segunda-feira, setembro 19, 2011

É preciso preencher a cabeça deles - REVISTA VEJA


É preciso preencher a cabeça deles
REVISTA VEJA


O Enem mostra que os brasileiros concluem a escola com deficiências básicas – o que lhes subtrai a chance de competir em igualdade de condições com jovens de todo o mundo

Quando o prêmio Nobel de Física Richard Feynman (19181988) esteve no Brasil, nos anos 50, ficou assombrado com o que viu. Ao tomar contato com estudantes às vésperas do vestibular, espantaram-no tanto o pendor local pela decoreba de fórmulas como a completa ignorância sobre seu significado. Anos mais tarde, registraria em seus escritos aquilo que entendeu como um paradoxo brasileiro: entre os estudantes do mundo inteiro, os jovens que conheceu nos trópicos eram os que mais se debruçavam sobre a física e os que menos sabiam sobre a matéria. À medida que o ensino médio foi se expandindo no país - em seis décadas, o porcentual de jovens matriculados passou de 3% para os atuais 51 % -, a desvantagem escolar observada por Feynman só se agravou. As aulas são rasas, desinteressantes, incapazes de preparar os estudantes do século XXI para disputar espaço em um mercado de trabalho global, no qual a capacidade de inovar é cada vez mais valiosa. Alerta o sociólogo Simon Schwanzman:

"Se não começar a desatar os nós do ensino médio, o Brasil vai ficar para trás".

O recém-divulgado Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova aplicada pelo Ministério da Educação a 3,2 milhões de estudantes do país inteiro, dá a dimensão exata do abismo a vencer. É um espanto. Dos 23900 colégios públicos e particulares submetidos ao teste, não mais que 1.500 ou 6% da amostra - têm nível semelhante ao das escolas de países da OCDE (organização que reúne os mais ricos). O Enem trata de desmistificar uma ilusão que muitos pais cultivam ao matricular seus filhos em uma instituição privada - a de que eles ganharão um passaporte para o sucesso na vida adulta. Pois mesmo muitas das escolas que têm renome, prédios vistosos e mensalidades altas não resistem à comparação com suas congêneres estrangeiras: 80% oferecem na sala de aula qualidade equivalente à das escolas apenas medianas do mundo desenvolvido. Pasmem: na faixa dos 15 anos, estudantes demonstram dificuldade de resolver operações simples de matemática. como frações e porcentagens e de compreender textos curtos.

Várias razões explicam o cenário de terra devastada - a começar pelo despreparo dos professores. A maioria deles desembarca na sala de aula sem nenhuma estratégia para despertar o interesse de jovens inseridos em um mundo no qual o saber enciclópédico deixou de fazer sentido diante da internet. Na verdade, as deficiências de nossos mestres começam no nível mais básico. Os egressos das faculdades de pedagogia e das licenciaturas sabem pouco, ou nada, de didática, já que 80% do que aprenderam foram teorias obsoletas permeadas de bordões ideológicos. Às vésperas de formar-se pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Liliane Maria dos Santos, de 27 anos, dá o retrato acabado desse equívoco:

"Eu e meus colegas não estamos preparados para enfrentar a vida real na escola". Sobre o ensino médio pesa ainda um déficit de 40 000 professores, principalmente de matemática, química e física, segundo o MEC. São vagas preenchidas com gente de outras especialidades ou que nem mesmo chegou à faculdade. A escassez de cérebros para o ensino atinge escolas públicas e particulares." É raridade encontrar um professor realmente bom", diz o diretor Adilson Garcia, do Colégio Vértice, em São Paulo, o terceiro colocado no ranking nacional do Enem.

O ensino médio brasileiro se apoia em uma equação que não tem como dar certo: em nenhum outro lugar do mundo se despeja tanto conteúdo na lousa em tão pouco tempo. No afã de suprir todas as demandas do vestibular e agora as do Enem - hoje passaporte de entrada para 167 universidades públicas e mais de 500 particulares -, o currículo só cresce, amontoando temas que mobilizam apenas os estudantes brasileiros. Para se ter uma ideia, o número de tópicos apresentados ao aluno nas aulas de matemática chega a ser dez vezes o que aprende um típico estudante de Singapura (com o detalhe de que nós estamos na rabeira e eles, no topo). A velha cultura corporativista também tem sua parcela no inchaço do currículo. Ele vai inflando à medida que grupos com interesses próprios lutam pela inclusão de mais e mais disciplinas. Ocorreu recentemente com filosofia e sociologia, hoje obrigatórias, e periga se repetir com esperamo e linguagem de sinais, que figuram entre os oitenta projetos do gênero que aguardam votação no Congresso Nacional. "O ensino médio é um verdadeiro massacre de matérias dadas de forma muito superficial", diz a estudante carioca Julia Pimentel, de 16 anos.

Espreme-se tudo isso em uma jornada escolar de quatro horas - quando não menos. Pesquisadores que acompanharam o dia a dia de dezoito escolas públicas durante quase um ano chegaram a uma conclusão estarrecedora: mesmo entre as melhores, o tempo líquido em sala de aula não passava de duas horas e treze minutos, contados no relógio. O desperdício se deve ao absenteísmo dos mestres, às greves e à indisciplina - esta um mal também muito disseminado em colégios particulares, que, em geral, não sabem lidar com o problema. "Ver alunos e professores concentrados na sala de aula é coisa rara", resume Wanda Engel, superintendente do Instituto Unibanco e coordenadora do estudo, feito em parceria com o Ibope. Para efeito de comparação, nos países de melhor ensino os jovens passam, em média, seis horas na escola, às vezes até oito.

Os problemas do ensino médio começam a ser gestados bem antes, no nível fundamental. "Os alunos brasileiros acumulam deficiências tão graves que, ao chegar à etapa seguinte, ficam boiando na aula". diz a doutora em educação Maria Inês Fini. A metade dos 3,6 milhões que chegam a essa etapa acaba debandando dos bancos escolares antes do fim do ciclo - um funil que não condiz com uma economia que demanda cada vez mais gente bem formada. O fracasso do ensino médio torna necessária uma reflexão sobre o modelo brasileiro - único no mundo. Enquanto em países da OCDE os jovens podem escolher entre uma gama de escolas e disciplinas, no Brasil o sistema é igual para todos, maçante e enciclopédico, à revelia das diferenças de interesses e expectativas de cada um . Não custa trazer à realidade brasileira as palavras do filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592), que se preocupava com o ensino nas escolas de seu tempo. No período final da Renascença, ele dizia: "Uma cabeça benfeíta vale mais do que uma cabeça cheia".

Rolos aqui e no exterior - REVISTA VEJA


Rolos aqui e no exterior 
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Edir Macedo, chefe da Igreja Universal do Reino de Deus, é investigado por lavagem de dinheiro no Brasil, nos Estados Unidos e na Venezuela
Laura Diniz e Otávio Cabral

O empresário Edir Macedo, de 66 anos, dedica-se a dois grandes negócios. Desde 1977, na condição de “bispo”, comanda a Igreja Universal do Reino de Deus, a quarta maior corrente religiosa do Brasil. Há 22 anos, assumiu a direção da Rede Record, a segunda maior emissora de TV do país. Um negócio alimenta o outro. E os problemas de um contaminam o outro. Na semana passada, como foi amplamente divulgado, Macedo viu-se denunciado à Justiça por arrecadar dos fiéis uma fortuna de dinheiro, mandá-la ilegalmente para o exterior, lavá-la nos Estados Unidos e fazê-la voltar para os cofres da Record. O aporte de todo esse dinheiro suspeito, contudo, não vem conseguindo elevar a audiência da emissora. Resultado: a rede de tv está cada vez mais dependente da Universal. No início do mês, a sede da Record no Rio de Janeiro foi penhorada como garantia de pagamento de dívida da Igreja.

O problema mais premente que Macedo enfrenta é a denúncia feita pelo Ministério Público Federal à Justiça que detalha como a igreja utiliza o dinheiro arrecadado de seus fiéis. O bispo é qualificado como “organizador das atividades criminosas” e acusado de estelionato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. “Os pregadores valem-se da fé, do desespero ou da ambição dos fiéis para lhes vender a ideia de que Deus apenas olha pelos que contribuem financeiramente com a Igreja”, escreveu o procurador Silvio Luís de Oliveira. A denúncia apresenta provas, como o depoimento de três doleiros que mandavam a dinheirama obtida com as doações para o exterior. Segundo a denúncia, apenas 10% do dinheiro arrecadado era depositado no Brasil. Todo o restante – “notas amassadas, rasgadas, coladas com durex, suadas e rabiscadas, um dinheiro sofrido” – era entregue aos doleiros.

Na última década, Macedo expandiu seus empreendimentos para fora do Brasil, abrindo templos da Universal em 170 países e criando a Record Internacional. A expansão internacionalizou suas dificuldades com a lei. Como grande parte das doações passa pelos Estados Unidos, promotores americanos o investigam por lavagem de dinheiro. Até a Venezuela anda preocupada. Em pedido de cooperação enviado ao Brasil, promotores daquele país relatam que o bispo é alvo de uma investigação de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. Os venezuelanos citam a acusação feita por um ex-pastor da Universal que viajou à Colômbia em 1989 para obter recursos com um traficante do Cartel de Cali. Voltou de jato fretado para o Brasil e a soma, segundo ele, foi usada para a compra da Record. Como o mesmo grupo de religiosos difundiu a Universal na Venezuela, as autoridades de lá temem que as igrejas de lá estejam sendo usadas para lavar dinheiro. “Estamos na presença de uma organização criminosa internacional que também atua na Venezuela”, justificam os promotores, que pedem a cópia de todas as investigações brasileiras relacionadas a Macedo.

O dinheiro arrecadado com fiéis, de maneira agora questionada pela Justiça, é a maior fonte de financiamento da Record. A cada ano, esse valor vem aumentando. No ano passado, a Universal repassou 430 milhões de reais à emissora com a justificativa de compra de horário para seus programas religiosos. Com esses recursos, a Record modernizou-se, passou a produzir novelas e reforçou seu elenco de artistas e jornalistas. A intenção era alcançar a audiência da Rede Globo até 2010. Mas, depois de conseguir a média diária de 8.3 pontos em 2008, o seu Ibope caiu no ano seguinte e mantém-se estagnado na casa dos 7 pontos. Honorilton Gonçalves, bispo responsável pela Record, tenta convencer Macedo a aumentar os repasses. Mas Romualdo Panceiro, o bispo que administra a igreja, é contra. A relação entre os dois dirigentes, que já era tensa, agravou-se com a penhora da sede da Record no Rio. A quarta vara criminal de Justiça do Rio condenou a Universal a pagar 10 milhões de reais em aluguéis atrasados a uma transportadora, dona do terreno onde funcionava um templo. Como o pagamento não foi feito, a sede da TV (que está em nome da igreja) foi penhorada. Se a dívida não for paga em um mês, o prédio irá a leilão.

É muito poder - REVISTA VEJA


É muito poder
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Testemunha de defesa do petista José Dirceu, o "chefe da quadrilha do mensalão", e advogado de um dos envolvidos no caso, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos continua influindo no processo de seleção dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, ele ajuda a escolher aqueles que vão julgar seus amigos e clientes.

A presidente Dilma Rousseff recebeu o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos para um almoço no Palácio da Alvorada no dia 31 de agosto passado. Amigos desde o governo Lula, do qual foram expoentes de primeira grandeza, eles conversaram sobre a sucessão da ministra Ellen Gracie. recém-aposentada do Supremo Tribunal Federal (STF). O tema sempre fez parte da rotina de Thomaz Bastos quando ele despachava no Palácio da Justiça, entre janeiro de 2003 e março de 2007, e comandava o processo de escolha dos integrantes dos tribunais superiores. Continuou a fazer mesmo quando ele trocou a administração pública pela iniciativa privada. Com sua reconhecida biografia, nada aparentemente mais natural do que o ex-ministro continuará a servir como conselheiro presidencial. As circunstâncias, porém, às vezes demonstram que não é tão definida assim a fronteira que separa o legal do moralmente aceitável. Na conversa com Dilma, Bastos indicou dois nomes para a vaga no STE.

O escolhido pela presidente completará o plenário da Corte, que se prepara para julgar o mais importante caso de sua história: o processo do mensalão. A decisão do STF, seja qual for, vai impor ao episódio uma chancela histórica e política duradoura. A sentença final dos ministros do STF terá seu lugar marcado na história por estabelecer oficialmente o grau de ofensa dos amores do mensalão. Eles podem até ser presos e banidos da vida pública ou, se absolvidos ou punidos com leveza, vender-se ao grande público como vítimas de uma grande conspiração de forças políticas adversárias.

Thomaz Bastos vem assessorando Dilma na definição do substituto de Ellen Gracie. Toma parte de uma decisão que, em última instância. pode beneficiar seus clientes privados e companheiros políticos. Desde julho, o ex-ministro é formalmente advogado do diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, um dos 36 réus do mensa\ão. Não é a única ligação dele com o processo. Thomaz Bastos também é testemunha de defesa do petista José Dirceu, acusado pelo Ministério Público Federal de comandar a "sofisticada organização criminosa" que comprava apoio parlamentar para o governo Lula. Como ministro da Justiça, ele tinha acesso a informações privilegiadas sobre o caso. Além disso, é dele a linha mestra da defesa dos mensaleiros, segundo a qual o mensalão não passou de um caso corriqueiro de uso de recursos "não contabilizados", no imortal eufemismo criado por Lula. A vingar essa tese, os envolvidos vão pegar penas brandas, escapando da condenação severa pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção - as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República.

Márcio Thomaz Bastos, ou MTB; como preferem os antigos, participou da escolha de pelo menos seis ministros do STF que julgarão o mensalão, definiu a estratégia de defesa dos acusados e agora, como advogado do caso, continua a influir na composição da corte constitucional. "Fiquei surpreso. Primeiro, porque ele é uma das testemunhas do mensalão, mas, mais do que isso, ele comandou a Polícia Federal durante as investigações e participou ativamente da condução da crise que o mensalão suscitou. É muito estranho que ele tenha entrado no processo agora, aos 46 mínimos do segundo tempo", diz, na condição do anonimato, um respeitado ministro do Supremo. "Isso é muito ruim para a biografia dele." MTB tornou-se, ao lado do ex-presidente Lula e do deputado cassado José Dirceu, parte de um alto comando político-jurídico-partidário que tem como objetivo impedir a condenação dos mensaleiros pelos crimes mais pesados de que são acusados. Isso é vital para a sobrevivência do lulopetismo como força hegemônica na política nacional.

No PT, dá-se como certo que o ministro Joaquim Barbosa, o relator do processo, votará pela condenação de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Garantir que o ministro novato, regimentalmente o primeiro a votar depois do relator, conteste Barbosa teria uma função estratégica no decorrer do julgamento. A estratégia tem a ousadia de um salto mortal sobre o abismo, mas o desespero dos über-petistas com a real possibilidade da condenação de seus pares é tão grande e a falta de alternativas tão evidentes que eles puseram o plano mirabolante para andar.

MTB relativizou sua atuação na escolha do novo ministro do STF. Ele que no almoço com Dilma a questão da substituição de Ellen Gracie no STF foi mencionada de passagem, apenas confirmar a decisão de que a vaga será preenchida por uma mulher. MTB admite que já se encontrou "casualmente" com candidatas ao posto, entre elas a ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar, e Eunice Carvalhido, chefe do Ministério Público do Distrito Federal. O ex-ministro também trabalhou nos bastidores da nomeação da ministra Maria Thereza Moura, do Superior Tribunal de Justiça. MTB afirma não se sentir constrangido com o fato ter comandado a PF durante a investigação do mensalão, participado da escolha ministros que julgarão o caso, traçado a linha de defesa de parte dos réus e , representar um deles formalmente. "A melhor maneira de o indicado mostrar gratidão a quem o indicou é, como dissea ministra Ellen Gracie, julgar com isenção. Temos muito orgulho do tratamento republicano que demos às nomeações". O filósofo Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, discorda de MTB. É absolutamente imprudente ele agir como coordenador do estado para a investigação e como defensor dos acusados. O problema não é de legalidade, mas, funcionamento adequado das instituições". Romano está coberto de razão.

GUILHERME FIUZA - A CPMF é vital para a saúde


A CPMF é vital para a saúde
GUILHERME FIUZA 
REVISTA ÉPOCA

OS R$ 40 BILHÕES DA CPMF CONTINUAM ENTRANDO NOS COFRES DO GOVERNO, GRAÇAS À SANHA ARRECADADORA

A população tem de compreender que o governo precisa de mais dinheiro. Foi isso o que disse Dilma Rousseff, tranquilamente, em entrevista coletiva num hotel em Brasília. “A opinião pública tem que entender”, avisou a presidente, referindo-se à volta da CPMF ou à criação de outra fonte de verbas para a saúde pública. Vamos ouvi-la: “Acho que é uma função da gente esclarecer a população e não ter uma atitude em relação à Saúde que é a seguinte: resolve-se tudo com gestão”. E esclareceu: “Resolve não. Resolve não”.

Nem é preciso insistir. A opinião pública já entendeu que esse negócio de gestão é complicado. Como mãe do PAC, apresentada por Lula como a dama de ferro da gestão, Dilma assistiu à montagem da farra do Dnit – onde o lema era: cada obra, um ralo. Eleita presidente, manteve o dream team dos Transportes. Nem é preciso perguntar a ela se o festival de aditamentos que sangrou os cofres públicos se resolve com gestão. A resposta já foi dada pelo escândalo: resolve não, resolve não.

Por que, então, não propor um novo imposto para salvar as estradas brasileiras do buraco físico e financeiro? A população há de entender.

Mas o povo precisa ajudar o governo popular a evitar que o dinheiro novo também se perca pelo caminho. “Por isso que todo mundo tem que participar da discussão e tem que ter esse compromisso legal: não pode desviar dinheiro da Saúde”, conclamou Dilma. Claro que ela não se referia aos mais de R$ 2 bilhões subtraídos do setor pela corrupção nos últimos nove anos (fora o que o Tribunal de Contas da União não enxergou). O desvio que a presidente denuncia é o do governo neoliberal de FHC (sempre ele), quando os recursos da CPMF teriam sido contrabandeados para fora da área da Saúde.

Quando o PT assumiu a Presidência, a receita da CPMF, que estava indo para o caixa único do governo, tomou o seguinte rumo: o caixa único do governo. Por algum desses mistérios da política, os companheiros do povo fizeram exatamente o mesmo que os neoliberais com os recursos da Saúde.

Ou quase o mesmo. Quando a CPMF foi derrubada, em 2007, o governo popular – preocupado com sua saúde – saiu aumentando outros impostos, como IOF e CSLL. Desde então, a arrecadação federal só bateu recordes, chegando ao dobro do crescimento econômico em 2010 e continuando a subir em 2011. A carga tributária alcançou obscenos 35% do PIB. E Dilma avisa o povo que o governo precisa de mais dinheiro.

Os R$ 40 bilhões da CPMF continuam entrando nos cofres do governo, graças à sanha arrecadadora
Os R$ 40 bilhões que a CPMF rendia continuam entrando nos cofres do governo, com bônus, graças a essa sanha arrecadadora. Por que não colocá-los na Saúde? Porque a gestão petista tem mais o que fazer com eles. Entre outras urgências, é preciso agradar às empreiteiras com estádios de futebol novinhos em folha, estradas intermináveis, uma Belo Monte aqui, um trem-bala ali – afinal, o pé-de-meia eleitoral não pode ficar para depois.

É preciso também, entre os gastos essenciais, bancar a propaganda populista na mídia: “O Brasil está em boas mãos – Nas mãos do povo brasileiro”, avisou o marketing caríssimo do Sete de Setembro. Informação de utilidade pública, inadiável. Foi o que se viu também nos comerciais do MEC defendendo os livros didáticos com erros de português. O ministro da Educação-candidato a prefeito de São Paulo sabe que, para ensinar os estudantes a falar “nós pega o peixe”, pode-se economizar no máximo o plural.

É um governo, enfim, que tem quatro dezenas de ministérios para sustentar. Seria intolerável um afilhado de Sarney assumir o Turismo sem verbas para convênios piratas no Amapá. Ou deixar a turma do PR a pão e água no Dnit, sem verba para um aditamento sequer. E vem aí mais um salto nos gastos públicos (5% acima da gastança eleitoral de 2010), que não pode ficar sem fundos.

Será que a nova CPMF resolve a gula do governo popular? Resolve não, resolve não...

PAULO GUEDES - A embriaguez dos EUA e a vertigem da Europa


A embriaguez dos EUA e a vertigem da Europa
PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA

É ERRÔNEA A CRENÇA DE QUE OS GOVERNOS PODEM "RESOLVER" A CRISE. O AJUSTE SERÁ GRADUAL E DOLOROSO


O mundo das finanças produz novidades continuamente, mas parece ter dificuldade para aprender com os erros. Não é que surge agora em Londres mais um jovem profissional de mercado praticante de alquimia reversa, capaz de transformar em pó US$ 2 bilhões de um tradicional banco suíço? E não é que os governos anunciam que haverá um esforço coordenado dos bancos centrais, a fim de garantir o abastecimento de dólares e evitar uma crise de liquidez no sistema bancário europeu?

Há um interessante debate em andamento sobre o euro ser uma moeda condenada. Mas muitos dos argumentos se baseiam na crença errônea de que as autoridades poderiam "resolver" os problemas. Se houve excessos indesculpáveis de financistas privados nas raízes da crise, houve também claramente um excesso na atuação de governos, na política de dinheiro barato do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), na manipulação cambial pelo banco central chinês e na demagogia e irresponsabilidade financeira da social-democracia europeia.

Há uma frequente condenação ao Banco Central Europeu (BCE) por não ter atuado de forma tão decisiva quanto o Fed após o estouro da crise. Essa é uma das manifestações da "crença nas autoridades". Impedir o agravamento de crises de liquidez é uma função clássica de bancos centrais, mas daí a atribuir à política monetária a capacidade de sustentar artificialmente o crescimento econômico com juros baixos vai uma enorme distância.

Desde o crash de 2000-2001, o Fed insiste nessa prática de dinheiro barato. Assim, causou bolhas de crédito, de preços de imóveis, de derivativos financeiros e de preços de ações. O resultado foi o estouro das bolhas, o colapso das finanças públicas na operação de salvamento dos bancos, a descrença nas autoridades pela socialização das perdas, a radicalização do processo político e uma taxa de desemprego de 9%. É compreensível que, pelo trauma da Grande Depressão, o Fed insista na tentativa de inflar os preços dos ativos e aquecer a economia. Mas doses cavalares do mesmo remédio de juros muito baixos por muito tempo – quase uma década –, como as aplicadas pelo Fed, tornaram-se um pesadelo.

É errônea a crença de que os governos podem "resolver" a crise. O ajuste será gradual e doloroso

Na Alemanha, o trauma histórico não é o da Depressão, e sim o da hiperinflação. Por isso, o BCE resiste às pressões para aquecer a economia, mesmo que sua atuação seja necessária neste momento para impedir o agravamento da paralisia bancária. A arquitetura de uma moeda supranacional realmente dificulta operações de "salvamento" no curto prazo. Mas a consequente austeridade monetária impede, por outro lado, a fuga irresponsável pela inflação, pela emissão de dinheiro sem lastro, que às vezes pode parecer mais sedutora que a disciplina fiscal de longo prazo.

Outro problema apontado pelos eurocéticos é a falta de instrumentos fiscais que possam amenizar as assimetrias nos impactos da crise. Não será mesmo fácil extrair recursos dos alemães por meio de impostos para financiar o "bem-estar" de gregos, portugueses e italianos. A Europa meridional podia estar melhor em um bloco econômico com uma moeda alternativa, digamos o "mediterrâneo", que se desvalorizaria substancialmente ante o euro. Mas o fato é que todos estão trancados agora na jaula do euro. Terão de apertar os cintos.

Esse aperto é tão necessário quanto inevitável e trará dores intensas. O mais provável será: 1) o gradual afrouxamento de liquidez pelo BCE; 2) um demorado, mas consistente ajuste fiscal na Europa meridional; 3) o reforço da atuação do Fundo Monetário Internacional e do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, com possível emissão de eurobônus e participação decisiva da China nesse esforço de financiamento; 4) a recapitalização do sistema bancário europeu e a reestruturação das dívidas soberanas. Enquanto os americanos permanecem embriagados pela liquidez, os europeus olham para o abismo e torcem para que haja verdade no que afirmou Nietzsche: o que não nos mata nos fortalece.

ANCELMO GOIS - Voando no mar


Voando no mar
ANCELMO GOIS 
O Globo - 19/09/2011

Em tempos de Copa e Olimpíadas, estão estudando a criação de linhas aéreas de hidroaviões, inclusive para Brasília (Lago Paranoá), Belo Horizonte (Pampulha) e o Rio Amazonas.

É gente que tenta, por exemplo, convencer Eike sempre ele Batista a criar uma linha ligando a Marina da Glória (que ele administra) até Angra (perto do Frade, onde já tem uma área delimitada).

Agenda do ex
Lula vem hoje ao Rio. Faz palestra no setor naval.

O fantasma do motel
O Palácio do Planalto checou na época a denúncia do "Estadão", feita em dezembro, portanto antes de assumir o Ministério do Turismo, de que Pedro Novais pedira à Câmara ressarcimento de R$2.156 pagos a um motel em São Luís, em 2010.

A investigação concluiu que Novais não tinha participado de nenhuma, digamos, bacanal. Era uma nota de despesa fantasma inventada pelo contador do ex-ministro, que também prestava serviços à casa de saliência.

Ou seja...
O ex-ministro de 81 anos não era tarado. Foi trambique mesmo.

Medo de beiço
Há uma diferença de R$2,8 milhões entre o valor que o Exército aceita pagar e o que as prestadoras de serviço dos Jogos Militares, em julho, querem receber. Por conta disso, cerca de 300 pessoas ligadas à SP2-Brasil, subcontratada da Hoffmann, ainda não receberam pelo trabalho. É pena!

RENATO JANINE RIBEIRO - Lula na Prefeitura de São Paulo


Lula na Prefeitura de São Paulo
RENATO JANINE RIBEIRO
VALOR ECONÔMICO - 19/09/11

Esperei para comentar o impacto da pesquisa do Datafolha sobre as candidaturas a prefeito de São Paulo. Queria ver as reações. Os trinta por cento de Marta Suplicy e os dezoito de José Serra tornam difícil o PT negar a legenda a sua ex-prefeita, ou o ex-prefeito e governador aceitar concorrer pelo PSDB. Esperei que alguém jogasse a toalha, do lado petista - talvez os ex-aliados de Marta que ora competem com ela - e que, do lado tucano, algum nome se viabilizasse. Mas, se todos tomaram nota, como se diz em linguagem diplomática quando o resultado não é o que se deseja, ninguém piscou. Tudo continua possível. Aparentemente.
A baixa intenção de voto em Serra não surpreende. Ele teve perto de 54% dos votos válidos na cidade, no segundo turno das eleições de 2010; por isso, o fato de obter apenas um terço desse número, menos de um ano depois, soa estranho à primeira vista. Certamente ele conta com muitos eleitores que votariam nele, de novo, para presidente - mas não para prefeito. O que em nada o desmerece, porque ao que tudo indica ele não quer a prefeitura. Seus eleitores e ele pensam do mesmo modo. Seu sonho continuaria sendo a Presidência, o único cargo importante que não ocupou e para o qual se preparou por longos anos. Poderia ter sido presidente em 1994, se Itamar o tivesse escolhido em vez de FHC, ou em 1998, não houvesse a reeleição. Ainda tem chances. Agora, se concorrer à prefeitura, será difícil perdoar uma nova renúncia após um ano somente de mandato, para mais uma vez disputar o Planalto. Será a repetição da história como farsa. O problema então é encontrar um nome que mantenha unido o condomínio tucano paulista, no qual a divisão entre Alckmin e Serra levou à dissidência de Chalita, pelo lado do primeiro, e de Kassab, pelo lado do segundo. A família tucana, que governa o Estado desde 1994, e a cidade desde 2004, está em risco na capital.
Já o PT terá dificuldades em rejeitar uma candidata que, a um ano das eleições, conta com quase um terço das intenções de voto. Mais estranho ainda será descartá-la em favor de um candidato que obteve só dois por cento na pesquisa. É verdade que alguém pode começar com um ou dois por cento e vencer. Assim sucedeu com Pitta, secretário e sucessor de Maluf na prefeitura, Fleury, secretário e sucessor de Quercia no governo estadual, e Dilma, ministra e sucessora de Lula na presidência da República. Mas, em todos esses casos, em que candidatos sem prévia experiência eleitoral (como Fernando Haddad, o favorito de Lula) derrotaram opositores mais cotados, havia alguns traços especiais. Primeiro: foram apoiados pelo titular do cargo, por sinal muito bem avaliado. O problema era transferir a popularidade de um nome conhecido para um desconhecido. Segundo, e mais importante: se cada um deles partiu de meros dois por cento, enfrentava um favorito inicial que não era de seu partido - mas do concorrente. Dava para promover, simultaneamente, a construção do nome novo e a desconstrução do opositor. Agora, um eventual prélio Haddad-Marta se dará no interior do mesmo partido. Não pode ser demasiado agressivo, porque o perdedor deverá apoiar o vitorioso. Nos Estados Unidos, as palavras horríveis que Hillary Clinton disse sobre Obama não a impediram de apoiá-lo, quando ele ganhou a indicação, nem o impediram de nomeá-la para o cargo mais importante da administração. Mas, no Brasil, o eleitor dificilmente esqueceria acusações fortes entre companheiros de partido. Isso limita a capacidade de um nome alternativo para contestar, nos meses que faltam, o favoritismo de Marta no eleitorado.
No entanto, há uma racionalidade clara no apoio de Lula a seu ministro da Educação. Nas primeiras eleições que Lula disputou, ele queria marcar uma posição. Vencer ou não era secundário. Num segundo tempo, ele aceitou marcar uma posição. Ele trazia os votos, a esquerda petista fazia o programa, e ele engolia isso. Já em 1998, derrotado pela terceira vez, Lula mudou radicalmente. Decidiu só concorrer para vencer. Convenceu-se de que, num país complexo como o Brasil, um partido não ganha a Presidência sozinho. Precisa de alianças. Isso implicava aceitar que, no governo, ele não aplicaria in totum o programa do PT. Mas, entre realizar parte razoável do programa e nada realizar, Lula não teve dúvidas. Creio que esse é seu raciocínio em São Paulo. Trinta por cento dos votos, os que Marta tem, são o patrimônio usual do PT na cidade. Ela por ora consegue realizar o total desse estoque; mas qualquer candidato petista que não seja um absurdo partirá desse patamar. O problema é conseguir os vinte por cento que faltam para ganhar, provavelmente no segundo turno. Quando começarem a atacar Marta pela taxa do lixo, ou baixarem o nível na campanha, ela conseguirá expandir seu cabedal de votos? Lula provavelmente crê que um nome novo, de pouca rejeição, com a causa simpática da educação, possa crescer mais. Sua questão não é o que o partido faz, intra muros. É se o partido consegue conquistar a sociedade. A isso se soma um fato curioso: Marta na política, como por exemplo Paulo Bernardo na administração, são nomes polivalentes, que podem ocupar praticamente qualquer cargo. Já Haddad se identificou tanto com a educação que, paradoxalmente, se inviabilizou para qualquer posição que não seja a sua, atual - onde começa a sofrer uma fadiga de material que pode se acentuar -, ou a chefia de um poder executivo. Daí que ele queira a prefeitura. Daí que talvez Lula pense nele como sucessor de Dilma, em 2018. Mas o fato, hoje, é que ele tem dois por cento e Marta, trinta.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

PAULO GUEDES - Déjà vu



Déjà vu
PAULO GUEDES
O GLOBO - 19/09/11


As bolsas celebram em todo o mundo o anúncio de um esforço coordenado dos bancos centrais para garantir o abastecimento de dólares e evitar uma crise de liquidez no sistema bancário europeu. Acredita-se que a Europa é um continente à deriva, o euro, uma moeda condenada, e que só mesmo as autoridades poderiam "resolver" os problemas atuais.

Ora, conhecemos todos o papel das próprias autoridades no agravamento da crise contemporânea. O dinheiro farto e barato do Fed contribuiu para as bolhas de crédito, de preço de imóveis, de derivativos financeiros e de mercados acionários. Sabemos também da manipulação cambial pelo banco central chinês, realimentando bolhas e destruindo empregos ocidentais. Bem como os abusos e a irresponsabilidade financeira praticados há décadas no paraíso perdido da social-democracia europeia.

O Banco Central Europeu (BCE) é criticado por não atuar de forma tão decisiva quanto o Fed. É verdade que impedir o agravamento de crises de liquidez seja uma função clássica dos bancos centrais. Mas são insensatas as doses cavalares de liquidez com juros baixos por muito tempo - quase uma década - como praticadas pelo Fed na tentativa de sustentar artificialmente o crescimento. Levaram ao estouro das bolhas, ao colapso das finanças públicas na operação de salvamento dos bancos, à descrença nas autoridades pela socialização das perdas, à radicalização entre republicanos e democratas e a uma taxa de desemprego permanentemente elevada, em torno de 9%. Enquanto isso, praticando austeridade fiscal e monetária, os alemães desfrutam a mais baixa taxa de desemprego dos últimos 20 anos.

Se a arquitetura de uma moeda supranacional como o euro realmente dificulta operações de "salvamento" a curto prazo, impede por outro lado a rota de escape inflacionária à disciplina fiscal de longo prazo. Não será mesmo fácil extrair recursos dos alemães por meio de impostos para financiar o "bem-estar" dos gregos. Trancados como agora na jaula do euro, os meridionais terão de apertar o cinto.

O desfecho mais provável: gradual afrouxamento de liquidez pelo BCE, longo e doloroso ajuste fiscal na Europa meridional, mais recursos para o FMI e para o Fundo Europeu de Estabilização (com emissão de eurobônus e participação decisiva da China no financiamento), a recapitalização do sistema bancário europeu e a reestruturação das dívidas soberanas. Déjà vu.

RUY CASTRO - Pobres lá e cá



Pobres lá e cá
RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 19/09/11

RIO DE JANEIRO - Pelas últimas contas nos EUA, a crise econômica elevou para 46,2 milhões -15,1% da população- o número de americanos abaixo da linha de pobreza. Linha de pobreza, nos EUA, significa uma renda anual de US$ 22 mil -R$ 37 mil- para uma família de quatro pessoas. Com esse dinheiro, quatro brasileiros pobres viveriam muito bem por 5,5 anos.
Pobre nos EUA é quem recebe o equivalente a R$ 770 por mês. No Brasil, é quem ganha R$ 140. Isso faz com que os 46,2 milhões de pobres nos EUA sejam a enormidade de 80 milhões no Brasil -o que deveria bastar para qualquer ex-presidente brasileiro vivo (e ainda há vários por aí) se envergonhar de ter ocupado a cadeira por quatro ou oito anos e deixado tal legado.
Por sorte, tudo é relativo, e a engenhosidade brasileira faz com que, aqui, os números sejam uma coisa no papel e outra na vida real -porque ignoram os ganhos da informalidade. Ao mínimo de R$ 2 por veículo, quanto não fatura um flanelinha carioca que trabalhe dez horas por dia? A R$ 200 por cachorro, quanto não leva para casa um passeador de cachorros paulistano ao fim de 30 dias? E como calcular o que as pessoas simples, mas bem relacionadas, não faturam em Brasília por baixo da mesa? Sem falar nos contraventores, traficantes, bandidos e outros que ficam de fora das estatísticas.
Tudo isso quer dizer que sai mais em conta ser pobre no Brasil do que nos EUA -muito mais. Não esquecer também que o brasileiro pobre não precisa de dinheiro para sapato, agasalho ou trajes sociais -chinelo, camiseta e calção são perfeitamente aceitáveis. Já o americano pobre tem contra ele o inverno, além de eventuais atentados terroristas, terremotos e tufões.
O pior é que o branco americano pobre chega a ser quase um nababo, em comparação com os hispânicos e negros americanos pobres. Estes, sim, coitados.


MARCELO DE PAIVA ABREU - Entre Pangloss e Cassandra


Entre Pangloss e Cassandra
MARCELO DE PAIVA ABREU
O Estado de S.Paulo - 19/09/11

Há alguns meses o espírito de Pangloss, o personagem de Voltaire que só era capaz de ver razões para continuar otimista, dominava a maioria das avaliações sobre a economia do Brasil - avaliações reforçadas por diagnósticos internacionais que pareciam querer compensar o excesso de pessimismo no passado com excesso de otimismo em relação ao futuro. A capa da The Economist com o Cristo Redentor envolto em nuvens cinzentas no início de 1999 (Storm clouds from Brazil), em meio à crise cambial, custou a ser substituída por visão menos catastrófica. E, certamente, a capa do final de 2009, com o Cristo sendo propelido por um foguete (Brazil takes off) parece agora bem exagerada, subestimando os inúmeros obstáculos à retomada do crescimento econômico acelerado e sustentado.

Menos Pangloss e mais Cassandra - figura mitológica hoje associada ao pessimismo - é o que parece sugerir a disseminação de iniciativas recentes nos Três Poderes da República.

Iniciativas do Poder Judiciário indicam percepção inadequada de restrições orçamentárias e falta de sensibilidade quanto aos anseios da sociedade civil e à capacidade institucional de fazer justiça de forma equilibrada e expedita. É preocupante que as postulações salariais sejam acompanhadas por esforços de preservação de regalias quanto a direitos trabalhistas e que tenham como pano de fundo a constatação de que há ações judiciais pendentes de decisão que estão comemorando o 50.º aniversário. E que, no contexto de negociações salariais do Judiciário, sejam invocadas razões ancoradas na independência de Poderes. Com o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) definindo o teto salarial do funcionalismo público nos Três Poderes, o impacto sobre as contas públicas seria desastroso.

Quanto ao Poder Legislativo, pouco há a acrescentar a um diagnóstico que sublinhe o colapso de aderência mínima a princípios éticos que se constata com base nas práticas fisiológicas de políticos na administração pública e pelo esprit de corps maligno, evidenciado em votação secreta sobre a cassação de deputada acusada de corrupção. O único consolo é que tal diagnóstico da sociedade civil quanto ao modus operandi do grosso da classe política não configura novidade, especialmente desde que o PT dominou a tecnologia de administração de coalizões fisiológicas no início do governo Lula.

Iniciativas do Poder Executivo estimularam mais ainda a crescente desconfiança quanto às bases concretas que poderiam justificar a persistência de otimismo com a economia do País. A decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa Selic, alegadamente lastreada em diagnóstico pessimista sobre a evolução da economia mundial, preocupa menos do que as reações que suscitou. Diversos ex-ministros da área econômica, com ampla experiência em épocas em que decididamente não se podia falar de autonomia do BC, manifestaram seu regozijo com a decisão, pois configuraria a reestatização do BC e teria sacramentado o fim da crença em modelos monetários. Nesse coro de congratulações, não faltou quem sublinhasse que decisões de política monetária envolvem mais "arte" que ciência, ao contrário do que defendem "sacerdotes" indevidamente comprometidos com o setor financeiro.

Há pelo menos dois problemas com tais análises. O primeiro é que foram exatamente ministros que no passado promoveram a aceleração inflacionária ou fracassaram em tentativa de estabilização - nos dois casos, com crescimento medíocre - que demonstraram mais entusiasmo com a audácia da política econômica atual de privilegiar o crescimento em detrimento do regime de metas.

Terá faltado "arte"? É oportuno lembrar Laurence Peter, do Peter Principle: "Só há uma coisa mais penosa do que aprender com a experiência: é não aprender com a experiência". Tudo o mais constante, acho que, às opiniões de sacerdotes enfáticos da hiperinflação com estagnação, prefiro o que Pedro Malan, Gustavo Franco, Ilan Goldfajn, Afonso Bevilaqua, Alexandre Schwartzman, Eduardo Loyo e Mário Mesquita, entre outros, têm a dizer sobre o assunto. Afinal, tiveram sucesso no controle da inflação, com algum crescimento.

O segundo problema são as alegações de que a Selic tem sido mantida em níveis elevados porque isso interessa ao setor financeiro. Trata-se de questão empírica sobre a qual não há evidência clara. Mas, em qualquer caso, a ninguém ocorreria sugerir que o setor financeiro deixa de tratar da melhor maneira possível a defesa dos seus interesses. Mas isso não é sua característica exclusiva. Da mesma forma agem os industriais ou seus áulicos que defendem sistematicamente proteção alta, ou generosos créditos públicos subsidiados, ou Selic reduzida, ou câmbio desvalorizado. É um mundo sem anjos.

A notória deterioração da governança mundial e o aumento da probabilidade de recrudescimento da crise mundial - na esteira da nova recessão nos EUA, das tensões da zona do euro e do arrefecimento do crescimento chinês - deveriam servir de estímulo para que o Brasil evitasse a adoção de políticas imprudentes ou simplesmente equivocadas. Os custos dos erros estão em alta.

DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIOH

LIGIA BAHIA - Sem o bode, o ar fica mais saudável


Sem o bode, o ar fica mais saudável 
LIGIA BAHIA
O Globo - 19/09/2011

Provavelmente, ainda nesta semana, a regulamentação da EC29 será aprovada na Câmara Federal sem o item que a condicionaria à recriação da CPMF. Da Câmara, o debate sobre o financiamento para a saúde seguirá para o Senado, depurado de pesados penduricalhos que o prenderam a uma contabilidade de difícil compreensão. Depois de muito dito e desdito, ficou mais ou menos estabelecido o seguinte: "Precisa mais dinheiro para o SUS, mas tem que dizer de onde virá." A solução ficou no ar. Como nenhum cidadão comum será capaz de tirar da cartola uma fonte caudalosa de dinheiro e o pânico criado pela ameaça de elevação da carga tributária arrefeceu, novas alternativas e questionamentos poderão ser apresentados ao escrutínio público.

Sem o bode na sala, ou seja, isentando a saúde da responsabilidade exclusiva pelo aumento da tributação, respira-se melhor. A entrada de ar fresco estimula a rearrumação da bagunça. A primeira providência é pôr num canto, mas não esconder, as circunstâncias que nos trouxeram até aqui. O que foi aprovado na Constituição de 1988 - recursos muito mais vultosos do que os que estão em discussão para financiar a saúde - jamais saiu do papel. A emenda aprovada em 2000 definiu, em um contexto de enrijecimento do orçamento e garrote fiscal, vinculações orçamentárias para a saúde. Embora a emenda tenha sido melhor que o desfinanciamento, os percentuais de aportes da União, estados e municípios nunca foram integralmente cumpridos. Entre 2000 e 2006, a variação dos gastos públicos com saúde foi menor do que a do PIB real, exceto em 2003, o que nos conduziu na direção contrária à dos países que aumentaram despesas em função do aumento das atividades de prevenção e assistenciais e do envelhecimento de suas respectivas populações. O fim da CPFM em 2008, no momento em que se prometia o repasse integral de sua arrecadação para a saúde, abalou os alicerces do financiamento setorial, porém não apressou o apocalipse. Não houve retração dos recursos federais, possivelmente em função do repasse do aumento da alíquota do IOF, tampouco obtivemos o incremento necessário para efetivar o SUS. Os remendos não debelaram o quadro crônico de subfinanciamento da saúde. Como a verdadeira crise é deixar tudo igual, já se avistam sinais de que a depleção continuada pode comprometer a manutenção de conquistas da saúde pública brasileira. Basta mencionar que um fator estratégico para reduzir a letalidade de uma provável nova epidemia de dengue será a capacidade de classificação de riscos e intervenção de serviços de saúde.

A segunda medida, essencial para reordenar as relações entre causa e efeito que se confundiram no meio do caminho, é conceder um lugar de destaque ao direito à saúde e a respeito de que SUS se está falando. Não faz nenhum sentido apresentar uma conta a ser paga e não explicitar com clareza compromissos com a efetiva melhoria das condições de saúde. Durante anos a fio se sustentou que o SUS era um sistema para pobres. Aos poucos, os argumentos para legitimar a segmentação do sistema de saúde tornaram-se mais peremptórios. Dizia-se que a desigualdade estrutural da sociedade brasileira impediria a efetivação de uma política de saúde universalista. O SUS constitucional seria apenas uma utopia de uns, bem intencionados, mas destituídos de senso de realidade e poder. A classe média tradicional e a emergente passaram a acreditar piamente que pagam duas vezes pela saúde. Embora quem declare ao fisco um rendimento de cem mil e gaste dez mil com plano privado desconte 25% das despesas com saúde privada, esses valores sumiram. Não são somas desprezíveis, mas ficam submersas nas narrativas que tomam a exceção pela regra. De fato planos individuais para idosos são muito caros e oneram dramaticamente orçamentos familiares. No entanto, essas situações são menos frequentes do que as referentes a planos coletivos empresariais, cujos custos são compartilhados por toda a sociedade e também são passiveis de deduções por pessoas jurídicas e físicas.

E como se não bastasse a confusão acumulada em torno do quem tem e quem paga, ouvimos recentemente em alto e bom som um revival do estilo unicausal de explicação dos males de saúde. O slogan "o problema não é de dinheiro e sim de gestão" atraiu adeptos. Tem muita gente convencida de que a anemia da saúde decorre exclusivamente da corrupção dos políticos. Quem gastou saliva falando que as coisas se arranjariam apenas com mudanças gerenciais vai ter um baita trabalho para se desdizer. As comparações internacionais são úteis para evidenciar que os indicadores de desempenho econômico no Brasil são superiores aos de saúde. Países vizinhos com menor renda gastam mais com saúde do que o Brasil. Contudo, depois de tantas idas e vidas, não se conseguirá contornar, só com a exposição de novos números, o desafio que é deslocar a fé nas vantagens da vinculação entre benefícios à saúde e renda, essa sim completamente aderida à ideia sobre o poder balsâmico do livre mercado, para a perspectiva de nivelar serviços de saúde para todos.

Conciliar o conhecimento sobre as finalidades com a mobilização dos meios para alcançá-los exige muito mais do que bom-senso e boa vontade. A substituição do ideal do individuo autônomo e empreendedor e a desconfiança nos impostos pela concordância com políticas universais não são consensuais. De toda maneira, quando se deseja resolver um problema é preciso ser capaz de nomeá-lo. Ao devolver o bode para a sua origem - as políticas de ajuste fiscal - abre-se caminho para admitir que a desigualdade inviabiliza a democracia. Qual é o tamanho e qual a abrangência do SUS a que estamos nos referindo? A concessão de subsídios públicos ao mercado de planos de saúde e as duplas portas de entrada continuarão sendo apoiados por políticas governamentais? Deixando para trás um estilo de gestão baseado em promessas grandiosas e realizações mitigadas, fica mais fácil enunciar precisamente como o Brasil enfrentará riscos à saúde, e assim subordinar a definição do volume e natureza das fontes de recursos financeiros a uma corajosa avaliação e projeção da situação sanitária.

MÔNICA BERGAMO - NA PRÓPRIA CARNE



NA PRÓPRIA CARNE
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 19/09/11

A família Setubal, controladora do Itaú, está entre as vítimas do assalto aos cofres do banco na avenida Paulista. Daisy Setubal, viúva do banqueiro Olavo Setubal, morta no ano passado, guardava lá suas joias de família. As peças foram levadas pelos ladrões.

VITRINE
A empresária Carin Mofarrej, do hotel de mesmo nome, é outra das vítimas do assalto ao banco.
Dona de uma joalheria em São Paulo, a Momussk, ela também guardava peças em cofres na Paulista.

JANTAR DE GLÓRIA
A novelista Glória Perez, da TV Globo, combinou com a equipe de Dilma Rousseff organizar um jantar da presidente com vários artistas.
A data ainda não foi marcada, de acordo com auxiliar direto de Dilma.

FACA E QUEIJO
E o diretor José Celso Martinez Corrêa diz que escreveu para a atriz Fernanda Montenegro para que os dois tentem marcar um encontro com Dilma. A pauta: o corte no orçamento do Ministério da Cultura. "Seria muito bom que a Dilma tivesse percepção maior da Cultura, como o Lula tinha. Tanto é que ele escolheu o Gilberto Gil para ser ministro logo no começo", afirma o diretor.

EU BEBO SIM
Um promotor de vendas estava bebendo tranquilamente a sua latinha de cerveja Skol num bar de Santa Catarina. Até que, azar!, sua chefe passa na porta. Vê a cena -e o demite. Afinal, ele trabalhava para a distribuidora das concorrentes Kaiser e Sol. A Justiça considerou que a empresa o demitiu "em razão do livre exercício do direito de liberdade de escolha e opção". Na semana passada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) confirmou sentença que determina pagamento de R$ 13 mil ao ex-empregado.

FLAGRA
Um casal gay foi flagrado pelas câmeras de segurança do shopping Frei Caneca fazendo sexo na escada de emergência, na semana passada. Um deles foi imobilizado no chão ao tentar fugir, no saguão do térreo. "Os seguranças o agarraram com força e gritavam: 'Você estava dando o c... na escadaria, vamos colocar o vídeo no YouTube'", diz o médico Fábio Araújo, 48, que testemunhou a ação e foi com o jovem ao 8º DP registrar queixa.

FLAGRA 2
Em nota, o shopping Frei Caneca afirma: "Lamentamos o ocorrido. Após constatar o episódio, um dos nossos seguranças abordou os dois rapazes e foi fisicamente agredido por um deles, sendo inclusive necessário passar por exame de corpo de delito. Foi lavrado termo circunstanciado de ocorrência por ato obsceno, lesão corporal e ameaça".

A VOZ DO POVO
O ex-narrador esportivo Osmar Santos, "o locutor das Diretas", será homenageado hoje durante o lançamento do site Brado Retumbante, do jornalista Paulo Markun, sobre o movimento.

'DILMA, NÃO LULA, É O POLÍTICO ALFA DO BRASIL'

A presidente Dilma Rousseff é capa da edição desta semana da revista "Newsweek", com o título "Dilma Dinamite - Onde as Mulheres Estão Vencendo". A editora-chefe da publicação, Tina Brown, falou à coluna sobre a brasileira e sobre a Women in The World Foundation (Fundação Mulheres no Mundo), que ela lançou na semana passada, em Nova York. O evento inaugural contou com a participação de personalidades como a atriz Meryl Streep, a ativista liberiana Leymah Gbowee e a estilista Diane von Furstenberg.

Folha - O que acha de Dilma?
Tina Brown - É uma mulher fora do comum. Ela é resiliente e elegante sob pressão. Tem um dos empregos mais difíceis do mundo e uma das mais fortes histórias de vida. Sua transformação de jovem revolucionária em presidente é coisa de cinema. Depois de nove meses, ela imprimiu seu estilo sem exageros em um espaço que pertencia a Lula, seu antecessor enormemente popular. Dilma, não Lula, é hoje o político alfa do Brasil.

Como vê a condição das mulheres em geral no Brasil?
Soube recentemente que as mulheres brasileiras estão tomando de assalto a indústria da construção e demolindo de verdade os estereótipos de gênero. Amamos histórias de mulheres fortes como essas!

Como vai atuar sua fundação?
A fundação servirá como plataforma de soluções para os desafios que as mulheres estão enfrentando. Irá congregar mulheres de impacto e estimular a colaboração entre grupos que possam fazer a diferença.

Haverá parceria com ONGs brasileiras?
Nós construímos relações com ONGs maravilhosas do mundo todo. Na "Newsweek" e no [site] Daily Beast [do qual também é editora-chefe], nós cobrimos a questão feminina ao redor do mundo. Agora, com a fundação, podemos fazer algo também. As parcerias com ONGs brasileiras nos darão uma oportunidade de jogar luz sobre assuntos de interesse de mulheres e garotas de uma das culturas mais interessantes e excitantes da Terra. Liderado por uma líder dinâmica e poderosa [Dilma], o Brasil certamente é uma nação que procuraremos destacar.

CURTO-CIRCUITO

O Prêmio Jovem Brasileiro será entregue hoje, às 19h30, no Memorial da América Latina.

A Reteté Big Band se apresenta hoje, às 21h, no Teatro da Vila, na Vila Madalena. Livre.

Antônio Lino Pinto autografa o livro "Pequenas Agências, Grandes Resultados", hoje, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Vila Olímpia.

O chef Pier Paolo Picchi inaugura amanhã, a partir das 12h, seu segundo restaurante, a Trattoria Rosticceria Picchi, na rua Eduardo Souza Aranha, na Vila Nova Conceição.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

MARCIA PELTIER - Contra-ofensiva


Contra-ofensiva
 MARCIA PELTIER
JORNAL DO COMMÉRCIO - 19/09/11

A indústria brasileira de brinquedos desistiu, por ora, de tentar tomar o espaço do produto americano ou de investir em exportação. Ela se prepara para recuperar o terreno ocupado pelas importações chinesas lançando 900 novos brinquedos para o Dia das Crianças e mais 600 em seguida, visando o Natal. A expectativa é de um faturamento, em 2011, de R$ 5,7 bilhões, 14% maior do que no ano passado.

Logo ali 

Segundo o presidente da Abrinq, Synésio Batista da Costa, desses 14%, 8% virão do aumento da produção e os 6% restantes da recuperação propriamente do mercado. Os fabricantes confiam na mudança de comportamento dos pais, que estão se conscientizando da má qualidade do produto oriental. Recentemente, a Receita Federal comunicou a Abrinq sobre o uso de plástico oriundo de tanques de agrotóxicos nos brinquedos chineses. “No caso de defeito, o consumidor sabe onde é a fábrica nacional, já para trocar o produto chinês, fica muito mais difícil”, ironiza Synésio.

Plantão na Câmara 

A ministra Maria do Rosário não decolou para acompanhar Dilma em sua viagem a Nova York. A pedido da própria presidente, vai permanecer em Brasília para quebrar ainda possíveis resistências de parlamentares à instalação da Comissão da Verdade. Para isso, troca seu gabinete, esta semana, pela liderança do governo na Câmara.

Time seleto 

Diogo Nogueira embarcou, ontem, para Portugal, onde vai cumprir extensa agenda de divulgação de seu novo trabalho, Sou Eu, que no Brasil já faturou disco de platina com o DVD e ouro com o CD. O sambista passa a fazer parte do restrito grupo de músicos brasileiros que lançam CD ou DVD na terrinha. “Voltamos a mandar ouro para Portugal”, exagera seu empresário, Afonso Carvalho. Além disso, o álbum Sou Eu acaba de ser indicado ao Grammy Latino 2012, na categoria Melhor Álbum de Samba/ Pagode.

Clima vintage 
A banda dinamarquesa The Asteroids Galaxy Tour, que se apresenta no primeiro dia do Rock in Rio e é conhecida pela música do comercial The Entrance, da cerveja Heineken, está animada para conhecer o Brasil. A louríssima líder do grupo, a vocalista Mette Lindberg, pesquisou na internet vários lugares que gostaria de conhecer e avisou que não volta para casa sem visitar o Cristo Redentor. Fã de bossa nova, que ouviu inicialmente através do álbum Getz/Gilberto, de 1964, a moça, que não dispensa peles falsas e maquiagem pesada, quer comprar por aqui colares exóticos e cheios de penduricalhos.

Desafogando 

O presidente do TJ do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, inaugura, amanhã, o novo Fórum Regional da Leopoldina, depois de um ano de obras para sua construção. O novo prédio conta com 15 mil m² de área e custou R$ 36 milhões ao Poder Judiciário estadual.

Só na sopinha 

José Dirceu retomou, semana passada, as atividades no seu escritório de advocacia no Ibirapuera (SP), cinco quilos mais magro. Há quinze dias ele se submeteu a uma cirurgia de hérnia de disco e, há uma semana teve de extrair um dente, o que o obrigou a se alimentar apenas de líquidos.

Café verde 

A Nespresso lança hoje, no mercado nacional, seu primeiro café de edição limitada sustentável, o Dhjana, um blend com grãos da Costa Rica, Brasil, Índia e Colômbia certificado pela Rainforest Alliance. A empresa já possui dois cafés regulares sustentáveis, o Volluto e o Rosabaya da Colômbia. A previsão para permanecer nas boutiques é de 11 semanas, porém a última edição premium se esgotou em quatro a seis semanas.

Cenário romântico 

Advogados, empresários cariocas e clientes vips preparam-se para decolar para Veneza, onde na próxima sexta-feira se casa o advogado Pedro Paulo Magalhães com a bielorussa Victoria Gelfand. O cenário armado para 60 convidados será o idílico hotel Cipriani. A noiva é diretora da galeria de arte Gagosian, uma das mais importantes do mundo, que tem entre seus clientes o bilionário russo Roman Abramovich, David Geffen, fundador da Dreamworks, e Samuel Newhouse Jr, proprietário da Vogue, Vanity Fair e The New Yorker.

Livre Acesso

O programa Marcia Peltier Entrevista recebe, amanhã, a secretária de Educação da prefeitura do Rio de Janeiro, Claudia Costin. Doutora em administração pública, ela já ocupou o cargo de gerente de políticas públicas do banco mundial, em Washington. Começa às 23h, na rede CNT.

Curadora do Joia Brasil, Anna Clara Herrmann promove hoje, em Nova York, uma edição beneficente do seu evento no jantar do IX Gala Anual da BrazilFoundation. Participam desta ação as designers Clementina Duarte, Francisca Bastos, Beth Godoy, Meire Bonadio e Henriqueta Hermanny. A Brazil Foundation é uma ONG voltada para a realização de projetos sociais no Brasil. 

As artistas Alba Araújo e Zaida Saldanha de Araújo abrem exposição no Iate Clube, amanhã, apresentando quadros com tema floral, em sua maioria. A mostra permanece até o dia 25 , com a curadoria de Daura Ramos.

Estão abertas as inscrições para o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios para incentivar e desenvolver o empreendedorismo entre as mulheres. Podem se inscrever brasileiras com mais de 18 anos que abriram pequenos negócios há pelo menos um ano e tenham faturamento anual de até R$ 2,4 milhões.

Volkmar Wendlinger, chef austríaco, da Casa da Suíça, participa da 3ª edição do BH Bom de Mesa a partir de amanhã, no Haus München, na capital mineira. Para a ocasião, Volkmar criou a trilogia de terrines Pampulha, que chega ao prato no formato da igreja desenhada por Niemeyer. Já a sobremesa, é uma mistura das culturas alemã e mineira: strudel de goiaba.

A Galeria Coleção de Arte, de Luciana Conde, será o local, amanhã, do lançamento dos livros Truques de Autor, do artista visual Heleno Bernardi e Vertigens, da escritora Fernanda de Mello Gentil. A festa terá DJ, instalações e vídeos.

Com Marcia Bahia, Cristiane Rodrigues, Marcia Arbache e Gabriela Brito

JOSÈ ROBERTO DE TOLEDO - Vírus de opinião


Vírus de opinião
JOSÈ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 19/09/11

Quem usa sabe que a repercussão nas redes sociais varia de zero a 1 milhão. E o zero é muito mais frequente. Só de vez em nunca um tuíte/post é maciçamente reproduzido por quem segue seu autor, e pelos seguidores dos seus seguidores, até vários graus de separação. Quando isso acontece, o fenômeno é "viral".

A virulência é o Eldorado do marketing virtual. E, como tal, raramente alcançada. O Instituto Gallup verificou a quase irrelevância das campanhas institucionais via Twitter e Facebook. Os esposos dos usuários de redes sociais, por exemplo, têm 40 vezes mais influência na opinião formada sobre marcas e produtos do que as propagandas no Twitter e no Facebook. Não fosse rara, a virulência mataria o seu alvo por sobrecarga.

Poucos microorganismos hostis conseguem se espalhar maciçamente. Só os que acham uma brecha no sistema de defesa do hospedeiro/vítima e condições ambientais favoráveis se expandem ao nível de epidemia. Notícias, mensagens políticas e ideias em geral só se propagam se conseguem driblar a apatia, essa arma imunológica da opinião pública.

Quem fala não impõe a quem escuta o que é relevante. Por isso, tentativas de controle do que é publicado - por conselhos ou pela censura - são inúteis, além de antidemocráticas. Uma mensagem só segue adiante nas redes sociais se o "receptor" comprá-la com entusiasmo suficientee reproduzi-la. Mesmo isso é insuficiente para alcançar a virulência.

Para pular etapas, marqueteiros virtuais contratam celebridades do Twitter como garotos-propaganda. Mas essa adaptação anacrônica do tiro de canhão para matar uma mosca, típica dos meios de massa unidirecionais, não costuma levar a lugar algum. Na mesma linha, usuários com escores altos em serviços como "Klout" (que medem a suposta influência de cada perfil no Twitter, Facebook, YouTube etc) são bombardeados com mensagens "pessoais" de produtos. Se você está recebendo uma enxurrada de tuítes que começam por seu codinome, conforme-se: você é um trendsetter.

Restrita Esses recursos primitivos são insuficientes para superar os muitos anticorpos que evitam infopandemias. Mesmo quando ultrapassa as primeiras barreiras da transmissão, a mensagem tende a ficar restrita ao segmento da população mais vulnerável àquele conteúdo, a pessoas que compartilham as mesmas características demográficas, que têm um DNA social comum.

Raríssimas campanhas saem dos trending topics para as ruas e influenciam um país. Sem um caldo de cultura propício, campanhas virtuais como "Cansei", pelo voto distrital ou protestos anticorrupção tendem a contaminar sempre a mesma parcela da população - que acaba por se desencantar com a falta de repercussão do movimento e troca a mobilização por frustração, quando não por ressentimento com o resto da sociedade.

Para mobilizar multidões, como nos países árabes, é preciso um tipo de engajamento que só costuma ser produzido por causas muito palpáveis - como fome e perda de direitos fundamentais - ou convicções ideológicas inflamadas, cuja expressão mais atual é o fanatismo religioso.

Sem o acúmulo de tensões sociais nenhum movimento sai do sofá para a praça. O trendsetter ou marqueteiro virtual pode estapear o fundo da garrafa quantas vezes quiser que a virulência não sairá pelo gargalo. Comunicação não é catchup.

JOSÉ GOLDEMBERG - Código Florestal - o que a ciência tem a dizer


Código Florestal - o que a ciência tem a dizer
JOSÉ GOLDEMBERG 
O Estado de S.Paulo - 19/09/11

Há mais de um ano que as discussões sobre a reforma do Código Florestal dominam os trabalhos do Congresso Nacional e ocupam um lugar considerável nos meios de comunicação. O substitutivo Aldo Rebelo polarizou os debates e acabou levando o próprio governo a uma séria derrota, quando foi aprovado por grande maioria da Câmara dos Deputados.

Praticamente ignorado em toda a discussão foi um interessante relatório preparado por um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que reúne os dados científicos básicos sobre o que se sabe a respeito das florestas brasileiras e as razões por que elas precisam ser protegidas.

O Código Florestal envolve um grande número de interesses e visões conflitantes de ambientalistas, ruralistas, grandes proprietários, assentados rurais, populações indígenas e outros grupos, sendo função legítima do Congresso estabelecer as regras que conciliem esses interesses em maior ou menor grau. Os interesses envolvidos vão dos motivados por considerações econômicas pragmáticas aos mais gerais, como proteção da biodiversidade e até da paisagem. Contudo não se pode ignorar na discussão o que a ciência tem a dizer, o que torna o Código Florestal diferente de outros códigos, como o Código Civil ou o Tributário, que definem apenas regras de comportamento social ou econômico.

No caso de florestas, decisões equivocadas podem implicar sua destruição, o que poderá ter consequências irreversíveis que afetarão não só a atual geração, mas também gerações futuras. Neste caso é essencial adotar o Princípio da Precaução, que foi incorporado à Convenção do Clima adotada na Conferência do Rio, em 1992, e ratificada pelo Congresso Nacional. O que esse princípio nos diz é que, "quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental". Em outras palavras, é melhor prevenir do que remediar.

Isso não foi feito no passado e levou a Mata Atlântica, que se estendia ao longo de 17 Estados, desde o Piauí até o Rio Grande do Sul, praticamente à extinção. Restaram apenas 11,4% da área original. E muitas das áreas desmatadas deixaram de ser utilizadas, como é o caso de grandes extensões que foram usadas para cafezais no passado e hoje jazem abandonadas no Vale do Paraíba. O mesmo está ocorrendo em grande escala no Pará, onde metade da cobertura florestal já foi eliminada.

Essa é precisamente a situação que enfrentamos agora em relação à Floresta Amazônica. Existem ameaças sérias à preservação dessa floresta e cabem medidas para prevenir que elas se materializem, uma vez que sua recuperação - estimada em R$ 12 mil por hectare - supera em muito o custo do desmatamento.

Exemplo é dado pela maneira como o substitutivo Aldo Rebelo trata a faixa de proteção ao longo dos cursos d"águas (matas ciliares) com menos de 5 metros de largura. No substitutivo ela é reduzida para 15 metros, medida a partir do leito menor; no Código Florestal vigente, a faixa de proteção é de 30 metros a partir do nível mais alto.

O que a ciência nos diz é que cursos d"água de menos de 5 metros de largura compõem mais de 50% da rede de drenagem do País, e a redação proposta resulta numa redução bruta de 31% da área protegida pelo Código Florestal vigente. Essa modificação conflita frontalmente com dados que são discutidos no documento da SBPC/ABC: as matas na faixa de proteção reduzem a concentração de poluentes químicos nos rios causada pelo vazamento de fertilizantes das áreas agrícolas próximas de suas margens. Mais ainda, as matas ciliares reduzem a erosão e a perda de solo de forma significativa. Não é apenas a biodiversidade que existe nas matas ciliares e a sua beleza que precisam ser protegidas, mas o próprio curso d"água.

Vários outros casos são apresentados no documento da SBPC/ABC, justificando, por exemplo, por que áreas de proteção permanente são importantes. Mesmo quando compensadas fora da propriedade agrícola - o que é previsto no substitutivo -, elas devem necessariamente sê-lo na mesma região, com características adequadas (o mesmo bioma), e não em regiões distantes ou em outros Estados. Caso contrário, é inútil protegê-las, porque a vida silvestre não sobreviverá. Além disso, as áreas protegidas precisam ser interligadas por corredores ecológicos, dos quais as matas ciliares são em geral os mais adequados.

A Amazônia é uma região onde está ocorrendo uma expansão rápida da fronteira agrícola, como ocorreu também em outros países. O caso mais conhecido é o dos Estados Unidos há cerca de 150 anos, mas ela não foi predatória, porque a propriedade da terra foi sempre bem definida e respeitada. Segundo alguns analistas, esse é o calcanhar de Aquiles de qualquer política fundiária para a Amazônia. Sem definir claramente a posse da terra e regularizá-la, a "grilagem" continuará a fazer avançar a fronteira agrícola.

Como se sabe, a ocupação das terras (frequentemente públicas e de custo zero) passa pelas seguintes etapas: extração da madeira de lei, instalação da pecuária e, em seguida, uma agropecuária mais moderna, principalmente soja, ou, em muitos casos, o abandono da terra degradada. Essa é uma combinação imbatível, uma vez que o risco econômico é muito baixo. Ela gera lucros rapidamente e o consequente avanço da fronteira agrícola, levando ao abandono das áreas desmatadas, como já ocorreu com a metade do Estado do Pará.

É isso que precisamos evitar. Mas o substitutivo do atual Código Florestal aprovado na Câmara vai na direção contrária e não deveria ser votado no Senado antes de os cientistas da SBPC/ABC serem ouvidos.

LUIZ FELIPE PONDÉ - Protocolos do afeto


Protocolos do afeto
LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 19/09/11

Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.

Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.

Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.


Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.

Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.

A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.

Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.

Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico.


Sim, o niilismo teria aí uma de suas últimas fronteiras?

É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.

É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.

Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?

Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.

Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença?

Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.

Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.

Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.

Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?

Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?

Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.

LÚCIA GUIMARÃES - Ficções


Ficções
LÚCIA GUIMARÃES
 O Estado de S.Paulo - 19/09/11

RIO

Meu entusiasmo era borbulhante. Não perco esta, prometi. Quando soube quem ia encerrar o 7.º Pen World Voices da Literatura Internacional, convenci meu jovem assistente, que não deu sinais vitais diante da menção do nome Harold Bloom: "Domingo, dia 1o de maio em Nova York, é dia de trabalhar. Vem conosco registrar o evento em vídeo". Aos 81 anos e com a saúde visivelmente deteriorada, Bloom teria dito que não ia mais fazer aparições públicas.

Foi uma tarde memorável para o meu assistente e também para o cinegrafista - um eleitor que votou duas vezes em George Bush, uma em John McCain e promete votar num republicano, em 2012, ainda que o candidato seja um boneco inflável. Harold Bloom, um dos maiores críticos literários do mundo, atravessa gerações e cegueira ideológica para eletrizar uma plateia com sua erudição idiossincrática e seu senso de humor.

Gravamos tudo e comecei a legendar em português um primeiro trecho. Coloquei no meu site, que é um exemplo de inconsistência porque não tenho tempo ou determinação para atualizar o conteúdo com frequência. E para quê? O vídeo não carrega justamente para o leitor com quem eu queria compartilhar o privilégio das palavras do sábio autor de O Cânone Ocidental.

"A banda larga no Brasil é uma ficção", comentou, resignado, um certo executivo da mídia brasileira. Como pode ser?, cantou esta exilada. Nossos céus têm mais estrelas, nossas várzeas têm mais membros do Orkut, nossos bosques têm mais tuiters, nossa vida mais amores on-line.

Caro leitor, vou falar bem devagar para o caso de sua conexão ser tão ruim quanto a do hotel carioca de onde escrevo.

A banda larga é mesmo uma ficção nesta terra onde canta o sabiá. E, suponho, deve dar muito dinheiro. Tanto quanto o que um esperto ganharia se conseguisse patentear o cubo de gelo.

No hotel não luxuoso onde me encontro, a fictícia banda larga oferecida por uma "companhia especializada", de fantasiosa velocidade de 500kbps, custa R$ 60 por dia. Por dia. Expliquei ao gerente que nem no hotel Four Seasons de Chiang Mai, na Tailândia, a banda larga, mesmo se incluísse um funcionário para me abanar com plumas de avestruz enquanto escrevo, poderia custar tanto. Acho que o gerente carioca ficou impressionado. Ou se envergonhou por não ter pensado no detalhe do ventilador humano, porque o custo caiu para R$ 0. Claro que não vou entregar a rapadura, porque sei que o gerente está sendo bacana e pode ser punido por superiores pela concessão da mordomia. Pior, se eu conto, logo vai se formar uma fila de mendicantes com seus laptops dobrando a esquina da avenida fulano de tal.

Não compreendo como o pujante consumidor brasileiro tolera esta lentidão em sua rotina cada vez mais dependente de uma banda larga real. E paga tão caro por ela. Não estou nem falando de baixar as nove horas do documentário Shoah. Qualquer site de informação é recheado de multimídia. Começo a exibir sintomas de crise de abstinência. Acostumada a abrir as páginas de pelo menos seis jornais, várias vezes por dia, estou ficando desinformada.

E a banda estreita não é o único exemplo da anemia dos serviços enfrentados pelo consumidor contemporâneo. Um voo internacional, como Nova York-Rio, custa cada vez mais caro, apesar do aumento do tráfego entre as duas cidades. E, na minha experiência com uma companhia aérea americana, os aviões usados agora são mais velhos, a poltrona "reclinável" não se move mais do que 20 graus e meus 174 cm de altura fazem com que o joelho viaje grudado no assento da frente. Pagar R$ 3.400 para passar duas noites, ida e volta, nessa lata de sardinhas, com o serviço pífio de bordo, é uma experiência bíblica.

Você gosta de escapar vivo de uma corrida de táxi pelo trânsito carioca? Fica satisfeito porque sabe que é proibido dirigir e falar no celular? Se for em dia de jogo, pode rezar para seu santo padroeiro. Os motoristas usam a tela do aparelho GPS para assistir à partida com o som da narração vindo da rádio FM. Numa noite de chuva, meu ateísmo foi testado pela aventura. Perguntei ao meu piloto: não é proibido assistir à TV e dirigir? "Claro", ele zombou da minha ignorância. "Mas eu tenho vidro fumê, fica tranquila." Só me acalmei quando me dei conta que o fraco Brasil x Argentina, de quarta-feira passada, não ia oferecer distração do volante.

Apesar de carioca e diplomada na sinuosa etiqueta das transações imaginárias, em Nova York, sou tratada como uma espécie de pistoleira de aluguel quando os amigos americanos querem reclamar - da operadora de celular, de cabo, da loja de eletrodomésticos, do seguro-saúde. Com doses certas de cólera, oratória e intimidação, já tive embates em que fui tratada com uma deferência reservada ao Tony Soprano. É exaustivo, mas a catarse ajuda a desopilar o espírito diante dos poderes que nos tungam diariamente.

Cada vez mais convencida de que há gente disposta a pagar muito por nada, dei uma olhada no site do Instituto Nacional de Patentes Industriais. Ninguém tentou patentear o cubo de gelo. Hum...

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS - A desindustrialização no Brasil


A desindustrialização no Brasil
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS 
Valor Econômico - 19/09/2011

Volto ao tema da desindustrialização que estaria ocorrendo no Brasil e que aparece com frequência na imprensa brasileira. Entende-se esse fenômeno como a redução estrutural da participação da indústria no PIB em função do crescimento das importações. O real forte seria o grande culpado segundo as lideranças empresariais e alguns membros do governo.

Em um primeiro momento o governo tentou enfraquecer o real via compras maciças de dólares no mercado de câmbio e a introdução de um IOF na entrada de recursos financeiros de curto prazo. Mais recentemente, atravessou uma fronteira perigosa - e que tinha sido evitada até agora - ao passar a cobrar o IOF nas operações de derivativos cambiais. Apesar de todas essas intervenções nossa moeda continua como uma das mais valorizadas no mundo emergente, o que tem provocado ranger de dentes em Brasília.

Na última quinta feira o governo resolveu ampliar sua intervenção e decretou um brutal aumento do imposto de importações de automóveis - mascarado por um novo IPI seletivo - na primeira medida direta para reduzir as pressões dos produtos importados. O primeiro alvo nesta nova escalada foi o setor automobilístico que sofre uma concorrência vigorosa de produtos importados. Certamente a influência política dos sindicatos dos metalúrgicos, principalmente do ABC, está por trás dessa escolha. Afinal eles conseguiram generosos aumentos na última rodada de dissídios coletivos e as empresas precisam de espaço para absorver, via preços, esse aumento de custo.

Outros setores da indústria de transformação a partir de agora vão demandar tratamento semelhante e corremos o risco - principalmente o cidadão consumidor - de uma rodada importante de fechamento via impostos de nossa economia, revertendo a tendência dos anos Lula.

O leitor do Valor sabe que não concordo com a análise simplista de que os problemas que enfrentamos hoje são criados, majoritariamente, pelas importações. Como escrevi em coluna recente neste jornal as causas são mais profundas e complexas e estão associadas às questões micro econômicas internas, como sistema tributário, regras salariais e custos de logística. Mas a medida do aumento diferenciado do IPI mostra que o governo resolveu agir de acordo com suas convicções e caminhar firme na direção da restrição direta às importações. E elas se aproximam muito da política do regime militar, quando Delfim Netto era ministro todo poderoso do governo. Aliás, fala-se muito hoje de sua volta ao centro das decisões econômicas no governo Dilma.

Vou me valer de dois ensinamentos que trago dos meus tempos de estudante de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para continuar minhas reflexões sobre este tema. O primeiro deles, que aprendi com um professor de Física ainda no começo de meus estudos, diz que contra fatos concretos não há argumentos. Por isso, se entendemos a desindustrialização apenas como a redução da participação da atividade industrial no PIB brasileiro e, se olharmos para o passado longínquo do regime militar como período de referência, estamos diante de um fato inquestionável e assustador.

Nos estertores do regime militar a indústria chegou a representar, em termos nominais, 48% do PIB. Com o colapso do modelo da ditadura e a aceleração da inflação a partir da década dos oitenta do século passado a indústria chegou a 28% do PIB às vésperas do Plano Real. Com a estabilização da economia nos anos FHC tivemos uma pequena recuperação da indústria, que alcançou a marca de 30% do PIB na passagem do governo ao presidente Lula. Hoje essa relação voltou a cair e chegou a 26% do PIB no início do governo Dilma. Não por outra razão temos ainda saudosistas do período militar, quando as restrições draconianas às importações fizeram com que a indústria brasileira chegasse a representar quase metade do PIB. Esse número só foi atingido pela União Soviética na segunda metade do século passado, o que não me parece uma boa referência tanto econômica como política.

Mas a que custo foi conseguido esse resultado no Brasil? Quantos anos de sacrifício foram necessários para purgar os projetos industriais sem viabilidade que formaram a base desta estrutura industrial artificial? Vamos impor ao consumidor brasileiro novamente os custos de um sistema micro econômico ineficiente e impossível de ser mantido no mundo de hoje?

Por ter vivido intensamente esse período de ajustes - inclusive como diretor do Banco Central - é que me assustam esses movimentos recentes do governo. E trago aqui o segundo ensinamento dos meus anos de politécnico: "sem um entendimento correto das causas de um problema nunca chegaremos a sua solução".

E, no caso da perda de musculatura de nossa indústria, a forma como o governo e parte importante da liderança empresarial pretende enfrentar suas causas é um exemplo dessa armadilha. Restringir as importações pela imposição de novas barreiras tarifárias é não tratar das causas corretas além de interromper um caminho de integração de nossas cadeias produtivas que nos levam a uma economia mais eficiente.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.