domingo, outubro 23, 2011

LYA LUFT - Mudar é possível

Mudar é possível
LYA LUFT
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J. R. GUZZO - Salto-mortal

Salto-mortal
J. R. GUZZO   
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O REI DO CAMBALACHO - REVISTA VEJA


O REI DO CAMBALACHO 
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A COISA FUGIU DO CONTROLE - REVISTA VEJA

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NÃO ERA INFÂMIA - REVISTA VEJA

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O pensamento mágico - CARTA AO LEITOR

O pensamento mágico 
CARTA AO LEITOR
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ANCELMO GOIS - Sol tão claro


Sol tão claro
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 23/10/11

Está aberto o leilão de direitos autorais da obra do grande poeta Manuel Bandeira (1886-1968).
Estão na disputa a Leya (portuguesa), a Companhia das Letras e a Editora Globo.

Belo exemplo
Vanessa da Mata está adotando três irmãos de uma mesma familia.
Os novos filhos da cantora têm 6, 8 e 10 anos.

Morena de Angola...
Aliás, Vanessa vai desfilar na Portela no papel de Clara Nunes, a convite do carnavalesco Paulo Menezes.

Tempos modernos
Não existem mais lojas para revelar filmes no BarraShopping, no Rio.

`M' da Manchete
Está à venda num ferro-velho na altura do km 192 da Avenida Brasil, no Rio, o sim-bolo da finada TV Manchete, aquele "M" gigante, lembra?, que ficava em cima do prédio do grupo Bloch, na Rua do Russel, na Glória.

Efeito Pereirão
Quarta, numa casa lotérica perto do supermercado Guanabara da Barra, no Rio, uma senhorinha de uns 70 anos perguntou à filha, de uns 40:
— Filha, qual é o valor do prêmio da Mega-Sena?
— Dois milhões de reais, minha mãe.
— Só essa mixaria? Não jogue, não...

Há testemunhas. Esta é minha vida

Norma Bengell, 76 anos, está escrevendo sua autobiografia. Deve ser lançada no primeiro semestre de 2012.
A grande atriz, que já filmou até em Hollywood, está atualmente em cadeira de rodas e enfrenta dificuldades.

Dercy, a série
A TV Globo prepara uma minissérie sobre a vida de Dercy Gonçalves (1907-2008).
É escrita por Maria Adelaide Amaral, autora do livro "Dercy, de cabo a rabo". A comediante vai ser vivida por Heloisa Périssé, na fase jovem, e Fafy Siqueira, na madura. Será dirigida por Jorge Fernando. Vai ao ar em 2012.

Relação homoafetiva
Cinthia Berman, argentina, e Carla Rincón, venezuelana, obtiveram na Justiça o direito de o filho, I., gerado por Cinthia, receber na certidão de nascimento os sobrenomes das duas mães.

A decisão foi da juiza Ivone Caetano, da Vara da Infãncia e da Juventude do Rio.

Esqueceu de pagar
O prédio onde Ronaldo Fenômeno tem uma cobertura triplex, na esquina de Rua Venãncio Flores com Av. Delfim Moreira, no Leblon, no Rio, cobra do ex-craque R$ 70 mil atrasados.

Amanhã, Cecília Costa faz conferênicia na Academia Carioca de Letras.

Flávio Ahmed é o novo integrante da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho da OAB.

Dia 27, a Academia Fluminense de Letras, presidida por Waldenir Bragança, dará livros a taxistas e alunos do Liceu.

Márcia Ramos e Silva fala sobre acne juvenil no Congresso Europeu de Dermatologia, amanhã, em Lisboa.

Richet promove terça palestra sobre o teste Verifynow.

O nome da coleção da grife Flor é "Desconectar para conectarise".

Mônica Lopes promove amanhã curso Sesualité, na Clínica Salutaire.

Dia 10, Talal Husseini lança "Paz guerreira", na sede da ONU, em Nova Yorl (pazguerreira. com. br).

A morte de Che
A maré não anda mesmo boa para a memória de Che Guevara. Depois da grife Reserva, que usou uma imagem do herói da Revolução Cubana com nariz de palhaço, agora, quem diria?, são alunos de ciências sociais da UFF, turma que, nos velhos tempos, costumava ser esquerdista.

Os futuros sociólogos promovem terça a festa "Cansei de ser socialista, Che morreu" (veja só o panfleto). Deus o tenha.

Dilema hamletiano
A poucos meses do carnaval, a Brahma ainda não decidiu se terá camarote na Sapucai.
Como se sabe, a reforma do Sambódromo acabou com o espaço cativo que a empresa tinha ali desde a inauguração da Passarela do Samba, em 1984.

Além disso...
O antigo camarote tinha o suporte da finada fábrica de cerveja, que oferecia conforto de marajá a seus convidados.
Mesmo que alugue outro camarote, como faz a concorrente Schin/Devassa, ainda assim, seus convidados poderão ter saudade dos velhos carnavais.

Corte de egos...
Além do mais, no modelo antigo, o camarote da cervejaria B abrigava 800 pessoas por dia, enquanto o da Schin/Devassa comportava umas 550.

Cortar a lista de convidados pode provocar depressão profunda nos vips rejeitados.

O DOMINGO É de Glenda Kozlowsli, 37 anos, a querida coleguinha carioca que passou dois meses em Buenos Aires para a gravação do "Hipertensão", da TV Globo. É o segundo ano de Glenda, exiatleta, à frente do programa de provas radicais, que acaba quintai feira agora. A bela e simpática apresentadora sai do ar, mas, para alegria dos fãs, 
já volta dia 6: reassumirá o comando do "Esporte Espetacular" com o parceiro Tande. Glenda é medalha de ouro   

JOÃO UBALDO RIBEIRO - O crime compensa


O crime compensa 
 JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADÃO - 23/10/11

Distinto leitor, encantadora leitora, ponham-se na pele de quem tem de escrever toda semana. Não me refiro à obrigação de produzir um texto periodicamente, sem falhar. Às vezes, como tudo na vida, é um pouquinho chato, mas quem tem experiência tira isso de letra, há truques e macetes aprendidos informalmente ao longo dos anos e o macaco velho não se aperta. O chato mesmo, na minha opinião, é o "gancho", o pé que o texto tem de manter na realidade que o circunda. Claro, nada impede que se escreva algo inteiramente fantasioso ou delirante, mas o habitual é que o artigo ou crônica seja suscitado pelo cotidiano, alguma coisa que esteja acontecendo ou despertando interesse.

Pois é. Hoje, outra vez, qual é o gancho? Quer se leia o jornal, quer se converse na esquina, só se fala em ladroagem. Roubalheiras generalizadas, desvios, comissões, propinas. Rouba-se tudo, em toda parte. Roubam-se recursos do governo na União, nos estados e nos municípios. Roubam-se donativos humanitários e verbas emergenciais destinadas a socorrer flagelados. Rouba-se material, rouba-se combustível, rouba-se o que é possível roubar. Qual é, então, o gancho? Só pode ser a ladroagem. Não há outro, pelo menos que eu veja. É o tema do dia, não adianta querer escolher outro, ele se impõe.

Hoje creio que não há um só brasileiro ou brasileira (de vez em quando eu acerto no uso desta nova regra de distinguir os gêneros) que não tenha a convicção de que pelo menos a maior parte dos governantes, nos três poderes, é constituída de privilegiados abusivos e larápios, no sentido mais lato que o termo possa ter. Já nos acostumamos, faz parte do nosso dia a dia, ninguém se espanta mais com nada, qualquer mirabolância delinquente pode ser verdade. E também já nos acostumamos a que não aconteça nada aos gatunos. Não só permanecem soltos, como devem continuar ricos com o dinheiro furtado, porque não há muita notícia de devoluções.

Ou seja, por mais que alguma autoridade nos diga expressamente o contrário, usando um juridiquês duvidoso e estatísticas entortadas, a verdade é que, no Brasil, o crime compensa. Presumo que até os assaltantes pés de chinelo tenham pelo menos a vaga percepção de que todos os poderosos roubam e, portanto, fica mais uma vez comprovado que quem não rouba é otário. Às vezes, chega a parecer que existe uma central programadora de falcatruas, pois a engenhosidade dos ladrões não tem limites e, hoje, analisar somente os golpes dados em um ou dois ministérios requereria um profissional especializado, com anos de estudo e experiência. É criado um órgão ou despesa, aparece logo uma quadrilha dedicada a furtar desse órgão ou abiscoitar essa despesa. Suspeitamos de tudo, de obras públicas a loterias, da polícia aos tribunais. Contamos nos dedos os governantes, em qualquer dos três poderes, em que ainda acreditamos que podemos confiar - e é crescente a descrença neles, bem como o cinismo e a apatia diante de uma situação que parece insolúvel e da qual, como quem cumpre uma sina má, jamais nos desvencilharemos.

Não seria de todo descabida a afirmação de que somos uma sociedade sem lei. Sob certos aspectos, somos mesmo, porque as nossas leis não têm dentes, não mordem ninguém. Mesmo na hipótese de um assassinato ser esclarecido, o que está longe da regra, estamos fartos de ver homicidas ficarem praticamente impunes por força de uma labiríntica e deploravelmente formalista rede de recursos, firulas jurídicas e penas brevíssimas. A possibilidade de, mesmo confesso, um homicida jamais ser de fato punido, a não ser muito levemente, é concretizada todo dia. Aqui matar é cada vez mais trivial e muitos assaltantes atiram pelo prazer de atirar, matam pelo gosto de matar.

Não sei em que outro país do mundo o sujeito entra numa delegacia policial levando o cadáver da vítima, mostrando a arma do crime e confessando sua autoria, para ser posto em liberdade logo em seguida, já cercado de advogados e manobras para evitar a cadeia. É difícil de acreditar, mesmo sabendo-se que é verdade documentada. Réu primário, moradia conhecida, ocupação fixa etc. e tal e o sujeito vai para casa quase como se nada tivesse acontecido, talvez até trocando um aperto de mão com o delegado, como já imaginei aqui. Ou seja, é crime, mas é mole matar no Brasil, o preço é muito em conta. E essa situação não envolve apenas os ricos, porque os outros também estão aprendendo, como foi o caso de um jovem assaltante de São Paulo, que muitos de vocês devem ter visto na TV. Apresentou-se numa delegacia espontaneamente, é réu primário, tem residência fixa etc. etc. Embora tenha posto a culpa na vítima, por esta haver reagido, confessou o crime. Foi solto logo em seguida, saindo muito sorridente da delegacia. E, se um dia vier a ser condenado, contará com um mar de recursos à sua disposição, complementados pelos benefícios a que terá direito, com a progressão da pena.

Já tive oportunidade de dizer aqui que a melhor maneira de assassinar alguém no Brasil é encher a cara, sair no carro e atropelar a vítima. Encher a cara é agravante em toda parte, mas aqui parece funcionar como uma espécie de atenuante. Fica-se discutindo se o homicídio é doloso ou culposo, se o que vale no caso é o Código de Trânsito ou o Código Penal e, no fim das contas, o que acontece é o atropelador pagar fiança, ir embora para casa e esperar, na pior das hipóteses, ser enquadrado numa dessas leis desdentadas e cumprir pena em liberdade, ou quase isso. O que, somado ao que está dito acima, leva mesmo a concluir que, entre nós, o crime compensa. E, talvez graças aos exemplos dados por parlamentares e outros governantes, estamos assistindo à democratização da impunidade, que gradualmente deixa de ser privilégio dos ricos e poderosos para se estender a todos. Tá dominado.

ILIMAR FRANCO - PT x PT


PT x PT
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 23/10/11

O presidente da CUT, Artur Henrique, fez ataques velados ao ministro Paulo Bernardo (Comunicações) em texto no site da central sindical, por causa do tratamento dado à greve dos Correios. “Devemos lembrar que no Brasil de hoje há ministros e presidentes de estatais que só chegaram lá porque fizeram greves ao longo de suas trajetórias”, escreveu ele. Paulo Bernardo foi dirigente do sindicato dos bancários.

O calendário da Lei dos Royalties
Os dois maiores partidos da Câmara querem que o projeto de redistribuição dos royalties vá direto para votação em plenário, sem passar por nenhuma comissão da Casa. O PMDB, por causa do constrangimento em relação ao governador Sérgio Cabral (RJ), deve abrir mão da relatoria. O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), deve indicar um petista para a função. Por causa da votação da DRU, prioridade do governo, e do feriado de Finados (2/11), a estimativa dos líderes governistas é que o projeto do senador Vital do Rego (PMDB-PB) será submetido a voto no plenário da Câmara na semana de 7 a 11 de novembro.

NUNCA ANTES. 
Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) esteve pela primeira vez no Ministério do Meio Ambiente, quarta-feira, em reunião do agronegócio sobre o Código Florestal. Diante da candura da senadora, que deixou o DEM, o senador Waldemir Moka (PMDB-MS) fez piada: “Essa é a senadora Kátia Abreu ano 2011, modelo 2012 e sob nova direção.”

Esvaziamento
O governo Dilma vem esvaziando o Ministério do Trabalho, transferindo atribuições do ministro Carlos Lupi (PDT) para o ministro petista Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), como ocorreu nas negociações trabalhistas do PAC.

O volume da perda
O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) calculou as perdas do Rio e do Espírito Santo com a aprovação do relatório do senador Vital do Rego (PMDB-PB). Diz que, “já em 2012, os dois estados perderão R$ 3,6 bilhões, 5,8% da receita”.

Corrida contra o tempo
Com dois feriados no meio do caminho, o cronograma para votar a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União, projeto prioritário para o governo, está apertado. Além do problema de calendário e da obstrução da oposição, o Palácio do Planalto enfrenta a insatisfação da base aliada. Por ser uma proposta de emenda constitucional, a prorrogação da DRU precisa da aprovação de três quintos da Câmara e do Senado.

Correção
A disposição dos deputados que acompanharam o debate dos royalties no Senado é tornar permanente a redução para 42% da cota da União em participação especial. Eles acham desnecessário ampliar essa cota para 46%.

Nova atitude
Aliados do governador Sérgio Cabral (RJ) sugeriram que ele abandone sua postura de ignorar o Congresso e passe a negociar. Como a perda do Rio é fatura liquidada, avaliam que ele deveria buscar reduzir suas perdas em 2012/2013.

O ECONOMISTA José Roberto Afonso, da equipe do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), prevê que o Rio e os municípios confrontantes vão receber R$ 10,7 bi de royalties de petróleo em 2011. E que aprovada a nova lei, a queda na receita será de R$ 3 bilhões.

OS SENADORES que articularam a nova lei dos royalties criticam o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que votou contra lei que aumentava as receitas de Minas Gerais.

PELA CONCILIAÇÃO, há petistas sugerindo adiar para 2013 o recebimento de royalties do petróleo pelos estados e municípios não produtores.

CLÓVIS ROSSI - Patrulha mancha um bom governo


Patrulha mancha um bom governo
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SP - 23/10/11

Cristina deve ser reeleita hoje pela economia, não pelos radicais que tratam oponentes como inimigos
Um número basta para explicar a razão pela qual Cristina Fernández de Kirchner será reeleita hoje: pesquisa da consultora Poliarquía mostra que 52% dos argentinos acreditam que a presidente fez um bom trabalho.

Logo, 50% dos eleitores, pouco mais ou menos, dispõem-se a votar nela, conforme todas as pesquisas. Simples assim.

Os pesquisados atribuem especial valor à redução do desemprego (caiu de 24% para os atuais 7,3% nos anos do casal Kirchner, ou seja, de 2003 até agora) e ao crescimento econômico. Só no período Cristina Kirchner (2007/11), o crescimento médio anual foi de 6,1%, 50% mais do que a média dos anos Lula no Brasil, que catapultaram a popularidade do então presidente a níveis siderais.

É verdade que Cristina se beneficia também da solidariedade de uma fatia importante da sociedade depois que perdeu seu marido e antecessor, Néstor Kirchner. Mas é razoável supor que a solidariedade a uma viúva não resistiria a um fracasso administrativo.

O que os analistas independentes e/ou da oposição questionam é a sustentabilidade do modelo. Mas, hoje por hoje, é um debate ocioso. Só vai incidir -se incidir- sobre o pleito de 2014, quando se definirá a sucessão de Cristina, se ela resistir à tentação de mudar a Constituição para poder buscar um terceiro mandato consecutivo.

Mais importante que discutir a sustentabilidade ou não do modelo é apontar o seu principal problema. É a crispação, o patrulhamento ideológico, o tratamento de inimigos aos que são apenas adversários -de resto, um problema antigo na Argentina e, em especial, no peronismo de que Cristina é hoje a principal expoente.

Aponta por exemplo Fernando Gualdoni, argentino de nascimento, editor internacional do jornal espanhol "El País", em seu blog: "A intransigência e a radicalização das opiniões foram se acentuando ao longo dos últimos sete anos. Desde a tribuna política, passando pelos meios de comunicação, até os papos de café entre amigos, a divisão está cada vez mais acentuada, até quebrar a sociedade entre patriotas -os defensores sem fissuras do governo- e os antiargentinos".

Reforça o professor de Filosofia Tomás Abraham, em artigo para "La Nación": "Ser um crítico do governo nacional fecha portas. Há listas negras. Há gente da cultura que não deve ser, por ordem oficial, citada nem convidada, por não aderir ao modelo".

"Desde a Biblioteca Nacional, refúgio da cultura oficial e umbral proibido para as dezenas de intelectuais críticos do poder, até as agências de notícias oficiais, passando por 'Página 12' [jornal pró-governo], há livros que não se comentam, autores que não se nomeiam, colaboradores apagados das agendas culturais, geradores de cultura eliminados dos convites nacionais e internacionais, tudo porque não são kirchneristas nem aprovam o modelo", acrescenta.

Depois do recorde histórico de 28 anos ininterruptos de estabilidade democrática, manter a crispação de sempre é terrível, pois, como diz Abraham, "aos argentinos, os conflitos nos sobram e o sangue derramado também".

JANIO DE FREITAS - A morte desconhecida


A morte desconhecida
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 23/10/11 

O pudor das autoridades americanas e europeias exige investigações para saber como Gaddafi morreu


O PUDOR dos caçadores está ferido. Não foi para Gaddafi morrer sem julgamento que se fizeram 10 mil voos de bombardeio à Líbia, número proveniente dos próprios caçadores. O pudor das autoridades americanas e europeias exige investigações para saber-se "em que condições Muanmar Gaddafi morreu". E a ONU, sempre obediente, já está pronta para a tarefa. É verdade que há solução mais simples: perguntar a um de nós, talvez bilhões, espectadores dos vídeos de Gaddafi nos minutos finais de vida, ereto e andando, e logo sob o massacre comum a cães de rua danados, aos quais de fato tanto se assemelhou.
Mas, se resolvida a questão com tamanha simplicidade, fere-se, mais do que ao pudor dos grandes americanos e europeus, a hipocrisia que é elemento essencial do seu poder. E, portanto, de quem o exerce.
A propósito das condições da morte, aliás, a hipótese com que a esperteza americana embaraçou os franceses recorre a um comprovante completo da hipocrisia. Diz, sem cerimônia: "é preciso saber se Gaddafi morreu dos ferimentos causados pelo bombardeio de um caça francês ou se foi assassinado".
Era um numeroso comboio de automóveis civis. A presença de Gaddafi ali foi mero acaso. O que se vê atestado no vídeo, feito pelo caça francês e distribuído pelas autoridades francesas, é o ataque a carros que poderiam estar, como se tornou comum, levando famílias em fuga da zona de combates. Em 10 mil voos de ataque, por certo não foi a primeira indiferença. Sob a resolução da ONU para voos de estrita defesa de população civil em perigo.
Pois então, aguardemos as investigações para saber, como já sabemos e vimos, se foi ataque aéreo ou assassinato. Não fosse o domínio da hipocrisia, mais útil seria outra questão: se quem atira com uma pistola e mata alguém comete assassinato e é assassino, quem atira de um avião e mata alguém, não comete assassinato e é assassino?

ERA HORA
Ao acolher a denúncia contra o ministro Orlando Silva, a Procuradoria-Geral da República estendeu a investigação ao ex-ministro dos Esportes e governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Era uma providência necessária, mas sob pressão contrária do PT.
Já em sua primeira referência à investigação, o procurador-geral, Roberto Rangel, informou que os artifícios para desvio de verba distribuíram-se pelo país afora, não se limitaram ao denunciado em Brasília. Valeu por uma advertência: as ONGs sérias que se cuidem, porque o conceito desse gênero de organizações logo estará em risco muito agudo. Apesar de lamentável, já era tempo.

AUSÊNCIA
Esta coluna estará ausente nos próximos dias, para manutenção.

HÉLIO SCHWARTSMAN - A culpa é do garçom


A culpa é do garçom
HÉLIO SCHWARTSMAN 
FOLHA DE SP - 23/1011

SÃO PAULO - As novas regras para a venda de álcool criadas pelo governo paulista são mais um sintoma da pirotecnia legislativa que assola o país. Sempre que um dirigente quer abordar um problema antigo, cria uma nova lei, pouco importando se ela é mesmo necessária.

O Bandeirantes tem razão ao eleger o etilismo como prioridade na área da saúde. A bebida é, depois do cigarro, a maior assassina do planeta, contabilizando 2,5 milhões de mortes anuais. O governo também está certo em apontar o início precoce do consumo de álcool como alvo preferencial de ação. Vários estudos mostram que, quanto mais cedo o jovem começa a beber, maior a chance de ele ficar dependente.
O que não faz sentido é despejar sobre os donos de bares a obrigação de impedir menores de consumir o produto nas dependências do estabelecimento, mesmo que em companhia dos pais. Estão previstas multas e até o fechamento da loja.

Uma das razões pelas quais temos Estado e polícia é evitar que cidadãos tenham de impor a lei pelas próprias mãos, o que gera conflitos.

O despropósito fica maior quando se considera que a nova regra é ociosa. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê (art. 243) pena muito pior (dois a quatro anos de reclusão) para quem vender ou apenas entregar a menores "produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica". Aqui ao menos as responsabilidades estão mais bem repartidas. Se o pai dá bebida ao jovem, é ele, e não o garçom, que leva a culpa.

Vale observar, porém, que o dispositivo do ECA, em mais um exemplo de como leis são malfeitas, é outro desatino. Numa interpretação rigorosa, estamos impedidos de oferecer a crianças café com leite e chocolate, que contêm "componentes que podem causar dependência".
Já é hora de os governantes se darem conta de que leis são assunto sério demais para serem usadas como peça de marketing.

DORA KRAMER - Trancos e barrancos


Trancos e barrancos
DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 23/10/11

Se os Estados produtores vão quebrar, caso o Congresso aprove a nova sistemática de distribuição de royalties pela exploração dos campos de petróleo, é uma discussão que pertence ao mundo dos números sempre passíveis de contestação.

Mas há a dimensão política deste que já não pode mais ser chamado de debate, porque se transformou numa verdadeira guerra que caminha para ferir de morte o pacto federativo e esgarçar relações políticas até então sólidas, com possível repercussão na eleição presidencial de 2014.

Por isso mesmo, por temor das implicações eleitorais, é que a presidente Dilma Rousseff tem evitado se envolver nas negociações: se fizer como querem os Estados produtores e não mexer nas receitas decorrentes do petróleo, se incompatibiliza com todos os outros; se atender à maioria, que vê nos royalties uma fonte fácil de obtenção de recursos, Dilma pode comprar briga com o Sudeste, onde residem 40% dos eleitores brasileiros.

O Rio de Janeiro lidera a batalha, em nome dos produtores, na companhia do Espírito Santo, com a simpatia de Minas Gerais - não por acaso expressa na figura do senador Aécio Neves, postulante do PSDB à candidatura presidencial - e a solidariedade de São Paulo.

Firme aliado de Lula, cabo eleitoral de Dilma na última eleição, o governador do Rio, Sérgio Cabral, já avisou publicamente sobre a possibilidade de um "desastre eleitoral" para os atuais ocupantes do Planalto. Jogo de pressão?

As palavras têm um peso, assim como os atos. Para o próximo dia 10 o governador, com o apoio das bancadas do Congresso está organizando um ato público cuja palavra de ordem principal é dirigida à presidente, pedindo que vete o projeto aprovado pelo Senado e que tudo indica será aprovado pela Câmara, tirando receita dos produtores e redistribuindo o dinheiro aos outros Estados.

E por que ir às ruas e não à negociação em Brasília?

"Porque somos poucos no Congresso e no Executivo há dois movimentos: o Ministério da Fazenda salva a parte dele abrindo mão de receita, mas deixando o Rio ao Deus dará, e a ministra Ideli Salvatti (de Relações Institucionais) numa clara posição de radicalização contra o Rio em aliança com o líder do governo no Congresso, José Pimentel", diz o senador Lindbergh Farias, do PT.

Estariam ambos agindo à revelia de Dilma?

Aqui o senador faz uma observação pouco convincente: "Tenho certeza de que ela não está ciente dos detalhes".

O senador Ricardo Ferraço (PMDB), do Espírito Santo, acha improvável que a presidente desconheça detalhes. Acredita que talvez ela tenha posto Ideli e Pimentel na linha frente para se preservar do desgaste.

Atitude, na opinião dele, inútil, "porque em algum momento a presidente vai precisar decidir, vetando ou sancionando o projeto, com a desvantagem de que, quanto mais adiar, maior fica o problema".

Ricardo Ferraço lembra o seguinte: "Entre preservar seu relacionamento com Dilma e assegurar as boas relações com seu Estado, o parlamentar ficará sempre com seus eleitores".

Mas, por esse argumento, o Planalto estaria certo em evitar atrito com a maioria, que reivindica uma parte dos royalties, não?

"Até poderia estar, se não estivesse em jogo o respeito à Constituição, à Federação e, sobretudo, à racionalidade", contra-argumenta o senador.

O ideal, na visão dos dois senadores, seria a presidente chamar os governadores para negociar uma agenda do interesse de todos os Estados, incluindo os royalties dos minérios, as regras do Fundo de Participação de Estados e Municípios, as dívidas estaduais e a revisão do sistema do ICMS.

Com a inclusão de um tema até agora ignorado: o destino dos recursos arrecadados. Foram R$ 120 bilhões entre 1999 e 2009 que não se sabe ao certo aonde foram parar, bem como não se fala para onde irão os recursos do pré-sal agora em disputa.

"São questões conexas que estão sendo tratadas de forma isolada", diz Ricardo Ferraço, "sem que o governo se dê conta de que é preciso dar um freio de arrumação nessa disputa destrutiva e sem perspectiva de produzir algum ganho para o futuro do País".

GAUDÊNCIO TORQUATO - O PNBC do Terceiro Setor


O PNBC do Terceiro Setor
GAUDÊNCIO TORQUATO  
O Estado de S.Paulo - 23/10/11

De tanto o joio florescer no campo do trigo, fica cada vez mais difícil distinguir onde começa a cultura de um e termina o roçado do outro. Faz-se a observação a propósito de entidades sem fins lucrativos que compõem o chamado Terceiro Setor. Nos últimos tempos elas passaram a ser vistas também como canais para desviar recursos do Estado e jogá-los nas teias de corrupção que se formam nas malhas administrativas das três instâncias federativas. E assim, sombreado por casos escabrosos, esse conglomerado, que reúne algumas das organizações mais prestigiadas do País, enfrenta intenso processo de desgaste, cujas consequências poderão afetar o desenvolvimento de programas voltados para o bem-estar de comunidades carentes. Como é sabido, o espaço desse setor é ocupado por associações, movimentos, fundações, entre outras modalidades, que atuam nas áreas da educação, saúde, esporte, lazer, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia, suplementando tarefas e funções que o Estado (Primeiro Setor) não consegue realizar a contento e sem ter como objetivo auferir ganhos financeiros, como é a praxe do mercado (Segundo Setor).

O tamanho da encrenca que põe sob suspeição organizações não governamentais (ONGs), expressão igualmente usada para definir aquele universo, pode ser aferido por esta ordem de grandeza: o País abriga cerca de 350 mil entidades de assistência social, que empregam 2,5 milhões de pessoas e 15 milhões de voluntários; entre 2004 e 2010 esse conglomerado recebeu dos cofres públicos R$ 23,3 bilhões, uma evolução de 180% em seis anos. Parcela ponderável dessa montanha de recursos entra, escancarada ou sorrateiramente, na composição do Produto Nacional Bruto da Corrupção (PNBC), entendido como o somatório das contas da rapinagem e dos conluios que, por aqui, assumem a forma de licitações "batizadas", comissões pagas a intermediários, superfaturamento de obras e produtos, emendas em projetos de parlamentares para regiões e, coroando a engenharia desse poder invisível, convênios com ONGs que semeiam joio. A inferência sobre a ladroagem é plausível. Basta contar os escândalos da atual quadra política e que estão sob a lupa do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público.

Qual a explicação para o fato de entidades criadas para trilhar o caminho do bem serem levadas a percorrer as veredas do mal?

Primeiro, a cultura da pilantragem, que encontra terreno fértil em nossos trópicos. "Espertocratas" juntam-se a burocratas para agir nas entranhas do Estado e tecer a teia da corrupção.

Segundo, o parentesco entre instituições privadas com fins públicos e estruturas estatais. As duas bandas fazem convergir seus interesses sob o escopo da cidadania: são associações desfraldando bandeiras de combate à pobreza, violência, discriminação, poluição, ao analfabetismo, racismo. Ganham a confiança da sociedade, apoio político e, como não poderia deixar de ser, volumosos recursos.

O Terceiro Setor, vale lembrar, constrói sua credibilidade na esteira da crise que, há quatro décadas, corrói os contornos do Estado de bem-estar. Incapaz de prover plenamente as demandas das áreas da educação, saúde, cultura e lazer, entre outras, o Estado passou a ter a colaboração de movimentos da sociedade civil, que acorreram em sua ajuda. A degradação da assistência social expandiu-se ao fluxo de outros eventos que impactaram a força do Estado, como a crise do petróleo nos anos 70, a recessão dos anos 80, a crise global do meio ambiente e a débâcle do socialismo na Europa.

Registre-se, ainda, a entrada em cena de governos conservadores, como os de Ronald Reagan, nos EUA, e Margaret Thatcher, na Inglaterra, sob os quais ocorreu acentuado refluxo do Estado na operação do sistema de proteção social. A partir das décadas de 80-90, o Estado passou a repartir com parceiros a execução de serviços sociais básicos. No Brasil, a moldura crítica juntou a fome com a vontade de comer. A criação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, no final dos anos 90, deu força ao Terceiro Setor, agrupando no mesmo espaço as áreas filantrópicas, de caridade, de voluntários, independentes, de cultura e lazer, desenvolvimento educacional de jovens e sua integração ao mercado de trabalho. Certas instituições continuaram a desempenhar sua missão distantes dos recursos do Estado, como o Centro de Integração Empresa-Escola, a maior ONG do País, criada há quase meio século, mas a grande maioria estendeu as mãos aos cofres estatais, pedindo ajuda a atores políticos (representantes e partidos), os quais, por sua vez, usam as entidades como aríete para ampliar domínios. Portanto, muitos núcleos do território da intermediação assistencialista de cunho privado, respaldando a competitividade política, passaram a abrigar feudos partidários. Hoje, sua força é capilar, saindo da União, atravessando os Estados e chegando aos municípios.

O que precisa ser feito para limpar o roçado do Terceiro Setor, eliminando o joio?

Expurgar entidades com interesses espúrios ou ligações suspeitas com parceiros alheios a compromissos sociais. O que significa investigação acurada em associações privadas que recebem recursos do Estado. Parcerias e convênios com organismos estatais precisam obedecer a regras inflexíveis. Só mesmo por estas plagas é possível alguém criar uma entidade de caráter assistencialista, compor um conjunto de ideias filantrópicas, pleitear um convênio com um ministério, conseguir aprovar o pacote com as bênçãos de um político e, posteriormente, aplicar (?) de maneira atabalhoada os recursos embolsados. O Tribunal de Contas detecta falta de maior clareza e objetividade nos critérios de seleção das entidades beneficiadas. Ora, esse diagnóstico é suficiente para sustar os processos. Mas nada disso gera temor ao PNBC. Que, a esta altura, já deve ter encontrado boas alternativas para eventuais perdas.

SERGIO FAUSTO - Os Kirchners, uma vez mais


Os Kirchners, uma vez mais
SERGIO FAUSTO 
O Estado de S.Paulo 23/10/11

Cristina F. de Kirchner deve eleger-se hoje, em primeiro turno, para um segundo mandato. Prevê-se que conquistará folgada maioria nas duas Casas do Congresso, não muito longe do quórum qualificado necessário para reformar a Constituição. A oposição fragmentou-se em várias candidaturas e o segundo colocado não deverá alcançar sequer os 20% dos votos válidos.

O recente falecimento de seu marido (o ex-presidente Nestor Kirchner, que governou o país de 2003 a 2007) rendeu simpatias à viúva, mas o que está levando Cristina ao seu segundo mandato é, de um lado, o crescimento econômico e o aumento do consumo e da renda e, de outro, o manejo de um poderoso aparato de cooptação estatal.

Os últimos oito anos, período em que o produto interno bruto (PIB) argentino cresceu quase 9% ao ano, com exceção de 2009, contrastam com o terrível período de 1999 a 2002, quando o PIB decresceu à média de 5% ao ano e a pobreza e o desemprego dispararam. Sob os Kirchners a economia recuperou-se - com doses crescentes de gasto público e expansão monetária, que impulsionaram uma inflação que hoje roda na faixa dos 20% ao ano - e o poder político, que se havia liquefeito na crise de 2001, com a renúncia de Fernando de la Rúa e os episódios que se seguiram, rearticulou-se. Quando Cristina houver cumprido o seu segundo mandato, nenhum outro grupo político terá permanecido por tempo tão prolongado na Casa Rosada desde a chamada República Liberal (1880-1930).

A crise internacional, que se aprofunda, obrigará o novo governo a se ajustar, de um modo ou de outro, a um quadro de maiores restrições ao crescimento. Há desequilíbrios importantes na economia, que se expressam pela saída constante de capitais e por uma inflação real bem acima dos números maquiados pela metodologia oficial. Mas, no longo prazo, o maior risco é a deterioração das instituições democráticas na Argentina, que já não se assentam, como na maioria da América Latina, em bases históricas lá muito sólidas. Sinal desse risco é que já se especula no mundo político e jurídico argentino sobre a possibilidade de uma reforma constitucional que autorize a reeleição indefinida do presidente da República.

Depois de um início em que buscou alianças fora do seu partido, Nestor Kirchner adotou o estilo peronista puro e duro, que faz do adversário um inimigo e da confrontação permanente e deliberada, um método. (É de Juan Domingo Perón a frase "a los enemigos, ni justicia".) Governador de uma província inexpressiva do extremo sul do país, eleito com pouco mais de 20% dos votos, pela desistência de seu concorrente, Nestor soube escolher bem seus inimigos e demarcar seu campo político. Logo ao início, enfrentou os credores internacionais renegociando a impagável dívida externa argentina e reabriu os processos judiciais contra militares envolvidos em crimes de tortura durante o regime militar. Com Roberto Lavagna no comando da economia, criaram-se as condições que permitiram à economia argentina beneficiar-se dos bons ventos que passavam a soprar para os países produtores de commodities. Obtidas essas condições econômicas e aquelas credenciais políticas, Nestor livrou-se de Lavagna em 2005, abandonou o "transversalismo partidário" dos dois primeiros anos de seu mandato e passou a concentrar energias na construção de um aparato de poder que atravessa as fronteiras entre o Estado, o setor privado, os movimentos sociais e o mundo político, em especial o Partido Justicialista (PJ).

Político astuto, em lugar de se recandidatar, em 2007 lançou sua esposa e então senadora e foi se ocupar da consolidação e expansão do aparato. Assumiu a presidência do PJ para marginalizar Eduardo Duhalde, seu antecessor na presidência e ex-padrinho político, e controlar a única organização partidária de fato existente na Argentina. Ao mesmo tempo, tomou as rédeas do poder real nos bastidores da política, deixando a Cristina as funções formais de representação.

Com Nestor e, depois, Cristina, o aparato kirchnerista expandiu-se com a utilização de recursos públicos e instrumentos estatais de aliciamento e intimidação. A reestatização de empresas serviu de veículo para a emergência de empresários "amigos do rei" (e "da rainha"). A intervenção discricionária na economia, para controlar preços, tarifas, reprimir importações, etc., tornou-se ferramenta de chantagem. Parte dos recursos dos programas de transferência de renda foi entregue a organizações sociais próximas do governo. O "novo desenvolvimentismo argentino" tem muito de errático e improvisado no econômico, mas segue um método político certeiro para a acumulação de poder discricionário em mãos do aparato kirchnerista. Sua expressão mais caricata é o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que já levou luvas de boxe a uma reunião com empresários e na reta final da campanha se envolveu em enfrentamento físico entre militantes a favor e contra Cristina.

Entre as várias dúvidas que o cercam, uma certeza existe em relação ao segundo mandato da presidente. Seus próprios aliados dizem que a mãe de todas as batalhas será, agora, o enfrentamento decisivo com os meios de comunicação, em especial o Grupo Clarín. Em seu primeiro mandato, a presidente conseguiu aprovar uma lei que reserva um terço dos meios de comunicação ao Estado, um terço ao setor privado e outro terço à sociedade civil. A mesma lei veda a um único grupo privado a propriedade de vários meios de comunicação numa mesma área. Tudo parece muito democrático, não fosse o fato de que o governo politizou inteiramente a televisão pública, coopta organizações da sociedade civil com recursos públicos e trata arbitrariamente os meios privados que não se curvam ao aparato ("a los enemigos, ni justicia").

É perturbador o que se vê na Argentina. Tanto mais porque, com maior ou menor intensidade, coisas semelhantes são vistas em outros países da região.

JOÃO BOSCO RABELLO - Sob a proteção de Lula


Sob a proteção de Lula
JOÃO BOSCO RABELLO 
 O Estado de S.Paulo - 23/10/11

O leitor pode escolher entre as diversas alegações do governo para entender o recuo da presidente Dilma Rousseff na demissão do ministro dos Esportes, Orlando Silva - desde a alegada falta de provas de seu envolvimento direto nos desvios de verbas públicas até a perseguição pela mídia, passando pela desqualificação do seu denunciante.

Ou ainda pelo papel histórico do PC do B na luta pela redemocratização do País. Ou pela interferência da Fifa na soberania (sic) brasileira ao tratar Orlando Silva como ex-ministro. Ou por todas elas.

Mas a causa é uma só: a ameaça do partido do ministro em agonia de sair da base aliada para declarar guerra ao PT agravando as denúncias contra o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, origem do esquema de corrupção no Ministério dos Esportes, ao qual Orlando deu curso.

A presidente sai desgastada do episódio, não só pelo recuo, mas também pela interferência direta do ex-presidente Lula no caso, impondo seu método do "couro duro" para que o ministro resistisse no cargo. Além do poder de tutela exibido sobre a afilhada política, Lula levou o governo a uma inflexão no critério de intolerância com "malfeitos" que fora aplicado aos ministros dos Transportes, da Agricultura e do Turismo.

O que ocorre no Ministério dos Esportes em nada difere do que ocorreu anteriormente nos já citados e que sofreram intervenção do Planalto. Ou seja, o PC do B fez exatamente o mesmo que o PR em relação ao qual pretende ser distinguido virtuosamente: apropriou-se das verbas ministeriais em benefício próprio, via ONGs inidôneas, fazendo-as chegar até mesmo à esposa do ministro.

DF é calcanhar

de Aquiles

O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), reproduziu na campanha eleitoral o mesmo arco de alianças que seu antecessor, deposto e preso, José Roberto Arruda (à época no DEM). Este costumava dizer que ganhara a eleição "por dentro", ou seja, na base de acordos com seu antecessor Joaquim Roriz (PSC). A tentativa de romper com Roriz lhe custou o cargo e a honra, pois seus passos estavam documentados pelo homem de Roriz em seu governo, o delegado Durval Barbosa, por meio do qual Agnelo viu em primeira mão os vídeos do mensalão do DEM e calou-se até hoje. O governo de Agnelo segue sob o mesmo arco de alianças dos anteriores, refém da corporação policial de Brasília, do qual o soldado João Dias Ferreira é a personagem visível. Ele está na crise de Orlando e na de Agnelo. Por isso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pede a apuração conjunta dos casos - na verdade, um só. É o que o PT teme e de que se vale o PC do B para sustentar Orlando Silva no cargo. Sua saída, porém, continua só uma questão de tempo.

Sem

transparência

Há um estoque de 40 mil prestações de contas sem análise nos órgãos competentes. Cerca de 2 mil são de organizações não governamentais (ONGs), segundo cálculo do economista Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas. A fiscalização sobre o trabalho de mais de 300 mil entidades é precaríssimo, o que contribui para a proliferação de ONGs de fachada. Segundo Gil, parte da solução seria o acesso geral ao Siconv - Sistema de Gestão de Convênios -, dificultado ao máximo pelo governo. É nessa onda de proteção que partidos e políticos têm surfado e produzido escândalos em série.

Às claras

A partir do caso Jacqueline Roriz, as ações penais de parlamentares no STF registrarão os nomes completos dos réus. A publicação apenas das iniciais dos nomes acaba por decisão do ministro Marco Aurélio Mello.

MARTHA MEDEIROS - Nadir, Euripedes e Yuri



Nadir, Euripedes e Yuri
 MARTHA MEDEIROS 
ZERO HORA - 23/10/11

O Nadir poderia ter feito isso, assinado “Um abraço do Nadir”, e eu não teria passado a vergonha de ter mandado uma resposta iniciando com “Querida Nadir”

Quando acontece de eu receber um e-mail sem ter certeza se quem assina é homem ou mulher, geralmente descubro uma pista dentro da mensagem mesmo. Ou a pessoa diz sou sua fã ou termina enviando um abraço do.... O Nadir poderia ter feito isso, assinado Um abraço do Nadir, e eu não teria passado a vergonha de ter mandado uma resposta iniciando com Querida Nadir.

O Nadir, meu leitor, ficou bravo comigo. Disse que eu deveria saber que Nadir é um nome árabe masculino. Desculpe, Nadir. Mas é que há muitas Nadir também. Anos atrás, quando a Luiza Brunet pensou em se dedicar à carreira de atriz, ela fez um personagem de novela que se chamava Nadir. Tem coisa mais inquestionavelmente mulher do que a Luiza Brunet?

As Nadir e os Nadir talvez passem por esse tipo de engano com alguma frequência quando o contato não é visual. Por telefone, onde não raro confundimos voz de mulher e de homem, deve ser uma bola fora atrás da outra. Na hora de preencher cadastro, também. Como assim, Nadir, 1m89cm, 97 quilos, treinador de jiu-jitsu e casado com a Leila? Mas quem garante que uma Nadir não possa ser alta, forte e casada com uma moça? Ah, os tempos modernos. De qualquer forma, os pais, ao registrarem seus filhos, podiam ser mais facilitadores.

Eurípedes concorda. A dona Eurípedes. Ela conta que seus três filhos já ouviram muita piada por terem como pais Roberto e Eurípedes. E a Donizete fica furiosa quando não reconhecem seu nome como sendo de mulher. Diz que a família das “etes” não deixa dúvida: Elizabete, Claudete, Bernadete, Janete. Pelo visto ela nunca ouviu falar daquele jogador que chegou à Seleção e foi campeão brasileiro pelo Botafogo.

A Yuri, que é cabeleireira, também não gosta de dar explicação, mas se conformou. Sabe que existiu um Yuri Gagarin que foi mais famoso do que ela. As Yuri passaram a ser confundidas com os rapazes.

Nomes estrangeiros, uma sinuca. Kim Novak, Kim Basinger, Kim Kardashian: várias gerações de Kim glamurosas, e aí surge o belo Kim Ricelli, filho da Bruna Lombardi, pra mostrar que é tão Kim quanto. Se for nome francês, então. Pergunte a um Renê ou a uma Ettienne. Ou a uma Renê e um Etienne.

Sasha, todos sabem, é filha da Xuxa, e não filho, mesmo com um nome russo masculino. E admito, envergonhada, que a primeira vez que ouvi falar de George Sand, nome expressivo da literatura francesa do século 19, nem me passou pela cabeça que pudesse ser mulher.

Chamava-se na verdade Amandine-Aurore, mas passou a assinar seus livros como George Sand e assim ficou eternizada. Diferentemente do Nelson Rodrigues, que publicou alguns folhetins como Suzana Flag, mas que nunca chegou a ser tratado por “senhorita”.

Do que se conclui que assinar e-mail com Abraço, Nadir é provocação. Do Nadir, da Nadir. E assim seremos todos felizes.

FERNANDA TORRES - Exéquias



Exéquias 
FERNANDA TORRES 
FOLHA DE SP - 23/12/11

Até hoje alimento a desconfiança de que o passarinho era o Felipe Pinheiro se despedindo


EM 1897, uma expedição científica ao Ártico levou uma família de inuítes para ser estudada no Museu de História Natural de Nova York.

Morreram todos, vítimas das viroses dos brancos, com exceção de um menino de nome Minik e de um adulto que retornou para a Groenlândia. O museu destinou uma de suas vitrines para a exibição das ossadas.

Minik tentou reaver o direito sobre os restos mortais do pai e dos parentes por toda a vida, até sucumbir à influenza, em 1918. Na sua crença, a alma dos insepultos está condenada a vagar pela eternidade caso não repouse no chão.

O tormentoso além só teve fim graças ao canadense Kenn Harper, que, em 1993, realizou o funeral do clã em solo pátrio. Nesse mesmo ano, morreu Felipe Pinheiro, ator, escritor e primeiro óbito chocante da minha juventude.

Longe do Brasil, não pude enterrar meu amigo.

No dia em que voltei, abri a porta de casa e recebi uma visita inquietante. Um passarinho saiu da floresta e pousou perto de mim. Não contente, subiu pelo braço e se instalou no meu ombro.

Passamos incontáveis horas juntos. Perambulamos pelos cômodos. Desfiz as malas e adormeci com o curió ainda ao redor. Quando acordei, ele não estava mais lá. Ele nunca mais esteve lá.

Não sou espírita. Creio que virarei adubo de árvore ou árvore, ou quem comer da tal árvore; mas até hoje alimento a desconfiança de que o pequeno ser emplumado era o Felipe se despedindo de mim. Delírio confesso. Fruto, talvez, do fato de eu não tê-lo sepultado.

Fiz uma novela com Jardel Filho em 1981: "Brilhante". Por razões óbvias, nunca fomos íntimos, mas compareci ao enterro de Jardel.

Nosso contato mais próximo se deu enquanto esperávamos para entrar em cena, atrás da porta do cenário da mansão. Metido em um smoking 007, o mítico revolucionário de "Terra em Transe" virou seus faróis azuis na minha direção e me perguntou o que eu achava dele no papel do milionário Bruno Newman.

Eu tinha 16 anos e não me lembro de ter respondido. Me recordo apenas da surpresa petrificante de ver o amor de Cacilda Becker em "Floradas na Serra", atrás de uma tapadeira, me pedindo uma opinião. Jardel morreria no folhetim seguinte: "Sol de Verão", em pleno Carnaval de 1983.

O velório ocorreu no foyer do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ao som do Baile do Bola Preta, que comia solto do outro lado da rua.

"Quem não chora não mama
Segura, meu bem
A chupeta
Lugar quente é na cama
Ou então
No Bola Preta"

Uma longa fila de homenagens se dirigia ao caixão. O morto, postado em frente à escadaria principal, estava rodeado por uma procissão de fãs, jornalistas e notáveis, além de pierrôs, colombinas,
travestis e bêbados da folia da Cinelândia. Glauber Rocha, que morrera estapafurdiamente dois anos antes, teria feito um filme e tanto daquela noite.

Estar presente no ritual das exéquias de Jardel me ligou definitivamente a ele, enquanto a ausência no de Felipe me fez encarná-lo em animais silvestres.

Sabem tudo esses esquimós.

Dedico essas linhas a Leon Cakoff, a quem não pude dar adeus.

FERREIRA GULLAR - Internautas do mundo todo, uni-vos!



Internautas do mundo todo, uni-vos!
FERREIRA GULLAR 
FOLHA DE SP - 23/10/11

Os jovens dos países capitalistas estão indo à rua para exigir mudanças radicais no capitalismo


DESCONFIO QUE algo de novo está acontecendo no planeta. Começou no Oriente Médio e no norte da África e agora se estende por outras partes do mundo, chegando até o Brasil e os Estados Unidos.

É evidente que estou generalizando, uma vez que o que levou as pessoas às ruas no Egito e na Líbia não foi a mesma coisa que agora as mobiliza em quase cem países e quase mil cidades. As causas são diversas, e o número de manifestantes varia muito de país para país.

Não obstante, podemos chegar a uma primeira conclusão: por mais diferenças que haja entre essas manifestações, boa parte delas tem em comum ser espontânea e não ter sido organizada por partidos políticos nem entidades de classe. São o que apelidei de "manifestações do povo desorganizado".

Há ainda outras diferenças, uma vez que as motivações não são as mesmas e o adversário a vencer tampouco, já que no Egito e na Líbia, por exemplo, o inimigo era o regime autoritário, antidemocrático, e nos Estados Unidos ou na Itália, não se trata disso.

Por essa mesma razão, naqueles países, o objetivo era pôr abaixo o regime, ainda que a custo de uma guerra civil, enquanto, do lado de cá, seja na França ou na Grécia, protesta-se contra medidas conjunturais tomadas pelo governo em face da crise que lhes abala a economia. Devemos observar, no entanto, que, embora coincidindo em alguns aspectos, essas manifestações diferem pouco dos atos de protesto mais ou menos habituais.
Já o que ocorre em países como os EUA e o Brasil tem outro caráter, não apenas porque não tem por trás partidos políticos e sindicatos mas também porque os motivos daqueles outros protestos são conjunturais, diria mesmo tradicionais.

O leitor pode estar achando pouco clara essa minha exposição, e com razão, porque, de fato, esforço-me, eu mesmo, para entender o que ocorre ao mesmo tempo em tantos países e que não é fácil de definir.
Mas vamos tentar. Comecemos por um fator que é novo e comum a essas manifestações do povo desorganizado: a internet. Sem ela, certamente seria impossível mobilizar tanta gente para trazer a público seu descontentamento ou sua indignação.

Na Líbia, na Síria, o povo se ergueu contra a falta de liberdade e os privilégios de que gozam os donos do poder e clama por democracia. Onde há democracia, como nos países ocidentais, as causas do descontentamento são outras; atrevo-me a dizer que se rebelam contra os excessos do regime capitalista. E aqui me parece estar a novidade. É isso aí: os jovens dos países capitalistas vão à rua para exigir mudanças radicais no capitalismo.

A coisa ainda não está explícita e daí a dificuldade de apreendê-la e defini-la. Mas é isso que me parece surgir nas ruas dessas numerosas cidades: uma visão crítica do capitalismo que não tem nada a ver com Karl Marx nem com o que se define como esquerda.

Se meu palpite está certo, trata-se de um fenômeno pelo menos curioso: alguns líderes dessas manifestações denunciam o que há de negativo no regime econômico que conquistou o mundo inteiro, até mesmo a China, onde o Partido Comunista se mantém no poder.

Como essas manifestações nada têm de ideológico, consequentemente não pretendem substituir o capitalismo por outro sistema econômico, isto é, substituir a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade social daqueles meios, tal como pregava o marxismo e que resultava, de fato, em entregar a gestão da economia aos burocratas do partido.

Ninguém mais pensa nisso e, não obstante, os indignados de hoje consideram o capitalismo um regime injusto, cruel e corrupto, que não pode continuar como está.

Os comunistas diziam a mesma coisa para apresentar, como alternativa aos governos burgueses, a ditadura do proletariado (que, aliás, nunca ocorreu). Mas isso está fora de cogitação.

Não obstante, tendo derrotado o comunismo e se tornado o dono do pedaço no mundo inteiro, o capitalismo agora é questionado -sem "parti pris" ideológico- por aqueles que nunca leram Marx.
Por isso mesmo, não podem os seus defensores alegar que os que estão nas ruas exigindo mudanças são subversivos a serviço de Moscou ou de Pequim, hoje tão capitalistas quanto Nova York ou Londres.

MARCELO GLEISER - O Brasil deve aprender mais ciência


O Brasil deve aprender mais ciência
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 23/10/11

"Apenas uma população bem informada será capaz de tomar as decisões para um futuro melhor"

COM FREQUÊNCIA, perguntam -me por que escrevo para o público não especializado. "Isso não toma tempo de sua pesquisa?" A resposta é sim, toma. Porém, para mim -e para outros cientistas que dedicam parte de seu tempo à divulgação científica- apresentar as ideias da ciência à sociedade é mais do que divertido ou intelectualmente estimulante: é nosso dever. E, mais importante ainda, é também vital para o nosso futuro.
Há diversas razões para isso. Aqui posso tocar em apenas algumas delas. Uma é que a ciência é parte essencial da nossa cultura e contribui crucialmente para a nossa visão de mundo. Pense que quando Cabral chegou aqui as pessoas pensavam que a Terra era o centro do cosmo e que nós éramos os escolhidos, criados à imagem de Deus. À medida que a compreensão científica do Universo avançou, nossa percepção de quem somos e de onde vivemos mudou.
A influência científica da nossa visão de mundo não se limita a ideias abstratas. Pelo contrário, nossa percepção da realidade é determinada por inovações tecnológicas. A morte recente de Steve Jobs, o líder da Apple, ilustra claramente como a ciência de ponta, aliada ao design inovador, pode mudar como a sociedade vive e se comunica.


Uma segunda razão se origina ao menos com os Atomistas da Grécia Antiga, se não antes, com Tales e Heráclito no século 6 a.C. Conforme escreveu o pensador romano Lucrécio em seu poema "Sobre a natureza das coisas": as pessoas vivem aterrorizadas porque não compreendem as causas por trás das coisas que acontecem na Terra e no céu, atribuindo-as cegamente aos caprichos de algum deus. Quando finalmente entendermos que nada pode surgir do nada, teremos uma imagem muito melhor de como formas materiais podem ser criadas ou como fenômenos podem ser ocasionados sem a ajuda de um deus.
A razão e a lógica são propostas como antídotos contra medos irracionais, baseados na fé cega em crenças supersticiosas. A ciência é uma consequência direta dessa profunda mudança de atitude: nada de se curvar perante divindades. Ao entender os mecanismos que regem a natureza, o homem poderá erguer-se, sem medo, perante a criação.
A ciência terá um papel cada vez maior no nosso futuro. Tome, por exemplo, a questão das fontes de energia e do aquecimento global. Quais as escolhas que melhor equilibram nossas necessidades e a saúde do planeta? Quais candidatos políticos se alinham com suas escolhas? Ou a engenharia genética e de como as células-tronco podem criar novas curas para doenças que afligem milhões de pessoas. Até que ponto nossas pesquisas devem ir? Até a clonagem humana? Será que a religião deve ter algum papel na decisão de quais pesquisas devem ou não ser financiadas?
Apenas uma população bem informada será capaz de tomar as decisões para um futuro melhor. Por isso, precisamos de mais ciência na mídia, nas escolas, nas nossas comunidades. Se o Brasil quer estar entre as cinco maiores potências mundiais nas próximas décadas, precisará de uma população educada cientificamente, preparada para competir com países que sabem da importância da ciência para o desenvolvimento.

JOSÉ SIMÃO - Pan! Ouro em cadeira de praia!

Pan! Ouro em cadeira de praia!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 23/10/11

E chega de Pan. Você liga a TV e sempre tem um lutando, pulando, nadando, correndo! Ufa!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão urgente! O
 esculhambador-geral da República! Olha esta faixa: "Perdeu-se um cão da raça pitbull, pede-se a quem encontrar... MIL DESCULPAS!". E esta na Feira do Alecrim, em Natal: "Neta das Calsinhas! Promoção: calsinha boca de confusão, 3 x R$ 5". Adorei essa "calsinha" boca de confusão. Deve ser a da Joana Machado, ex do Adriano!
E esse Pan com ovo? Pan na Record é bom porque você fica sabendo de coisas nunca imaginadas: o Gugu ainda tá no ar e tem a novela "Rebelde"! E chega de Pan. Você liga a TV e sempre tem um lutando, pulando, nadando, correndo! Ufa! Quero ouro em cadeira de praia! Vou lançar a campanha "Abaixo o tanquinho! Viva o chopinho".
E um amigo diz que acordou com o espírito do Pan: ouro nos dentes e chumbo no pau. Rarará! E encontrei uma predestinada no Pan. Goleira da seleção brasileira de handebol: Chana! Essa pega todas. Bola não entra. E as meninas do handebol são melhores que os meninos do pébol! E o Enrolando Rolando Roubando Orlando Silva, ministro dos Esportes? Suspeito de desviar dinheiro. Normal, desviar dinheiro é um esporte nacional! E tudo com uma ONG chamada Segundo Tempo. Se eles roubam tanto no segundo tempo, imagine na prorrogação!
E o chargista Nani disse que só no Brasil ONG sem fins lucrativos faz milionários. Milionários sem fins lucrativos. Rarará! E a Dilma deu um carrinho por trás no ministro! Aliás, só falta a Dilma demitir o Mano e assumir a seleção! Rarará!
E o Itaquerão vai abrir a Copa! O estádio com mais apelidos: Gambazão, Diferenciadão, Maloqueirão, Faixa de Gaza e Arena Mãos ao Alto. E em vez de Fielzão, Ateuzão. Porque ninguém acredita que vai ficar pronto! E os times mineiros, hein? A zona de rebaixamento tá sendo chamada de Guarapari: só tem mineiro. Rarará! E a Série B muda pra série BH! E os ministros da Dilma vão ganhar ouro em revezamento de propina. E a Hebe, a Marta e a Ana Maria Braga, em revezamento de bisturi!
E mais uma série de Os Predestinados! Direto de Missões (RS), gerente do Wilson Park Hotel: OTÉLVIO! Rarará! E direto de Portugal, dono de academia de ginástica: Paulo ESFOLADO! E de Irineópolis (SC): Clínica de Fisioterapia Doutor SARRAFO! É verdade. Eu tenho a foto. Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

ELIANE CANTANHÊDE - O custo Obama


O custo Obama
 ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 23/10/11


BRASÍLIA - A reeleição de Barack Obama em 2012 começa a sair cara. Já custou a morte de Osama Bin Laden, não exatamente dentro de pa drões da civilidade internacional, passou pelo apoio decisivo de EUA, França e Otan aos revoltosos líbios, que afinal trucidaram o sanguinário Muammar Gaddafi, e chega agora ao fim da guerra do Iraque. Fim em termos, porque a guerra lá continua. Fim da invasão americana.

Depois de oito anos e US$ 1 trilhão desperdiçados, os EUA saem do Iraque como quem não quer nada, dando um adeuzinho a uma terra devastada e sem rumo.

Invadiram o país com George W. Bush sob pretextos hoje considerados até indecentes. Ao sair, com Obama, deixam um rastro de destruição, mortes dos dois lados, inclusive de civis, e total falta de perspectiva. Um desastre sob todos os aspectos, mas com o trunfo de Saddam Hussein enforcado.

A campanha de Obama à reeleição, porém, precisa mais do que cadáveres emblemáticos, gestos grandiosos e declarações grandiloquentes sobre questões internacionais e de defesa (ou de ataque...).

São fatores de fato poderosos para os americanos, mas estão esgotados para 2012. Obama precisa agora fazer ajustes na economia, criar condições de emprego e dar sinais de eficiência política nas negociações com o Congresso para reconquistar a confiança interna.

Em comum, Obama e Cristina Kirchner, que se reelege fácil hoje, têm a falta de adversários. Nos EUA, o republicano Mitt Romney não dá para o gasto. Na Argentina, a oposição se pulverizou.

Dadas as devidas proporções, Cristina serve para Obama como confirmação de uma regra básica em política e em eleições. Ela saiu de uma aprovação pífia (de quando o marido e antecessor Néstor morreu) para uma vitória que deve ser por bem mais de 50%. Por quê? É a economia, estúpido!

DANUZA LEÃO - O poço que não tem fundo



O poço que não tem fundo
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 23/12/11


Para quem recebe verba, dinheiro do governo é uma coisa vaga, não tem dono, não é de ninguém


QUANDO UMA pessoa normal, como eu, precisa fazer uma pequena obra em casa -infiltração no banheiro, por exemplo-, chama uma firma e pede um orçamento.

Nesse orçamento está incluída a parte hidráulica, alguma coisa de eletricidade, mais o serviço do pedreiro, eventualmente alguns azulejos, e a pintura. Eu acho caro, peço mais dois orçamentos; um deles é a metade do primeiro, o outro, o dobro. Como saber qual é o preço justo? Essa é uma situação comum, mas que me paralisa.
Imagine agora um ministério distribuindo verbas imensas, para que crianças carentes participem do mundo dos esportes.

Como saber o preço para manter 1.500 -digamos- adolescentes com uniformes, alimentação, mais o equipamento esportivo, manutenção das quadras, e por aí vai?

Quem controla o dinheiro que cada ONG recebe? Aliás, é sempre bom desconfiar quando ouvir "sem fins lucrativos".

Quem paga com seu próprio dinheiro procura encontrar os uniformes de preço mais razoável, as bolas de vôlei menos caras, a merenda mais adequada à garotada que pratica esportes; mas duvido que quem recebe o dinheiro do Ministério do Esporte faça como as pessoas comuns. Para eles, dinheiro do governo é uma coisa vaga, não tem dono, não é de ninguém.

Mas é, sim; é dinheiro nosso, e ontem, quando estava lendo as denúncias graves que atingem o ministro dos Esportes, o telefone tocou. Era o contador, dizendo quanto eu devo pagar de Imposto de Renda até o fim do mês -o pagamento é trimestral. Como, segundo alguém, a parte mais sensível do ser humano é o bolso, doeu; doeu e eu senti, na carne, para onde meu dinheiro ia. Não dá.

Como bem diz nossa sábia presidente, todo mundo é inocente até prova em contrário, mas nunca se saberá quais os critérios para decidir a que ONGs o dinheiro vai ser destinado, e por que são aquelas, e não outras -e quem recebe propina não assina recibo.

Esquecendo a propina, que é um mero detalhe -20%-, o fato de um ministério destinar tanto dinheiro para a Associação de Kung Fu, para a Federação Paulista de Xadrez, para a Liga do Futebol Society do Distrito Federal, já seria motivo mais do que suficiente para demitir o ministro. Já dançaram muitos, todos herdados do governo Lula -tanto quanto Orlando Silva; quem é mesmo que enchia a boca quando falava em herança maldita?
E cansa ler e ouvir as mesmas palavras, sempre iguais: "nego todas as acusações".

A Copa está chegando, envolve muita grana, cada um puxando a sardinha para sua brasa, as obras de estádios e aeroportos estão atrasadas, não dá para ter certeza de que tudo estará pronto, mas Deus é brasileiro, dizem.
Eu não entendo de economia, mas sei que se qualquer pessoa, assim como qualquer país, gastar mais do que pode -e mal-, não costuma dar certo. E o trem-bala, e a usina de Belo Monte? Nunca mais se ouviu falar.
Agora, parece que chegamos ao fundo do poço: já estão roubando merenda de criança. Mas que ninguém tenha ilusões: esse poço não tem fundo, e nunca vai se saber de ninguém que tenha sido preso.

PS - Pelo que sei, as passeatas contra a corrupção, contra o voto secreto e a favor da ficha limpa, são "combinadas", digamos assim, pelo Facebook, Twitter etc.; e quem não frequenta as redes sociais, como vai ficar sabendo, para poder participar?