segunda-feira, setembro 26, 2011

WALCYR CARRASCO - Despedida



Despedida
WALCYR CARRASCO
REVISTA VEJA - SP

Tudo começou em abril de 1992, uma época dificílima da minha vida, há quase vinte anos. Sem emprego fixo, eu batalhava arduamente para pagar o aluguel, botar comida na mesa, enfim... Vivia de reportagens e artigos avulsos para várias revistas — os famosos “frilas”, no jargão jornalístico. Eu ainda apostava na minha carreira como escritor. Não estava na televisão. Mas uma ou outra peça de teatro de minha autoria, quando era montada, ajudava a desafogar as finanças. Até que um dia recebi um telefonema do Carlos Maranhão, hoje diretor editorial de VEJA Cidades.
— Nós vamos publicar crônicas na última página. Você está interessado em escrever?
— Claro! — respondi alegremente.
Detalhe: eu nunca havia escrito uma crônica. Desliguei o telefone e corri para a livraria. Buscar livros de crônicas, é claro! Durante alguns dias, mergulhei nos livros, tentando entender, sentir, captar o que é crônica, um gênero fluido, sobre cuja definição os autores divergem. A crônica é quase um artigo, mas não é, na medida em que se usa o “eu”. Ou seja, admite o uso da experiência pessoal, da vida e dos sentimentos de quem escreve. É quase um conto, mas também não é, porque não deriva apenas da imaginação do autor, mas de sua observação da realidade.

Sentei-me para escrever a primeira. Oh, meu Deus, num computador movido a lenha, como eram todos na época! O Maranhão ligou:
— Você fez um artigo, não uma crônica.
— Posso tentar de novo?
Eu precisava conseguir! Seria um pagamento fixo, um mínimo fundamental para as minhas finanças! Seis vezes escrevi, seis ele recusou. Mas eu insisti. Até que finalmente...
— Está boa. Na semana que vem mande a próxima.
E assim estreei nestas páginas! E paguei o aluguel! Achava que a segunda seria mais difícil. Não foi. O que começou como desespero de causa financeira tornou-se uma tarefa agradável. Nunca falhei. Os fatos da minha vida alimentaram meus textos. Certa vez estive hospitalizado. Escrevi sobre a internação! Falei sobre temas que me fascinam, como culinária, tradições, internet... Quando meu cachorro Uno ficou doente e mais tarde faleceu, abri meu coração. Minhas palavras eram lágrimas. Recebi tantos e-mails, compartilhando da minha dor!
Sempre fiz questão de dizer a verdade. Meus pais não estão mais aqui. Nas datas comemorativas, nunca fingi que estivessem vivos. Confesso: uma das maiores lutas da minha vida é contra o peso e a barriga. As lutas travadas para fechar as camisas sem que o umbigo ficasse de fora foram inúmeras. E, atualmente, só preciso perder alguns centímetros para os paletós voltarem a servir. Todas essas batalhas eu contei. Assim como meus problemas de consumidor, amizades reencontradas, loucuras da moda. E talvez por isso meu contato com vocês, leitores, tenha sido sempre tão íntimo. De certa maneira, vocês se reconheceram nas minhas dores, alegrias e pequenas indignações do dia a dia! Durante todos esses anos nós rimos e nos emocionamos juntos
Mas agora a minha vida segue novos caminhos. E, por vontade própria, vou deixar esta página. Dói, confesso. Tenho a sensação de me despedir de milhares de amigos, todos vocês que me acompanharam nesses anos. Esta é a minha última crônica, aqui, na Vejinha. Só de saber que eu ia escrevê-la, fiquei um dia doente, de cama. E, agora, sinto o coração apertado. Eu queria poder dar um abraço em cada um de vocês. Fica o abraço, como está em moda hoje em dia, virtual. Para sempre, eu os considero meus amigos, meus leitores!

FERNANDA TORRES - Ponto de cruz


Ponto de cruz
FERNANDA TORRES
REVISTA VEJA - RIO

A televisão é um incrível monstro engolidor de capítulos.

Mesmo quando se estreia com alguma frente, uma vez no ar, dias inteiros de serviço se esvaem em instantes. Só o nível industrial de programação garante o passaporte para a rotina do público. O resto é esquecimento.

Para atingir o poder de penetração de uma novela das 9, são servidos 3 600 segundos de dramaturgia na hora da janta, diariamente. É um feito tão impressionante quanto bater o recorde da colheita de soja. Os trinta minutos de exibição do seriado Tapas e Beijos, todas as terças-feiras, requerem uma jornada de dez horas durante quatro dias da semana. Isso sem contar a redação, a preparação, a montagem, a finalização e os efeitos.

Como todo operário de linha de produção em série, os profissionais de TV se ressentem do esforço da repetição. Dores localizadas, mau humor e cansaço são alguns dos sintomas aparentes. Desesperar-se é a pior escolha, para si mesmo e para os que terão de aguentá-lo em volta.
Deve-se manter a leveza. Pensar em Chaplin apertando, com a chave de boca, os botões na saia da fiscal da fábrica.

Tive uma experiência catastrófica em Selva de Pedra. Assustada com o peso da labuta da heroína das 8, amarrei uma tromba da qual me envergonho há 25 anos. A marcha de Tapas e Beijos é menos estafante do que a de um folhetim, mas nem por isso branda.

Os textos são enxutos e decorar não é problema; mas a linguagem é decupada. Trocamos a posição das duas câmeras e da luz dezenas de vezes por dia. O ator permanece em constante estado de atenção, entre a ação e a espera de ser chamado. A cada tomada, é concedido um intervalo grande o suficiente para um telefonema, um e-mail e um retoque na maquiagem.

No começo, eu telefonava muito; depois, passei a jogar gamão no celular. Não demorou, a jogatina virou um vício aborrecido.

O figurino nos arrumou umas bolsas de algodão para guardar os textos e os objetos pessoais. Um dia, combinei de bordar as sacolas com Andréa Beltrão, minha parceira de empreitada. Munidas de linha, agulha e bastidor, descobrimos uma obsessão criativa na medida certa dos entreatos.

Não é possível ler em um set de filmagem, nem aprender violão. Não é possível desenhar, tampouco escrever. A pequena compulsão manual ajuda a apaziguar a cabeça. Acredito no seu potencial para dar jeito em ansiedade, fobia, mania e até tabagismo.

Exige-se da bordadeira a paciência do ponto, e só. O efeito do conjunto virá com a dedicação e o tempo. Um painel da sua idiossincrasia.

Meu saco de textos já está quase tomado de um lado e tenho até o início de dezembro para concluir o outro. Quando terminar, faço a fantasia de que, fora o personagem, razão de ser do meu ofício, entrarei de férias com um testemunho pessoal do ano que passei ali.

Minha avó Ilda, maranhense da Rua do Sol, era uma menina selvagem até vir para o Rio, casar e se mudar com o marido médico e político para Guaçuí, uma cidadezinha no interior do Espírito Santo. Ilda era uma inconformada conformada com a sua posição de mulher. Se tivesse nascido em outras épocas, teria aproveitado bem mais.

Mestra em crochê, tecia rendas com linha de costura e agulhas microscópicas. Guardo uma veste extraordinária, brocada, mistura de Erté com Ernesto Neto, feita por ela a mão. No crochê, Ilda punha em prática a sua sanidade artística.

Nos dois meses de filmagem de Casa de Areia, na aridez dos Lençóis Maranhenses, a pintura foi meu escapismo. Os intervalos são longos em cinema. Guardo comigo os quadrinhos mal pintados. Eles são a lembrança mais real que possuo da aventura que vivi com minha família na terra natal de minha avó paterna.

Li no jornal que a doutora Nise da Silveira foi transferida para a ala de terapia ocupacional do manicômio em que trabalhava por ter se desentendido com a direção. Não sei se é verdade. Se for, bendita geladeira. No setor mais caseiro da psiquiatria, Nise desenvolveu sua pesquisa e trouxe à luz Arthur Bispo do Rosário.

Santo ponto de cruz!

PAULO RABELO DE CASTRO - O que há de diferente (e pior) na crise europeia


O que há de diferente (e pior) na crise europeia
PAULO RABELO DE CASTRO
REVISTA ÉPOCA

O Brasil pode pagar parte da conta porque a Europa não tem uma lei de responsabilidade fiscal

Deveria haver concurso para o título de livro mais original. Meu candidato seria Desta vez é diferente (This time is different), da obra dos economistas americanos Catherine Reinhart e Kenneth Rogoff. Eles fazem a narrativa detalhada de 800 anos de trapalhadas financeiras repetidas, em diversos países, quando banqueiros ensandecidos se dispõem a emprestar a quem não terá condições de pagar de volta, assim levando populações inteiras a crer na mágica do consumo sem trabalho.

Governos irresponsáveis aplaudem o espetáculo e colhem votos no circo de mentiras. Pior que isso: a espetacular narrativa de Reinhart e Rogoff nos aponta como os políticos articulam o discurso ufanista, tapeando a população na conversa de que "desta vez será diferente", com isso obtendo dos mercados a complacência para executar políticas econômicas financeiramente desastrosas.

Cada passo desse tipo de desastre financeiro aconteceu em 2001 na Argentina, embora solenemente negado pelas autoridades locais, até por indivíduos competentes como o ministro da Economia de então, Domingo Cavallo. A leitura distorcida das reais chances de a economia argentina superar sua crise levou os mercados, as agências de rating e os financiadores da dívida argentina a apostarem, até o último instante, que daquela vez seria diferente. Não foi e jamais será. A história de um desastre financeiro se repete, agora, na Grécia, debaixo dos nossos olhos, enquanto os governos, tanto daquele país quanto da União Europeia, acolitados pelos banqueiros envolvidos, se debatem em planos para tentar remendar o que não tem mais remédio. A conta do calote grego já foi empurrada por baixo da porta dos mercados. Os credores olham espantados para o calote que representa uma vez e meia aquilo que os gregos conseguem produzir num ano inteiro, ou seja, o PIB anual daquele país. De fato, é mais que isso. Os "extras" da conta ainda vão aparecer, tornando a vida dos credores da dívida grega ainda mais azeda. Esses credores são bancos espalhados por toda a Europa, com ramificações em outras regiões do globo. Desta vez, o tamanho do despautério financeiro é bem maior que no caso argentino, algo cinco ou seis vezes mais grave, com desdobramentos difíceis de avaliar sobre o nível de desconfiança dos mercados a respeito de outras dívidas de países do "circuito da azeitona", como carinhosamente podemos nos referir a Portugal, Espanha e Itália, além da própria Grécia. No final, são os próprios credores que se sentem quebrados. Por isso, ações de bancos europeus sofreram desvalorizações catastróficas e não cessam de cair.

O Brasil pode pagar parte da conta porque a Europa não tem uma lei de responsabilidade fiscal

Cada caso de calote tem alguma peculiaridade que, examinada em retrospectiva, estava lá desde o início, como uma fragilidade mal escondida. Os mercados e os banqueiros afoitos normalmente fazem vista grossa a pequenos detalhes que, depois, farão toda a diferença. O problema financeiro da Europa tem na fragilidade fiscal da Comunidade seu tendão de aquiles. O Parlamento europeu não pode votar o tributo sobre vendas que seria necessário, por cima do atual imposto sobre valor agregado. O novo imposto daria conta de montar um fluxo financeiro futuro para as dívidas que a autoridade monetária europeia terá de assumir no presente. Falta na Europa uma lei de responsabilidade fiscal para seus membros, como no Brasil foi conseguida, a duras penas, na administração FHC. Aqui foi preciso que o país passasse na beira do abismo em 1999, sendo considerado quebrado por seus credores. O abismo já chegou para os europeus. Desta vez, entretanto, é diferente. Sim, porque o impasse ocorre dentro dos países centrais do mundo financeiro, pondo em emergência o fiapo de estabilidade do resto do mundo, inclusive nós, que daqui quase nada conseguimos perceber. O Brasil também deve estar preparado para começar a pagar uma parte dessa conta indigesta nos próximos meses. Que tenhamos a sorte de não desperdiçarmos a oportunidade de avançar na crise, com as reformas que nossos políticos ainda nos impedem de fazer.

PAULO BROSSARD - Incompetência ou conivência



Incompetência ou conivência
PAULO BROSSARD
ZERO HORA

Nos poucos meses da presidência iniciada em janeiro, na esfera administrativa, aconteceram coisas jamais vistas nem imaginadas, ainda que os nossos costumes nem sempre fossem imaculados. Basta dizer que dos cinco ministros que deixaram o governo, quatro foram faxinados, não porque os serviços estatais houvessem apurado incorreções mais ou menos graves em suas gestões, pois nenhum tivera sua revelação creditada a ele, mas todos, sem exceção, a órgãos de comunicação. Aliás, longe de ser irrelevante, esse dado é da maior importância, pela simples razão de que não fora a imprensa, ou a mídia, como hoje se diz, nada autorizaria supor que eles viessem a ser inventados e publicados. O fato é bastante para indicar que alguma coisa está torta na administração. Mas a gravidade da ocorrência não se esgota aí, antes suscita outra delicada questão. Enquanto a nação recebeu essas novidades com nojo e indignação, os serviços oficiais, tão zelosos em devassar a vida de pessoas honradas, guardaram sepulcral silêncio, sem uma só ação ainda que retardatária, como se o assunto lhe não dissesse respeito. O mínimo que se pode dizer é que tudo isso parece estranho, tanto mais quando alguns serviços dispõem de meios praticamente ilimitados e impalpáveis a permitir que ninguém esteja livre de ser radiografado até em seus pensamentos. Já não falo no que tem ocorrido com a divulgação privilegiada de trechos inconclusos escolhidos por investigadores ocultos, como se caídos do céu. Tudo isso concorre para tornar mais nebuloso o silêncio do governo. A propósito, já faz um mês da última revelação e até agora nada foi dito, nem mesmo que a lista está esgotada ou se ainda há coisas a serem aditadas.
Curiosamente, o governo, que anunciara uma faxina na área pustulenta, voltou atrás para dizer que a operação se referia à pobreza... versão que não repercutiu bem. E no recente Congresso do partido oficial houve quem pretendesse encerrar a anunciada faxina, sob a alegação de que terminaria atingindo o governo do ex-presidente da República.
Nessa altura o silêncio oficial causou espécie, cada vez mais evidente que não só nada fez para apurar fatos de inegável relevo, limitando-se a receber passivamente a valiosa contribuição da imprensa, como calando em todas as línguas acerca da indolência de seus serviços. O efeito tem sido o pior possível. De muitas pessoas e de variados setores sociais tenho ouvido, em termos absolutos, que todos são corruptos. Desnecessário dizer que não participo da simplicidade da apreciação. No entanto, desgraçado do país em que seus governantes mais altos e seus representantes mais categorizados são vistos, sem distinção, como delinquentes. O fato é que a revelação de todos os deslizes cometidos, para não dizer coisa mais adequada, se deve exclusivamente à imprensa, enquanto o governo só aparece depois da publicação. Peço perdão ao leitor pela insistência, mas vale a pena ressaltar, tamanha a impressão a mim causada.
Por fas e por nefas há quem pense que a omissão dos serviços oficiais se deve à incompetência ou à conivência. A alternativa é penosa. As coisas que deixam de ser feitas oportunamente subitamente se convertem em dissabores e amarguras. Ou muito me engano ou o silêncio oficial dá margem às piores ilações, na competência ou conivência, conivência ou incompetência! Que horror!

*Jurista, ministro aposentado do STF

Custou a chegar a já vai embora? REVISTA VEJA


Custou a chegar a já vai embora?
REVISTA VEJA

O valor do dólar dispara, e isso pode ser prenúncio de tempestade na economia brasileira, que se acostumara ao câmbio favorável a viagens e compras no exterior

Marcelo Satake e Ana Luiza Daltro
Os brasileiros que voltaram recentemente do exterior e aqueles que se preparam para a tradicional viagem de fim de ano tomaram um susto nos últimos dias. As empresas brasileiras que contraíram dívida em moeda estrangeira e que dependem da compra de insumos importados também viram o panorama financeiro àa sua frente mudar radicalmente. O dólar se valorizou 15% em relação ao real em apenas um mês, anulando um movimento na direção contrária que havia se prolongado por quinze meses. No fim de julho, a moeda americana tinha atingido seu menor valor no Brasil desde janeiro de 1999, sendo negociada a 1,53 real. Encerrou a semana passada a 1,84 real. Antes disso beliscou a cotação de 2 reais. Não há planejamento familiar ou empresarial que fique indiferente a tamanha oscilação em tão pouco tempo. Um brasileiro que tivesse viajado para os Estados Unidos e feito compras de 1 000 dólares usando o cartão de crédito teria de pagar 1 702 reais se a fatura vencesse no dia 23 de agosto (a conta já inclui o aumento do imposto que incide sobre o uso do cartão no exterior, anunciado pelo governo há seis meses). Na semana passada, ele seria obrigado a tirar do bolso 1 957 reais. O salto na cotação da moeda americana fez crescer em 13,7 bilhões de reais o endividamento somado de 240 empresas que são negociadas na Bovespa, segundo levantamento da consultaria Economática (esse montante, que não leva em conta eventual proteção contratada pelas companhias contra as variações no câmbio, equivale a 54% do lucro obtido no segundo trimestre deste ano). Até mesmo os exportadores, para quem a desvalorização do real é benéfica - porque seus produtos ficam com preços em dólar mais competitivos e eles embolsam mais reais pela mesma quantidade vendida lá fora -, são prejudicados pela incerteza cambial. O sobe e desce das corações dificulta o planejamento.

O Brasil é um dos países onde o dólar mais ganhou valor (veja o gráfico abaixo), mas o fenômeno é global e está intimamente ligado à percepção de que a crise econômica na Europa e nos Estados Unidos é mais grave do que se imaginava - e a questão é saber quando exatamente ela atingirá seu ápice e quais suas proporções. "Existe um movimento de aversão ao risco, causado especialmente pelo caos na Europa. Fugir de riscos significa sempre comprar dólar", disse a VEJA o economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. As lideranças mundiais, reunidas nos Estados Unidos, afinaram o discurso de que estavam prontas para agir, na esperança de acalmar os investidores. Os mercados fizeram ouvidos de mercador. Há temor de uma "doença japonesa" global - referência ao crescimento nulo e prolongado do Japão na década de 90. Está em curso uma profunda crise de confiança na recuperação econômica, não importa que medidas sejam tomadas. Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial com 1 500 empresários, governantes, dirigentes de instituições e acadêmicos quantificou esse pessimismo: metade dos entrevistados revelou ter pouca confiança tanto na saúde da economia como na capacidade dos líderes mundiais de evitar uma catástrofe nos próximos doze meses. O temor da vez é o de um efeito dominó de calotes de governos europeus, começando pela Grécia, e que isso detone uma onda de quebra de bancos do continente. Mas, há dois meses, a ameaça de não pagar as contas vinha dos Estados Unidos. Tantas incertezas abalam a confiança de quem faz a economia girar. Para o consumidor, a falta de perspectiva no mercado de trabalho o torna o mais conservador possível nos gastos. Para as empresas, não importa que os juros estejam próximos de zero - isso representa custos baixíssimos para tomar crédito e investir -, porque a expectativa de retomada do consumo também é baixa. "O que as pesquisas de confiança sugerem é que as expectativas sobre a economia estão intimamente ligadas às histórias de endividamento excessivo e de perda de responsabilidade de governos e pessoas. E que isso rudo está fora de controle. É o tipo de perda de confiança que pode durar anos", disse o economista Roben Shiller, da Universidade Yale, em artigo sobre a crise.

Para os brasileiros, a valorização do dólar é a face mais visível de uma crise que até dois meses atrás não lhes parecia tão desfavorável. O quadro combinava crescimento anêmico dos países desenvolvidos com expansão ainda vigorosa no Brasil, e isso se traduzia na entrada de recursos estrangeiros, fortalecendo o real e aumentando, portanto, o poder de compra do brasileiro no exterior. Era um cenário traiçoeiro, como agora se percebe. A valorização súbita do dólar pode pressionar ainda mais a inflação, que já está acima da meta oficial. Vai encarecer produtos importados e aumentar os custos da indústria. Outra consequência indesejada do agravamento da crise é a queda nas cotações de matérias-primas negociadas nos mercados internacionais, as commodities, que representam mais de dois terços das exportações brasileiras e dependem da demanda global. O cenário só não é mais preocupante a curto prazo porque a desvalorização do real ajuda o exportador a absorver parte das perdas. O tom da reação das autoridades brasileiras subiu à medida que a crise revelou sua gravidade. Na semana passada, o Banco Central entrou no mercado cambial pela primeira vez em dois anos para vender dólares, com o objetivo de estancar a sua valorização. Especialistas consultados por VEJA (as opiniões deles podem ser conferidos na íntegra na versão para iPad e outros Tablets) acreditam que o real possa recuperar parte de seu valor nos próximos meses. Mas isso não significa que reagir ao vaivém dos mercados represente a melhor estratégia. "O câmbio não pode ser usado para mascarar nossas deficiências internas ou como ajuda definitiva aos exportadores. Momentos como este só reforçam a urgência de reformas que deem competitividade à economia e que já deveriam ter sido adoradas, como simplificar a tributação ou investir mais em infraestrutura", afirma Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências.

Com reportagem de Érico Oyama



Dilma e o fim das pirotecnias

Quando ouviu a pergunta sobre a disparada do dólar em relação ao real no dia em que a cotação saltara para 1,90, a presidente Dilma Rousseff cerrou os olhos e deu um sorriso de desalento. Em seguida, as palavras casaram com a linguagem corporal: "O nosso compromisso é com a estabilidade", disse, em sua entrevista coletiva à imprensa, concedida no 18° andar do hotel Waldorf Astoria. Poderia ter tentado faturar com a dança cambial, dizendo que a alta cotação do dólar beneficia os exportadores brasileiros, mas, em vez de espelhos e fumaça, Dilma preferiu uma avaliação serena e realista. Em sua passagem por Nova York e pela tribuna da ONU, onde foi a primeira mulher a abrir uma Assembleia-Geral, Dilma Rousseff deixou essa marca incomum nos périplos do seu antecessor: nada de pirotecnia ou prepotência. Na entrevista em que fez um balanço de sua viagem, a presidente disse que o Brasil está preparado para ajudar na superação da crise mundial, mas o fez sem arrogância. Disse ela: "Não temos receituário para o mundo. Queremos é participar das soluções". Em cinco dias na cidade, Dilma visitou o Metropolitan Museum e o Museu de Arte Moderna e elogiou a atuação vigilante da imprensa brasileira. Aqui também poderia ter garganteado, mas não o fez. Nessa sua primeira grande e significativa viagem internacional, Dilma preferiu a serenidade à exorbitância de dar lições ao resto do mundo.

André Petry, de Nova York

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Contrato para uso de navio como hotel pode atrasar 
MARIA CRISTINA FRIAS
Folha de S.Paulo - 26/09/2011

A Copa se aproxima, e os contratos para o uso de navios como complemento de hospedagem ainda não foram assinados, segundo a Abremar (do setor de cruzeiros).

Enquanto isso, corre o prazo para que as companhias de cruzeiros definam novos roteiros para o mesmo período, caso não ocupem as embarcações com hospedagem.

"Tem um detalhe importante: as empresas precisam de dois anos de prazo para determinar seus roteiros", afirma André Pousada, vice-presidente da entidade.

Não houve, entretanto, nenhuma concretização até agora, segundo Pousada. "Não está atrasado, mas está no tempo. A ideia existe, mas falta partir da conversa para a ordem prática", diz.

O uso de navios para sua função principal, a realização de cruzeiros, segue aquecido no país. O setor teve recorde de 20 navios na última temporada, mas terá de trabalhar com 17 na próxima, devido a lacunas de infraestrutura.

"O setor pisou no freio. Pela primeira vez, não haverá crescimento em número de navios. Temos entraves de infraestrutura, burocracia. Outros destinos além do Brasil se tornam mais atraentes."

Na temporada 2010/2011, o número de tripulantes brasileiros empregados subiu 72%, para 5.603, segundo estudo de FGV e Abremar.

Os sinais de aquecimento aparecem também na geração indireta, que chega a 15.035 postos de trabalho em escritórios, agências de viagem, receptivos e nas cidades onde os navios fazem escala.

Competitividade
Paulo Skaf, presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, inicia nesta semana seu terceiro mandato na Fiesp e seu segundo no Ciesp, que vai até 2015.

Metade da diretoria que toma posse hoje mudou. Dos vice-presidentes, permanecem Benjamin Steinbruch (CSN) e João Guilherme Sabino Ometto (S. Martinho). Josué Gomes da Silva (Coteminas) entra no lugar de Paulo Setubal (Duratex).

"A palavra na nova gestão será competitividade", diz Skaf. "Pensando no país, precisa cortar imposto, em vez de aumentar, reduzir o custo da energia, melhorar a logística, que é cara, a educação, que é falha..."

Nos próximos dois anos, Skaf, que também comanda o Sesi (Serviço Social da Indústria de SP), planeja concluir a construção de cem escolas e reforma da rede, que passou a oferecer o ensino médio, em tempo integral, um investimento de cerca de R$ 3 bilhões.

Em 2011, são 200 mil matrículas no Sesi e 1 milhão no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).

Números

131

sindicatos compõem a Fiesp

135 mil

empresas são filiadas aos sindicatos

91,2%

dessas empresas são micro e pequenas

A Todo Gás
A demanda global por gás natural aumentou 7,5% no ano passado, de acordo com estudo da EIU (The Economist Intelligence Unit). Foi um dos maiores crescimentos dos últimos 40 anos.

A pesquisa mostra que a demanda seguirá em expansão nos próximos anos devido ao crescente mercado emergente e à procura por combustíveis menos poluentes.

A Agência Internacional de Energia estima que em 2030 o gás natural será mais usado que o carvão e que, em 2035, será responsável por 25% da energia de todo o mundo. Hoje, esse número é de 21%.

Saúde tipo exportação
As exportações da indústria brasileira de saúde aumentaram 8% no primeiro semestre deste ano, ante o mesmo período de 2010.

Nos seis primeiros meses de 2011, as vendas do setor para outros países somaram US$ 338 milhões, de acordo com estudo da Abimo (Associação Brasileira de Artigos e Equipamentos, Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios).

"Para competir com os importados, as companhias brasileiras investiram em tecnologia, o que aumentou a qualidade dos produtos", diz Paulo Henrique Fraccaro, diretor da entidade.

Os principais mercados dos produtos brasileiros são Europa, Ásia e América Latina. "Os EUA impõem muitas barreiras e o custo fica alto."

Enxurrada
As chuvas que atingiram Santa Catarina há duas semanas causaram danos na infraestrutura de 33% das empresas de Blumenau, Itajaí e Rio do Sul (as cidades mais prejudicadas), de acordo com pesquisa da Fecomércio-SC.

Além disso, 34% dos empresários tiveram prejuízo com as mercadorias. Em média, os estabelecimentos ficaram fechados por sete dias.

Dos que perderam produtos, 54,1% afirmaram que não têm dinheiro para repor o estoque. "Esperamos que haja linha de crédito de instituições governamentais", disse o presidente da federação, Bruno Breithaupt.

Até agora, 80% dos empresários afirmam que não receberam incentivos do governo.

Volume de ações de locação registra queda em São Paulo

As mudanças na legislação do inquilinato fizeram cair o número de ações locatícias em São Paulo.

Mais de 1.600 ações foram propostas no fórum paulistano em agosto, segundo levantamento do Secovi-SP (Sindicato da Habitação).

A queda, de 11,2% ante o mesmo mês de 2010, reflete alterações promovidas na lei no ano passado. A legislação acelerou os trâmites na Justiça e estimulou a solução por acordos, segundo o Secovi.

No primeiro semestre, foram apuradas 12.945 ações, queda de 9,4% ante o mesmo período de 2010.

A falta de pagamento permanece como principal motivo para ajuizamento da ação locatícia, segundo o levantamento. Foram 1.243 ações por inadimplência em agosto.

Expansão Planejada
A marca de móveis planejados Ornare pretende se expandir por franquias no país e no exterior, segundo a sócia Esther Schattan. Para o Brasil estão previstos pontos em locais como Manaus, Recife, Curitiba e Cuiabá. "A meta são 15 franquias", diz Murillo Schattan. A expansão na América Latina inclui, entre outros, Buenos Aires e Punta Del Leste. Nos EUA, onde a Ornare já tem loja em Miami, a ideia é aproveitar o desaquecimento para conseguir locais com bom preço em Nova York, Chicago e outros.

A razão pede socorro - REVISTA VEJA


A razão pede socorro
REVISTA VEJA


Sem o peso de normas burras que drenam a energia das empresas, o PIB per capita brasileiro poderia ser 17% mais alto. Mas, infelizmente, a burocracia sempre vence

DUDA TEIXEIRA



Imagem desta página mostra um livro de 43215 páginas com texto impresso em letras pequenas. Se uma obra desse tamanho espanta até o leitor mais empolgado, o conteúdo tamb6m não ajuda: são 18000 leis, decretos e portarias publicados entre 1988 e 2006 e que integram o aberrante sistema tributário brasileiro. O autor da compilação é o advogado mineiro Vinicios Leoncio. "Quis materializar um conceito. Apesar de sempre alardeada, a dimensão da nossa legislação tributária nunca havia sido mensurada. Agora, temos de forma visível e palpável o tamanho desse cipoal", diz Leoncio, que gastou 1 milhão de reais no projeto - um terço do valor só para pagar impostos.

Para decifrarem esse emaranhado de normas, que ganha um novo capítulo a cada 26 minutos. as grandes empresas são obrigadas a empregar centenas de especialistas. Apenas duas pessoas são o suficiente para lidar com os trâmites tributários da Gerdau nos Estados Unidos, por exemplo. No Brasil, a mesma empresa precisa de 200 funcionários. Parte do trabalho é dedicada às 91 "obrigações acessórias": os guias, formulários e livros que precisam ser preenchidos pelas pessoas ou empresas depois de pagar um tributo. "Quem deveria fiscalizar o correto pagamento dos impostos é o governo, não o consumidor", diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBFT), em Curitiba.

As regras tributárias são as mais indecifráveis, mas são muitas as amarras burocráticas que minam as energias das empresas brasileiras. Nas próximas páginas há exemplos de como a legislação trabalhista desestimula a criação de empregos formais; de labirintos colocados a quem quer exportar ou importar; dos inúmeros e caros processos para regularizar uma propriedade rural; e de leis que transferem à iniciativa privada obrigações que seriam do estado. O apreço brasileiro por criar normas já foi creditado à herança ibérica. Cinco séculos depois. essa explicação não funciona mais. "Hoje somos vítimas da voracidade estatal para monitorar cada minuto da vida dos indivíduos e das empresas. Para evitar que uma minoria tente burlar o sistema, todos são submetidos a novos e estritos controles", diz o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, presidente do Instituto Helio Beltrão, de Brasília.

O efeito devastador da burocracia na competitividade das empresas brasileiras só encontra equivalente na absurda carga de impostos. O Brasil vem perdendo posições nos dois principais rankings mundiais que medem o grau de simplificação da vida em diversos países - é o 127° na lista do Banco Mundial e o 44° na do suíço IMD. O valor anual de riqueza consumido pela burocracia brasileira é estimado em 46 bilhões de reais e equivale a 1.4% do PIB nacional. Se o Brasil atingisse o mesmo índice de burocracia do Chile ou da Espanha, por exemplo, o PIB per capita cresceria 17%. A burocracia não se comove com esses dados e só trabalha para a própria sobrevivência. Por essa razão, é inútil esperar que uma reforma burocrática nasça por iniciativa de burocratas. Como dizia o americano William Niskanen, eles inventam as regras para justificar a própria existência. No Brasil, a burocracia, em especial a que produz normas tributárias, tem uma dinâmica peculiar. Dezenas de novas normas entram em vigor a cada mês no país. tornando a gigantesca obra de Vinicios Leoncio um eternamente inacabado monumento à estupidez humana.

COM REPORTAGEM DE GABRIELA ROMÉRO, SANDRA BRASIL E TATIANA GIANINI

LABIRINTO DE LIVROS

Toda empresa brasileira é obrigada por lei a manter uma pequena biblioteca com pastas em que ficam arquivados documentos que quase nunca são consultados. Trata-se de notas fiscais de compra e venda, contratos, comprovantes de pagamentos de impostos federais, estaduais e municipais. contratos trabalhistas, rescisões, ações e decisões judiciais. Os papéis devem ser armazenados por cinco anos. Na teoria. Na prática, a exigência pode significar arquivar por dezenas de anos tudo o que, por exemplo, sirva de prova em um eventual processo judicial. "Se um funcionário que trabalhou comigo há trinta anos me processar, eu preciso estar preparado para responder", diz o empresário Alencar Burti, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em São Paulo e dono de oito concessionárias de veículos. Por exigência legal, ele mantém dois arquivos, um na capital paulista e outro em Tatuí. Ambos somam 12000 pastas. Se fossem colocadas uma ao lado da outra, elas formariam um tapete de papel que daria dez voltas em um quarteirão.

VIAGEM BUROCRÁTICA

Quando um navio atraca em algum porto brasileiro, uma nova jornada se inicia. Antes de desembarcar a mercadoria. é preciso despachar 1 12 documentos para 28 órgãos, de catorze ministérios. Segundo um estudo feito pela Secretaria Especial de Portos, cada navio tem de prestar 935 informações distintas às entidades públicas. A piada recorrente em Santos é que, quando se abre um contêiner, saem lá de dentro mais fiscais do que mercadorias. "Não há nenhuma coordenação entre os órgãos. Tudo funciona de maneira independente", diz Wilen Manteli residente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários. Conseguir aprovação no MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, por exemplo. não permite pular etapas no Ministério do Trabalho. Todo o processo é regulado por 3000 atos normativos, entre leis, decretos, portarias e resoluções. A burocracia nos portos faz com que a maioria dos exportadores e importadores leve em média cinco dias para atender a todas as exigências. No porto de Roterdã, na Holanda, o tempo de espera é de apenas um dia. No Brasil, o excesso de normas não seria um problema tão grande se 95% do comércio exterior brasileiro não fosse realizado por navios. "O estado não quer abrir mão de dar o seu carimbo em tudo. E isso afeta desastrosamente a competitividade nacional", diz Manteli.

DUAS VEZES VÍTIMAS DA PIRATARIA

Uma vez por mês, a polícia paulista realiza operações para prender CDs e DVDs piratas vendidos nas calçadas. Mesmo quando os produtos são claramente falsificações grotescas ou quando o camelo fugiu a galope, comprovando o flagrante, nada pode ser destruído. Como o governo se recusa a cuidar do material, a tarefa sobra justamente para as empresas privadas que foram vítimas da pirataria. Na Zona Leste de São Paulo, um galpão é mantido pela Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) para guardar os produtos enquanto a Justiça não emite a ordem de destruição, o que costuma demorar três anos. Há 2 milhões de CDs de softwares e 20 milh0es de discos com música e filmes estocados no local. "Tem CD que chegou ao armazém há onze anos e jamais rodaria em um PC atu diretor jurídico da Abes. Para que os produtos sejam analisados por um perito, a Abes envia uma amostra do material apreendido. Contudo, alguns promotores exigem que todos os CDs sejam avaliados, um a um, o que inviabiliza o processo. As despesas com o galpão são divididas entre as vítimas da pirataria.

PERDIDO ENTRE MAPAS

Regularizar uma propriedade rural é uma maratona cujos desafios são inimagináveis. Para legalizar uma fazenda de 1000 hectares, por exemplo, o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) exige o georreferenciamento do imóvel, que inclui um relatório técnico com a localização de rios, córregos e áreas de preservação, um . mapa, um memorial descritivo, uma planta com assinatura do engenheiro responsável, uma fotografia aérea e um levantamento topográfico. Pedem-se documentos pessoais, a cópia da matrícula dos imóveis e uma declaração dos vizinhos dizendo estarem de acordo. Além da burocracia, há a corrupção. Os fazendeiros paulistas denunciam que, se não pagarem 50000 reais por fora, o georreferenciamento não é aprovado nunca. Oficialmente, obter toda a papelada pode custar, por baixo, 60000 reais. Para um pequeno proprietário, deveria ser menos penoso - mas é ainda pior. O custo da regularização fundiária de uma pequena propriedade chega a representar 70% do gasto anual com mão de obra. "É um processo que, tudo correndo bem, pode levar entre dois e quatro anos", explica o advogado Paulo Junqueira, especializado em direito agrário e ambiental. Pode ser mais lento ainda. "Em Cuiabá, estou trabalhando em um processo que está há dez anos perdido na burocracia administrativa."

O TORMENTO DE ABRIR UMA EMPRESA...

Os obstáculos impostos aos brasileiros para momar uma empresa levam 120 dias no Brasil para ser vencidos - vinte vezes o tempo gasto nos Estados Unidos. Para abrir uma nova firma por aqui. são necessários quinze procedimentos que tramitam em quinze órgãos. entre eles Receita Federal, Previdência Social, prefeitura e secretarias de meio ambiente. Em contraste, no Canadá e na Nova Zelândia o processo requer um único procedimento. O custo de abertura de empresas no Brasil é de 2038 reais, contra 1 213 reais na Colômbia e 280 reais na China. O pior inimigo do Brasil não faria maior dano a nossa economia.

...E A ODISSEIA PARA FECHÁ-LA

No Brasil, gastam-se quatro anos para fechar uma empresa. Na Irlanda. quatro meses. O estado brasileiro exige documentos que comprovem ausência de pendências fiscais, trabalhistas, tributárias e legais que devem ser entregues. um a um, nas receitas federal, estadual e municipal. Alguns desses documentos podem ser obtidos pela internet. Antes, porém, era preciso ir pessoalmente às repartições. Nos anos em que a.empresa permanece aberta, a papelada cresce. Enquanto espera para fechá-la,o empresário precisa prestar oito declarações, como o recolhimento de INSS de funcionários (já desligados), e enviar relatórios aos sindicatos.

GOLPE FATAL NOS EMPREENDEDORES

São cobrados no Brasil 63 tributos nas esferas federal, estadual e municipal. Somem-se a eles as normas e portarias, e o heroísmo do empreendedor brasileiro começa a ficar claro. O excesso de impostos mina a energia das empresas, torna um martírio a tarefa de pagá-los e desvia o foco dos brasileiros donos do próprio negócio. A burocracia brasileira consome 2600 horas de trabalho por ano - catorze vezes o tempo dedicado a ela pelos americanos (187 horas) e 21 vezes o dos suecos (122 horas). Das taxas pagas pelos empreendedores, só o ICMS tem 27 legislações - uma para cada estado. Esse imposto, que tributa a circulação de mercadorias, é o de maior impacto negativo na competitividade das empresas. A tributação sobre a folha de pagamentos é um estímulo à informalidade - eufemismo para ilegalidade. Os empresários brasileiros pagam tributos equivalentes a 70% do lucro obtido nos negócios - outro absurdo recorde mundial.

PIONEIRO DA DESBUROCRATIZAÇÃO

As primeiras reformas administrativas sérias para reduzir a burocracia brasileira começaram com um decreto de 1968, de autoria do advogado Helio Beltrão, que dispensava a firma reconhecida para quem assinasse documentos na presença de um funcionário público. Uma década depois, Beltrão comandou o Ministério da Desburocratização, criado durante o governo militar de João Figueiredo (1979-1985). Sua proposta era "retirar o usuário da condição colonial de súdito para investi-lo na de cidadão, destinatário de toda a atividade do estado". Apesar do folclore (criar um órgão não parece o melhor meio para reduzir"a burocracia), a iniciativa de Beltrão deu frutos. Ele formulou um estatuto para facilitar os trâmites para microemprsas e criou juiza dos de pequenas causas. Cinco anos depois, seu ministério foi fechado. Muitos dos obstáculos eliminados por ele foram teimosamente recriados mais tarde entre eles a exigência de firma reconhecida. O Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado tentou retomar o ímpeto simplificador de Beltrão em 1995, mas fechou quatro anos depois sem sucessos a relatar. Em 2003, o Ministério do Planejamento montou uma equipe só para estudar medidas desburocratizantes. Disputas políticas com a Casa Civil do ex-ministro José Dirceu mataram o projeto.

As iniciativas para reduzir a burocracia estatal fracassam porque, pela própria natureza de seu trabalho, os funcionários não têm incentivos para levá-Ias adiante. "Isso se explica pela teoria da falha sequencial, segundo a qual, enquanto no setor privado as gestões ineficientes não prosperam, na área pública elas se perpetuam, independentemente de funcionarem ou não", diz Flávio da Cunha Rezende, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco.

A Sibéria de Heloísa Helena - REVISTA ÉPOCA


A Sibéria de Heloísa Helena 
 REVISTA ÉPOCA

Ela fica em Maceió. É lá, como simples vereadora, que a ex-senadora amarga o isolamento depois de ter tido 6,6 milhões de votos para a Presidência, em 2006

Angela Pinho

Há cinco anos, Heloísa Helena era uma das principais personagens da política nacional. Depois de ser expulsa do PT em 2003 por votar diversas vezes contra a orientação do governo no Senado, tornou-se candidata à Presidência da República pelo PSOL, partido do qual é fundadora, e conseguiu quase 7 milhões de votos, atrás apenas do então presidente, Lula, e do tucano Geraldo Alckmin. Em 2006, Heloísa conseguiu reunir eleitores à esquerda e à direita que se identificaram com a pregação intransigente da ética contra o "balcão de negócios" do poder.

Agora, a alagoana vive uma situação oposta. No ano passado, ela perdeu a eleição para o Senado após uma campanha agressiva dos adversários. Teve quase a metade dos votos do segundo colocado, o peemedebista Renan Calheiros, que havia passado boa parte dos últimos anos se defendendo de denúncias de corrupção. Voz dissonante em seu partido, foi derrotada pelo grupo que, internamente, apoiava a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio para presidente. Depois de deixar a presidência do PSOL, restou a Heloísa Helena a vaga de vereadora em Maceió, que chegou a ser ameaçada por um processo de cassação. Em 2008, ela foi eleita com a maior votação da história da cidade. Arrastou consigo outro candidato do PSOL que havia recebido apenas 453 votos. Mas esse é outro motivo de decepção para Heloísa Helena. Ameaçado de expulsão do PSOL, esse vereador migrou para o PT.

Na esquerda, alguns brincam dizendo que a capital alagoana virou a Sibéria de Heloísa Helena. Sibéria é a região mais fria e distante da Rússia, local para onde eram enviados os adversários do ditador Josef Stalin. Hoje, Heloísa alterna a política e a vida acadêmica. É professora de enfermagem da Universidade Federal de Alagoas e está fazendo uma pesquisa sobre mortalidade de jovens e crianças. Na Câmara, vive o mesmo personagem que, no Senado, a tornou nacionalmente conhecida. A verborragia é igual à dos tempos em que "camarilha do Planalto" e "acordos espúrios" faziam parte de seu vocabulário básico. Sua quase cassação, aliás, foi justamente por isso. Em 2009, ela respondeu a um processo por quebra de decoro depois de chamar a colega Tereza Nelma (PSB) de "porca trapaceira" no plenário. Acabou sendo absolvida.

A denúncia dos maus costumes da política continua a ser a principal bandeira de Heloísa Helena. Logo que chegou à Câmara de Maceió, abriu mão da verba de gabinete e dos assessores a que teria direito. Denunciou uma possível fraude na votação que aumentou o número de vereadores de Maceió de 21 para 33. Internada recentemente por causa de uma mancha no cerebelo, recebeu tratamento em um hospital público. Por convicções pessoais, ela não tem plano de saúde e recusa-se a usar o do Senado. Ao receber alta, deu provas de seu restabelecimento físico com uma brincadeira no Twitter: "Quem sabe eu possa agora dar uns tabefes num malandro da política e acusar o cerebelo lesionado...".

Heloísa Helena também mantém algumas posições conservadoras que lhe desgastaram junto a setores da esquerda. Ela é contra a legalização do aborto e pesquisas com células-tronco embrionárias. "Preocupo-me até com ovo de tartaruga, como não me preocuparia com um ovo humano?", diz, para desespero de alguns colegas do PSOL. Suave quando não está participando de algum embate político, ela não perdeu o contato com alguns de seus antigos colegas de Congresso, como o tucano Arthur Virgílio e o petista Eduardo Suplicy. Atualmente, classifica como "cínica" a ideia de faxina associada às demissões de ministros promovida pela presidente Dilma Rousseff. Para Heloísa, seria apenas uma estratégia de Dilma para "preservar o sistema".

A principal ligação com a política nacional se dá por meio de articulações com Marina Silva (ex-PV), que hoje ocupa o espaço da terceira via que já foi de Heloísa. No ano passado, Heloísa Helena chegou a defender o apoio do PSOL a Marina na eleição presidencial. Plínio de Arruda Sampaio diz que foi uma disputa meramente por espaços no PSOL. "Como uma ecossocialista como a Heloísa Helena poderia fazer aliança com uma ecocapitalista como é a Marina?"

A divergência azedou o clima. Plínio não fez campanha em Alagoas, e Heloísa Helena disse não ter recebido nenhuma ajuda do partido na sua, seja em dinheiro, panfleto ou gasolina. Ela não esconde a mágoa. Quando questionada sobre seu voto no ano passado, responde: "Infelizmente, infelizmente mesmo, votei no candidato do PSOL, por uma questão de responsabilidade partidária". Também amarga é sua conclusão sobre os motivos que a levaram a perder a eleição para o Senado no ano passado. Sua campanha teve muitas dificuldades financeiras, agravadas pelo fato de ela não aceitar doações de empresários. A arrecadação total ficou em R$ 73 mil, em comparação aos R$ 5,4 milhões de Renan e aos R$ 2 milhões de Benedito Lira (PP), o primeiro colocado.

Além disso, ela teve de interromper algumas vezes a campanha para cuidar de parentes com problemas de saúde. Mas o motivo principal de sua derrota, admite, é simples: a maioria da população não quis que ela vencesse. "Perder para duas personalidades conhecidas como parte do processo apodrecido da política foi algo muito triste, mas perder eleições é fato normal na política."

Na disputa pelo Senado, seus adversários também exploraram a mudança do cenário político nacional. Criticar Lula em 2006, logo após a crise do mensalão, rendia votos. Naquele ano, Heloísa se beneficiou disso. Em 2010, porém, rendeu rejeição num Estado como Alagoas. Vídeos com discursos inflamados de Heloísa contra aquele que ela chamava de "majestade barbuda" foram divulgados pelos adversários, enquanto Lula pedia voto para Benedito Lira. Depois da eleição, Lula, vingado, declarou o seguinte em encontro com aliados: "Quero dizer que estou particularmente satisfeito com a derrota da Heloísa Helena. Alagoas para mim foi uma das eleições mais importantes".

Escanteada do cenário político nacional, Heloísa deve seguir o caminho de Marina, que articula um novo partido para se candidatar novamente à Presidência em 2014. Se não aprovar a ideia de apoiar a amiga na convenção nacional do PSOL, que acontecerá em dezembro, a alagoana deverá deixar o partido.

RUY CASTRO - Pactos de elegância


Pactos de elegância
RUY CASTRO 
FOLHA DE SP - 26/09/11

RIO DE JANEIRO - Em tempos idos, um sujeito que fosse visto de paletó e com as fraldas da camisa para fora da calça só podia estar fugindo de um prédio em chamas -ou da cama de uma mulher cujo marido cometeu a indelicadeza de chegar mais cedo.

Seja como for, quem terá sido o primeiro homem a violar o cânone segundo o qual, sob o paletó, a camisa devia ser embutida nas calças -e, com isso, firmou um novo pacto de elegância? Não sei. Mas deve ter começado naquele desfile anual de avantesmas: a cerimônia de entrega do Oscar, em Hollywood.

E quem foi o primeiro a combinar traje formal com tênis? Segundo algumas correntes filosóficas, foi Woody Allen, numa recepção em Nova York, nos anos 80. Já a autoria da barba por fazer talvez seja impossível de determinar. Só se sabe que, um belo dia, a pele lisa, fresca e cheirando a alfazema deixou de contar pontos -mais ainda depois que se inventou uma lâmina meio afiada, meio cega, que passava pelo rosto e o deixava exatamente como estava antes de o sujeito se barbear.

Oscar Wilde dizia que a moda é uma variação tão intolerável de horror que tem de ser mudada de seis em seis meses. Sabendo disso, escrevi em 1980 que, por mais condizente com os nossos verões, uma inevitável novidade na moda masculina seria o terno de calça curta. Errei porque, até hoje, nenhum estilista se atreveu. Ou então aconteceu, mas foi tão rápido que ninguém aderiu.

Mas como, nesse mercado, nada se perde e tudo se transforma, posso garantir que, não demora, em alguma reunião de uma grande empresa, ainda veremos um executivo de paletó e gravata, barba por fazer, camisa com as fraldas para fora, calça curta, meias sociais pretas e tênis, daqueles enormes, também pretos, de cano alto.

Entrevista - ROMÁRIO - REVISTA ÉPOCA


Entrevista com ROMÁRIO 
REVISTA ÉPOCA

O DEPUTADO FEDERAL E EX-JOGADOR ROMÁRIO DEFENDE O FIM DO VOTO SECRETO

"O povo tem o direito de saber o voto dos parlamentares”

REDAÇÃO ÉPOCA

QUEM É
Romário de Souza Faria, de 45 anos, está em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PSB. Foi eleito com mais de 140 mil votos

O QUE FEZ
Conquistou a Copa do Mundo de 1994 e foi eleito o melhor jogador do mundo pela
Fifa. Segundo as contas do
ex-atacante, fez 1.003 gols na carreira

O QUE DEFENDE
Suas principais bandeiras são os direitos das pessoas com deficiência e a transparência nas obras da Copa de 2014

Romário é um estreante na política. mas a pouca experiência não o faz deixar de lado as declarações polêmicas que marcaram sua carreira no futebol – além dos gols (mais de 1.000, segundo seus cálculos). Mesmo na posição de deputado federal, diz que não leva desaforo para casa. "Se me desrespeitarem e me esculacharem, vão ter o troco", afirma em resposta a perguntas de leitores de ÉPOCA sobre o episódio em que xingou pelo Twitter quem o criticou por não se submeter ao bafômetro em blitz da Lei Seca. No Congresso, Romário (PSB) tem dedicado maior tempo à defesa dos direitos das pessoas com deficiência e à fiscalização das obras da Copa do Mundo. Não deixa de opinar, porém, sobre outros assuntos, como o voto secreto na Câmara.

Política

O que o motivou a entrar para a política?
Reginaldo Leite

Romário – Foi a minha filha Ivy (filha caçula de Romário, que tem Síndrome de Down). Nestes últimos sete anos da minha vida, passei a conhecer o mundo das pessoas com deficiência. Participei de algumas reuniões pela internet – com pais que têm as mesmas condições de vida que eu, financeiramente falando, e pais que passam muitas dificuldades para tentar dar a seus filhos o que posso dar à minha filha. Entendi que essas pessoas com deficiência e também essas famílias merecem um pouco mais de respeito e atenção, principalmente em relação ao preconceito que sofrem. E acredito que eu, pela pessoa que sou e pela imagem que construí, posso ajudar muito nessa luta e graças a Deus tenho conseguido.

Você votou a favor ou contra a cassação da deputada Jaqueline Roriz?
Erisson Deodato Lima, Brasília

Romário – A favor da cassação e todo mundo sabe disso. Declarei publicamente no meu site e nas minhas redes sociais.

Você apoiaria o fim do voto secreto na Câmara? E o fim do voto obrigatório?
Vanderson Aurelio Marques de Souza, Recife

Romário – As pessoas têm o direito de saber em quem e por que seus representantes votam. Porque nós aqui somos colocados pelo povo brasileiro. Então todos têm o direito de saber o que estamos fazendo e como estamos votando em cada coisa decidida nesta Casa. Não sou a favor do voto obrigatório. Eu acredito que nós vivemos em um país democrático, livre, e seria bem mais oportuno e interessante para o Brasil que vote aquele que acha que tem que votar.

O povo tem o direito de saber o voto dos parlamentares"

Romário

Romário, o que pode fazer de concreto no combate à corrupção no meio político?
Celso Moessa de Lima, Goiás

Romário – O que posso é exatamente o que tenho tentado fazer: mostrar, principalmente dentro das minhas áreas de atuação, aquelas coisas que acredito que possam ser melhoradas. E, com os documentos que eu tenho em mãos em relação às coisas que hoje eu vivo dentro da Câmara dos Deputados – Copa do Mundo, pessoas com deficiência, combate às drogas, crianças e jovens carentes –, mostrar com transparência tudo o que vem acontecendo no Brasil. E posso dizer de verdade que estou bastante feliz em relação a isso.

Comparando sua carreira de jogador com a de deputado federal, quais estão sendo as suas maiores dificuldades? A experiência vivida no futebol está contribuindo para vencer essas dificuldades na política?
Raney Martins de Almeida

Romário – Com certeza esses meus mais de 20 anos de futebol fizeram com que eu tivesse hoje uma experiência de vida muito interessante. É claro que a convivência dentro da política é uma situação diferente do futebol, mas eu tenho certeza que, apesar do pouco tempo de política e de conhecimento de política partidária, tenho aprendido a cada dia e atribuo isso também a esses meus 25 anos de futebol. Só que é preciso deixar bem claro que a minha responsabilidade no futebol como um ex-jogador era uma e hoje, como político e parlamentar, é totalmente diferente. Não que eu não tenha tido responsabilidades como jogador, mas hoje, como um parlamentar, tenho por obrigação de deputado federal fiscalizar, acompanhar, promover o bem da sociedade. Realmente tem sido uma experiência diferente, mas bem interessante. E estou muito feliz por isso. Minha maior dificuldade é exatamente poder entender algumas coisas, já que nunca fui uma pessoa que participou muito de política, nunca li sobre política. Mas como já coloquei, o tempo faz com que a gente vá aprendendo as coisas devagar.

O que você já fez pela causa de pessoas com deficiência no Congresso?
Marcelo Santos Vianna

Romário – O relator, deputado federal André Figueiredo, acatou duas emendas minhas na MP 529. Uma delas garante que a pessoa com deficiência contratada como aprendiz acumule salário e Benefício de Prestação Continuada (BPC) por até dois anos. O BPC tem valor de um salário mínimo e é concedido a idosos e pessoas com deficiência que não exercem atividade remunerada e têm renda familiar per capita de até um quarto de salário mínimo. Se o beneficiado for efetivado na empresa, o BPC será suspenso e não mais cancelado como ocorria até agora. Caso saia do trabalho, a pessoa poderá voltar a receber o benefício sem necessidade de nova perícia. A segunda emenda assegura que as pessoas com deficiência mental ou intelectual sejam consideradas dependentes de contribuinte para fins de recebimento de pensão por morte ou invalidez, independentemente da idade. A MP foi aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado e já foi sancionada pela presidente Dilma. Já é lei (Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011) e já está valendo.

Por que o deputado não apoia a causa da PEC 270/08 (sobre aposentadoria por invalidez)?
José Brun, Camboriu

Romário – Nunca disse que não apoio a PEC 270. Pelo contrário, acho mais do que justo que a pessoa possa receber integralmente seus proventos caso se aposente por invalidez permanente. Como tenho apenas sete meses de mandato, ainda estou conhecendo e estudando os projetos de lei que tramitam na Câmara desde antes de minha entrada e por isso ainda não me posicionei publicamente a respeito deste e de tantos outros que ainda estou analisando mais profundamente.

Quais são seus projetos para os atletas com necessidades especiais?
Edson Gilmar Dal Piaz Barbosa, Curitiba

Romário – A verdade é que existem muitos projetos que andam pela Casa em relação a isso. Eu tenho lido e tenho, junto com minha equipe, estudado aqueles que são os melhores, que têm mais prioridade, e dentro disso, vamos começar a brigar, no bom sentido, para que esses projetos definitivamente virem lei.

Copa do Mundo no Brasil

Como crítico das obras da Copa do Mundo, o que acha da concorrência sigilosa para essas obras?
Luiz Carlos Marques

Romário – Uma vergonha. Eu sou totalmente a favor de que as coisas sejam bem claras. Existem portais de transparência em alguns órgãos, onde deveriam estar todas as informações. Mas nada está colocado ali. É uma total falta de respeito com o povo brasileiro.

Por que você entrou na disputa por Brasília e não por São Paulo para sediar a abertura da Copa 2014?
Franciney, Belém

Romário – Não entrei na disputa nem por Brasília nem por São Paulo. Quando me perguntaram em relação à abertura da Copa, São Paulo naquele momento não tinha levantado nenhum tipo de tijolo. Já era inclusive pra a Fifa ter feito a escolha dessa sede – que foi adiada pelo problema de São Paulo. Por isso, digo e repito que acredito que São Paulo não terá condições de fazer um estádio para abertura da Copa do Mundo nesse pouco tempo que temos. Mas se realmente acontecer o que estão dizendo, que São Paulo estará totalmente pronta pra uma inauguração de uma Copa do Mundo, é claro que eu também entendo que a cidade pode vir a abrir a Copa. Em relação a Brasília, dentro do que eu vi, é o estádio que hoje poderia dizer que realmente teria condição de também ter a abertura de uma Copa do Mundo. Mas Brasília, fora o estádio, tem os seus problemas, principalmente com mobilidade urbana. Então, em se tratando de uma Copa do Mundo e, principalmente, de uma abertura, não adianta ter só o estádio, você tem que ter tudo. Ou seja, mobilidade urbana, estádio e aeroportos. Tudo deve estar realmente capacitado para receber turistas em um número bem maior do que em qualquer outro jogo. Então, hoje, se você me perguntar qual é a cidade que está totalmente preparada para receber a abertura da Copa do Mundo, eu direi que nenhuma.

Hoje nenhuma cidade está preparada para sediar a abertura da Copa"

Romário

Seus esforços para uma melhor condução das obras da Copa e da Olimpíada vêm alcançando os objetivos esperados?
Maria Terezinha Santellano, Porto Alegre, RS

Romário – Alguns, sim; infelizmente, outros, não. Sou um dos poucos que podem dizer que estão tentando lutar, não contra o sistema, mas para que as coisas sejam colocadas de forma mais clara para o povo brasileiro. E o que eu posso afirmar é que esses dois grandes eventos no Brasil, especialmente a Copa do Mundo, não vão ser eventos para o povo brasileiro, principalmente por causa dos valores dos ingressos.

A Copa do Mundo no Brasil pode de fato trazer benefícios para nossa população ou vai ser mais uma fonte de corrupção? O Brasil não ganharia mais investindo nas necessidades básicas da população?
Julio Amaral Filho

Romário – Uma Copa do Mundo é importante pra mostrar o Brasil que muitas pessoas ainda não conhecem. Mas que existe infelizmente um gasto muito acima do normal, isso já está mais do que comprovado. Eu acredito que com tudo isso que se fala em relação à Copa do Mundo, com toda essa discussão que um evento como esse gera, o momento poderia ser aproveitado para colocar exatamente o que você me perguntou: mais coisas que sejam necessárias para a população. Coisas básicas como saúde, educação. Infelizmente, na preparação da Copa do Mundo, as pessoas estão deixando isso de lado, estão esquecendo que a Copa dura apenas um mês e essas necessidades básicas já vêm de muitos anos e, se elas não forem corrigidas, continuarão por muitos ainda.

Lei seca

O senhor ofendeu algumas pessoas ao ser questionado numa rede social por não fazer o teste do bafômetro em uma blitz. No entanto, pessoas como essas certamente contribuíram para sua eleição. O senhor se arrepende desse comportamento ou faria tudo de novo em uma situação semelhante?
Carlos Henrique Pimenta - Itamarandiba/MG

Romário – Aceito crítica, amigo, não aceito é ser desrespeitado e esculachado, independentemente de quem seja. Se me desrespeitarem e me esculacharem, vão ter o troco. Não me arrependo nem um pouco.

Romário, se você é realmente a favor da lei seca e se realmente não bebeu bebida alcoólica, por que você, como uma autoridade, não deu o exemplo e fez o teste do bafômetro?
Carlos Eduardo Cardoso Fedeli, São Paulo

Romário – Amigo, respeito totalmente o seu pensamento, mas você não pode esquecer que existem leis e eu fui cumpridor da lei. Eu não soprei não só por eu não ter bebido, mas porque eu usei a lei, assim como você tem condições de usar também.

Futebol

Em qual time você acha que é mais ídolo?
Plinarco Elmano

Romário – É uma pergunta bem interessante. Eu já tive a oportunidade de jogar no Flamengo, no Vasco, no Fluminense, inclusive no América – meu time de coração. Mas acredito e vou dizer que eu sou um ídolo nacional.

Como você define Ricardo Teixeira?
Pio Barbosa Neto

Romário – Um cara que a gente tem que agradecer por ter trazido a Copa do Mundo ao Brasil e, por outro lado, um dirigente que já passou da hora de dar algumas explicações e algumas respostas para todas essas coisas que vêm sendo faladas, todas essas denúncias que vêm sendo colocadas contra ele.

Acredito que sou um ídolo nacional"

Romário

O que podemos prever para o futebol feminino, uma vez que esta modalidade, por mais que avance, não ganha a devida importância no Brasil?
Reinaldo Tavares

Romário – Temos que dar mais importância a esse esporte. A CBF, principalmente, como maior entidade do futebol no Brasil, tem que entender que a mesma atenção que é dada para o futebol masculino tem que ser dada ao feminino, senão não vai acontecer nada.

Qual foi efetivamente a participação do Zico em seu corte da Copa na França? Ele teve realmente alguma participação, mesmo não sendo o treinador nem médico da seleção?
Sebastião Fernandes de Souza Filho

Romário – Até dois, três anos atrás, achava que ele fosse o principal causador do meu corte. Mas depois de algumas entrevistas que vi e ouvi em programas de televisão e rádio e li em alguns jornais, e também depois que estive com ele, até me arrependo de ter pensado isso dele. Eu tenho certeza de que ele realmente não foi o principal, nem o causador do meu corte. E, sim, o Zagallo, o Américo Farias e o falecido Lídio Toledo, que Deus o tenha.

É fato que o Brasil não é mais o bicho papão do futebol. Será que levamos a Copa de 2014? Por que com tantas estrelas não temos um futebol convincente?
Yuri Kiuski Rocha da Silva

Romário – Porque realmente não temos tempo de fazer uma seleção forte, não temos tempo de treinar uma seleção. E também porque, infelizmente, muitos jornalistas chamam de craques aqueles jogadores que apenas são bons. Como são jovens, eu sei por experiência própria, isso sobe à cabeça e, na hora da responsabilidade, quando se coloca uma camisa da seleção brasileira é diferente do clube. Por isso, a gente vê muitos jogadores que no clube apresentam um futebol digno de serem convocados e que, na hora da convocação, não prestam o serviço que têm que prestar.

RENATA LO PRETE - PAINEL


Quem indica 
RENATA LO PRETE
Folha de S.Paulo - 26/09/2011

Após a denúncia de que até 30% dos deputados venderiam emendas do governo paulista, Geraldo Alckmin encomendou estudo para tornar pública a autoria das indicações que resultem na remessa de recursos para custeio de entidades e execução de obras em redutos eleitorais. O tucano planeja identificar, inclusive na internet, os padrinhos de cada convênio assinado -hoje, as publicações oficiais só mencionam os beneficiados, omitindo os mediadores. Duas hipóteses são avaliadas: a inclusão dos aditivos já na votação do Orçamento-2012 ou a mera citação dos parlamentares responsáveis pelos ofícios acolhidos pela Casa Civil.

Eu avisei
Provável alvo do Conselho de Ética da Assembleia de SP, Roque Barbiere (PTB), que denunciara há um mês a venda de emendas por colegas de Casa, reafirmou as acusações em entrevista a uma emissora de TV regional na sexta-feira. Disse que alertou o governo sobre a prática e mostrou-se disposto a dar exemplos, em juízo.

ReciboO petebista já foi aquinhoado com os R$ 2 milhões de sua cota para 2011.

CalculadoraCom o "Assembleiagate", o Bandeirantes considera sepultada a negociação pela elevação do teto de indicações, que se arrastava desde dezembro. Deputados desejavam uma fatia de R$ 5 milhões por ano.

PauleiraAlguns políticos sintonizados no Rock in Rio respiravam aliviados ontem diante da constatação de que a banda Titãs entoara o hit "Polícia" na véspera de Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, homenagear o senador José Sarney na introdução a "Que país é esse?", sábado à noite.

AlavancadoNão obstante a vitória, há quem diga que Eduardo Campos (PSB-PE) assumiu compromissos demais -alguns deles incompatíveis- para eleger a mãe ao TCU. E que o governador pode se complicar na hora de pagar as faturas.

De novo?Foi sob a batuta de Cândido Vaccarezza e Henrique Alves que, em 2010, PT e PMDB assinaram pacto de revezamento na presidência da Câmara. Vaccarezza, contudo, acabou preterido por Marco Maia como candidato petista. Agora, Alves corre o risco de ter o mesmo destino, dada a contestação que enfrenta na sua bancada.

Conexões Luiz Marinho, um dos petistas empenhados em ajudar Gilberto Kassab a colocar o PSD na rua, tem relação antiga com o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski. Em privado, o ministro se refere ao prefeito de São Bernardo como "irmão".

Cara nova
Em evento da caravana do PT paulistano, ontem no Butantã, uma militante passava a lista de presença. Sem reconhecer o ministro da Educação, perguntou: "O senhor é participante?". O pré-candidato de Lula à Prefeitura de São Paulo, sem jeito, respondeu: "Não, eu sou o Fernando Haddad".

Todos por um Haddad, Alckmin e Kassab confirmaram presença na posse de Paulo Skaf em seu terceiro mandato à frente da Fiesp, hoje no Teatro Municipal.

Tônico
Em campanha nas zonais paulistanas do PSDB, Andrea Matarazzo ganhou musculatura no colégio que deve definir, em caso de prévias, o candidato tucano à prefeitura. Preferido de José Serra entre os quatro postulantes, o secretário da Cultura conquistou espaço em especial na base de vereadores.

Estica e puxa
A exemplo de Kassab, o PSDB-SP corteja os três deputados estaduais expulsos do PSC.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

Tiroteio
"O governo prepara a Copa como um time sem técnico. Todo mundo corre, chuta e nada de bola na rede. Quem não faz pode acabar tomando gol no contra-ataque".

DO LÍDER DO PSDB NA CÂMARA, DUARTE NOGUEIRA (SP), sobre as ameaças veladas da Fifa ao Brasil diante da incompatibilidade do balanço oficial de obras com o que se vê nos principais canteiros das cidades que sediarão o evento.

contraponto

Herança maldita
Miguel Torres e Carlos Lacerda, dirigentes da Força Sindical, aguardavam no Ministério da Fazenda a reunião em que seria tratada a redução do IPI. Na antessala de Guido Mantega, notaram que a TV ali instalada era de fabricação mexicana. Cobraram, então, do ministro a substituição do aparelho por um produzido no Brasil. -Ela já estava aqui quando cheguei- disse Mantega. Torres retrucou: -Ah é? Não é à toa que dizem que pouca coisa mudou na política econômica desde o governo FHC...

J. R. GUZZ0 - Nada a ver


Nada a ver
J. R. GUZZO
Revista Veja 

Houve um tempo em que existiam coisas certas e coisas erradas. As coisas certas eram o contrario das coisas erradas, as coisas erradas o contrário das coisas certas, e ninguém precisava recorrer à Corte Internacional de Haia ou consultar comissões de ética para saber a diferença entre umas e outras. Na vida pública brasileira, ao longo dos últimos anos, surgiu uma terceira categoria: as coisas que não têm nada a ver. À primeira vista elas parecem tão erradas quanto o pecado original, mas, depois que recebem o carimbo de "nada a ver", passam a desfrutar de absolvição automática e integral. Transformam-se imediatamente em atos corretos, ou pelo menos neutros: o que não se admite, em nenhuma hipótese, é que possam estar errados. Esse tipo de pirueta faz um sucesso cada vez maior no mundo oficial, sempre que alguém tem de explicar uma situação enjoada. O resultado é que o Brasil, hoje em dia, é o país do nada a ver. Funciona assim, por exemplo: um peixe graúdo da administração pública, desses que estão em um dos 25000 empregos para os quais as supremas autoridades da República podem nomear quem bem entenderem, tem um parente próximo (mulher, irmão, filho etc.) que é dono de alguma empresa; essa empresa, por sua vez, ganha do governo contratos para lhe vender produtos, prestar serviços ou construir obras, às vezes diretamente na área dirigida pelo alto burocrata em questão. Na época das coisas certas e erradas, algo assim era considerado quase uma piada, em matéria de erro; só os espíritos mais audaciosos, ou desesperados, teimavam algo parecido. Não mais. Hoje, quando se dá um flagrante desses, a posição oficial do governo é dizer que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sim, o dr. Fulano ocupa a posição tal; sim, a empresa dos seus familiares recebe dinheiro do governo, para fornecer isso ou aquilo - e daí? Sua mulher, irmão, filho etc, têm todo o direito de assinar contratos com a administração. Trata-se de empresários como quaisquer outros. Participam de licitações públicas. Proibi-los de fazer negócios com o governo seria discriminação, a fato de ganharem o contrato não tem nada a ver com o fato de que há um marido, irmão, pai etc, no governo. Caso encerrado.

Ninguém mais está disposto a perder muito tempo, atualmente, montando esquemas complicados para esconder seus "malfeitos", como diria a presidente Dilma Rousseff. Basta prestar um pouco de atenção às "organizações não governamentais" que os políticos utilizam para tocar seus negócios. Nada mais simples. Um parlamentar faz aprovar pelos colegas uma emenda mandando esse ou aquele órgão do governo entregar alguns milhões de reais a uma ONG, que em troca do dinheiro recebido se encarregaria de prestar serviços ao poder público; uma das fórmulas preferidas, no momento, é dar "treinamento". Treinamento para quê, ou para quem? Tanto faz: qualquer invenção serve, pois ninguém vai treinar ninguém para nada. A única providência que realmente interessa é entregar a verba à ONG escolhida. Ela vai repassá-la a uma empresa-laranja, à qual caberia fazer o treinamento previsto na emenda; nenhuma tarefa é executada e o dinheiro some no espaço, sem deixar vestígio. Quando o fato é descoberto, o parlamentar responsável pela trapaça diz que uma coisa - a sua emenda - não tem nada a ver com a outra - o sumiço da verba. Tudo o que ele fez foi providenciar os recursos. Não lhe cabe fiscalizar sua aplicação - se no meio do caminho meteram a mão no dinheiro, o que ele tem a ver com isso?

A filosofia do nada a ver tem mil e uma utilidades. Serve para permitir, por exemplo, que um grande escritório de advocacia pague diárias num hotel de luxo na ilha de Capri - isso mesmo, Capri - a um ministro do Supremo Tribunal Federal. O STF não poderia julgar causas patrocinadas pelo tal escritório? Poderia, é claro. Mas as duas coisas não têm nada a ver entre si; segundo o ministro em questão, trata-se de um "assunto pessoal". O nada a ver também serve para que grandes eminências da política nacional viajem em jatinhos de empreiteiras, banqueiros e outros magnatas - ou que recebam deles até 500000 reais para lhes fazer uma palestra. Que problema poderia haver nisso?

A consciência do homem público brasileiro, hoje em dia, é algo que se satisfaz com pouco. É como o camelo: basta lhe dar aquele ramo de água e o bicho atravessa um deserto inteiro, sem reclamar de nada. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: "Nada a ver".

RICARDO SEMLER - Caem os muros


Caem os muros
RICARDO SEMLER
FOLHA DE SP - 26/09/11

O muro estanque da escola está para ser rompido pela web. Não há cartilha que resista ao mar da internet


SUSTO DEPOIS de susto. Assim tem sido minha rápida temporada de palestras na Europa e na África nestes dias. Tive colóquio com o Kofi Anan, entrevista para a imprensa com o econo-pessimista Nouriel Roubini e ainda encontro de meia hora com o Al Gore. Parte disso foi parar no YouTube, para quem tem tempo para essas coisas.

Cada um está apavorado com algo diferente -muitos muros estão caindo. Gore está convencido de que a Amazônia virará deserto em poucas décadas e o Chris Anderson (dono da revista "Wired" e profeta da alta tecnologia) me confessou que quer banir tablets da sala de aula.

A Palestina quer ser país, e tem parte da sua população morando numa penitenciária gigante a céu aberto. Seus muros, dos quatro lados de Gaza, são de vergonha e, por que não dizer, lamentação.

Roubini fala de revoltas sociais crescentes, como Dilma o fez na ONU. Há dúvidas se este tal de Brics sobrevive -muitos já cantam uma desintegração parcial de outro muro (muralha) -o da China.

Nem os EUA nem a Europa têm mais dinheiro para salvar os outros, quiçá eles mesmos.

Não dá tempo para evitar as colisões socioeconômicas de um mundo que comemorou a queda do muro comunista para, apenas 20 anos depois, ver ruir o muro do capitalismo puro.

Com isso em mente, cabe fazer um zoom sobre os muros da escola. Está aí, claramente, a origem e a solução desses problemas. Uma escola antiquada, sequestrada pela obstinação do fazer de conta, é fatal.

A escola como lugar onde os pais depositam seus filhos, e suas vãs esperanças, não tem futuro. Ruirá, porque seus muros são feitos do mesmo material que o de Berlim, de Gaza ou de Wall Street. Como comportas, terão que ser abertas para que as muitas águas façam uma pororoca de modernidade.

O muro estanque da escola já está para ser rompido pela fluidez da web. Não há cartilha que resista ao mar profundo da internet. O parco material enfadonho de hoje é reduzido à decoreba. Mesmo quando os métodos são atualizados, e colocados na web.

Como o mundo financeiro, Gaza ou as revoltas árabes, todos os muros caem de um dia para o outro. Muitos estão a ruir, e o estrondo começa a ser audível.

Continuar a procurar melhorias marginais na escola, a que gerou os milhares de líderes desequilibrados que ergueram tantos muros vergonhosos, é incorrer em erros que os pedreiros sempre evitaram.

Só fica de pé o muro que tem uma fundação verdadeira. Fazer de conta que se ensina, que se aprende, e que nós, pais e sociedade, estamos satisfeitos, só remenda com cimento-cola um muro que deveria ter caído há muito tempo. Olho nos muros, gente, lá vem tijolo.

A festa dos bodes - REVISTA VEJA


A festa dos bodes
 REVISTA VEJA


No momento em que as manifestações de combate à corrupção ganham as ruas, uma polêmica livra a família Sarney de um processo espinhoso. A impunidade no Brasil tem raízes históricas. A promiscuidade entre política e Justiça está entre as principais causas

Daniel Pereira e Rodrigo Rangel


Dá-se como regra que em Brasília os assuntos mais candentes não são resolvidos nos gabinetes e nos plenários, mas em restaurantes, quartos de hotel e festas particulares. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país, transformou em pó a mais extensa investigação já feita sobre a familia do presidente do Senado, José Sarney. Realizada entre 2007 e 2010, a operação mapeou os negócios do clã maranhense nas abas do poder público, f1agrou remessas milionárias para o exterior, além de dinheiro do contribuinte indo parar em contas de empresas controladas, segundo a polícia, por "laranjas" do primogênito do senador, o empresário Femando Sarney. Transações quase sempre sustentadas por verbas de órgãos historicamente comandados por apadrinhados do superpoderoso parlamentar, como as estatais do setor elétrico. De tão complexo, o caso se desdobrou em cinco inquéritos. Três deles estavam prestes a se transformar em processos judiciais. Antes que isso acontecesse, porém, veio a decisão do STJ.
Uma das turmas do tribunal considerou que juízes de primeira instância não poderiam ter autorizado a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de Femando Sarney e de outros investigados apenas com base em informações do Coaf, o órgão governamental encarregado de monitorar operações financeiras suspeitas. Foi uma transação de 2 milhões de reais, realizada no fim do ano eleitoral de 2006 e mapeada pelo Coaf, que serviu como ponto de partida para a investigação. Incumbidos da operação, Polícia Federal e Ministério Público discordam, obviamente, da decisão. Advogados criminalistas, claro, festejam. Independentememe de qual lado está com a razão, o fato é que o veredicto do STJ dá força à sensação de que os poderosos e aqueles que orbitam em seu redor nunca experimentam a força da lei no Brasil. É mais um elemento a confirmar a fama de paraíso da impunidade. Fama danosa ao país, mas que garante uma vida tranquila a figuras de proa da República às voltas com denúncias graves. Gente como os notórios Paulo Maluf, Luiz Estevão, Jader Barbalho e Renan Calheiros, beneficiados por um caldo cultural que tem como ingredientes a promiscuidade entre agentes públicos e empresários, a falta de apetite das instituições para punir certas castas e a letargia da população diante de malfeitos.
Para entender as razões que protegem políticos e corruptores do acerto de contas com a Justiça, é preciso retroceder ao descobrimento. Diz o professor e doutor em história Ronald Raminelli, da Universidade Federal Fluminense: "A impunidade é uma prática que veio para cá com os portugueses. Na Europa daquele período, os nobres e poderosos tinham privilégios e não eram submetidos às mesmas leis dos homens comuns. A diferença é que os europeus foram se livrando dessa tradição ao longo do tempo, mas aqui ela perdura até hoje". Na gênese dessa prática está a necessidade de autopreservação da elite política - comportamento que se cristaliza, por exemplo, nas absolvições de parlamentares criminosos e na dificuldade do Congresso em aprovar leis saneadoras na seara ética. "Para os poderosos, até hoje fica a interpretação da lei da melhor maneira possível. Há uma rede de proteção em que as leis são sempre interpretadas de acordo com os interesses dos grupos dominantes". prossegue Raminelli.
A Justiça é uma engrenagem indissociável desse processo. O problema começa na forma como são preenchidas as vagas nos tribunais superiores. Os ministros são escolhidos pelo presidente da República. Antes de assumirem, têm de ser sabatinados e aprovados pelo Senado. "O processo de escolha é uma verdadeira simbiose entre Legislativo. Executivo e Judiciário e foi levado a um ponto intragável, em que há sempre a perspectiva, por parte dos magistrados. de agradar aos políticos de plantão, que podem ajudá-los a galgar postos mais altos na Justiça", afirma o procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. "Virou uma grande bancada de compadres, onde todos se protegem, se frequentam, e quem quiser ter vaga no STJ ou no STF tem de usufruir de proximidade e prestígio com os políticos." Com mais de cinquenta anos de vida pública, ex-presidente da República e pela quarta vez no comando do Senado, ao qual cabe realizar as sabatinas, Sarney construiu uma rede de relações e de influência sem precedentes - com ramificações em todos os poderes, principalmente no Judiciário.
Relator do caso que resultou no arquivamento do processo que investigou a família Samey, o ministro Sebastião Reis Júnior foi empossado em junho passado no STJ. Um de seus amigos diletos é o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro. Kakay, como o advogado é conhecido em Brasília, também é amigo de Sarney e defensor do clã maranhense há tempos. Essa relação de proximidade entre os três teve alguma coisa a ver com a decisão da semana passada? Certamente não. Mas relações assim fomentam determinadas lendas. "O Sebastião é meu amigo há muito tempo, mas não atuei nesse caso, não conheço os detalhes do processo nem sabia que ele era o relator". diz Kakay. Em fevereiro, o advogado organizou uma feijoada na mansão em que mora, em Brasília, que reuniu ministros. senadores e advogados famosos. Sebastião Reis era um dos convidados. Na ocasião, apesar de ainda ser aspirante à vaga no STJ. já. era paparicado como "ministro" por alguns convivas. O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli também participou da feijoada. que varou a madrugada. Ah. as festas e os quartos de hotel em Brasflia.
No dia 17 passado, um sábado, Toffoli, Kakay e representantes de famosas bancas de advogados de Brasília voltaram a se encontrar em uma festa, em Araxá, Minas Gerais, no casamento de um dos filhos do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. O aeroporto da cidade não via um movimento assim tão imenso fazia muito tempo. Os convidados mais famosos chegaram a bordo de aviões particulares, inclusive o ministro Dias Toffoli. Em nota, ele explicou que o avião lhe fora cedido pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janéiro, onde dá aulas. Naquele dia, por coincidência, o ministro, que estava junto de sua companheira, informou que tinha um compromisso de trabalho no campus que a instituição mantém em Araxá.
Sepúlveda Pertence é o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência - uma espécie de vigilante e fiscal do comportamento das autoridades do Executivo. Além de Kakay e Toffoli, ele recebeu como convidados o ex-senador Luiz Estevão (condenado a 31 anos de prisão e que deposita suas últimas esperanças em se safar da cadeia nos recursos que serão julgados no STJ e no Supremo) e o empresário Mauro Dutra (processado por desvio de dinheiro público) - e advogados que defendem ou já defenderam ambos. Toffoli é relator de um dos processos de Luiz Estevão no Supremo. Os quartos do hotel mais luxuoso da cidade foram ocupados, portanto, por juízes, réus e advogados que atuam em processos comuns. A feijoada de Brasília terminou na madrugada do dia seguinte, com um inofensivo karaokê. A festa de Araxá também avançou a madrugada, embalada por música eletrônica. Havia, porém, uma surpresa guardada para o final. Depois das 3 da manhã, as bandejas dos garçons passaram a circular com frascos de lança-perfume uma droga ilegal, que pode levar à prisão de quem a distribui. Quem a consome, se flagrado, também tem de se explicar à Justiça. ""Teve gente que passou mal no banheiro, mas foi tudo de boa", conta um dos convidados. Àquela hora, rezemos, os guardiães das leis, incluindo os anfitriões, já haviam se recolhido aos seus aposentos. Não teriam testemunhado, assim, o que pelas leis vigentes no país ainda é considerado crime. No dia seguinte, os jatinhos estacionados no aeroporto decolaram em direção a Brasília. Na segunda-feira, quando começa a semana de trabalho, os convivas passam a chamar-se de excelências. Voltam a ser juízes, advogados e réus. Só na aparência. infelizmente.