segunda-feira, outubro 10, 2011

LYA LUFT - Em quem confiar


Em quem confiar
LYA LUFT
REVISTA VEJA

Ando carente de confiança. Andamos, eu acho. Em quem acreditar, em quem confiar, em quem apostar, a quem eleger. por exemplo? Não sei se em outros tempos a gente confiava mais nas pessoas e nas instituições, e detesto saudosismo, mas penso que sim. Porque éramos simplórios? Pode ser. Hoje talvez sejamos mais espertos, criancinhas conhecem mundos, belezas e maldades que a gente só conhecia depois de casado... E olhe lá.

As instituições pareciam sólidas, Judiciário, polícia e política. Lembro-me do chanceler Oswaldo Aranha, que raro jovem hoje saberá quem foi, mas que teve papel importantíssimo no Brasil e no mundo ocidental, amigo de juventude de meu pai, me pegando no colo, em nossa casa, e profetizando, para meu azar: "Você tem olhos lindos, mas precisa se cuidar ou vai ser gordinha". Lembro o aroma de seu charuto, as cores de sua gravata, a voz profunda, o riso bom, e sua naturalidade em nossa casa que estava longe de ser uma mansão.

"Não dá para arrumar tudo. Mas tem de melhorar, para que a gente durma e acorde ao menos com a sensação de que em algumas pessoas e instituições ainda se pode confiar!"

Quando a professora ou professor entrava em sala de aula, a gente se levantava - isso até o fim do 2° grau -, e não faz um século ainda. Hoje batem nas professoras, jogam objetos, falam alto com o colega ou ao celular, se possível, ameaçam ou ridicularizam. Nem todos nem em toda parte, essa ressalva se faça sempre nos meus textos. Mas são coisas que há alguns anos nem passavam pelas nossas fantasias de adolescentes, naturalmente - e necessariamente irreverentes, numa irreverência que hoje deve parecer patetice. A gente era amigo dos filhos do juiz da cidadezinha, e achava o máximo. O pastor de nossa comunidade luterana era recebido em casa com respeito, mesmo que não fôssemos praticantes de religião alguma. Para meu pai, Deus estava em toda parte, na natureza, no outro, em nós mesmos, fator essencial da nossa dignidade, e do sagrado de tudo.

Nossos ídolos eram incrivelmente inocentes em relação a muitos ídolos atuais da meninada. Não acho que a gente curtiria muito alguém supertatuado e furado, e tão drogado que mal consegue se manter em pé, e que requebra para não" cambalear (nem todos, nem sempre). Nossos astros de cinema pareceriam babacas agora, quando, no impulso incoercível de abrir pernas e mostrar tripas (calcinha não têm), a gente troca o público e o privado, e gente famosa, as celebridades, precisa se esconder aterrorizada com a loucura de fãs e paparazzi. Nem no Judiciário a gente confia cegamente, pois a corrupção parece minar tudo no país (fora nem quero saber, bastam-me as mazelas aqui dentro). Andaram sendo demitidos uns poucos ministros, depois de denúncias ainda nem comprovadas, mas tudo parou por aí. Dizem à boca pequena que, se fosse levado a sério e a fundo esse processo todo, restariam pouquíssimos, era caso de botar placas de que o Brasil fora fechado para reformas.

Pais e mães (nem todos, nem sempre) mais parecem adolescentes audazes, ou executivos - ou operários, ou professores, ou médicos, ou seja o que for - exaustos, lutando para manter

o essencial na casa, pagar o colégio razoável, ou atender ao deus-consumo, não creio que tenham muito tempo para dar aos filhos carinho, atenção, alegria, autoridade, sem a qual tudo desanda. Fico imaginando quem dará, não só a jovenzinhos e adultos, mas a todos, algum conforto, apoio, exemplo, rumo e prumo: em quem, por exemplo, votar nas próximas eleições, se tantos mudam de partido, se ainda se criam partidos, e se confundem as ideologias - ou elas nem existem mais (ou entendi mal, eu seria apenas uma distraída ficcionista?).

Acho que tudo vai ficando chato e cansativo: esperança de um lado, desgosto de outro, bom modelo aqui, corrupto mandando ali. Não dá para arrumar tudo. Nem rei, nem papa, nem o maior guerreiro do mundo antigo ou do atual mundo virtual, nem o mais hábil dos bruxos divertidos ou sinistros, mudaria a face do país com um golpe de espada ou caneta. Mas que tem de melhorar, ah, isso tem, para que a gente durma e acorde ao menos com a sensação de que, sim, em algumas pessoas, algumas instituições e algumas coisas ainda se pode confiar.

A KGB do Congresso - Revista Veja


A KGB do Congresso
REVISTA VEJA

A Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados interroga sem-terra e lavador de carros que acusaram parlamentar petista de comprar votos. O Ministério Público e a OAB dizem que isso é legal e tem o objetivo de intimidar testemunhas

Hugo Marques

O sem-terra Francisco Manoel do Carmo mora em um assentamento próximo a Unaí, cidade mineira distante 160 quilômetros de Brasília. Há dez dias, dois homens foram a sua casa entregar um "mandado de intimação" para que ele comparecesse na data marcada à "Coordenação de Polícia Judiciária" e prestasse esclarecimentos "acerca da ocorrência policial n° 305/2011". O sem-terra tentou, sem sucesso, saber do que se tratava. Por telefone, o lavador de carros Edmilson Almeida Lopes recebeu o mesmo "convite". Para quê? "Você está sendo intimado. Não falte", advertiu o "policial" do outro lado da linha. O lavador de carros pensou que era um trote, já que havia acabado de comprar o celular e apenas alguns amigos tinham o novo número. Com o vigilante Paulo Batista dos Santos, a deferência foi ainda menor. Ao tentar saber por que fora intimado, ele ouviu uma resposta seca do policial: "Quando o senhor comparecer, vai descobrir". Sem saberem do que eram acusados, o sem-terra, o lavador de carros e o vigilante compareceram na data, no horário e no lugar determinados. "Compromissados na forma da lei quanto à obrigação de dizer a verdade", os três foram interrogados durante horas na Câmara dos Deputados. Na Câmara dos Deputados?

Francisco, Edmilson e Paulo descobriram durante o interrogatório que são alvo de uma investigação da Polícia Legislativa da Câmara - órgão criado para cuidar da segurança dos parlamentares, do patrimônio e da prevenção e apuração de crimes cometidos nas dependências do Congresso. Eles são acusados pelo deputado Roberto Policarpo, do PT, de tentativa de chantagem. O fato teria ocorrido em abril, mas, estranhamente, o parlamentar não procurou nenhuma autoridade na ocasião. Assim como não o faria pelos próximos cinco meses. A atitude do deputado mudou somente depois que o sem-terra, o lavrador e o vigilante se transformaram em testemunhas de um inquérito que tramita na Polícia Federal e que pode custar-lhe o mandato. Os três trabalharam como cabos eleitorais de Policarpo na campanha do ano passado. No dia da eleição, o sem-terra dirigia um ônibus que levava 39 trabalhadores rurais para votar no petista - o que é proibido por lei. Ele recebeu dinheiro para "transportar e custear os eleitores". Surpreendido pela polícia, o sem-terra negou o crime, afirmando que o ônibus fora alugado por uma igreja evangélica que levava fiéis que voltavam de um culto depois da eleição. Salvou, assim, a pele do político, mas não convenceu as autoridades, que indiciaram o motorista do ônibus, o sem-terra Francisco Manoel, por crime eleitoral.

No mês passado, porém, o sem terra, o lavador de carros e o vigilante, todos filiados ao PT, resolveram revelar a verdade. Em entrevista a VEJA, contaram que Policarpo pagou 4000 reais para que providenciassem o ônibus e arregimentassem eleitores em acampamentos rurais da periferia de Brasília. Para confessarem o ocorrido, não foram movidos por sentimentos nobres, mas porque, segundo eles, o deputado não cumpriu o que havia prometido - alguns empregos e, principalmente, a contratação de um advogado para defendê-los na investigação sobre a apreensão do ônibus. Antes de fazer a denúncia, o grupo procurou o parlamentar para cobrar o compromisso e, sem sucesso, contou o que sabia. Foi isso que o deputado considerou como chantagem transcorridos longos cinco meses após a data do suposto crime. Ainda que tivesse se sentido vítima tanto tempo depois, Policarpo em nenhum momento pensou em ir à Polícia Federal ou ao Ministério Público denunciar a chantagem dos seus ex-cabos eleitorais: Preferiu, depois de publicada a reportagem, recorrer à Policia da Câmara, subordinada ao seu colega petista Marco Maia, presidente da Casa. É a partir desse ponto que começa a parte mais escandalosa da história.

O sem-terra, o lavador e o vigilante foram interrogados na condição de suspeitos, segundo a reclamação registrada pelo deputado Policarpo. Eles foram obrigados a firmar "compromisso de dizer a verdade", o que é uma aberração jurídica, pelos "agentes", que insistiram em perguntar aos acusados se tiveram participação em uma eventual chantagem ao deputado. Um dos depoimentos durou quatro horas. "Isso é perseguição política", acusa Francisco Manoel, o sem- terra. "O deputado está usando a policia da Câmara para tentar nos desqualificar", diz o lavador de carros Edmilson Lopes. "Me chamaram aqui porque eu pedi ao partido o afastamento do deputado", diz o vigilante Paulo Batista dos Santos. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, ressalta que a Polícia Legislativa não tem competência legal para intimar, interrogar ou realizar determinados tipos de apuração, principalmente se eles envolvem casos investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. "O papel dessa polícia é proteger o Parlamento. É grave que ela esteja sendo usada para intimidar testemunhas de processos judiciais", comentou o procurador, ao ser informado sobre os detalhes do caso. O fato de um deputado requisitar os serviços dos agentes responsáveis pela segurança do Parlamento para atender a um interesse pessoal envolvendo adversários já é condenável. Mas fica ainda mais grave quando é chancelado pelo presidente da Câmara. "Conversei com Marco Maia sobre o caso antes de fazer a ocorrência", confirma Policarpo. Marco Maia, por meio de sua assessoria, saiu-se com uma resposta evasiva: "O Departamento de Polícia Legislativa se reporta diretamente à Diretoria-Geral da Câmara". E a Diretoria-Geral da Câmara é subordinada a quem? Ao presidente Marco Maia. Para a Ordem dos Advogados do Brasil, o que a Policia Legislativa está fazendo exorbita qualquer parâmetro legal. Alerta o presidente da OAB, Ophir Cavalcante: "É lamentável que o parlamentar se valha do cargo para fazer isso. Os agentes estão saindo dos muros geográficos do Parlamento para atuar no campo de outras polícias".

A Polícia Legislativa reúne mais de 500 agentes no Senado e na Câmara, e tem como principal função realizar a segurança dos parlamentares. Mas não é a primeira vez que ela é usada como uma polícia pessoal dos parlamentares. O episódio mais grave de que se tem notícia aconteceu em 2007. Policiais da Casa foram destacados para espionar desafetos do então presidente, Renan Calheiros, que sofria ameaça de cassação, depois de reveladas suas relações com um empreiteiro. Detetives particulares foram contratados para vasculhar a vida de parlamentares adversários. Na ocasião, a Corregedoria do Senado chegou a solicitar ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para investigar o caso. Não deu em nada, para variar. A política no Brasil virou caso de polícia. Mas o que fazer quando a polícia é deles?

Fraude com chancela oficial - Revista Veja


Fraude com chancela oficial
Revista Veja 

VEJA teve acesso a um documento da Casa Civil que mostra que o governo sabia do superfaturamento da obra de reforma do Palácio do Planalto e, mesmo assim, autorizou o pagamento à empreiteira

Daniel Pereira

Projetos mal elaborados, serviços de péssima qualidade e pagamentos generosos a empreiteiras andam de mãos dadas com o desperdício e o desvio de verbas públicas no Brasil. Esses males são notórios e não poupam nem mesmo a Presidência da República, a quem cabe, em última instância, zelar pela correta aplicação dos recursos. A obra de restauração do Palácio do Planalto é um exemplo desse descaso com o dinheiro que o governo arrecada por meio da cobrança de impostos. Idealizada pelo então presidente Lula, ela durou quase um ano e meio. Em agosto de 2010, foi considerada concluída, com a consequente reabertura das portas do palácio. Mas concluída apenas no discurso oficial, porque o projeto está inacabado, rende uma disputa milionária de bastidores e, pior, superfaturamento. Tudo corriqueiro para os padrões negociais de Brasília, se não fosse um detalhe: o governo sabia do superfaturamento e, ainda assim, autorizou que a empresa responsável pela reforma recebesse milhões pelo que não fez. Esse atestado de mau uso do dinheiro público consta da nota técnica 27, de outubro de 2010.

De autoria da Secretaria de Controle Interno da Presidência, o texto observa que o custo do empreendimento saltou de 78 milhões de reais, quando foi realizada a licitação, em maio de 2009, para 112 milhões, um crescimento de espantosos 43% - aumentado pelos aditivos contratuais que tanto irritam a presidente Dilma Rousseff. Nele, os técnicos ressaltam que não há documentos que comprovem os custos dos serviços incluídos no projeto durante a sua execução. Depois de enumerarem outras falhas, eles cravam que o governo pagou 5,5 milhões de reais a mais do que o devido à empresa Porto Belo Construções, contratada para realizar a restauração do Planalto, e pedem providências. Resumindo: a repartição da Casa Civil da Presidência, a quem cabe fiscalizar as contas do Planalto, apontou a fraude, mas a repartição da Casa Civil, a quem cabia manter as obras do Planalto em andamento, nada fez a respeito. Pior: em vez de pedir o ressarcimento do dinheiro, o governo, mesmo alertado, desembolsou recursos e agora negocia para pagar mais 3,5 milhões de reais. A empreiteira cobra um valor maior: 11 milhões de reais, o que levaria o preço final a 123 milhões de reais.

Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência, a nota técnica foi encaminhada à Secretaria de Controle Interno do Ministério da Defesa e à Comissão de Obra do Exército. Já a assessoria da Defesa diz que o caso está sob análise de auditores internos. As explicações param por aí. "Numa obra de restauração, é muito comum surgirem demandas ao longo do processo. Além disso, parte dos projetos foi entregue durante a execução, o que nos obrigou a refazer determinados trabalhos", justifica Celso Silva Filho, proprietário da Porto Belo. O processo de reforma do palácio é repleto de episódios incomuns. De início, coube à Casa Civil realizar a licitação da obra. Quando o processo já estava em curso, a própria Casa Civil decidiu suspendê-lo, em março de 2009, advertida de que o edital tinha problemas graves, como a possibilidade de beneficiar certas empresas. Lula, então, transferiu a responsabilidade pela licitação e monitoramento da obra ao Exército. Também escalou Erenice Guerra, que ainda dava expediente como secretária executiva da Casa Civil, para acompanhar a obra da parte do Planalto. Erenice, que foi madrinha do edital de licitação suspenso, fez fama como estrela de um esquema de corrupção que funcionava dentro do Planalto e envolvia seus filhos com empresários interessados em negócios no governo.

Ingredientes da reforma do Planalto são semelhantes aos detectados no esquema de corrupção que agia no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os dois casos têm até um personagem em comum. Responsável pela restauração do palácio, o Departamento de Engenharia e Construção do Exército (DEC) é formado por três diretorias: Obras Militares, Patrimônio e Obras de Cooperação. As duas últimas foram chefiadas pelo general Jorge Fraxe na gestão Lula. Desde setembro, Fraxe comanda o Dnit e tem como missão justamente dar um basta ao aumento dos custos das obras no departamento. Apesar de ter sido um dos diretores do DEC, ele alega que não tinha relação com a restauração do palácio. A atuação no Exército também assombra o novo trabalho de Fraxe por outro motivo. O DEC foi o primeiro cliente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (lnda), uma ONG criada por subalternos de Fraxe e que quase abocanhou um contrato de 6 milhões de reais no Ministério dos Transportes. No meio da negociação, uma servidora do ministério cobrou 30.0000 reais de propina para selar o acordo. Um dos dirigentes do Inda disse ter denunciado a cobrança a Fraxe, que teria abafado o caso, segundo revelou VEJA na semana passada. A Controladoria-Geral da União abriu sindicância para apurar o caso. Para Dilma, essa investigação não é suficiente. A presidente quer que Fraxe demita a servidora que teria exigido o pedágio.

Dinheiro saindo pelo duto - Revista Época



Dinheiro saindo pelo duto
REVISTA ÉPOCA


A Polícia Federal investiga contratos da Petrobras com empreiteiras, apontados como superfaturados pelo TCU. O prejuízo estimado atinge R$ 1,4 bilhão
ANDREI MEIRELES E MURILO RAMOS


Os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) estão acostumados a lidar com valores gigantes quando fiscalizam contratos da Petrobras. Com um orçamento de R$ 85 bilhões para este ano, a maior empresa da América Latina tem gastos numa escala bem acima da média do setor público. Quando fiscalizam os contratos firmados pela Petrobras com o setor privado, os técnicos também estão habituados a encontrar evidências de que a estatal paga mais do que deveria. Mesmo os mais experientes auditores, porém, se surpreenderam com o que encontraram ao examinar os contratos de R$ 8,6 bilhões das obras de reforma e modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, no Paraná. De acordo com os relatórios técnicos, os preços pagos a algumas das maiores empreiteiras do país são exagerados até para os elásticos padrões da Petrobras. Nos últimos dois anos, o TCU propôs a paralisação das obras para evitar o possível desperdício de dinheiro público. Foi impedido pela atuação do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Neste ano, a reforma na refinaria virou caso de polícia.

Desde fevereiro, a Polícia Federal investiga o caso. O foco do delegado Felipe Eduardo Hideo Hayashi está em cinco contratos de reforma da refinaria, que somam R$ 7,5 bilhões. Segundo um relatório do TCU, os preços nesses contratos, firmados com sete consórcios de empreiteiras, estão R$ 1,4 bilhão acima do valor de mercado – montante que, se as suspeitas se confirmarem, a Petrobras terá simplesmente jogado fora. Pelos números do delegado Hayashi, até abril do ano passado os pagamentos indevidos somaram R$ 499 milhões. As construtoras Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Mendes Júnior estão entre as beneficiadas.

Na investigação, Hayashi teve acesso às informações de uma apuração mais antiga, a Operação Caixa Preta. Ela mostrou que, durante o primeiro mandato de Lula, a estatal Infraero pagou mais do que deveria por obras em dez aeroportos. A operação apontou também para as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Mendes Júnior. Para apurar o caso da Infraero, policiais gravaram conversas, com autorização judicial, de representantes de empreiteiras. Hayashi afirma, na abertura do inquérito sobre o caso da refinaria, que as informações do caso da Infraero são necessárias “para análise de eventual continuidade delitiva”. Segundo duas pessoas que acompanham o inquérito, diálogos gravados reforçam a suspeita de irregularidades nos contratos da Petrobras com as empreiteiras nas obras da Repar. Uma das suspeitas é de que parte do dinheiro pago pela Petrobras tenha sido desviada para o caixa dois de campanhas eleitorais. O delegado Hayashi não fala sobre o inquérito, que corre em segredo na Justiça Federal no Paraná.

A reforma da refinaria foi iniciada em 2006. Os contratos para as obras e a compra de equipamentos começaram a ser fiscalizados pelo TCU em maio de 2008. Um ano depois, os auditores apresentaram um relatório em que apontam “graves irregularidades” nas licitações e nos preços. O TCU, então, recomendou ao Congresso que bloqueasse o pagamento para as obras da Repar e para outros três grandes empreendimentos da Petrobras – a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e o Terminal de Escoamento de Barra do Riacho, no Espírito Santo.

Contra a orientação do governo Lula, na votação do Orçamento de 2010, o Congresso aprovou a recomendação do TCU para suspender o repasse de verbas. Em janeiro de 2010, o presidente da República usou seu direito de veto e retirou os empreendimentos da Petrobras da lista de obras bloqueadas pelo Congresso. Lula fez mais. No dia 12 de março, acompanhado pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ele foi até Araucária inaugurar parte das novas instalações. Lá, Lula defendeu o veto. “Se tem de fazer investigação, que se faça”, disse. “Mas não vamos deixar que trabalhadores fiquem desempregados porque alguém suspeita que alguma coisa está acontecendo.”

Com base em uma nova auditoria, no ano passado o TCU recomendou outra vez ao Congresso a suspensão dos pagamentos para sete contratos da Repar. Na Comissão Mista de Orçamento, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, disse que não houve superfaturamento. De acordo com Gabrielli, os parâmetros usados pelo Tribunal são inadequados para avaliar os contratos da empresa. O TCU nega a divergência de metodologia. “Nossos cálculos levam em conta todas as particularidades da Petrobras”, afirma o secretário de Fiscalização de Obras do TCU, Eduardo Nery.

Em dezembro de 2010, a Comissão de Orçamento aprovou a continuidade das obras na Repar. Os parlamentares foram convencidos pela Petrobras de que as obras estavam muito avançadas para ser paralisadas. Segundo a empresa, cinco dos sete contratos estavam com mais de 60% das obras executadas, e o Congresso endossou a tese da Petrobras, ao dizer que apenas 9,55% do valor dos contratos questionados pelo TCU poderia ser bloqueado. “A hipotética recuperação de um porcentual tão baixo por meio da paralisação não justifica a interrupção”, diz um relatório da Comissão de Orçamento. O detalhe é que esse “porcentual tão baixo”, desprezado pelos parlamentares, representa nada menos que R$ 739,3 milhões.

A Petrobras e as empreiteiras negam as suspeitas da Polícia Federal. Em nota, a Petrobras afirma não ter sido notificada pela PF sobre o inquérito. “A companhia afirma que não há superfaturamento, sobrepreço ou qualquer outra irregularidade nas obras da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar)”, diz a nota. “O relatório da equipe técnica do TCU é preliminar e, portanto, não há nenhuma decisão definitiva.” Entre os cinco contratos investigados pela PF, o maior foi estabelecido entre a Petrobras e o consórcio CCPR-Repar – formado por Camargo Corrêa e Promon Engenharia. São R$ 2,4 bilhões. De acordo com a auditoria do TCU, registrada no inquérito da PF, os preços contratados com esse consórcio estão R$ 633 milhões acima dos valores do mercado. O consórcio CCPR-Repar questiona as conclusões e diz que o relatório de fiscalização do TCU “está baseado em referências de preços de projetos convencionais da construção civil, incompatíveis com os serviços de modernização da refinaria, bem mais complexos e exigentes”. O CCPR-Repar não se manifestou sobre a investigação da Polícia Federal.

O consórcio Conpar – formado por Odebrecht, OAS e UTC Engenharia – também não se pronunciou sobre o inquérito da PF. Seu contrato, de R$ 1,8 bilhão, estaria, segundo os auditores, com preços R$ 233 milhões acima do mercado. O Conpar informou que, a pedido do Tribunal de Contas, “prestou todas as informações e esclarecimentos quanto à regularidade dos preços praticados no âmbito do contrato, estando as elucidações em fase de análise pelo TCU”. A construtora Mendes Júnior lidera o consórcio Interpar, cujo contrato com a Petrobras soma R$ 2,2 bilhões. Nesse caso, o TCU aponta um sobrepreço de R$ 408 milhões. A Mendes Júnior não se manifestou até o fechamento desta edição.

Apenas em maio deste ano, o TCU voltou a se manifestar sobre o assunto. No Acórdão 1.256/2011, o Tribunal retirou a recomendação para que as obras fossem paralisadas. Manteve, porém, o diagnóstico de que os contratos da Petrobras foram firmados acima dos preços de mercado. O tempo corre contra os recursos da Petrobras – em grande parte dinheiro público. Um ano depois das disputas no Congresso, enquanto a Polícia Federal investiga, o duto continua aberto.

EUGÊNIO BUCCI - Sigilo nos atos secretos


Sigilo nos atos secretos
EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA

Collor e Sarney advogam que os atos secretos do governo fiquem guardados para todo o sempre

O corpo não é eterno. Seres humanos não são eternos. As civilizações não são eternas: foram e serão invariavelmente varridas da face rugosa da Terra, como sujeira de cachorro no jardim (cachorros e jardins também não são eternos). O planeta Terra não é eterno – em alguns bilhões de anos, dizem os cientistas, será engolido pelo Sol, que deve inchar e então vai se apagar, uma vez que estrelas não são eternas. Neste vasto mundo finito e perecível, apenas o segredo de Estado, no Brasil, é eterno, ao menos na opinião dos senadores Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Ambos ocuparam a Presidência da República e devem saber de fatos tenebrosos que, se divulgados, causariam tragédias inimagináveis por nós, mas perfeitamente previsíveis para eles.

Para evitar os desastres que anteveem, Collor e Sarney contam com os préstimos da eternidade. Advogam que, no âmbito do Estado brasileiro, essa categoria tenha lugar. Que a eternidade seja impossível no reino da física ou da biologia, não importa. Ela é concebível na metafísica e na Bíblia Sagrada, e isso basta para que a dupla aguerrida, Sarney e Collor, dê curso aos seus intentos. Na opinião deles, os atos secretos dos governantes ficarão armazenados lá, na metafísica, para todo o sempre. Estamos, como se vê, nos domínios da megalomania transcendental. Ou no domínio da estatização dos séculos e séculos, amém.

Sarney e Collor já brigaram muito um com o outro. Atualmente, irmanam-se no apoio (eterno?) ao governo Dilma. Irmanam-se ainda na fé que têm na eternidade. Uma fé inquebrantável, diria Collor, com seu gosto imorredouro por adjetivos absolutos. Sarney, que já é imortal da Academia Brasileira de Letras, lida bem com a temática. Deve ter sido por isso que, em 2009, já presidente do Senado, não hesitou em deixar transparecer sua reverência litúrgica pelos atos secretos da casa. Naquele ano, 2009, descobertos pela imprensa e retirados da condição de sigilo eterno, os atos secretos revelaram bastidores embaraçosos do Senado. Uma comissão de sindicância teve a humildade de contá-los. Totalizavam 650. Tratavam de preocupações terrenas, quase mundanas: um aumento de salário para um, uma gratificação para outro, essas coisinhas à toa. Mesmo assim, chocaram a opinião pública.

Talvez por isso, para evitar que o cidadão brasileiro passe por sustos análogos, Sarney defenda o sigilo eterno. Melhor assim. Nessa matéria, aliás, ele foi homenageado no mês passado pela decisão do STJ, que anulou as provas da Operação Boi Barrica, uma investigação da Polícia Federal que corria sob segredo de Justiça. A anulação das provas, que, um dia, também em 2009, caíram, desgraçadamente, nas mãos de jornalistas, vem restabelecer, ainda que de modo um tanto avesso, a prevalência do sigilo. Se não valem mais nada, devem desaparecer. Ponto. O que deveria permanecer em segredo continuará em segredo, para tranquilidade geral da nação. E, ocasionalmente, dele mesmo.

Embora cerrem fileiras na base aliada do governo, Collor e Sarney contrariam a orientação de gente graúda do próprio governo quando defendem com tanto empenho a eternidade dos segredos de Estado. Dizem que não agem em causa própria. Dizem que, de seus mandatos na Presidência da República, tudo se pode saber. Mas, alertam, há fatos de outros presidentes que, segundo eles, não podem vir a público jamais. Nunca. De jeito nenhum.

Collor e Sarney advogam que os atos secretos do governo fiquem guardados para todo o sempre

No mais, não adianta perguntar sobre esses fatos. No que depender de Collor e Sarney, nenhum de nós, aqui na planície, poderá conhecê-los. Eles sabem, mas nós não poderemos saber. Só eles podem ter acesso a esse tópico da eternidade. Nós não temos maturidade nem maioridade para tanto. Nossos filhos e nossos netos também não terão. Nesse ponto, a megalomania transcendental dos dois ex-presidentes se converte em presunção de superioridade perpétua. Collor e Sarney acham que têm sobre nós, e sobre nossos descendentes, o direito de saber mais. Por toda a eternidade.

Não dá. Chega de metafísica. Que um governo lide com informações reservadas é compreensível. Que essas informações sejam guardadas por, vá lá, um período de 25 anos, um pouco prorrogáveis, é tolerável. Fora isso, nem mesmo o amor de Vinícius de Moraes se pretendia eterno. Concedamos a figura do "sigilo infinito enquanto dure" a Collor e Sarney. Que eles possam escrever na lei que o sigilo deles é do tipo "infinito enquanto dure" e, em troca, desistam de censurar o futuro.

PAULO SANT’ANA - Os desígnios de Deus


Os desígnios de Deus
PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 10/10/11 
 
Pela teoria reencarnacionista, defendida pela doutrina espírita, nós todos somos jogados no mundo para cumprir um papel, fruto de outras passagens que tivemos aqui na Terra, outras vidas.

Na Bíblia, há um momento supremo em que Jesus decide se o princípio da reencarnação é legítimo: é quando os discípulos, diante de um homem que nascera cego, perguntam a Jesus: “Mestre, quem pecou para que ele nascesse cego, ele ou seus pais?”.

E Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas isto se deu para que as obras de Deus sejam manifestas”.

De certo modo, Jesus refutou o princípio de que viemos à Terra para pagar pecados de outras vidas passadas, que foi o que insinuaram seus discípulos sobre o cego de nascença.

Diz que o cego não está cego por ter pecado, ele ou seus pais.

E afirma categoricamente, ao dizer que ele nasceu cego para que as obras de Deus sejam manifestas, que existem cegos, mudos, surdos, aleijados, por vontade de Deus, que dessa forma Deus administra seus desígnios.

Portanto, Jesus quis dizer que ao cego que nasce cego cabe conformar-se com sua cegueira, pois aquilo é desígnio de Deus.

Nesse ponto e em centenas de outros aspectos da Bíblia, residem mistérios insondáveis. Como, por exemplo: o que moveu Deus a criar um homem cego? Isso parece inexplicável.

Já afirmei numa coluna da semana passada, e em várias outras, que me torno estupefato quando vejo no mundo magros e gordos, feios e bonitos, altos e baixos, pobres e ricos.

Que mistério, afinal, levou Deus a criar tantas diferenças entre os homens?

Por que aqui um homem se mostra talentoso e ali adiante temos um homem sem nenhuma inteligência?

Por que uns são ágeis, outros lentos?

Eu tiro uma lição disso tudo: temos de viver a vida de acordo com as armas que ela nos deu, levando em conta também as desvantagens que ela estabeleceu para nós.

É intrigante esse mistério. Compreender-se-ia a criação se um homem que tivesse nascido talentoso fosse feio. Seria uma forma de compensação entre a vantagem e a desvantagem. Um homem que fosse belo e burro, dava para compreender.

Mas como é que vai se entender quando um homem nasce burro e feio ao mesmo tempo? Uma injustiça gritante, sem compensação.

Ou, então, quando uma pessoa nasce bela e talentosa ao mesmo tempo: há então uma grande e injusta diferença entre este último exemplo e o que nasceu burro e feio, a criação deu armas duplas e poderosas para um e desvantagem dupla e amassante para outro.

Não dá para entender.

E assim vão os mistérios bíblicos. O maior deles é por que Deus permite a existência do Diabo?

Ou por que, em outras palavras, Deus permite a existência do mal.

Ou por que Deus permite os terremotos, os assassinatos?

Mas não estarei eu pondo coisas demasiadas na conta de Deus? Não. Porque é a Bíblia que diz que tudo o que acontece na Terra provém da vontade de Deus.

É mistério que não acaba mais.

O melhor mesmo é a gente não querer entender sobre os desígnios de Deus.

MELCHIADES FILHO - Zumbilândia



Zumbilândia
MELCHIADES FILHO 
FOLHA DE SP - 10/10/11

BRASÍLIA - Graças ao estilo solitário e centralizador de Dilma e ao relativo sucesso do governo até aqui, nunca o inchaço da Esplanada dos Ministérios foi tão evidente.

Vários de seus ocupantes nada fazem, até porque pouco têm a fazer.

Os carteiros estão em greve. Milhões de brasileiros foram afetados. A Presidência joga duro com os sindicatos. Mas do ministro do Trabalho até agora não se ouviu falar.

Indicativo de que sua pasta poderia ser fundida à da Previdência, outra que perdeu importância política.
Sem verbas nem autonomia para assinar convênios desde que foi estourado pela Polícia Federal, o Turismo também não faz mais sentido -se um dia fez. A Embratur dá conta sozinha de "promover" o país.
Assim como será difícil, após a Copa-14 e o Rio-16, justificar a existência de um ministério dedicado a atletas de ponta e grandes eventos.

Em vez de levar adiante a ideia de criar uma pasta (a 39ª!) para a Micro e Pequena Empresa, por que não juntar as secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Jovens numa só, de
Ação Afirmativa, com prestígio e orçamento decente? Até quando Direitos Humanos e Justiça precisarão andar separados?

Mesmo repartições maiores merecem reavaliação. Cidades, depois de tantas fraudes, na prática hoje é gerida pelo Planejamento. Seu ministro zanza como um zumbi por Brasília, caçoado até no Planalto.

Esse quadro de desperdícios decerto não escapou à atenção do empresário Jorge Gerdau, convidado pela presidente a arquitetar uma reforma da máquina federal -replicando boa iniciativa do ministro Hélio Beltrão no início dos anos 80.

Dilma fala em mexer na equipe na virada do ano. Seria o caso de aproveitar e ir além da substituição de fracos e candidatos a prefeito.

Não se trata de fazer o "corte pelo corte", mas de otimizar recursos públicos, desburocratizar serviços e reduzir o espaço dos oportunistas.

AÉCIO NEVES - Círio de Nazaré


Círio de Nazaré
AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 10/10/11

Celebra-se, nesta semana, a maior manifestação de fé católica de todo o mundo: o Círio de Nazaré, em Belém.
Você já deve ter visto as imagens: mais de um milhão de fiéis por trás da corda que protege a imagem da padroeira -a qual, vista à distância, parece singrar suavemente por sobre o mar de cabeças devotas. A eletricidade emocional que percorre a procissão, do primeiro ao último peregrino, só pode ser descrita por quem já esteve lá, independentemente de crença religiosa.
Em 1984, acompanhei meu avô Tancredo Neves ao Círio de Nazaré. À magnífica demonstração de religiosidade veio juntar-se, naquele ano, a euforia do momento político que mobilizava todo o país. O sonho da redemocratização pacífica, sem traumas, tendo à frente um líder civil com a trajetória e a envergadura de Tancredo, ia pouco a pouco se convertendo em realidade, à medida que a campanha presidencial arrebatava corações e mentes dos brasileiros.
A eleição no Colégio Eleitoral seria em 15 de janeiro. Naquele cortejo do Círio, a comoção religiosa de centenas de milhares de fiéis irmanou-se ao entusiasmo da recepção a quem, em meio ao frenesi popular, já chamavam de "o presidente da redemocratização".
No carro, um Aero Willys conversível branco com estofamento de couro vermelho, ao lado de meu avô, agasalhados pelo afeto da multidão, perguntei a ele: "O senhor imaginaria chegar aqui com toda essa popularidade?" Ele, com comovente sinceridade e um quê de resignação, disse: "Vou gastar todo esse crédito em três meses, pode acreditar".
E nem precisou mais dizer. Acompanhando-o no dia a dia de jornadas estafantes, eu percebia que, entre preservar a popularidade e implantar as medidas de que o Brasil carecia, Tancredo não hesitaria em trilhar o caminho espinhoso do futuro, abrindo mão dos aplausos do presente. Pelo país, ele estava disposto a pagar o preço. Convocaria a Constituinte.
Tomaria decisões amargas contra a inflação. Encaminharia as reformas que ainda hoje o Brasil aspira e merece.
Essa é a dimensão de um estadista. Naquele momento, envolvido pela fé de tantos brasileiros, aprendi uma importante lição da vida pública, que outros também conhecem. O estadista é capaz de contrariar os interesses paroquiais, miúdos; o estadista foca suas prioridades nas grandes questões nacionais; propõe e enfrenta mudanças estruturais que sacodem a inércia e a pasmaceira da administração. Nunca é refém do imediato. Não teme enfrentar incompreensões momentâneas.
Os anos passam, as oportunidades escapam, o Brasil se arrasta. Que o exemplo do Círio de Nazaré, com a robustez de suas convicções mais profundas, possa um dia incendiar nossas consciências cívicas.

MARCIA PELTIER - Palavra de chinês


Palavra de chinês 
MARCIA PELTIER
JORNAL DO COMMÉRCIO - 10/10/11

Para confirmar que a Foxconn não desistiu de construir iPads da Apple no país, seu fundador e CEO Terry Gou tem audiência com a presidente Dilma nesta quinta-feira. Mas a principal pauta do encontro não será essa. O executivo vem averiguar as condições para a construção de uma fábrica de telas de led para tablets, iPhones e tevês, cuja planta ocupará uma área de 1,5km². Se a ideia for adiante, o Brasil se tornará o quinto país do mundo a produzir telas do gênero. Atualmente, apenas China, Índia, Coreia e Taiwan o fazem.

Aversão 

Pesquisa do site vagas.com mostra que a geração do currículo de papel ainda não aderiu às redes sociais como estratégia de busca por um novo emprego. O levantamento foi feito com base em um universo de 54.180 currículos cadastrados no portal. Apenas 8% dos profissionais da amostra, com idade entre 30 e 34 anos, contam com perfil no Facebook para consulta em um eventual processo de seleção. O site é controlado pela Vagas Tecnologia, que abastece os RHs de 1.500 empresas em todo o país e conta com 55 milhões de currículos cadastrados.

Até a ponta

Joss Stone, sucesso no Rock in Rio, só deixou o Brasil na tarde de quinta-feira. Voltou para a Inglaterra com novas tatuagens feitas pela carioca Andreya Tattooguin, que comanda um estúdio em Ipanema. Nos dedos indicador e médio da mão esquerda da cantora foram desenhados, respectivamente, o símbolo hippie da paz e um coração. O curioso é que as tatuagens foram feitas nas pontas dos dedos, sobre as digitais.

Tendência em roubos 

Andrea Ernest Dias está triste com a perda de seu flautim Philip Hamming, avaliado em 2,5 mil euros, em Recife, onde se apresentou em setembro. Andrea suspeita de roubo, pois soube de vários casos recentes, inclusive no Rio, de músicos que tiveram seus instrumentos afanados em casa e em quartos de hotéis. O pior é que as seguradoras nacionais se recusam a contratar apólices de instrumentos musicais.

Bonança 

A flautista acabou sendo compensada de seu infortúnio na China: é que sua apresentação recente no Concert Hall de Beijin, com a banda Pife Muderno, de Carlos Malta, foi uma consagração. Os chineses que lotaram o teatro, de crianças a idosos, se entusiasmaram com as versões de peças de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro e outras do repertório regional-urbano do grupo.

Aposta no telespectador 

A Estrela acaba de assinar contrato com o SBT para lançar o jogo do Um Milhão na Mesa. A empresa irá pegar carona no sucesso do programa comandado por Sílvio Santos, que estreou há duas semanas e já apresenta ótima audiência. O game show chegará às lojas perto do Natal, com previsão de vendas de 50 mil peças.

Arte feita à mão 

A Alpargatas está vendendo Havaianas entre R$ 270 e R$ 380. É que o grupo acaba de lançar sua versão luxo das sandálias com as rendeiras de bilro do Maranhão. O resultado é um trançado especial nas tiras, que também pode vir com aplique de pérolas ou cristais Swarovsky.

Telona e ‘junk food’

André Ramos e Bruno Chateaubriand, que há dez anos viajam anualmente para a Disney, levaram desta vez a mãe de André, Maria Isabel. Os três jantaram todos os dias no Dine-In Theatre dos Estúdios Disney, recentemente inaugurado. Lá é possível assistir a um bom filme e ser atendido por garçons super ágeis, que atendem ao chamado por campainha.

A considerar 

André até se empolgou com a atual onda imobiliária em Miami, onde é possível, segundo contou, comprar um bom apartamento de dois quartos por US$ 300 mil. Mais barato que muito apartamento na Zona Norte do Rio.

Livre Acesso

Ele chegou a iniciar três faculdades, economia, administração e direito. Mas foi com panelas, temperos, alimentos e muita criatividade que ele encontrou seu maior prazer. O chef Felipe Bronze, um dos novos talentos da gastronomia nacional, revela no programa Marcia Peltier Entrevista que seu primeiro contato com o universo da cozinha foi na empresa dos pais, quando tinha 15 anos de idade. A entrevista vai ao ar amanhã, às 23h, na rede CNT.

O médico Celso Barros, presidente da Unimed Rio, recebe hoje o prêmio de Médico do Ano da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio.

O Lide Rio faz almoço-debate, hoje, no Copacabana Palace, com o prefeito Eduardo Paes.

Recém-chegado de Mykonos, na Grécia, o DJ carioca Johnny Glövez levará o seu som para os EUA. Na mini turnê apresentações na Opera, a maior boate de Atlanta, e em outras casas de Boston.

O Far Up abre suas portas, hoje, para um bazar a partir do meio-dia em benefício da Casa dos Pobres de Nova Friburgo, que abriga pessoas idosas, doentes e carentes. Além de roupas, o bazar traz também livros acadêmicos, bijuterias, sapatos, bolsas e carteiras.

O agitador cultural Jorge Salomão faz, logo mais, noite dupla de autógrafos, de seus livros A estrada do pensamento e Conversa de mosquitos, no Cine Joia, em Copacabana, às 18h.

Monique Benoliel viaja esta segunda-feira para uma ronda gastronômica que inclui Israel, Itália e Barcelona. A banqueteira aproveita para tirar sua segunda lua-de-mel com o maridão, Fabio Lopes. Mas fará uma breve visita ao filho Pedro, que seguiu a profissão da mãe e faz um curso só de sobremesas na Espanha.

Com Marcia Bahia, Cristiane Rodrigues, Marcia Arbache e Gabriela Brito

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUES - Doutor Lula


Doutor Lula
RICARDO VÉLEZ RODRÍGUES
O Estado de S.Paulo - 10/10/11

Lula, como Brizola, é um grande comunicador. Mas, como Brizola também, é um grande populista.

A característica fundamental desse tipo de líder é, como escreve o professor Pierre-André Taguieff (A Ilusão Populista - Ensaio sobre as Demagogias da era Democrática, Paris, Flammarion, 2002), que se trata de um demagogo cínico. Demagogo - no sentido aristotélico do termo - porque chefia uma versão de democracia deformada, aquela em que as massas seguem o líder em razão de seu carisma, em que pese o fato de essa liderança conduzir o povo à sua destruição. O cinismo do líder populista já fica por conta da duplicidade que ele vive, entre uma promessa de esperança (e como Lula sabe fazer isso: "Os jovens devem ter esperança porque são o futuro da Nação", "o pré-sal é a salvação do brasileiro", e por aí vai), de um lado, e, de outro, a nua e crua realidade que ele ajudou a construir, ou melhor, a desconstruir, com a falência das instituições que garantiriam a esse povo chegar lá, à utopia prometida...

Lula acelerou o processo de desconstrução das instituições que balizam o Estado brasileiro. Desconstruiu acintosamente a representação, mediante a deslavada compra sistemática de votos, alegando ulteriormente que se tratava de mais uma prática de "caixa 2" exercida por todos os partidos (seguindo, nessa alegação, "parecer" do jurista Márcio Thomas Bastos) e proclamando, em alto e bom som, que o "mensalão nunca existiu". Sob a sua influência, acelerou-se o processo de subserviência do Judiciário aos ditames do Executivo (fator que nos ciclos autoritários da História republicana se acirrou, mas que sob o PT voltou a ter uma periclitante revivescência, haja vista a dificuldade que a Suprema Corte brasileira tem para julgar os responsáveis pelo mensalão ou a censura odiosa que pesa sobre importante jornal há mais de dois anos, para salvar um membro de conhecido clã favorável ao ex-mandatário petista).

Lula desconstruiu, de forma sistemática, a tradição de seriedade da diplomacia brasileira, aliando-se a tudo quanto é ditador e patife pelo mundo afora, com a finalidade de mostrar novidades nessa empreitada, brandindo a consigna de um "Brasil grande" que é independente dos odiados norte-americanos, mas, certamente, está nos causando mais prejuízos do que benefícios no complicado xadrez global: o País não conseguiu emplacar, com essa maluca diplomacia de palanque, nem a direção da Unesco, nem a presidência da Organização Mundial do Comércio (OMC), nem a entrada permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

Lula, com a desfaçatez em que é mestre, conseguiu derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo as torneiras do Orçamento da União para municípios governados por aliados que não fizeram o dever de casa, fenômeno que se repete no governo Dilma. De outro lado, isentou da vigilância dos órgãos competentes (Tribunal de Contas da União, notadamente) as organizações sindicais, que passaram a chafurdar nas águas do Orçamento sem fiscalização de ninguém. Esse mesmo "liberou geral" valeu também para os ditos "movimentos sociais" (MST e quejandos), que receberam luz verde para continuar pleiteando de forma truculenta mais recursos da Nação para suas finalidades políticas de clã. Os desmandos do seu governo foram, para o ex-líder sindical, invenções da imprensa marrom a serviço dos poderosos.

A política social do programa Bolsa-Família converteu-se numa faca de dois gumes, que, se bem distribuiu renda entre os mais pobres, levou à dependência do favor estatal milhões de brasileiros, que largaram os seus empregos para ganhar os benefícios concedidos sem contrapartida nem fiscalização. Enquanto ocorria isso, o Fisco, sob o consulado lulista, tornou-se mais rigoroso com os produtores de riqueza, os empresários. "Nunca antes na História deste país" se tributou tanto como sob os mandatos petistas, impedindo, assim, que a livre-iniciativa fizesse crescer o mercado de trabalho em bases firmes, não inflacionárias.

Isso sem falar nas trapalhadas educacionais, com universidades abertas do norte ao sul do País, sem provisão de mestres e sem contar com os recursos suficientes para funcionarem. Nem lembrar as inépcias do Inep, que frustraram milhões de jovens em concursos vestibulares que não funcionaram a contento. Nem trazer à tona as desgraças da saúde, com uma administração estupidamente centralizada em Brasília, que ignora o que se passa nos municípios onde os cidadãos morrem na fila do SUS.

Diante de tudo isso, e levando em consideração que o Brasil cresceu na última década menos que seus vizinhos latino-americanos, o título de doutor honoris causa concedido a Lula, recentemente, pela prestigiosa casa de estudos Sciences Po, em Paris, é ou uma boa piada ou fruto de tremenda ignorância do que se passa no nosso país. Os doutores franceses deveriam olhar para a nossa inflação crescente, para a corrupção desenfreada, fruto da era lulista, para o desmonte das instituições republicanas promovido pelo líder carismático e para as nuvens que, ameaçadoras, se desenham no horizonte de um agravamento da crise financeira mundial, que certamente nos encontrará com menos recursos do que outrora. Ao que tudo indica, os docentes da Sciences Po ficaram encantados com essa flor de "la pensée sauvage", o filho de dona Lindu que conseguiu fazer tamanho estrago sem perder a pose. Sempre o mito do "bon sauvage" a encantar os franceses!

O líder prestigiado pelo centro de estudos falou, no final do seu discurso, uma verdade: a homenagem ele entendia ter sido feita ao povo brasileiro - que paga agora, com acréscimos, a conta da festança demagógica de Lula e enfrenta com minguada esperança a luta de cada dia.

LUIZ FELIPE PONDÉ - A ética de Eva



A ética de Eva
LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 10/10/11

Temo que uma hora dessas inventem uma cota de feinhas para as faculdades, as empresas e a publicidade

Você acha que seria ético uma mulher usar da beleza pra conseguir o que quer na vida? E uma mulher usar seu belo corpo pra dar uma má notícia pro marido, como no comercial da lingerie Hope?

Esse comercial fala do poder feminino sobre o desejo do homem por ela e não sobre ela ser objeto indefeso do homem.

Aliás, desde o jardim do Éden. Apesar de Deus ter dito a Adão "não pode comer a maçã!", Adão não resistiu a Eva: "Come meu amor, come!". E Adão caiu de boca. O velho poder feminino.

Você pode ser uma daquelas pessoas que não entendem nada de mulher e dizer "isso é um absurdo!", mas o fato é que usar a beleza como instrumento de vida é um dado natural da experiência humana, e não necessariamente um ato canalha ou de submissão.

A beleza é como a cerveja: um "gesto" do corpo entre a devassidão e a moderação.

Antes de tudo, a palavra "ética" é hoje tão banal quanto "energia". Todo mundo tem um entendimento "pessoal" do que seria ética. Quando você escutar alguém começar com "a questão da ética", fuja. Só vem blá-blá-blá.

Na filosofia, não há consenso sobre o que é ético. Para alguns britânicos, como Hume, Oakeshott ou os darwinistas, a ética é uma disciplina que estuda hábitos de pensamento, de afeto e de comportamento, estabilizados numa comunidade (num sentido mais restrito) ou na humanidade (no sentido mais amplo), que se revelam hegemônicos e bem-sucedidos em garantir uma certa ordem e um certo sucesso no convívio comum ao longo do tempo.

Estamos aqui a anos-luz de distância da mania de "perfeição ética" de gente como Kant ou Singer (o cara que acha que bicho é gente).

Analisemos a ideia de mulheres (caso mais comum) usarem da beleza física pra conseguir coisas na vida, à luz dessa ética do hábito.

Devemos separar o uso abusivo da beleza do uso ético da mesma.

Uma mulher bonita X se veste com uma saia curta para uma entrevista, entra numa sala com outras pessoas e se senta de pernas abertas. Isso é abusivo. Uma mulher bonita Y se veste com uma saia menos curta do que a mulher X, mas que ainda assim revela, escondendo, sua beleza, entra numa sala com outras pessoas e se senta de modo discreto. Isso é ético.

Neste nosso "experimento", a mulher Y age de modo ético. Espera-se que mulheres bonitas revelem sua beleza (o mundo respira melhor onde há mulheres bonitas e a beleza é um gradiente, não um "ponto isolado no espaço"), mas essa revelação é pautada pela expectativa de que ela não esfregue sua beleza na cara de pessoas estranhas; na cara do marido, ela pode esfregá-la.

A ética aqui é antes de tudo o bom senso de que quem tem beleza pra revelar pode ser discreta; por extensão, quem tem beleza pra revelar e não é discreta é porque é "feia" por dentro.

A sutil relação entre ser bela e ser discreta compõe o campo dos hábitos morais desejáveis nas mulheres bonitas. Pode usar a beleza, mas com moderação, assim como o álcool.

O caso dos homens é um pouco diferente, não porque neles a beleza não conte, mas porque as mulheres erotizam facilmente o intelecto masculino, enquanto os homens dificilmente erotizam a inteligência feminina. Pouco adianta as meninas ficarem bravas com isso.

Se o entrevistador for um homem, provavelmente ele levará primeiro em conta a beleza das duas em detrimento das mais feinhas. Mas a vulgar sempre poderá perder a vaga no caso de o entrevistador ser também ele alguém de bom senso.

Todo mundo prefere gente bonita à sua volta. O ambiente de trabalho fica muito melhor quando tem mulher bonita, cheirosa e bem vestida por perto.

Mas isso não deve ser o critério último da decisão. Entre duas capazes, uma bonita e outra mais feinha, entretanto, a bonita leva.

Claro que a raiva contra argumentos como esse nasce dos chatinhos.

É a falta do "recurso" contingente (a beleza até hoje é em grande parte obra do acaso, ainda que cada vez mais passe a ser, em parte, obra da grana) que causa o rancor. Temo que uma hora dessas inventem uma cota de feinhas para as faculdades, as empresas e a publicidade.

Ou que proíbam as mulheres de ficarem de calcinha em casa.

MÔNICA BERGAMO - LINHA PARALELA


LINHA PARALELA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 10/10/11

Dezesseis famílias de vítimas do acidente do voo 447 da Air France que não aderiram ao Programa de Indenizações, mediado pelo Ministério Público e Procon, esperam finalizar negociações diretas com a seguradora Axa nos próximos dias. Pedem 800 salários mínimos para cada familiar.

PARALELA 2
Pelo acordo, uma família com pai, mãe e quatro irmãos, por exemplo, pode receber 4.800 salários. O programa oficial, que foi encerrado na semana passada, destinou 500 salários para toda a família, independentemente do número de integrantes de cada uma delas.

LEI SECA Será sancionada no próximo dia 19, pelo governador Geraldo Alckmin, a lei antiálcool em SP. A fiscalização começa na mesma data, mas só em 30 dias passam a ser aplicadas punições como multa e fechamento do estabelecimento.

LEI SECA 2
Até agora, donos de bares, restaurantes, lojas e baladas não seriam responsabilizados se vendessem bebida a um adulto que a repassasse a um menor. A partir de novembro, também responderão por isso. A nova legislação obriga o comerciante a pedir documento de identificação para realizar a venda ou permitir o consumo.

SUL MARAVILHA
A Azul pediu autorização à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para operar voos de Campinas (SP) a Londrina (PR). A empresa já tem linhas para Curitiba, Maringá e Foz do Iguaçu.

NO MEIO
Gilberto Kassab afirma que o perfil de Henrique Meirelles se encaixa perfeitamente no de seu partido. Como o PSD, o banqueiro "não é de esquerda nem de direita". É "central", segundo diz o prefeito, em tom de brincadeira, a interlocutores. Meirelles foi presidente do Banco Central.

ENCONTRO EXECUTIVO
Gilberto Gil fez pocket show no coquetel do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), cujo conselho Denise Aguiar preside. Beatriz Johannpeter, do grupo Gerdau, e Regina Helena Scripilliti Velloso, do Instituto Votorantim, foram ao evento, na Pinacoteca.

TEVÊ NA PISTA
A atriz Natália Klein foi à festa Mixtape #3, do Multishow. A apresentadora do canal Erika Mader circulou pelo evento, no Beco 203, na rua Augusta. A banda Warpaint fez show e o DJ Sany Pitbull animou a balada.

'O MEU VINHO VOU TOMAR'
Chico Buarque é capa da edição de cinco anos da "Rolling Stone" brasileira, que chega às bancas amanhã.
Na entrevista, o cantor afirma que "não me interessa repetir o que está nos jornais nem dar entrevista falando mal do governo. Eu gostava de falar mal do governo quando os jornais não o faziam". E completa: "Não vou a Brasília, não vou ao palácio, não tenho atração alguma pelo poder".
O compositor também diz que acha chata "essa fiscalização moralista da vida dos outros. Vou deixar de ir à praia, mas outras coisas não vou deixar de fazer. O meu vinho vou tomar, o meu cigarro vou fumar".
Sobre o assédio, fala: "É difícil ser o Chico quando as pessoas pensam que você é o Chico. Você não anda pela rua e pensa: 'Ah, eu sou o Chico Buarque'. Isso não passa pela cabeça do artista".

PONTE
Ligado a Kassab, o vice-governador Guilherme Afif almoçou há alguns dias com Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo. A diretoria do clube se afastou do prefeito, que é são-paulino, depois que ele apoiou a construção do estádio do Itaquerão.

BAIXA
A jornalista Mônica Waldvogel está pedindo desligamento do conselho da Apaa (Associação Paulista dos Amigos da Arte), que tem convênio com o governo estadual para gerir os teatros Sérgio Cardoso e São Pedro e a Orquestra Jazz Sinfônica, entre outras instituições. Integrantes do colegiado têm reclamado de falta de transparência e autoritarismo do comando do conselho. Waldvogel não se pronuncia.

PRODUTO NACIONAL
Supla e João Suplicy (Brothers of Brazil) gravam hoje no Maida Vale da BBC.

BAGAGEM
Caio Luiz de Carvalho, presidente da SP Turis, participa nesta semana de dois eventos internacionais sobre economia criativa. Amanhã, debaterá "crescimento e ambiente cultural" em fórum da Unesco em Paris.
Depois, integrará uma das mesas do Simpósio de Economia Criativa, em Lisboa.

SÓ À DISTÂNCIA
O iate Azimut 64, de R$ 7 milhões, deve desfalcar o São Paulo Boat Show, feira náutica que começa na quinta e para a qual já havia sido anunciado. A Yachtbrasil, distribuidora do modelo, não conseguiu viabilizar, no prazo exigido pelos organizadores, o transporte terrestre do barco até a capital. Diz que exibirá imagens do iate na mostra. E pretende levar clientes que se interessarem para fazer visita interna à embarcação no Guarujá.

CURTO-CIRCUITO

Jon Anderson , ex-vocalista do Yes, se apresenta em SP no dia 13 de dezembro, no Credicard Hall. 14 anos.

A revista "Olhares", editada pela atriz Lígia Cortez e pela Escola Superior de Artes Célia Helena, será lançada hoje, às 19h, na Livraria da Vila dos Jardins.

Um casal de terapeutas indianos foi importado pelo spa Cidade Jardim para massagens ayurvédicas.

Arnaldo Antunes e Zaba Moreau autografam na quarta, das 11h às 14h, o livro "Animais", na loja Amoreira, em Pinheiros.

A companhia Inbal Pinto e Avshalom Pollak Dance apresenta "Oyster" nos dias 22 e 23, no Sesc Vila Mariana. 12 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

MARCO ANTONIO ROCHA - Pouquíssima esperança de solução indolor



Pouquíssima esperança de solução indolor
MARCO ANTONIO ROCHA
O Estado de S.Paulo - 10/10/11

Pode ser esta a hora de relembrar aos luminares dos governos europeus a máxima de Dante Alighieri: "Deixai toda esperança vós que entrais" - nesta confusão infernal que é a crise das dívidas impagáveis de vários governos com muitos bancos, empresas, fundos de investimentos, sindicatos e pessoas físicas. A esperança de encontrar uma solução satisfatória para todas as partes, sem turbulência social, se distancia a cada vez que se olham as notícias.

Na crise financeira de 2008, nos Estados Unidos, o problema era diferente e, em grande parte, era de âmbito privado. Milhões de pessoas haviam tomado empréstimos bancários além das suas posses e da sua capacidade de pagamento, com base nas estimativas de uma economia em crescimento. Os bancos, por sua vez, com seus cofres abarrotados pelo excesso de liquidez, decorrente em grande parte dos enormes gastos do governo americano - cujos déficits fiscais insanáveis assombram todos os financistas do mundo há muitos anos -, virtualmente empurravam o que podiam de crédito para os seus clientes, olhando com muita displicência a qualificação financeira do tomador e suas garantias. Esse foi o estado da arte durante anos, principalmente no crédito imobiliário.

Para facilitar esse processo, que La Fontaine (ou Esopo) diria regido pelo espírito da cigarra, da famosa fábula, um poderoso mercado de securitização de recebíveis se encarregava de comprar dos bancos e repassar ad infinitum os títulos de crédito. Todo mundo que nunca pôde comprar casa própria nos Estados Unidos porque nunca pudera apresentar condições satisfatórias para obter financiamentos aproveitou a bonança para "realizar o sonho", como reza a propaganda de imobiliárias e construtoras no mundo inteiro.

Quando as perspectivas da economia, do emprego e da melhoria de renda começaram a se inverter, passando do verde para o vermelho, a montanha de promissórias vincendas - já então apelidadas de subprime - começaram a valer menos do que notas de US$ 3 e os empréstimos não resgatáveis, a pesar negativamente nos balanços dos bancos. O governo de Obama teve de injetar vultosos recursos nos bancos para restaurar um mínimo de equilíbrio financeiro entre ativos perdidos e passivos incorporados.

Qual a diferença na Europa?

É que, nos bancos europeus, a maioria dos ativos perdidos ou em linha de perda é de títulos soberanos, isto é, emitidos por governos para captar recursos a fim de cobrir suas insuficiências fiscais e dívidas excessivas com fornecedores ou funcionários ou empreiteiras. Esses títulos soberanos têm seu valor de mercado ditado pela confiança que o governo emitente inspira, decorrente, por sua vez, da sua capacidade de pagamento dentro do prazo médio dos títulos. Qualquer desconfiança em relação a essa capacidade de pagamento derruba o valor dos títulos, o balanço dos bancos detentores desses títulos se deteriora e cai a possibilidade do banco de fazer novos empréstimos, o que afeta a atividade econômica de empresas e pessoas físicas.

Então, é lógico que os governos emitentes dos títulos - Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Irlanda, seja qual for - têm de honrá-los, o que significa na prática recomprá-los dos bancos e, assim, renovar a confiabilidade dos papéis e a confiança do público nos bancos que os detêm. Só que esses governos não têm o dinheiro para isso e não estão em situação de fazer novas dívidas. A saída é os outros governos, que têm dinheiro, virem em socorro, emprestando aos governos encalacrados. Mas esses empréstimos, por sua vez, terão de ser honrados também, no futuro. Por isso, os governos emprestadores ou o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Central Europeu, qualquer entidade, enfim, só emprestam se tiverem a garantia de que o governo devedor tomará todas as medidas para garantir superávit nas suas contas fiscais que sirva para ir pagando o empréstimo. Em suma, os governos encalacrados precisam cortar seus gastos e aumentar impostos para ter "lucro" suficiente para ir pagando a nova dívida, contraída para honrar as dívidas anteriores.

Assim, por exemplo, o governo da Alemanha empresta dinheiro para o da Grécia, que resgata seus títulos soberanos em poder dos bancos, que, livres do "rombo", podem retomar negócios normais com sua clientela. O governo da Grécia fica, então, devendo para o da Alemanha, e, para pagar essa dívida, tem de apresentar um plano de superávits fiscais por vários anos.

Só que, do mesmo modo que uma empresa em dificuldades, ao apertar o cinto, reduz investimentos, diminui salários, despede funcionários e cria um impacto social, o impacto que os governos criam é muito maior e alcança toda a economia do país.

A presidente Dilma disse na Europa que os governos precisam fazer ajustes fiscais, mas não com caráter recessivo. Receita correta, perfeita, óbvia, mas, dependendo do tamanho do ajuste fiscal, inútil. Revela ao mesmo tempo o nó central do problema europeu e a pouquíssima esperança de que seja resolvido sem grandes turbulências do ponto de vista social e político, como, aliás, já se percebe.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Começa a decolar a integração de TAM e Lan
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SP - 10/10/11

Maurício Rolim Amaro, da família controladora da TAM, será o presidente do conselho de administração da Latam, formada pela companhia de aviação brasileira e a chilena Lan.
A irmã, Maria Claudia Amaro, fica presidente do Conselho da TAM, Enrique Cueto, CEO da Lan, será o CEO da nova companhia, enquanto Ignacio Cueto, mantém-se presidente e responsável pela área operacional da Lan.
Os quatro irmãos estiveram reunidos em SP, na quinta-feira passada, quando reafirmaram compromissos para a união e retomaram passos para a integração de TAM e Lan.
"Estamos satisfeitos com a aprovação do Tribunal de Defesa da Livre Concorrência (TDLC) do Chile, mas conjuntamente contestamos na Suprema Corte uma restrição", diz Maurício Rolim Amaro.
"A maioria das medidas afeta a operação no Chile e em nada a TAM. A Lan contesta todas."
Entre as 11 condições impostas está a renúncia de quatro frequências da LAN para Lima (Peru) e de alguns direitos de pouso e decolagem.
"Nossa queixa conjunta é específica quanto à necessidade de a Latam submeter ao tribunal o compartilhamento de voos com empresas que não sejam da mesma aliança", diz.
As empresas sabiam que teriam de optar por uma associação: a Star Alliance, chefiada pela Lufthansa e pela United, à qual a TAM está ligada, ou a One World, liderada por British Airways, Iberia e American Airlines, e que tem a Lan entre seus associados. Mas, diz Amaro, ainda não se decidiram.
"Não consideramos o tribunal um órgão operacional com condição de agir com rapidez. A Fiscalía chilena [autoridade antitruste], sim, tem experiência e capacidade de decisão."
O TDLC aprovou a fusão em 21 de setembro deste ano. A criação da Latam, anunciada em 13 de agosto de 2010, começou um mês depois. Foi, porém, interrompida em janeiro, quando o órgão de defesa do consumidor pediu ao TDLC uma análise do impacto da Latam.
"Esperamos que a Suprema Corte se pronuncie até janeiro e fazer a oferta pública em março." Nessa ocasião, a TAM, que é listada nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York, fechará seu capital.

SINERGIAS
TAM e LAN calculam em US$ 400 milhões as sinergias com a união, sem contar ganhos com o Programa Multiplus, de milhagens, diz Amaro. As medidas mitigatórias impostas representarão perda de US$ 10 milhões, segundo a companhia.
A sede da Latam será no Chile, de acordo com Amaro.
Serão criados comitês para compartilhar a gestão. Os principais serão o operacional e o de carga, com gestão compartilhada com representantes das duas empresas.
No Brasil, a fusão teve parecer favorável da Secretaria de Acompanhamento Econômico e aguarda avaliação do Cade. "Estamos confiantes na aprovação do Cade ainda neste ano."
As sinergias são muito grandes, com pouca sobreposição, acrescenta ele.
A Lan voa mais para costa oeste dos EUA e Ásia, e a TAM, mais para Europa e costa leste dos EUA.
"Detectamos oportunidades em 19 novas rotas."
As duas companhias continuarão com operações independentes.
Pintar o novo nome nos aviões custa caro, afirma o empresário.
"União total, só no longo prazo."

RAIO-X

Sedentarismo e aumento da circunferência abdominal são os principais fatores de risco identificados em executivos, com 64% e 55%, respectivamente, de acordo com estudo da Bradesco Saúde.
A pesquisa apontou que sobrepeso e obesidade vêm em seguida. O tabagismo é um vício da minoria, atinge 8%.
Além disso, 15% dos executivos descobriram que tinham diabetes quando realizavam os exames de rotina.
O estudo apontou ainda que 7,2% deles correm risco de desenvolver uma doença cardiovascular nos próximos dez anos. Para realizar a pesquisa, foram analisados exames de 6.000 executivos.

Agências já venderam 700 pacotes para Jogos de Londres
Cerca de 40% dos pacotes de viagem para a Olimpíada de Londres, em 2012, já foram vendidos, segundo as agências brasileiras autorizadas. Até agora foram fechados 700 pacotes, de acordo com a Tamoyo, revendedora de ingressos que escolheu quatro agências para a realização das vendas. Foram autorizadas Agaxtur, Ambiental, TAM Viagens e Top Service.
Em 2008, para os Jogos Olímpicos de Pequim, cerca de 1.000 brasileiros compraram pacotes de viagem.
Ao fechar contrato, o consumidor pode decidir a modalidade que assistirá.
"Ginástica olímpica e vôlei de quadra e de praia são os mais procurados", afirma o presidente da Agaxtur, Aldo Leone Filho.
A expectativa da Tamoyo é que também sejam vendidos 50 mil ingressos para brasileiros pela internet. Até o momento, foram comercializadas cerca de 15 mil entradas, de acordo com a companhia.
Em 2008, os brasileiros compraram 18 mil ingressos.
"Os brasileiros têm mais locais para hospedagem, como casas de amigos, em Londres do que em Pequim ", afirma Antonio Carlos Valente, sócio da Tamoyo.

Aviação Uma exposição sobre o fundador da Embraer, Ozires Silva, será aberta hoje na Fiesp e segue até sexta-feira, dia 14. São 22 painéis que mostram a vida e a trajetória profissional do engenheiro e oficial da Aeronáutica, que também passou pelo governo federal e pela presidência da Petrobras. A mostra segue para outras capitais do país após o dia 15.

Negócios... No próximo fim de semana, 21 empresas brasileiras participarão de uma rodada de negócios com 44 executivos americanos durante a corrida de Fórmula Indy, em Las Vegas.

...no autódromo A estimativa da Apex-Brasil, organizadora do encontro, é que US$ 65,3 milhões sejam gerados em negócios.

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ

JOSÉ DE SOUZA MARTINS - Porões da Pauliceia


Porões da Pauliceia
JOSÉ DE SOUZA MARTINS 
O Estado de S.Paulo - 10/10/11

Eles se difundiram quando a São Paulo colonial que sobrevivia no fim do Império começou a despregar-se de seu chão antigo e a cidade começou a perder o cheiro de terra dos dias de chuva. A arquitetura de cópia vinha ocupar o lugar das casas de taipa, de paredes barreadas com a alvura da tabatinga recolhida nos brejos do Tamanduateí.

Surgiram as casas de tijolo e de porão, de eira, beira e tribeira para que o passante soubesse quem era quem, gente de meia pataca ou gente de contos de réis. Tempos novos dominados pela mentalidade velha do tradicionalismo, dos que queriam mudar para permanecer, prudência de mamelucos que sabiam muito bem qual era a diferença entre ser e parecer. Quem vê cara não vê coração, diziam os mais velhos. Isso é para inglês ver, diziam os mais novos e céticos.

Os porões das novas casas do fim do Império e início da República não eram todos iguais. Havia porões para moradia dos ínfimos e na Rua Florêncio de Abreu ainda restam casas de porões que foram senzalas ou que abrigaram os serviçais que eram brancos por fora e negros pelo ofício. Gente que servia os que moravam nos cômodos de cima.

Os novos ricaços, que colhiam o ouro verde em pés de café, no tempo em que o dinheiro dava em árvore, apenas começavam a edificar os palacetes portentosos dos Campos Elísios e da Avenida Paulista. Já os que não tinham tanto dinheiro, mas tinham nome, os que ficaram na periferia da nova riqueza, zelavam pela pose e mantinham a aparência, apesar do declínio sabido e comentado.

Nas casas geminadas da Rua Helvetia ou da Rua Maria Antonia, os porões tinham sua função: abrigavam inquilinos que agregavam preciosos mil-réis ao haver das contas domésticas, quase sempre beirando o vermelho da coluna do deve. Não faz muito mais do que meio século e os passantes ainda podiam sentir o bafio que saía das janelinhas rentes à calçada, vindo dos porões habitados. Cheiro de humanidade, diziam. Na parte de cima morava quem podia e, na parte de baixo, quem precisava.

No refúgio dos porões, vidas foram salvas nos dias sangrentos da Revolução de 1924.

Num desses porões da Rua Maria Antonia, de casas geminadas, do lado de quem ia da Rua da Consolação para a Faculdade de Filosofia, instalou-se o Archimede, italiano, com a mulher como cozinheira, gorda e atarefada. Moravam nos cômodos de cima. Ele cuidava das mesas. Montou um restaurante nas saletas apertadas. Não havia mesas individuais. Quem chegava ia sentando onde houvesse lugar. E lá vinha ele perguntar:

- Zupa? Pasta?

A Zupa era sempre a mesma. A pasta era o melhor espaguete à bolonhesa de São Paulo e a melhor autoridade nisso era a fome dos estudantes da Filosofia. Depois do primo prato vinha o bife à milanesa. E o copo de vinho ruim, que para o italiano Archimede era alimentação, como na tradição de sua terra. Quem não pode, finge.

RAUL VELLOSO - Casa sem poupança...


Casa sem poupança...
RAUL VELLOSO
O GLOBO - 10/10/11

Demanda de consumo não é problema no Brasil. Sem subprimes (empréstimos "bichados"), os gastos públicos correntes e o crédito crescem aceleradamente, enquanto a procura por commodities, afora crises agudas, vai bem, obrigado. Lá fora, os subprimes ainda abundam, falta demanda, e os países mais desenvolvidos cobiçam a nossa.

Nosso problema é outro: oferta inadequada. Quando o crescimento da demanda bate no setor de maior peso no PIB, o de bens e serviços não comercializáveis com o exterior, a resposta desse setor, que tem grande participação do setor público, é ruim, produzindo elevações de preços, e, daí, inflação acima da meta. Trata-se dos serviços em geral, especialmente de infraestrutura, construção civil etc., e alguns ramos da indústria cuja importação é inviável pelo alto custo do frete ou por proibição imposta pelo governo. Neste último caso, o exemplo mais notório era a lei de informática, quando existia. Finalmente, a taxa Selic sobe, abortando o crescimento da demanda e do PIB. Assim, como o governo prioriza o lado da demanda, a oferta fica às moscas...

A fraca resposta da oferta interna de não comercializáveis se deve, primeiro, ao simples fato de que, por definição, não há como suplementá-la com importações, ou seja, só com investimentos se aumenta a oferta. Além disso, como o peso do governo é muito grande, especialmente na infraestrutura de transportes, e como é o mesmo setor público que vem expandindo fortemente outro tipo de gasto, o corrente, há um conflito em princípio sem solução. Poupa-se (e se investe mais) ou se faz mais gasto corrente (e lá se vai a infraestrutura...).

O problema é mais complicado, porque: (1) com o tempo, o setor público brasileiro passou de doador a sugador de recursos do setor privado, já que a queda de poupança tem sido maior que a queda do investimento, inclusive pela incidência de juros sobre a dívida que se foi acumulando; (2) como a dívida subiu muito, o governo, ao manter o pé no acelerador dos gastos correntes, passou a conter ainda mais os investimentos e aumentar a carga tributária, para controlá-la. Ao lado, o aumento dos impostos teve o efeito colateral nocivo de pressionar a poupança privada para baixo. (3) Por mais que se negue, há, ainda, um claro viés antissetor privado, especialmente em infraestrutura. É só lembrar que, até hoje, a União não aprovou sequer um caso de parceria público-privada e as enormes dificuldades para colocar em pé uma primeira concessão relevante de aeroporto.

Seja porque o setor público investe menos, seja porque virou sugador de recursos, seja porque não morre de amores por investimento privado em infraestrutura, e porque ele controla a dívida via corte de investimentos e aumento de tributos, a ação do governo está na raiz da falta de crescimento sustentável. A poupança externa não poderia substituir parte da poupança faltante? Sim, e, numa certa medida, isso ocorre, especialmente num mundo com abundância de financiamento externo, mas se dá a um custo elevado para o terceiro segmento que completa a configuração setorial da economia do país, a indústria de transformação.

Ao subirem os preços de não comercializáveis com o exterior relativamente aos da indústria de transformação (cujos preços em dólares são determinados fora do país, e, pela "invasão chinesa", têm estado em queda nos últimos anos), mão de obra e recursos são atraídos para os primeiros, reduz-se a produção da indústria e aumentam-se suas importações, gerando déficits externos adicionais. É como se a indústria assumisse o papel de importador "estratégico", a fim de liberar recursos aos que não têm como importar. Alguns chamam isso de desindustrialização. Na verdade, é mera reação do sistema de mercado aos estímulos existentes. Para evitá-la (e também evitar a subida dos juros), cabe contestar não o efeito, mas sim a origem do problema, ou seja, o modelo dos gastos correntes.

Adianta entrar mais poupança externa diretamente no setor problemático para expandir seus investimentos? O problema é que a poupança de fora só se materializa na expansão da produção interna de qualquer setor, se houver aumento de valor equivalente do déficit externo da indústria, agravando seu encolhimento. (O peso da indústria de transformação no PIB já é metade do que era nos anos 80.) Se não, o Banco Central compra os dólares e os aplica lá fora. Nesse caso, como a União não tem poupança (que se tornou inclusive negativa em 2009), o governo emite títulos e paga um diferencial de juros exorbitante, que uma hora vai bater perigosamente na dívida.

No momento, mesmo havendo queda aguda na demanda externa nesta segunda rodada da crise, as taxas de juros só podem cair de forma expressiva e sustentada se, da mesma forma, o modelo dos gastos correntes mudar. Caso contrário, o desequilíbrio entre demanda e oferta de não comercializáveis volta rapidamente a aparecer, e o BC, mantida a política de metas de inflação, voltará a subir a Selic, frustrando a todos.

RAUL VELLOSO é economista.

RENATA LO PRETE - PAINEL


Quem dá mais?
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 10/10/11

Donos de quase um terço do tempo de TV, quatro partidos integrados à base de Dilma Rousseff (PT), mas aliados a Geraldo Alckmin (PSDB) no Estado e a Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura, abriram leilão de apoio para a eleição paulistana. PR, PP, PSB e PDT, que se queixam, por razões distintas, do desdém da presidente e da opressão peemedebista no plano federal, ouvem ofertas em São Paulo interessados em maior participação nas máquinas e na perspectiva de ampliar a bancada de vereadores. O martelo começa a ser batido nas reformas dos secretariados de Alckmin e Kassab, esperadas para a virada do ano.

Assopra Ciente da importância de engordar o tempo de televisão do PT, em especial se o candidato for Fernando Haddad, e da dificuldade de atrair o PMDB, avançado na promoção de Gabriel Chalita, Lula mira o PR. Enquanto Dilma maltrata a sigla, o ex-presidente corteja Valdemar Costa Neto.

Na tela Em inserções no ar a partir desta segunda-feira em São Paulo, o PC do B-SP dedicará 80% do tempo ao vereador Netinho de Paula, que tenta marcar posição como candidato a prefeito enquanto a sigla é assediada por Lula. Nos programas nacionais aparecerão também Manuela D'Ávila (RS) e Perpétua Almeida (AC).

Paradoxo O viés de alta de Gilberto Kassab no microcosmo dos políticos não se reflete, hoje, em sua avaliação como prefeito. Quem examinou uma pesquisa recente afirma: nesse aspecto, o criador do PSD está no sal.

Fase dois Aliados do prefeito, porém, recomendam cautela nos prognósticos eleitorais. Apostam que, com a mesma disciplina empregada para viabilizar o novo partido, ele implementará na cidade um cronograma de investimentos capaz de recuperar sua popularidade e colocar seu candidato no segundo turno.

Canga Depois da normatização das prévias para prefeito, o PSDB-SP discute uma resolução contra a infidelidade em 2012. Pela regra em estudo, todo filiado que tiver cargos na estrutura municipal, estadual ou nacional do partido e fizer campanha para adversários será submetido à Comissão de Ética.

Compulsório A abertura de uma CPI para investigar o escândalo das emendas preocupa o Palácio dos Bandeirantes, pois a comissão teria prerrogativa de convocar seis secretários e ex-secretários citados por Roque Barbiere (PTB). No Conselho de Ética da Assembleia, eles podem ser apenas convidados. Faltam à oposição quatro assinaturas para criar a CPI.

Te conheço O procurador da República Gustavo Pessanha Velloso, que vai analisar se abre investigação criminal sobre os negócios de Antonio Palocci, também atuou na primeira fase da apuração do episídio do caseiro Francenildo Costa, até o caso subir para o procurador-geral da República.

Com lupa O Banco Central monitora as cifras envolvidas na venda de Neymar ao Real Madrid. É que o Santos foi multado anteriormente por omitir transações em dólares. A instituição já autuou 22 clubes, somando US$ 49 milhões em punições, segundo estudo do sindicato dos funcionários do BC.

Queima de estoque O Ministério da Justiça assina amanhã com o CNJ acordo para destruir armas em fóruns. Estima-se que há 700 mil estocadas nos prédios do Judiciário em todo o país.

tiroteio

"O presidente do BC está parecendo animador de plateia. A economia brasileira depende de fatores internos e externos imprevisíveis. Não é prudente trabalhar com bola de cristal."
DE JOSÉ AGRIPINO, PRESIDENTE DO DEM, sobre Alexandre Tombini afirmar em entrevista à Folha que a inflação cairá, mesmo com piora no cenário externo.

contraponto

Pouco a festejar


O evento realizado para marcar um ano da aprovação da Lei da Ficha Limpa teve a presença da brasiliense Leiliane Rebouças -aquela que se fantasiou de "diaba" e mandou os deputados "para o inferno", no Salão Verde da Câmara, no dia seguinte à absolvição de Jaqueline Roriz. Ela compareceu ao lado do filho, Fernando.
Encerrada a longa sequência de discursos dos congressistas, o garoto, de quatro anos, perguntou: -Mas mãe, qual desses aí é o tal do "Ficha Limpa", que faz aniversário hoje?

com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI