o belo monumento ao Marechal Floriano, que fica em frente à Câmara de Vereadores, na Cinelândia, perdeu um dos seus conjuntos de estátuas (repare o espaço vazio, ao centro) no carnaval de 2010 por causa de vândalos que insistiam em escalá-lo. A Secretaria de Conservação disse na época que já tinha providenciado o restauro da peça e que a instalação seria após o carnaval de 2011 para evitar novos atos de vandalismo. Já estamos perto do carnaval de 2012 e nada. Agora, a Prefeitura informa que a peça está na fundição e ficará pronta na primeira quinzena de janeiro. Vamos torcer. Vamos cobrar.

OS MUROS DO METRÔ

Em janeiro, a coluna mostrou que longos muros do Metrô-Rio têm amanhecido vítimas da pichação, doença antiga de metrópoles, notadamente o Rio. O então presidente da empresa, José Gustavo Souza Costa, incomodado com o ataque dos porcalhões, prometeu cobrir os muros com hera, planta trepadeira muito usada como decoração. Veja na simulação (acima) como ia ficar. Mas a ideia não saiu do papel. Agora, o novo presidente, Flávio Almada, diz que vai honrar a promessa de heras nos muros do metrô até o primeiro semestre de 2012. Vamos torcer. Vamos cobrar.

RELÓGIO ALEMÃO

Em março, a coluna reclamou do estado de manutenção do Largo da Glória. Na época, o secretário Carlos Roberto Osório prometeu dar um jeito no local, inclusive no velho relógio de cordas, importado da Alemanha, em 1906. A recuperação foi feita em abril passado. Desde então, a peça funciona normalmente e a Secretaria de Conservação já retirou pichações por duas vezes. Isto é bom. Isto é ótimo.

A MORTE DA ÁRVORE

Em outubro, a coluna se emocionou com este cotoco de árvore na Rua das Acácias, na Gávea, que foi, em vida, um oiti. É que um galhinho havia brotado. Mas, meu Deus, a Comlurb foi lá dias depois e... arrancou o cotoco. Na época, tiramos satisfação e a empresa estatal prometeu plantar uma nova árvore no local. Não cumpriu a promessa. Até agora. Antes, em maio, a coluna perguntou "Cadê a árvore que estava aqui?" Se referia a 15 frondosas entre Laranjeiras e Cosme Velho. Uma delas em frente à Igreja de São Judas Tadeu. A Prefeitura disse que ia determinar o replantio. Também não ocorreu.

A PM NA GELADEIRA

Em novembro, lembra-se?, a coluna publicou este flagra. A viatura 52-1363, do 32º BPM (Macaé, RJ), carregando uma geladeira de cerveja, numa estradinha de São Pedro da Aldeia, sentido Búzios. Na época, a PM disse que ia abrir sindicância. Agora, diz que a investigação ainda não acabou. É. Pode ser.

Previsões para 2012
Pai Gois de Oxalá, o maior babalorixá de Frei Paulo, não traz a pessoa amada em três dias, mas anda feliz... que nem pinto no lixo. É que acertou todas as suas previsões para 2011, inclusive quando disse que “um jogador famoso vai se meter em alguma confusão”. Coube ao craque Adriano, faltando poucosdias para o ano acabar, sair em socorro deste vidente.Para 2012, Pai Gois jogou os búzios e fez as seguintes previsões (as com asterisco são repetidas do ano passado):

Vai surgir um escândalo envolvendo a Copa de 14.
Jair Bolsonaro e Hugo Chávez vão dizer alguma asneira.
Sérgio Cabral vai a Paris. (*)
O PCdoB vai continuar na sua longa marcha — nada a ver com a caminhada de 10.000km do camarada Mao Tsé-tung — para desbancar o PMDB e o PT como o Partido da Boquinha.
Vai ter gente querendo intrigar Dilma com Lula e viceversa. (*)
Serra vai falar mal de Aécio. E Aécio vai falar mal de Serra.
As reformas tributária e política não vão sair do papel. (*)
O IBGE vai divulgar pesquisa onde o Maranhão de Sarney aparece como o lugar mais miserável do país.
Brasília vai produzir alguma nova safra de escândalos. Mas os envolvidos vão culpar a... imprensa. (*)
Um jogador famoso vai ser visto na companhia de uma daquelas moças que não sentem frio (pois usam geralmente shortinho ou saia curta), de peito e bumbum empinados e com coxas grossas e fartas. Aliás, em Frei Paulo, o nome dessas meninas é... deixa pra lá. 

No intervalo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 01/01/12
Hoje é domingo, primeiro dia do ano, e por dever de ofício tem que haver aqui uma coluna de previsões, mas sinceramente acho que estamos vivendo tempos imprevisíveis. Ademais, se o texto for sobre as sombras que rondam a Europa, a paralisia decisória do ano eleitoral dos Estados Unidos, quem lerá? Hoje, primeiro dia do ano de 2012, domingo, as pessoas talvez prefiram o descanso.

Melhor seria fazer uma coluna sobre coisa alguma, como se fosse um parênteses, em que as leitoras e os leitores pudessem apenas descansar da sucessão de eventos deste tempo das conexões globais, um silêncio para acolher quem está preferindo uma pausa depois de tanta informação.

Tempos de mídia digital ajudam o jornalista a ouvir quem nos ouve, ler quem nos lê. Isso ensina que estão todos sabendo daquilo que antes ocupavam facilmente os espaços em branco nesta época do ano. O mundo hoje é bem informado, mesmo as pessoas que não se dedicam ao nervoso mercado da informação buscam notícias incessantemente nos seus sites preferidos, nos dados que cruzam, nas dúvidas que alimentam, nas escolhas que fazem.

Por isso é ocioso dizer coisas como: neste ano, ou a Europa encontra uma solução para seu problema monetário ou a crise se agravará, e em qualquer cenário o continente não ajudará o crescimento mundial, pelo contrário, estará em longa hibernação.

A Europa, como todos sabem a esta altura, está num beco sem saída no qual entrou ao iniciar um projeto monetário por razões políticas sem ter pensado no cenário de desequilíbrio econômico. Reunir países diferentes, com níveis diversos de responsabilidade fiscal e de desenvolvimento, e amarrá-los todos na mesma moeda pode ser muito bom ou muito ruim. E a Europa experimentou os dois lados dessa moeda. Foi bom quando deu tudo certo, e os países foram financiados a um custo baixo; ficou ruim quando os problemas apareceram e não há a taxa de câmbio para absorver os choques. Aprendemos no Brasil, nas nossas muitas crises, que países altamente endividados tem como ponto de partida a desvalorização do câmbio para começar a se reorganizar.

Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha não têm como fazer isso. E até a Itália deve estar com saudades da sua desvalorizada lira. Sair de um projeto de moeda comum é muito mais difícil do que entrar. Os reflexos são desconhecidos. Frisada nesse dilema, a Europa entra em 2012. Mas isso você sabe.

Também não desconhece as dúvidas sobre os Estados Unidos. O sonho do "Sim, nós podemos" se desfez na dificuldade de Barack Obama de dissolver o caroço deixado pela quebra do Lehman Brothers e a explosão da bolha imobiliária. A sociedade americana voltou aos extremos no debate político. O Partido Republicano reapresentou ideias com data de validade vencida. O Partido Democrata abandonou sua vocação de renovação. E assim os Estados Unidos entram no ano eleitoral de 2012. Como vocês sabem, juntar um ambiente político desses e uma crise que exige decisões rápidas e ousadas não faz bem à maior economia do mundo.

A China continua a ser o que é: uma incógnita. Se seu motor engasgar o mundo inteiro enfrentará solavancos. Mas quem pode dizer exatamente o que se passa na China do silêncio imposto aos dissidentes, dos controles autoritários sobre tudo? Não se compra pelo valor de face números da economia chinesa, nem as notícias da agência oficial. O centro da dúvida da economia atual é que o país que mais cresce tem um sistema político opaco. Com o muito que não se sabe sobre a China quem pode fazer previsão? Há quem diga que a bolha imobiliária que explodiu em outras economias sobrevoa aquele imenso país.

O Brasil continuará aqui nas suas diversas travessias em 2012 e disso também sabemos todos. O ano é eleitoral e por isso será mais difícil aprovar mudanças relevantes. O país faz a colheita dos acertos passados e por isso se sente próspero, mas está plantando pouco futuro.

Não ocuparei seu tempo dizendo que precisamos de um sistema político mais protegido contra as fraudes que sangram os cofres públicos, de uma educação que alimente o salto que o Brasil quer dar, e de mudanças no ambiente de negócios que incentivem a produtividade e inovação no competitivo mundo atual. Nossa agenda é conhecida e a cada fim de ano sonhamos que no ano seguinte ela andará.

É o primeiro dia do ano e calhou de ser domingo, primeiro dia da semana. Por isso melhor não ficar pensando em cada incerteza da economia global. Melhor é curtir os amigos, amar a família, ler um bom livro, recuperar-se da comemoração da noite, esperar o novo com otimismo. E fazer novos propósitos porque é boa a sensação de recomeço. Quem não está de plantão nos serviços que não param pode ficar no ócio nesse intervalo entre o tumultuado ano que acabou e o que começará de fato amanhã quando for o primeiro dia útil. Porque hoje é domingo e primeiro dia do ano vamos visitar a preguiça sem culpa. E em sossego estaremos recarregando as baterias para as inevitáveis batalhas do ano.

Hoje, apenas descanse. Tudo o que tiver que ser feito esperará o dia de amanhã.

A Solange em dia de Babette - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 01/01/12


Não vejo a hora de saber no que deu a ceia que a Solange produziu ontem à noite. A prima que adora falar difícil não sabe fritar um ovo (se soubesse, frigiria), mas cismou de preparar tudo sozinha, e mais, com megalomaníacas ambições gastronômicas. Baixou nela o espírito de ninguém menos que a Babette, com todas aquelas cailles en sarcophage do filme.

A prima só lamentou que o ágape fosse transcorrer nessa data que "os carrascos da língua portuguesa" chamam de réveillon, galicismo diante do qual ela se arrepia em pruridos vernaculares, avessa que é a qualquer pistilo verbal que não pertença à última flor do Lácio. Prefere chamar de "consoada" a ceia de, argh, réveillon.

Tão forte lhe vem das entranhas esse argh que ela até cogitou marcar o bródio para este 1.º de janeiro. Como não haveria quorum, acabou se conformando com a noite de 31, mas fez saber aos convivas, com todos os seus mesoclíticos: tratar-se-ia de uma consoada. Imagino que o pessoal precisou correr ao dicionário antes de aceitar o convite.

À prima, em cujos miolos parecem habitar o Aurélio e do Houaiss, bastou-lhe empunhar um livro de receitas. Mas não desses modernos, deixou claro, para preguiçosos, adeptos do vapt-vupt culinário. Livro de receitas, para ela, tem que ser à antiga, de preferência com muito ácaro, muito respingo de ovo, se bobear um par de traças e uns túneis abertos por carunchos ao longo de décadas. Todos os acepipes e vitualhas, pontifica a Solange no seu florido linguajar, têm que ter sido testados e aprovados no fio de muitas gerações de quituteiras. Mal entrou dezembro, ela foi apanhar na estante o seu desmilinguido exemplar de A arte de comer bem, de Rosa Maria, numa edição de 1933. Queria uma consoada que se estribasse em sólida bibliografia.

A Rosa Maria não se limita a fornecer receitas requintadas - está em condições de prodigalizar também lições boas maneiras. Ensina, por exemplo, que "a dona da casa deve comer pouco, e não deixar que ninguém tenha tempo de formular um desejo". Cabe a ela "entreter o espírito dos convivas que o têm, e não deixar os menos inteligentes se expandirem demais". Danada, a Rosa Maria: pensou até mesmo nos apoucados que se acercam da mesa como muares do cocho. Pensou também na hipótese de que a anfitriã não disponha de um mordomo: bastará improvisar nessas funções um dos copeiros; e se este não tiver casaca, "pode vestir smoking preto, ou branco, com calças pretas e luvas de algodão branco". Melhor esquecer essa parte, suspirou a Solange, já se conformando com sua arrumadeira, a Creusa, xucra porém prestativa.

Quanto ao cardápio do rega-bofes, a Solange não esconde que o sonho teria sido preparar esta iguaria atribuída ao gastrônomo britânico Osbert Sitwell: "Você caça um cisne, após obter a permissão real, é claro. Depois de limpo e depenado, você o recheia com um pavão, já limpo e recheado com faisão". Um arraso! Temerosa, porém, de encrencas com o Ibama, a prima decidiu preparar outro tipo de carne - desde que pudesse ir às raízes, ou seja, ao animal vivo.

Nessa busca, veio a cair numa publicação do Sebrae de Minas Gerais e, no capítulo carne bovina, encontrou este passo a passo: "Vá ao pasto, lace o boi usando corda grossa. Lace o chifre ou o pescoço e dê uma machadada na testa". O problema é que à Solange lhe falta um machado, e, mais ainda, um pasto nas imediações de onde mora, na capital paulista.

Também matar um frango lhe pareceu problemático: "Jogue milho no terreiro e chame as galinhas. Pegue uma faca e um prato. Coloque os pés do frango debaixo do seu pé direito e as asas debaixo do pé esquerdo. Segure o pescoço, raspe algumas penas e passe a faca na altura da orelha, em diagonal". Pisar nos pés e nas asas da inocente ave? Jamais! Em derradeiro recurso, informou-se sobre como matar um porco: "Pegue uma corda média, vá ao chiqueiro e amarre um dos pés do porco. Leve-o para o lugar da matança e amarre a corda num poste. Depois de uma machadada na cabeça, dê uma facada debaixo da mão esquerda do animal para acertar o coração". De novo, o problema do machado... - desanimou-se a Solange. Nesse estado jazia dois dias atrás, e, conhecendo-a bem, não acho descabida a hipótese de que na sua consoada a pièce de résistence tenha sido pizza - sim, pizza, mas não qualquer uma, pizza como só a Solange sabe pedir no delivery da esquina.

A indústria brasileira na encruzilhada - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

O ESTADÃO - 01/01/11

Nossa indústria está virtualmente estagnada desde 2008: enquanto o PIB total acumulou alta de 16 % em 4 anos, o PIB da indústria de transformação cresceu só 4 %



O ano de 2011 vai se encerrando com uma expressiva desaceleração na atividade econômica. Como a maior parte dos analistas, a MB projeta um crescimento de 2,7% para o Produto Interno Bruto (PIB) do ano. Entretanto, na ponta, o crescimento dos últimos meses tem sido próximo de zero.

Na composição do PIB, serviços e construção civil crescem na faixa dos 3%, agropecuária e extrativa mineral entre 2,0 e 2,5% e, bem atrás a indústria de transformação deverá se expandir entre zero e 0,5%.

Na verdade, o mal desempenho da indústria de transformação não ocorreu apenas neste ano; a realidade é que nossa indústria está virtualmente estagnada desde 2008. Enquanto o PIB total acumulou uma alta de 16 % nos últimos 4 anos, o PIB da indústria de transformação cresceu apenas 4 %.

Por que isso está ocorrendo? Por que o crescimento da demanda não levou a uma rápida elevação da produção, ao contrário do que vem ocorrendo em boa parte dos serviços e do agronegócio?

De uma maneira bem geral, podemos dizer que a expansão do agronegócio apresenta as seguintes características: farta produção de pesquisa e inovações, transformadas em pacotes tecnológicos, que tem elevado sistematicamente a produtividade. Ao mesmo tempo, as cotações internacionais foram bastante boas, o que permitiu compensar a valorização do real e elevar a produção.

No setor de serviços, a expansão decorreu em parte da contínua introdução de melhorias tecnológicas, como nos casos de telecomunicações, de finanças e de grandes áreas de comércio, como os supermercados, onde as cadeias de suprimentos e distribuição se sofisticaram de forma significativa.

Ao mesmo tempo, a natural ausência de competição externa (com exceção do turismo), permitiu uma sistemática elevação de preços, acima da média da inflação, de sorte a compensar as elevações nos custos de produção. Entre 2008 e este ano, até novembro, a inflação acumulou 25% e os serviços tiveram alta de 33%.

Na indústria, ao contrário, o cenário foi muito mais áspero. O efeito deflacionário da produção chinesa e a valorização do real puseram uma extraordinária pressão dos setores mais tradicionais, como calçados, têxtil e vestuário, neste caso agravado por sistemáticas práticas desleais de comércio.

Entretanto, as elevações generalizadas de custos de produção me parecem a chave para entender o fraco desempenho na produção industrial nestes anos, mais ainda do que a questão cambial.

Na verdade, um largo conjunto de fatores está destruindo a competitividade sistêmica do nosso aparelho produtivo, inclusive porque a produtividade tem crescido muito pouco neste período, de sorte que a elevação de custos bate direto nas margens.

Ao contrário do setor de serviços, a possibilidade de importar limita demais o repasse de custos para preços. Espremida entre altos custos e importações muito competitivas, nossa indústria buscou, em massa, o caminho da importação de partes, peças, conjuntos e até bens acabados, como forma de elevar a oferta e competir com o concorrente produzido no exterior. Como resultado, boa parte do estímulo do crescimento da demanda vazou para fora do País.

O espaço é curto para uma elaboração mais detalhada das pressões de custos, mas os suspeitos são bem conhecidos: transportes precários, energia cara, aguda escassez de mão de obra treinada, custo do capital de giro e um sistema tributário pesado.

Neste caso, por exemplo, basta pensar nos créditos de impostos não devolvidos, nos custos das obrigações parafiscais e no fato que o sistema penaliza a terceirização e o alongamento das cadeias produtivas, exatamente na contramão do que é necessário para dar foco às empresas e elevar a produtividade. Nessas circunstâncias, a indústria tem de escolher entre dois caminhos.

O primeiro caminho, que estamos namorando perigosamente, é defender o emprego e a produção nacionais com protecionismo e favores a campeões escolhidos, com subsídios que apenas mascaram e postergam problemas e que acabam resultando em maiores elevações da própria carga fiscal, colocando a busca de maior produtividade, de fato, em segundo plano.

O caminho alternativo é manter a economia aberta e aproveitar os estímulos que o mundo nos oferece e simultaneamente enfrentar a dura agenda de elevar a competitividade sistêmica, olhando as causas dos nossos problemas.

Não tenho dúvida que o desenvolvimento de longo prazo é cada vez mais resultado da introdução sistemática de conhecimento, de qualidade e eficiência no sistema produtivo.

Maximizando o crescimento - ILAN GOLDFAJN e AURÉLIO BICALHO

O ESTADÃO - 01/01/12

Brasil deve crescer 3,5% em 2012, e pode se expandir a um ritmo de 4% no médio prazo, sem pressionar inflação; para atingir ritmo mais rápido, é preciso avançar mais



A economia brasileira deve crescer abaixo de 3% este ano. Em grande parte é consequência das necessárias medidas de combate à inflação. Mas a crise na Europa preocupa e já está afetando o crescimento no mundo e no Brasil. Há um esforço considerável do governo para evitar que o crescimento seja ainda menor para frente. Qual é a perspectiva de crescimento em 2012? E, mais importante, qual é capacidade de crescimento do Brasil nos próximos anos?

O crescimento no Brasil ainda pode continuar baixo por alguns trimestres. O cenário internacional se agravou. A Europa encontra-se em dificuldades que devem exigir anos para serem resolvidas. Há dúvidas se a zona do euro sobreviverá à crise atual. As perspectivas de crescimento da economia global tornaram-se mais incertas, e os mercados financeiros estão mais voláteis. O alto grau de incerteza pode levar a menos consumo e investimento no curto prazo. Até o momento, o canal de comércio internacional (menos exportações) foi pouco afetado. Mas, em algum momento, poderá sentir os efeitos da crise. Estes são riscos para a economia no curto prazo.

No entanto, o governo parece determinado a evitar esse cenário de desaceleração, adotando medidas fortes de estímulo ao crescimento. A taxa de juro está caindo, e assim deve continuar. Em algum momento do ano que vem a taxa de juro real (descontada a inflação) deve alcançar um patamar entre 3% e 4%, o mais baixo em vários anos. O salário mínimo terá o maior reajuste real em seis anos, estimulando o consumo. E há investimentos do setor público, que não podem mais ser adiados, como foram em 2011. Medidas de cortes de impostos e estímulos ao crédito recém-adotadas podem também estimular a economia.

Se os problemas na Europa não desembocarem em desintegração do euro, podemos esperar uma recuperação da economia brasileira na segunda metade do ano, alcançando um crescimento de 3,5% em 2012.

As medidas de estímulo adotadas pelo governo serão fundamentais nessa recuperação, mas provavelmente também não permitirão a volta da inflação ao centro da meta (4,5%). Se necessário, parece mais adequado para a economia brasileira adotar o uso mais intenso da taxa de juros do que outras medidas de estímulo (tributárias, macroprudenciais etc.).

Mas quanto, de fato, pode a economia crescer sem pressionar a inflação? Qual é a capacidade de crescimento da economia brasileira?

O crescimento médio da economia brasileira aumentou no passado recente. Entre 1991 e 2000, o PIB do Brasil cresceu, em média, 2,5% ao ano. Entre 2001 e 2010, a expansão média subiu para 3,6% ao ano. No período mais recente, antes da crise, entre 2004 e 2008, a taxa de crescimento média do PIB foi de 4,8% ao ano.

No período recente, o crescimento beneficiou-se da estabilidade macroeconômica doméstica (e também da pujança global, antes de 2008). Essa estabilidade teve um papel relevante em aumentar, por algum tempo, a utilização dos fatores de produção em equilíbrio. A diminuição da volatilidade do crescimento e o alargamento do horizonte de planejamento das famílias e empresas permitiram que a taxa de desemprego caísse, e o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) aumentasse. Fatores demográficos potencializaram o aumento do emprego.

Entretanto, não há mais muito espaço para aumentar a utilização dos fatores de produção - capital físico e trabalho - sem pressionar a inflação. Para manter e elevar ainda mais a taxa de crescimento, é fundamental conservar os avanços adquiridos, melhorar o ambiente de negócios, com reformas microeconômicas e progressos institucionais, e investir na qualidade da educação. Essas são condições necessárias para estimular o acúmulo de capital físico e humano, e para aumentar a produtividade, elemento determinante para elevar a capacidade de expansão do PIB.

O capital físico deve crescer a taxas mais altas nos próximos anos. A exploração de petróleo no pré-sal e a realização de eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíada) atraem investimentos. Além disso, o Brasil tem um mercado consumidor grande e em expansão e condições macroeconômicas favoráveis, especialmente em um mundo com países desenvolvidos endividados e perspectivas de baixo crescimento.

Nesse ambiente, a poupança externa deve financiar as nossas necessidades de investimento - em portos, aeroportos, estradas, etc. A taxa de investimento deverá subir dos atuais 19% para próximo de 22%, ao longo dos próximos anos, ampliando a capacidade de crescimento da economia.

O investimento em capital humano é outra fonte importante para a elevação do crescimento. A melhoria da educação eleva o capital humano e tende a aumentar a produtividade do trabalhador. Entre 1992 e 2009, os anos de estudo da média da população brasileira aumentaram mais de 27%. No entanto, há evidências de que as habilidades cognitivas são mais importantes para explicar a diferença na taxa de crescimento entre a América Latina e o resto do mundo do que os anos de estudo. Em outras palavras, é preciso melhorar a qualidade da educação, elevando o aprendizado, para que o estudo se transforme em capital humano mais produtivo, capaz de elevar a taxa de crescimento.

Em suma, considerando o capital físico, o capital humano e a produtividade, estimamos que o Brasil possa crescer ao redor de 4% ao ano no médio prazo, sem pressionar a inflação. A elevação da taxa de crescimento nos últimos anos refletiu, em parte, a elevação do uso dos fatores de produção (capital e trabalho). Medidas de estímulo ao consumo podem reverter desacelerações do crescimento em determinado ano, como a que o Brasil está enfrentando no momento.

Mas, para aumentar a taxa de crescimento de forma persistente, outros avanços são necessários. Há a necessidade de fornecer incentivos ao investimento e à melhoria da competitividade através de reformas, progressos institucionais e melhoria da educação. A economia não precisa de proteção, mas de um sistema tributário mais eficiente, melhor infraestrutura e uma mão de obra qualificada.

Trunfos do Brasil no ano da incerteza - FERNANDO DANTAS


O Estado de S.Paulo - 01/01/12

Em série de artigos para o Estado, economistas veem País resistente num mundo perigoso; falta, porém, a agenda estrutural



Num ano que começa com níveis dramáticos de incerteza, o Brasil tem as armas para fazer a difícil travessia, crescendo acima de 3%, reduzindo um pouco a inflação e mantendo as contas externas em relativa ordem. Tudo muda, claro, se houver ruptura catastrófica na zona do euro.

Por outro lado, mesmo com trunfos conjunturais que o colocam numa posição de destaque na economia global fragilizada, o Brasil não vai superar seus gargalos estruturais, que limitam a velocidade de crescimento e estão minando a indústria, se não abordar problemas de fundo, como a má qualidade da educação e a escassez de poupança.

Esses são alguns destaques da série de artigos nas próximas páginas. Para analisar as perspectivas para 2012, o Estado convidou um time seleto de economistas brasileiros e internacionais para escrever sobre temas específicos.

Na seara externa, o que se depreende dos artigos é que há uma tênue melhora nas expectativas do mundo avançado em 2012, especialmente dos Estados Unidos, em relação aos cenários catastrofistas de pouco tempo atrás. Não se trata de expectativas otimistas, mas sim menos pessimistas.

Porém, para que esse cenário menos ameaçador se materialize, é preciso, como escreve Mohamed El-Erian - principal executivo do Pimco, o maior fundo de investimentos do mundo -, que a "equipe das autoridades econômicas ocidentais" vença a "corrida de revezamento" que disputa contra a "equipe da desalavancagem", referência aos mercados que não param de vender toda a sorte de ativos, derrubando preços, puxando o custo das dívidas e estrangulando a viabilidade financeira da zona do euro.

El-Erian alerta que a reta da chegada é em 2012, e que a equipe da desalavancagem está à frente. A boa notícia, acrescenta, é que ainda há tempo para a equipe das autoridades econômicas reagir e vencer. Ele acha, porém, que a zona do euro terá de se livrar de alguns membros.

Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, e autoridade em sistemas cambiais, arrisca, em seu artigo, uma aposta na valorização do dólar em 2012. O desempenho melhor dos Estados Unidos em relação à Europa e a desaceleração dos emergentes contribuirão para fortalecer a moeda americana.

Apesar do foco global na situação europeia, que pode ter desfecho calamitoso, alguns articulistas notaram que, para o Brasil, um fator decisivo em 2012 será a intensidade da desaceleração chinesa, que pode derrubar o preço das commodities exportadas pelo País.

Em seu artigo sobre a China, Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade de Pequim, e grande especialista no gigante asiático, alerta que o modelo de crescimento baseado em investimentos maciços vai trombar com seu limite quando o retorno deficiente de projetos cada vez mais injustificados tornar insustentável a dívida contraída para financiá-los. A dúvida, para ele, é se em 2012, ano de transição política na cúpula chinesa, as autoridades econômicas vão acelerar o ajuste, o que significa desacelerar mais fortemente a economia, ou adiá-lo.

Em termos das perspectivas brasileiras, Guido Mantega, ministro da Fazenda, prevê que o País vai crescer de 4% a 5% em 2012. Ele nota que o crescimento de 2011, que projeta em 3%, "foi, em parte, programado e planejado para conter desequilíbrios que surgiriam se fosse mantido o ritmo exuberante de 2010". O ministro lista os trunfos brasileiros para enfrentar 2012, das reservas internacionais às medidas de estímulo pela via monetária, tributária e macroprudencial, além do efeito do aumento do salário mínimo.

Embora não endossem a meta otimista de crescimento de Mantega para 2012, três influentes economistas brasileiros traçam cenários moderadamente otimistas para o Brasil no próximo ano, levando-se em conta a delicadíssima conjuntura internacional: o consultor Affonso Celso Pastore, o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn, e o diretor do Bradesco, Octavio de Barros.

Do ponto de vista estrutural, alguns problemas brasileiros são abordados em diversos artigos, como política industrial, problemas da indústria (pelo economista José Roberto Mendonça de Barros), escassez de poupança e qualidade da educação. O maior problema do Brasil não é encarar as enormes incertezas de 2012, mas sim o que vem depois: o desafio de médio e longo prazos de convergir para o padrão socioeconômico do mundo avançado.

Inflação ou crescimento - temos de escolher? - ZEINA LATIF e MARCELO GAZZANO


O Estado de S.Paulo - 01/01/12


A observação do comportamento alheio muitas vezes nos ajuda a aprimorar o autoconhecimento. Assim como na vida, na Economia a comparação de nossa experiência com a de outros países pode dar dicas de nossos defeitos e virtudes. Ainda que a análise de nossa evolução no tempo traga contribuições, ela pode também conter vícios que nos levam a subestimar fragilidades e erros de decisão pelo simples fato de estarmos hoje melhor do que no passado, camuflando uma possível posição inferior aos nossos pares.

Foi com essa perspectiva que realizamos uma análise comparativa de Brasil, Chile e México para avaliar o desempenho recente dessas economias à luz do contágio da crise europeia. Trata-se de uma análise de curto prazo, sem a pretensão de conclusões sobre os diferentes potenciais de crescimento dos países.

O Chile é uma pequena economia aberta e é, na América Latina, uma referência de arranjos macroeconômico e institucional sólidos. O México também conta com um arranjo macroeconômico estável, mas caracterizado por menor manipulação das políticas macros, enquanto enfrenta fragilidades institucionais, principalmente relacionadas ao narcotráfico, que limitam significativamente o potencial de crescimento do país. Deste ponto de vista, pode-se simplificar a posição do Brasil como sendo intermediária no que se refere a limitações institucionais ao crescimento.

Indicadores econômicos recentes mostram que a desaceleração na economia brasileira tem sido mais acentuada. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2011 ficou estável no Brasil em relação ao trimestre anterior (2,1% na comparação anual), o México cresceu 1,3% (4,5% anual) e o Chile cresceu 0,7% (4,8% anual). Parte dessa diferença decorre das políticas macroeconômicas menos expansionistas ou até contracionistas no primeiro semestre, incluindo as medidas macroprudenciais.

No caso do México, a resiliência da economia americana ajuda a explicar o desempenho superior, notadamente na indústria, que tem laços comerciais estreitos com os Estados Unidos. A falta de investimentos na extração de petróleo tem sido causa de quedas de produção nos últimos anos, retirando dinamismo na economia. Já o Chile tem sido ainda beneficiado pela reconstrução pós terremoto-tsunami ocorrido em março de 2010.

Tentamos isolar os efeitos da política macro por meio de uma regressão que explique o comportamento do PIB mensal dos países: pela taxa de juros em termos reais deflacionada, pela expectativa inflacionária e pelos gastos públicos. Incluímos também a taxa real efetiva de câmbio com relação à cesta de moedas dos parceiros de comércio e que leva em conta o crescimento mundial. Com base nesse modelo fizemos estimativas "fora da amostra", concentrando-nos em 2011, e comparamos as estimativas aos valores efetivos para aferir os desempenhos.

O resultado é que o crescimento do PIB brasileiro estava 2,1 pontos porcentuais (p.p.) abaixo do projetado até o terceiro trimestre de 2011, enquanto no México o valor foi 1,7 p.p. abaixo, o que na nossa avaliação pode ser fruto da fraca performance da extração de petróleo, que hoje representa 7,5% do PIB, ante 10% em 2008. O Chile, por sua vez, superou as expectativas em 0,7 p.p.

Ainda que as limitações do exercício recomendem cautela, a indicação é de que o Brasil foi mais afetado pelo contágio da crise externa, refletindo-se nas sucessivas revisões para baixo das expectativas de crescimento do PIB vis-à-vis a maior resistência das expectativas para Chile e México.

Qual é a razão para isso? Considerando que distorções microeconômicas e brechas do nosso arcabouço institucional seriam mais relevantes para explicar o diferencial de potencial de crescimento das economias, e não seu desempenho de curto prazo, partimos para a análise de variáveis macroeconômicas. Tendo em vista o quadro de relativa estabilidade da produção manufatureira desde aproximadamente abril de 2010, a despeito do robusto crescimento da demanda interna, a pista seria identificar a razão da corrosão da competitividade de nossa indústria. Isso se traduz não apenas em crescimento débil de exportações, que não acompanharam o ritmo do comércio mundial, mas também em aumento da penetração dos importados. A taxa de câmbio e os salários são candidatos naturais para investigação.

No Brasil o custo unitário do trabalho da indústria de transformação, medido pelo custo total da mão de obra vis-à-vis a produção, cresceu em ritmo acelerado nos últimos anos. O Chile não ficou atrás, mas no México ocorreu retração dessas variáveis. No Brasil os salários reais da indústria subiram de forma acentuada, como reflexo do aquecimento do mercado de trabalho, reduzindo sobremaneira a competitividade do setor, estando 10% acima do patamar anterior à crise global.

O câmbio também pesa, se bem que neste caso, ainda que explique o desempenho da indústria, não explica a decepção com os resultados de crescimento recente do PIB, uma vez que a variável foi incluída no modelo de projeção. No Brasil, a sobrevalorização cambial em agosto de 2011 estava em 33%, em relação à taxa média desde 2000, e, tomando como referência a taxa real efetiva de câmbio, também tem seu peso. O Chile sofreu apreciação cambial nominal comparável ao Brasil, de 30% entre janeiro de 2000 e agosto de 2011, mas, por causa da baixa inflação, a taxa real efetiva de câmbio encontra-se próxima ao patamar médio desde 2000. O México não foi penalizado pelo câmbio, pois o peso mexicano se manteve depreciado em relação ao seu nível médio dos últimos anos, mesmo em termos nominais.

Dessa forma, pode-se afirmar que, de fato, a aceleração da inflação e o sobreaquecimento do mercado de trabalho penalizaram a indústria, o que enfraquece sobremaneira a ideia de um trade-off entre crescimento e inflação, mesmo de curto prazo.

Finalizando, em que pese a natural preocupação de um quadro mais perverso no exterior, com a crise europeia ganhando contornos de uma crise mundial, e de uma desaceleração mais clara da China, é importante que o governo aceite o crescimento mais modesto da demanda interna. Esse crescimento mais modesto teria de se manifestar no consumo das famílias e na própria geração modesta de postos de trabalho, pois este quadro propiciará um recuo mais rápido da inflação à meta de 4,5%, o que será bastante benéfico para aumentar a competitividade da indústria, o que por sua vez é remédio potente para estimular investimentos.

Anjos da guarda e espiões - ETHEVALDO SIQUEIRA


 O Estado de S.Paulo - 01/01/12


Os sensores estão invadindo a vida humana. Eles chegam de forma quase imperceptível e ocupam todos os espaços. Sua presença na vida humana tende a crescer de forma exponencial e, por volta de 2020, nossa dependência desses dispositivos de identificação e de comunicação será quase total. Eles serão centenas de milhões, espalhados por todos os lados, embutidos nas paredes, nas portas, nos semáforos, nos prédios, nos móveis, nos aparelhos domésticos, em roupas, sapatos e até em escovas de dentes.

Eles serão ao mesmo tempo nossos anjos da guarda e espiões. De um lado, nos darão, sim, uma sensação de maior segurança. De outro, entretanto, talvez possam violar nossa privacidade, ao colher e transmitir dados sobre tudo que existe à nossa volta, inclusive sobre nós mesmos.

É claro que os sensores terão muito mais funções relevantes e essenciais em nosso cotidiano, como a proteção do meio ambiente, a vigilância das ruas, a supervisão dos espaços públicos e privados, a racionalização do consumo de energia e o monitoramento de pacientes em hospitais e em residências.

Nossos conhecidos. Diversos tipos de sensores já são nossos conhecidos, entre os quais, os dispositivos de identificação por radiofrequência (RFIDs, de Radiofrequency Identification Devices), usados nos pedágios de muitas estradas, como os do tipo Sem Parar. Com eles, a cancela é acionada automaticamente após a leitura dos dados de cada veículo.

Outros sensores populares são aqueles utilizados no controle de iluminação de nossa casa: eles detectam os raios infravermelhos emitidos pelo corpo humano e acendem as lâmpadas ou ligam o ar condicionado de um quarto ou sala só quando há pessoas nesses ambientes.

Com esses sensores, economiza-se energia e evita-se o desperdício em casas, prédios e locais em que comumente as lâmpadas ficam acesas centenas de horas por mês sem a menor necessidade. Esses mesmos sensores já estão sendo utilizados em sistemas de segurança, porque detectam luz, movimento e radiações.

MEMS dão show. O grande sucesso, nos últimos tempos, entretanto, é dos sistemas de chips microeletromecânicos, conhecidos pela sigla MEMS (Microelectromechanical Systems), que combinam funções eletrônicas com funções mecânicas em escala de microscópica, quase nanométrica.

Na próxima semana, pela primeira vez na história do maior evento de eletrônica de entretenimento do mundo, o Consumer Electronics Show (CES), de Las Vegas, haverá uma seção inteiramente dedicada aos MEMS e suas aplicações individuais ou em redes de sensores sem fio (Wireless Sensor Networks).

Outra seção dessa feira de Las Vegas que deve atrair a atenção dos especialistas é a das novas gerações de chips multinúcleos, para processamento gráfico, produção de imagens tridimensionais (3D), comunicações móveis e projetos assistidos por computador (CAD, de Computer-Aided Design).

Esses microprocessadores prometem revolucionar os equipamentos de tecnologia pessoal, tais como smartphones, laptops, tablets e desktops. Além dos recursos avançados de computação, eles economizam energia.

Internet das coisas. O desenvolvimento dos sensores viabiliza uma das formas mais admiráveis de internet do futuro: a internet das coisas. A ideia dessa nova web nasceu no MIT Auto-ID Laboratory, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e ganhou o nome de Internet of Things (IoT), partindo de um objetivo bem simples: criar um sistema global de registro de bens, utilizando um código de produto eletrônico (Electronic Product Code), como sistema de numeração.

A boa notícia é que os dispositivos essenciais para viabilizar o conceito de internet das coisas já estão prontos e disponíveis no mundo da tecnologia microeletrônica. São, acima de tudo, os sensores dedicados, os identificadores RFIDs e as redes de sensores sem fio.

Quando cada coisa ou objeto pode ter sua identidade e seu endereço, tudo fica mais fácil e prático para que ele seja tratado virtualmente na internet. Assim, os sensores nos permitirão localizar cada objeto, saber seu conteúdo, ordená-lo, classificá-lo ou manipulá-lo.

O exemplo mais banal é o da geladeira que nos avisa de tudo que está no fim ou vai faltar. A internet das coisas já se torna particularmente útil para muitas pessoas e instituições que dispõem de grandes bibliotecas com milhares de livros ou discotecas com elevado número de CDs, DVDs ou Blu-rays. Com a nova web, localizaremos instantaneamente cada peça, obra, autor, editora ou intérprete, editora, orquestra, data de gravação ou edição, preço, história e tudo o mais.

Entre suas muitas aplicações, a internet das coisas poderá ser utilizada nos sistemas de controle automático dos semáforos e de controle de trânsito. Ou nas empresas de transporte coletivo, informando aos passageiros o horário exato em que cada ônibus ou trem vai passar pelos pontos de parada. Ou ainda equilibrar a oferta de veículos em função da demanda de cada horário.

O papel da internet das coisas poderá ser revolucionário ainda nos supermercados, nos sistemas de distribuição postal, nos almoxarifados e estoques de milhões de peças e componentes.

Com essa nova web, a ordem poderá, finalmente, triunfar sobre o caos.

Feliz ano novo - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O GLOBO - 01/01/12

Este ano tanto o Natal quanto o ano novo caíram num domingo (desculpem, não sei dizer se eles sempre caem no mesmo dia da semana e, portanto, não estou lembrando novidade nenhuma; tentei fazer as contas, mas não acertei, o finado Cuiuba tinha razão, sou meio fraco da ideia), ou seja, dia em que estas linhas modestas são publicadas. No domingo passado, minha intenção era escrever outra vez sobre o Natal e desejar a vocês boas festas, mas devo ter sido novamente acometido por um dos meus ridículos arroubos cívicos e trocado de assunto sem querer. Volta e meia, escrever é assim. Quando se vê, a desgraça já está feita.

Minha omissão natalina também pode ser devida a um trauma mais ou menos recente. Refiro-me ao dia infausto em que passei aqui uma receita de escaldado de peru, que era o que eu via fazerem, na Bahia, com o que sobrava do peru de Natal. Receio não me haver dado muito bem, porque recebi várias cartas me dizendo que, como cozinheiro, eu era um escritor razoável e outras me esclarecendo que escaldado de peru não é coisa só da Bahia, mas é manjado em todo o nosso imenso Brasil, às vezes chamado por outros nomes. Retiro a receita, retiro tudo. E as restrições ao cozinheiro doeram muito mais que as feitas ao escritor. Mas, porque sei que vai ter gente que na época não soube da grave polêmica, simplifico a única receita pela qual tenho a ousadia de responsabilizar-me. Pega-se o peru que sobrou, não precisa desossar, não precisa nada, basta desmontar a carcaça e usar os pedaços como ingredientes de um cozido. Pronto. Cozido mesmo, com paio, linguiça, quiabo, abóbora, maxixe, jiló, repolho e outras verduras à vontade, carne-seca, o que der na veneta como ingrediente de cozido. Novas cartas de protesto para o editor, por caridade.

Quanto ao presente domingo, claro que não estou esquecendo de dar-lhes meus votos de um ano novo excelente, com saúde, tranquilidade e grana. Sei que isso não é alcançável por todos, mas a gente deseja, de qualquer forma. O mundo é perfeito, diz meu velho amigo Benebê em Itaparica, não é como a gente quer. Já pensou se fosse como cada um quer? E, tudo bem pesado, acrescenta Benebê, a graça da vida é isso, nada é certo, tudo pode acontecer, o que parece que é no outro dia não é. Grande verdade, pelo menos não percamos a graça da vida.

E precisamos ter esperança em melhores dias, se bem que aqui de novo se aplicam as observações de Benebê, pois, sendo perfeito o mundo, os melhores dias de uns serão os piores dias de outros e vice-versa, nunca se sabe. E cada um imagina melhores dias como lhe convém ou como consegue. Eu, de minha parte, não estou disposto a começar o ano com pensamentos negativos e, por conseguinte, junto-me a todos os brasileiros que anteveem um 2012 prenhe de gáudio e venturas. Os presságios já são eloquentes, entre os quais destaco o que nos foi dado, mais uma vez, pelo Senado Federal.

Não tenho certeza quanto aos pormenores, mas li que o Senado Federal interrompeu seu recesso para dar posse ao dr. Jader Barbalho (não sei se ele de fato é doutor, mas, como qualquer brasileiro, conheço meu lugar e trato os homens logo do jeito a que eles estão acostumados). Com a habitual mesquinharia, a imprensa destacou os minguados vinténs que o senador vai embolsar com essa posse antecipada, como se um homem como o dr. Jader fosse dar importância a essa merreca, que só é dinheiro para jornalista morto a fome mesmo. Duvido que, se as obras de Irmã Dulce pedissem, ele não doasse a elas esse trocado todo e mais alguma coisa. (Fica aqui a sugestão às obras de Irmã Dulce, o endereço dele deve estar na Internet).

Ignorou-se o momento cívico, a celebração da solidez de nossas instituições. Quem entra não sai nem a pau, as instituições resistem a tudo. Pobre da sensibilidade que não se viu arrebatada por um frêmito de emoção, ao tomar conhecimento da decisão expedita do Supremo Tribunal Federal, deflagrando todo um vertiginoso processo — mais uma inovação brasileira, a posse expressa. Pois o Pará, estado do qual o dr. Jader é galardão, também se mexeu qual flecha disparada pelo arco de Pery. Diz aqui que o Tribunal Regional Eleitoral de lá diplomou o senador através de um telegrama, antes mesmo de receber a comunicação da decisão do Supremo. E aí o Senado, enquanto o diabo esfregava um olho, mais que depressa saiu do recesso somente para cuidar do assunto e, mais que depressa ainda, voltou ao recesso. Depois dizem que o brasileiro é lento, é a nossa mentalidade derrotista.

Com a lição que esse augúrio encerra, creio que se esvai o pessimismo acaso ainda existente. Há razões para crer que todos os que roubam dinheiro público, sem exceção alguma, continuarão a prosperar, ainda que alguns venham a ser incomodados por investigações rápidas e passageiras. Quanto a devolver o que gatunaram, tampouco há motivo de preocupação, os precedentes são raríssimos e pouco convincentes. Não será investigado nenhum juiz ladrão, todos eles também podem ficar tranquilos. Aliás, devem ficar mais tranquilos ainda, porque uma hora destas o Supremo manda encanar quem disser que há juiz ladrão, mesmo que haja provas. E, num plano mais local, a guerra contra as drogas e o jogo do bicho prosseguirá intimorata, não porque adiante alguma coisa, mas porque, sem ela e toda a dinheirama (dinheiro mesmo outra vez) que movimenta, como ia ficar a vida de tanta gente — das autoridades corruptas aos vendedores de armas, equipamentos e tecnologia? Ou seja, dirão vocês, será tudo o mesmo, com os mesmos tungando os mesmos, da mesma forma. Exatamente. O que dá pra rir dá pra chorar, pensem em quantos não ficarão alegres com essas perspectivas, o mundo é perfeito.

Parou por quê? - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 01/01/12
Os números da execução orçamentária mostram que dois dos ministérios abalados por denúncias e consequente troca de comando investiram quase nada em 2011. No Turismo, onde Pedro Novais deu lugar a Gastão Vieira em setembro, o total efetivamente pago até 24 de dezembro representou apenas 0,16% dos recursos autorizados para o período. No Esporte, que assistiu à substituição de Orlando Silva por Aldo Rebelo em outubro, esse índice ficou em 0,55%.
Entre as pastas com percentuais mais expressivos de pagamentos no ano estão Relações Exteriores (46,86%), Defesa (44,25%) e Fazenda (43,06%).

Fora da curva 1 O Ministério do Planejamento afirma que os empenhos (reserva para pagamentos futuros) tanto do Turismo quanto do Esporte foram bastante elevados em 2011, até mesmo superiores à média dos anos anteriores. E que isso comprometeria a ideia de paralisia nas atividades das duas pastas.

Fora da curva 2 Ainda segundo o Planejamento, 2011 foi atípico. "É o início de novo ciclo, com novas ações em andamento que precisam ser planejadas e articuladas com os entes federados", diz a assessoria da pasta.

Não saiu... De Dilma a auxiliares, ao ler na imprensa conjecturas sobre a reforma ministerial deste mês: "Isso não vem nem do primeiro, nem do segundo, nem do terceiro escalão. Isso vem do 'rabogésimo' escalão! O último! Aquele escalão que não tem informação nenhuma!".

...daqui Antes de partir para as férias na base naval de Aratu (BA), Dilma disse ainda a subordinados: "Se vocês lerem qualquer coisa sobre reforma neste período, podem saber que não veio de mim. Porque até a volta eu não vou falar com ninguém sobre este assunto!".

Geladeira Esgotado o prazo previsto no decreto de outubro em que Dilma paralisou os repasses federais para ONGs, fatia significativa dos contratos segue suspensa por determinação do Planalto.

Scanner Segundo o governo, só foram retomados convênios que passaram por inspeção. Contratos ainda não rastreados, mesmo sem sinal de irregularidade, permanecem bloqueados.

Tudo pelo... Em ofensiva para se livrar do carimbo de partido "de elite", o PSDB criará quatro secretarias voltadas para o social este ano.

...social O esforço dos tucanos na tentativa de melhorar sua imagem inclui reunião ampliada, prevista para 14 e 15 de março, com a recém-constituída ala sindical.

Sonho meu Em seu último encontro de 2011, o PSDB fechou prognóstico de que seria possível eleger prefeitos de sete a nove capitais.

Sinal amarelo Em relatório a ser entregue em fevereiro, a Comissão de Turismo, Desporto e Lazer da Câmara fará alerta sobre atrasos em licitações de obras de mobilidade urbana em subsedes da Copa. O estudo, baseado em inspeções dos deputados, é otimista quanto ao ritmo de construção dos estádios.

Escalação
 Geraldo Alckmin autorizou a montagem de grupo multidisciplinar para cuidar da infraestrutura do Mundial de 2014 em São Paulo. Serão recrutados de 10 a 15 técnicos das secretarias envolvidas em programas de transporte, educação e turismo. O governo deve ainda contratar consultorias para temas pontuais.
Quilometragem Em seu primeiro ano de gestão, Alckmin fez 219 viagens e visitou 151 cidades paulistas.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio

"Se Goldman acha o governo Dilma medíocre, o que dirá sobre seu mandato-tampão em SP, cujo maior legado foi uma enrolada licitação do metrô que até hoje penaliza o sucessor?"
DO PRESIDENTE DO PT PAULISTANO, ANTONIO DONATO, sobre o ex-governador paulista ter dito, em artigo publicado na Folha, que o primeiro ano da gestão da presidente petista se caracterizou por uma "sucessão de fracassos".

Contraponto

Despesas essenciais


Depois de roubar o "cofre do Adhemar", em 1969, os colegas mais animados de Dilma na VAR-Palmares sugeriram usar parte dos dólares para festejar a ação.
-Um grupo resolveu fazer uma vaquinha para comprar cerveja. Outros queriam comer camarão- lembra o ex-militante Darcy Rodrigues.
No livro "O cofre do Dr. Rui", de Tom Cardoso, ele conta que interrompeu a festa com um "esporro geral":
-VAR sem um tostão em caixa e os caras pensando em caixinha para a cerveja...

O tal do poder - DANUZA LEÃO


FOLHA DE SP - 01/01/12
Deve ser bom ser o chefão de alguma coisa: de uma empresa, de um país, da máfia; eles nunca esperam

A gente lê os jornais, vê as noticias e se pergunta: por que será que as pessoas querem tanto o poder?

Existe quem pense que, com ele, vai conseguir mudar o mundo. Não que seja pouco -afinal, mudar o mundo é um grande projeto. Mas talvez exista alguma coisa a mais nesse desejo. Qual é, afinal, a grande graça do poder?

Quanto mais poderoso você é, menos consegue mandar em sua própria vida. Um ministro, cuja foto sai todos os dias nos jornais, não pode nem ir a um restaurante sem ser escoltado por seguranças. E isso é bom?

Poder e dinheiro são parecidos, mas o poder é melhor. Um milionário é poderoso? Em termos; ele pode ter tudo o que quer, mas seu poder é relativo. Aliás, o supremo poder é ser dono da sua própria vida, e esse poucos têm. Dá para ir à praia segunda-feira de manhã e fazer do dia o que bem quiser? Não, a não ser que você seja seu próprio patrão. E quando se é seu próprio patrão, aí mesmo é que não dá.

Um dia você se apaixona e é correspondido; e por acaso um homem apaixonado é dono de sua vida? Tem o direito de decidir o filme que gostaria de ver ou o restaurante onde prefere jantar? Quando mais felizes no amor e mais sucesso na profissão, mais prisioneiros somos.

Mas o poder tem grandes vantagens, sim, e uma delas é que os poderosos não esperam por nada nem por ninguém. Parece pouca coisa? Pois não é.

Pense em quantos telefonemas você dá por dia e o tempo que espera para que eles -os poderosos- atendam. E a fila do elevador, que você tem que enfrentar galhardamente, em nome da civilidade, dos bons costumes e da democracia? Seja sincero: se você fosse o dono do mundo, não teria um elevador só para você, que não parasse em nenhum andar, para não ter que ouvir gente que fala no celular, ri, assobia e até cantarola num espaço tão pequeno? Ah, como deve ser bom ser o chefão de alguma coisa: de uma empresa, de um país, da máfia. Esses nunca esperam.

Quando eles saem o carro já chegou (o motorista foi avisado pelo celular), esperando com a porta aberta, e dependendo do tipo de poder, têm direito até a batedores abrindo o caminho no trânsito.

Por que um milionário compra um jatinho por milhões, se as primeiras classes são tão confortáveis? Porque sendo dono do seu próprio avião, é ele quem escolhe a hora em que quer decolar. Aliás, outra vantagem do poder: ter alguém que se lembra de carregar o celular, que sonho.

Quando um poderoso de verdade chega a qualquer lugar, alguém chega antes, para abrir as portas - em todos os sentidos. Parece pouco? Pois é por coisas aparentemente tão simples que existem até os golpes de Estado. Mas a vida dos poderosos não é um mar de rosas, pois existem os jornalistas querendo saber se eles estão bem ou mal-humorados (e por que razão), e, se não descobrem, especulam e não dão sossego, dia e noite, querendo saber dos detalhes -e quanto mais íntimos esses detalhes, melhor. Mas eles gostam, e fazem qualquer papel para se agarrar ao tal do poder, seja ele de síndico ou de ministro.

Viver sem precisar esperar por nada nem por ninguém, não perder tempo, para ter mais tempo, todo o tempo do mundo, esse é o sonho supremo; e mais tempo para quê? Para trabalhar mais, ganhar mais dinheiro e ter mais poder.

Simples, não?

PS - Se seu ano não foi bom, coragem, o próximo vai ser melhor; e se foi bom, vai ser melhor ainda. Feliz 2012.

Transposição cada vez mais cara - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 01/01/12


Decidida e iniciada às pressas por interesse político-eleitoral, sem que houvesse estudos que dirimissem dúvidas quanto à sua viabilidade econômica nem projetos executivos para assegurar a boa execução dos trabalhos, a transposição do Rio São Francisco está ficando cada vez mais cara para os contribuintes e ainda não se sabe quanto, afinal, custará nem quando estará concluída. Responsável no governo pelo projeto, o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, agora anuncia que, mesmo depois de licitadas todas as obras necessárias e assinados os respectivos contratos, nova licitação terá de ser feita, ao preço de pelo menos R$ 1,2 bilhão, para recuperação do que se deteriorou e execução do que deveria ter sido feito, mas não foi.

O custo de R$ 5 bilhões, anunciado quando as obras foram iniciadas, em 2007, vem sendo revisto desde então. Se as novas obras a serem contratadas ficarem no valor previsto pelo governo, o total alcançará R$ 6,9 bilhões. Mas ainda não se sabe quanto mais será gasto com a nova licitação. "Só vamos ter certeza do valor quando concluirmos o processo licitatório e fecharmos o contrato", disse o ministro ao Estado. Isso ainda levará algum tempo, pois o ministro pretende lançar a licitação em março.

Certamente, quando o contrato for fechado, o ministro e todos os brasileiros saberão quanto mais custará esse projeto eleitoreiro idealizado pelo ex-presidente Lula e que sua sucessora Dilma Rousseff se comprometeu a concluir. Mas nem depois de fechados os novos contratos se terá certeza de que não haverá outros custos adicionais.

A transposição do São Francisco é uma amostra exemplar do padrão de gestão petista. Decisões são tomadas não com base em cálculos econômico-financeiros ou estudos sobre a importância e a urgência do projeto para a região e para o País, mas tendo em conta os interesses do PT e de seus aliados de ocasião.

Em obras essenciais, projetos são mal elaborados - às vezes nem existem projetos executivos -, o que abre espaço para renegociações de preços, que o Tribunal de Contas da União (TCU) vem acompanhando com atenção, tendo vetado várias delas, e para a execução de serviços em condições inadequadas, e que por isso precisam ser refeitos, com custos adicionais para o contribuinte.

No início de dezembro, a reportagem do Estado percorreu trechos das obras da transposição em Pernambuco e constatou a existência de estruturas de concreto estouradas, vergalhões de aço abandonados e enferrujados, paredes de contenção rachadas e canteiros de obras fantasmas. Muito do que havia sido executado estava se perdendo, por falta de continuidade das obras - outra característica do governo petista, que, por deficiência administrativa, não tem conseguido assegurar o ritmo normal de execução de vários projetos. Na ocasião, o ministro disse que a recuperação não implicaria custos adicionais para o governo.

Agora, reconhece que haverá novas licitações. "Não diria que foi erro de projeto, mas o projeto básico não estava detalhado e foi incapaz de identificar as situações de campo", disse, ao tentar justificar a paralisação dos trabalhos em diversos setores, a revisão de contratos e a realização de nova licitação. É uma confissão de que não havia projetos adequados para uma obra das dimensões da transposição.

Para o objetivo político-eleitoral a que se destinava, a obra já cumpriu seu papel, pois o projeto de transposição foi um dos maiores responsáveis pela esmagadora vitória que a então candidata do PT obteve nos municípios que serão diretamente beneficiados - e, por dever de gratidão eleitoral, ela assumiu o compromisso de concluir a obra.

Tendo chegado ao estágio que chegou, é importante que a obra seja concluída, no menor prazo e ao menor custo possíveis. Mesmo usada como peça de propaganda eleitoral, a obra está muito atrasada. O ex-presidente Lula queria inaugurar o Eixo Leste em seu mandato, mas faltam 30% das obras. A nova previsão é a inauguração no fim do mandato da presidente Dilma Rousseff. O Eixo Norte tem menos de metade das obras pronta e não estará concluído antes de dezembro de 2015.

O Calendário Maia que se exploda! - ALDIR BLANC


O GLOBO - 01/01/12

Abro a cortina do passado para melhor encarar 2012. Estou lendo “A privataria tucana”, de Amaury Ribeiro Jr, nos contando sobre o Brasil de FHC I e II, “vendendo tudo”, principalmente o que pertencia a nosotros. Não adianta nhe-nhe-nhem porque o jornalista e escritor tem três prêmios Esso, quatro Vladmir Herzog, e sofreu um sério atentado, investigando assassinatos de menores pelo tráfico no entorno de Brasília. O livro contém lama para mensalão nenhum botar defeito. Só um tira-gosto: o insuspeito Nobel de Economia (2001) J. Stiglitz cunhou o termo “briberzation”, ao invés de privatization. Bribe é coisa roubada, na gíria de ladrões ingleses, desde o século XIV. Infelizmente, não achei, durante a leitura, nada sobre um pretenso compêndio escrito pelo Serra, sob pseudônimo: “O ócio de Aécio no cio”.

Talvez embalada pelo slogan da tucanagem, “vender tudo”, a operadora de telemarketing, amiga de Adriano Ruínas do Imperador, tenha se apresentado — Luzes! Ação! — para depor na delegacia com aquele modelito Das pu Bangu Trois. Gastando um pouquinho meu francês aprendido na Praça Paris foi vraiment une efemèrde. Recomendo a roupinha para o Dia de Reis, mas não me responsabilizo pelo comportamento dos camelos. Dizem que artiodáctilos ruminantes parecem jogadores de futebol: comem qualquer coisa. Os zoólogos asseguram que o estômago deles aguenta chaves de cadeia. A periguete teve sua tarde de fama. Não explodiu como uma supernova, embora estivesse um tanto caída sob o núcleo, mas conseguiu estrelar — uma anã branca, pelo que entendi de minhas leituras cosmológicas. A melhor piada envolvendo a subBBB (quem diria que algumas mulheres chegariam a esse ponto...) foi do amigo Cesar Tartaglia:

— Antes, o Adriano posava de fuzil; agora, está atacando de canhão...

Será esse o Brasil que virou a sexta economia do mundo, ultrapassando a — vrrruuummm! Tã-tã-tã, musiquinha de chegada na Fórmula 1 — Grã-Bretanha? Também. A notícia auspiciosa foi dada na telinha por pessoas que pareciam estar em plena crise de vesícula. Surgiram rapidinho — vrrruuummm, de novo — analistas avisando que o troço não significava lhufas. Ora, o Wall Street também dizia uma coisa e a realidade era outra. O próprio ministro Guido Manteguinha declarou que só daqui a vinte anos a população vai auferir, se viva estiver, as benesses dessa barrichellagem no vácuo. Fica uma pergunta incômoda no ar poluído: quem está botando grana no bolso agora com tal façanha, abrindo champanhe, convidando para festas operadoras de... Xapralá.

Acho legítimo esperar que as cracolândias em todo o país sofram uma retração; que na Praia de Iracema, cartão-postal do Ceará, saindo do brilho em frente aos grandes hotéis, meninas de 14 anos, ou menos, não se prostituam. Não rodam bolsinha porque estão quase todas com as mãos ocupadas, preparando os cachimbinhos. Somos Brics, mas não anseio que nosso povo se perca numa espécie de Índia, na qual os manés chamam as cidades grandes pelos nomes e o resto de A Escuridão. Talvez consigamos, com uma estratégia eficaz, reduzir o aumento de 60% de Aids entre jovens, um problema político, não apenas sexual. Quem sabe nosso Judiciário não legislará tanto em causa própia. Seria demais acalentar o sonho de prisões dos notórios criminosos que mandam naquelas casas de tolerância do Planalto? Sairão do papel, já sépia, a Reforma Agrária, a taxação das grandes riquezas, rá, rá?

Em todo caso, foi legal meter uma bola entre as canetas da pérfida Albion, nós que temos como dirigente máxima não uma rainha, mas uma ex-guerrilheira, com um nome que podemos colocar na paródia de um samba do Zé Kéti, “A Dilma subiu o morro do Pinto pra me faxinar...”, sem medo de choques elétricos nos genitais, aplicados por inúmeros bolsonéscios que escaparam impunes de um crime que não prescreve: tortura.

2012: receita caseira - VALDO CRUZ


FOLHA DE SP - 01/01/12
BRASÍLIA - Lá se foi 2011, sem grande brilhantismo, com crescimento econômico despencando e inflação ainda elevada. Bem feijão com arroz, sem agenda de reformas estruturais e inovadoras.
A despeito desse cenário adverso, a popularidade da presidente Dilma e de seu governo não foi afetada. Pelo contrário, melhorou. Para desgosto de aliados, que, maltratados pelo Palácio do Planalto, preferiam uma comandante mais fraca.

Dilma fechou 2011 bem na foto porque, no imaginário popular, foi a responsável pela faxina que derrubou sete ministros, imposta muito mais pelo noticiário da mídia. E porque evitou o pior na economia, garantindo queda no desemprego.

Entra em 2012 com pinta de que manterá uma administração sem surpresas e ousadias, seguindo a linha de administradora de crises e gerente do dia a dia. Deu certo com Lula, pode dar com ela também.
Está convencida de que precisa apertar alguns parafusos que ficaram bambos por conta das seguidas crises ministeriais e da inapetência de alguns auxiliares. Sinal de que mais cabeças podem estar a prêmio na reforma ministerial.

A tensão com a base aliada tende a subir. Segundo assessores, quer reduzir, e não aumentar, o espaço de indicações políticas no governo. Se terá condições de fazê-lo, é outra história -tomara que tenha.
Deseja viabilizar seu sonho de derrubar a taxa de juros para a casa de um dígito, quem sabe 9,5% ao final do ano. O Banco Central já avisou, porém, que, se a inflação não seguir caindo, para nos 10% ao ano.
Para dar uma mãozinha ao BC, terá de manter forte rigor fiscal. Enfrentará resistências de aliados e equipe, desejosos de aumentar os gastos públicos em ano eleitoral.

Enfim, se 2012 repetir 2011, um assessor tem uma receita caseira pronta para preservar a imagem presidencial. Basta Dilma dar uma olhada na sua equipe, escolher os mais enrolados e trocar sete ministros.

Lembrando os anos 1930 - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES


O Estado de S.Paulo 01\01\12

No fim de um ano dramático, que fez desfilar diante de nós os penosos desdobramentos da crise iniciada com as hipotecas podres americanas e, agora, atinge em cheio o projeto de unificação europeia, seria irresistível a tentação do pessimismo e até a adoção de tons apocalípticos, não fosse a lição do poeta, mineiro e universal, a nos advertir que o último dia do ano não é o último dia do tempo, muito menos o último dia de tudo.

Feita a ressalva poética, cuja ironia nos autoriza a manter, apesar dos pesares, o otimismo da vontade, cabe admitir em sua abrangência os efeitos de uma situação que começa a extravasar poderosamente da economia para a política, suscitando opiniões que aludem, por analogia, a um dos períodos mais críticos do século 20. De fato, o que agora crescentemente se toma como referência é o período que testemunhou a longa guerra civil europeia, iniciada em 1914 e concluída com o conflito generalizado entre 1939 e 1945. No meio de tudo isso, a Grande Depressão dos anos 1930.

Então, como agora, havia um diagnóstico generalizado em diversas áreas políticas e vocalizado de modo semelhante por intelectuais do amplo espectro democrático, com exceção, naturalmente, dos adeptos das soluções corporativas e nacionalistas representadas pelo fascismo e pelo nazismo. O diagnóstico considerava que o século 20, além de assistir à emergência irresistível das massas, padecia de uma contradição insanável: por um lado, os laços econômicos internacionalizavam-se e tornavam os diferentes sistemas nacionais cada vez mais dependentes uns dos outros; por outro, a incapacidade de governar politicamente tal internacionalização fazia nações-chave se fecharem nas próprias fronteiras, estimulando um nacionalismo agressivo ou, no caso do nazismo, abertamente belicoso.

O contexto crítico dos nossos dias, com a depressão econômica que se aprofunda, parece suportar a analogia. Pode-se hoje falar, sem metáfora de nenhum tipo, de uma economia-mundo, ou seja, de um sistema econômico mundial, formado, no entanto, a partir de forças de mercado livres de qualquer regulação democrática. O esvaziamento da política ou a sua irrelevância como expressão da soberania popular assumem por vezes níveis inéditos. Para dar um exemplo dessa irrelevância, veja-se a Bélgica, um país que, de resto, é a "capital" da Europa unificada. Pois esse país emblemático, das eleições parlamentares de meados de 2010 até há poucas semanas, esteve sem governo formalmente constituído, como se isso fosse rigorosamente dispensável.

Deixemos de lado a especificidade belga, constituída pela fratura interna entre flamengos e francófonos, que não é o caso de analisar aqui. O exemplo só nos interessa como sintoma de que, uma vez mais, os fatos da economia parecem um "processo histórico natural", não governado ou pobremente governado por instâncias políticas incapazes de propiciar segurança social e garantir aos cidadãos, seja no plano nacional, seja no das instituições supranacionais, um mínimo de participação e sentido de pertencimento.

A mais recente voz a fazer soar o alarme foi Paul Krugman, ao sublinhar a precária situação da democracia em outro pequeno, mas representativo, país da mítica Mitteleurope. Na Hungria, diz-nos Krugman, o partido Jobbik comporta-se segundo o ritual e os "valores" do nazismo, a começar pelo antissemitismo e o patrocínio de um "braço armado". E o partido de governo Fidesz, amplamente majoritário, desenvolve políticas de ocupação permanente do poder - anulando a diferença entre partido e Estado -, partidariza e "aparelha" o Judiciário, além de promover a inviabilização da alternância e estatizar a mídia, tornando-a veículo de propaganda dos donos eventuais do poder. Um quadro no qual, segundo Krugman, embora não haja um Hitler à vista, a possibilidade de colapso do euro seria um problema relativamente menor para as elites políticas europeias e o projeto de unificação.

Nos anos 1930, como se sabe, havia uma esquerda comunista à frente de um Estado poderoso que, num percurso acidentado de todos os envolvidos, terminaria, felizmente, por se associar às democracias ocidentais para derrotar o desafio nazi-fascista à civilização. Ainda no Ocidente, especialmente na França e Espanha, comunistas e socialistas puderam se encontrar em trincheiras comuns, ao lado de democratas "burgueses", como então se dizia, a partir das políticas de "frente popular". (E até no Brasil, em contexto diverso, a experiência da ANL, em 1935, sem contar o desastrado desfecho violento, merece figurar como sinal de aglutinação das massas urbanas e tentativa de ampliar a democracia.)

Tudo isso é verdade e deve ainda inspirar aqueles que, à esquerda, se preocupam hoje com o destino de seus próprios países e, ao mesmo tempo, mantêm como horizonte uma sociedade mundial cosmopolita, culturalmente articulada e socialmente mais justa.

É verdade, mas não toda a verdade. O comunismo histórico, portador de reivindicações de mudança substantiva comandada por uma "classe universal", nascera de uma ruptura com a democracia política, cujo sistema de garantias deveria ser suspenso na hipótese de uma tomada revolucionária de poder e construção da nova sociedade sem classes. Aí, como ficaria sempre mais claro, o seu "pecado oriental", de que derivariam sociedades fechadas, as quais seriam repudiadas pelas respectivas populações nos acontecimentos sintetizados simbolicamente na derrubada do Muro de Berlim.

Para evitar esse resultado catastrófico e, também, atuar produtivamente na crise atual uma estratégia sensata deveria levar as esquerdas a dialogar com a tradição liberal, reformando-se para incorporar, entre outras, a dimensão do pluralismo.

Nada mais que o impossível - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 01/01/12

Cético desde sempre e para sempre, trago aqui meus desejos situados acima de toda possibilidade para 2012


As coisas que podem ser alcançadas, mude ou não o calendário, não precisam de tantos votos e pedidos na passagem de ano. O impossível desejado, aí sim, vale empenhar uma esperança contra a sua própria certeza. Cético desde sempre e para sempre, por natureza e convicção, trago aqui, para abordar 2012, meus desejos situados acima de toda possibilidade. Poderiam ser milhares, mas os três selecionados já sobrecarregam de desesperança as vãs esperanças.

Os três são simples. Tanto que o primeiro é só o desejo de uma pergunta alheia, que pode mesmo ser silenciosa. Não importaria se a fizesse uma autoridade paulista em nível estadual ou municipal.

É necessária uma explicação preliminar. Embora a riqueza paulista, algumas das favelas de São Paulo estão entre as mais desumanas nas milhares de favelas espalhadas pelo Brasil. Igualam-se, porém, às suas vizinhas menos degradantes nesta peculiaridade: em nenhum outro lugar as favelas são tão atingidas por incêndios como as de São Paulo.

A sequência é assombrosa. Ainda que não para os jornais, que nem se dispõem a substituir uma vulgaridade em suas primeiras páginas (estarei sendo redundante?) por documentos fotográficos da pobreza e da miséria incandescentes, literalmente como o inferno em vida.

A naturalidade com que os poderes públicos acompanham a sequência única de incêndios corresponde à rotina do fogo e da destruição. Vão os bombeiros, "o fogo é muito forte", "estamos tomando todas as providências", depois o rescaldo, as carcaças de fogões e de algumas geladeiras, o chão calcinado -pronto. Agora é aguardar o incêndio seguinte, para que tudo seja igual.

O desejo impossível é, então, o de que em 2012 alguma autoridade estadual ou municipal, sem furtar de seu tempo mais do que rápidos segundos, de repente se fizesse esta pergunta: "Por que será que há tantos incêndios de favelas aí pela Grande São Paulo?" Por que será?

Neste final de ano, o Rio ganhou dois presentes extraordinários. Aliás, extraordinário seria qualquer presente para a cidade que há muito tempo deixara de receber algum. O prefeito Eduardo Paes, cuja administração dinâmica injeta novidades valiosas e variadas em grande parte da cidade, adotou duas decisões muito muito inovadoras.

Uma: estudar a adoção de bondes modernos na região central da cidade e algumas adjacências. A outra: transferências da finalidade de lojas no Leblon (por ora, aí) não dependerão só das exigências burocráticas, mas de uma aprovação especial. Assim será evitado que livrarias, o comércio tradicional e serviços essenciais à vida de bairro continuem desaparecendo, devorados por mais agências bancárias e farmácias, já em número sufocante.

O desejo versão 2012: prefeitos e governadores admitirem não pensar em metrôs, só por serem obras de fácil (e aparente) justificação e alta rentabilidade para os bolsos próprios e alheios. E se interessarem pelo estudo de bondes modernos, tão menos custosos e de tanta eficiência para o público, como provam as deliciosas Amsterdã e San Francisco, entre outras. E ainda o estudo da ONU sobre transporte urbano, que qualificou o bonde moderno como o melhor em todos os sentidos.

Por fim, Marco Aurélio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos e colaborador de jornais, escreve que o best-seller "A privataria tucana", do repórter Amaury Ribeiro Jr., "foi produzido nos esgotos do Palácio do Planalto".

Aí há duas possíveis metáforas e uma informação. As primeiras são "nos esgotos" e o próprio historiador e professor de história. É a informação que justifica o desejo inalcançável: ver provar-se, por qualquer meio inequívoco, que "A privataria tucana" "foi produzido" no Palácio do Planalto, mesmo que na garagem ou no abrigo das emas.

Como os desejos impossíveis não impedem os realizáveis, agradeço a cada leitor a presença de sua leitura, mesmo que por uma só vez, e espero que seja protegido pela sorte em 2012.

Sinal amarelo - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 01/01/12

A assessoria do secretário-geral da ONU, Ban Kimoon, reclamou com a delegação brasileira, na Conferência do Clima, em Durban, no início do mês passado, dos preparativos para a Rio+20, que acontece em junho. A equipe de Ban Ki-moon se queixou que o Brasil não estaria dando a importância devida para o evento. Para eles, o governo brasileiro deveria fazer uma divulgação melhor.

Outra pauta

Para chiadeira do MST e do núcleo agrário do PT, a reforma agrária não está entre as prioridades da presidente Dilma. Logo que assumiu, ela exigiu que houvesse reestudo do padrão de qualidade das terras e da média de preço para as desapropriações. Não queria valores exorbitantes nem terras de baixa qualidade. Depois, acabou transferindo o foco da reforma agrária para o Brasil Sem Miséria e para programas voltados para a agricultura familiar, principalmente com a garantia de preços mínimos. Outro problema enfrentado pelo setor é que o Incra também ficou sobrecarregado com a pauta dos quilombolas.

Não sou mulher e lutei pela Lei Maria da Penha. Não sou assistente social e fui relator da prorrogação do Fundo de Combate à Pobreza” — Demóstenes Torres, senador (DEM-GO), negando que tenha atuado contra a criminalização da homofobia por não ser militante LGBT.

PSB x PSB. Integrantes do PSB dizem que não receberam sinalização do Palácio do Planalto, pelo menos até agora, de que o partido vai retomar o Ministério da Ciência e Tecnologia. Os socialistas atribuem ao grupo do ex-ministro José Dirceu a campanha para colocar Ciro Gomes no posto. E veem nisso uma tentativa de desestabilizar o presidente do PSB, Eduardo Campos, que tem se descolado do PT.

Futuro
Apesar das especulações a respeito de seu desejo de ocupar o lugar de Michel Temer na vice-presidência da República, o governador Sérgio Cabral deve disputar o Senado em 2014. E ele quer o vice Luiz Fernando Pezão como sucessor.

Fantasma

O PT aposta suas fichas no adiamento do julgamento do mensalão para 2013. Além de não contaminar as eleições municipais, torce pela prescrição de alguns crimes. A previsão é que o assunto entre na pauta do STF em maio deste ano.

Saudade da CPMF
O ex-presidente Lula não se conformou até hoje com o fim da CPMF. A amigos, disse que o governo e o Congresso perderam a oportunidade de estabelecer um financiamento definitivo para a Saúde na regulamentação da Emenda 29, e que isso não acontecerá neste ano, por causa das eleições. “Ficou essa discussão de que o problema é de gestão, mas não é só isso. Falta é dinheiro”, afirmou Lula.

Rodízio 1
O governo gostou da atuação da senadora Marta Suplicy (PT-SP) na vice-presidência do Senado e não gostou nem um pouco do
desempenho do senador José Pimentel (PT-CE) na liderança do governo no Congresso.

Rodízio 2

Por acordo firmado no início do ano passado, Pimentel assumiria agora o cargo de Marta na Mesa Diretora. Mas a senadora não quer sair, e o governo diz não ter como interferir em um assunto interno da bancada do PT.

APOSTAS
. Além de São Paulo, as apostas do PSDB para as eleições municipais são Teresina (PI), São Luís (MA), Maceió (AL), Rio Branco (AC), João Pessoa (PB), Campina Grande (PB) e Goiânia (GO).

SEM VOTO. 
O ano terminou com 14 suplentes de senador no exercício do mandato, o que corresponde a 17% do Senado.

EXPURGO.
 O senador Jayme Campos (DEM-MT) apagou da página do Senado seu primeiro-suplente, Luiz Antonio Pagot, ex-diretor do Dnit.

Do tango ao tangolomango - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 01/01/12


A América Latina vive hoje, por determinadas razões, a experiência do neopopulismo


Os anos que vivi em países latino-americanos levaram-me a perceber que entre eles e o Brasil há importantes diferenças.

Isso não significa que eles, por sua vez, sejam todos iguais; não obstante, há, entre eles, traços que os distinguem de nós.

Não é que sejamos melhores ou piores que eles, mas há diferença. Já me referi a isso aqui, faz algum tempo, mas agora essa observação me volta à lembrança, ao saber das medidas francamente antidemocráticas tomadas por Cristina Kirchner, recentemente reeleita presidente da Argentina. E foi na Argentina que passei a maior parte de meu exílio.

Mais precisamente em Buenos Aires, cidade que adoro e que, apesar dos pesares, muito ajudou a enfrentar a barra pesada daqueles anos.

Cheguei ali no mesmo dia em que morrera o presidente Perón e, por isso, tive que aturar, durante três dias, a exposição do velório dele, ininterruptamente exibido na televisão.

Ali estava, enfim, morto, o homem que governara a Argentina por duas vezes e que, em seu primeiro governo, transformara sua mulher, Evita, numa mitificada mãe dos pobres e que, morta, teve seu cadáver posto em exposição na sede da CGT até ser ele apeado do poder pelos militares.

Levou consigo o cadáver dela para a Espanha e o instalou na casa onde passou a viver com a nova mulher, Isabelita. Esta penteava os cabelos da morta todos os dias, conforme a vontade do marido.

De volta à Argentina, fez de Isabelita sua vice, de modo que, morto ele, assumiu ela o governo do país, embora nada entendesse daquilo, cantora de cabaré que havia sido. Não faz muito tempo, seu herdeiro político, Néstor Kirchner, fez de Cristina também sua vice; assim, morto ele, passou ela a governar o país.
País estranho é a Argentina. Se é verdade que também no Brasil tivemos a ditadura de Getúlio Vargas, igualmente travestido de pai dos pobres, jamais adquiriu a aura mistificante que até hoje mantém o peronismo como força política atuante no país.

Lembro que, quando Isabelita assumiu o governo, sem qualquer qualificação para isso, a CGT difundiu pelo país um cartaz em que ela aparecia vestida como Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tendo ao alto, de um lado, o rosto de Perón, e do outro, o de Evita, lançando luz sobre ela, e embaixo a seguinte frase: "Se sente, se sente, Perón e Evita estão presentes".

Ninguém teria coragem de fazer coisa semelhante no Brasil, mas na Argentina pode, e tanto pode isso como pode sequestrar do túmulo o cadáver de um general, levado para a Itália por razões políticas; e também pode, no dia da chegada de Perón, em 1973, peronistas enforcarem peronistas sob o palanque em que discursava o líder recém-chegado.

Se soube de tudo isso com perplexidade, igualmente perplexo leio agora as notícias, que me chegam de lá, após a vitória eleitoral de Cristina Kirchner.

Ao que tudo indica, estamos diante de uma personalidade surpreendente que, ao contrário de Isabelita, que não sabia a que viera, sabe muito bem o que pretende e está disposta a levar suas pretensões às últimas consequências.

A América Latina vive hoje, por determinadas razões, a experiência do neopopulismo, que tem como principal protagonista o venezuelano Hugo Chávez.

É um regime que se vale da desigualdade social para, com medidas assistencialistas, impor-se diante do povo como seu salvador. Lula seguiu o mesmo caminho, mas, como o Brasil é diferente, não conseguiu o terceiro mandato.

A solução foi eleger Dilma para um mandato tampão.

Porque o neopopulismo se alimenta de uma permanente manipulação do setores mais pobres da população, o seu principal adversário é a imprensa, que traz a público informações e críticas, que desagradam o regime.

Por isso mesmo, Chávez faz o que pode para calar os jornalistas, enquanto Lula e sua turma tentaram criar aqui um órgão para controlar os jornais.

Não o conseguiram, mas Cristina, na Argentina, talvez o consiga, já que acaba de aprovar uma lei que põe sob controle do Estado a produção de papel de imprensa. O jornal que insistir em criticar seu governo, deixará de circular.

Temo pelo que possa acontecer à Argentina, nas mãos de uma presidente embriagada pelo poder.