Trabalhar em casa
WALCYR CARRASCO
Revista Veja - SP
Sempre me considerei privilegiado. Há anos trabalho em casa. Escrevo minhas crônicas, novelas e meus livros de pijama. Muitas vezes sem fazer a barba e de cabelos espetados, porque sou do tipo que odeia um pente. Levanto para tomar cafezinho, fofoco no telefone e depois varo a madrugada para recuperar o tempo perdido. Adoro. É muito mais confortável do que quando tinha emprego formal, onde era obrigado a comparecer todos os dias, cumprir horários e aguentar chefes mal-humorados. Sinto falta, sim, de fazer amigos no dia a dia. É mais solitário, mas sou louco pelo meu cantinho. Sou capaz de ficar dois, três dias sem pôr o pé na rua. Agora, com os filmes saindo em DVD tão depressa e com tantas lojas virtuais, saio cada vez menos.
Meu modo de vida está se tornando normal para muita gente. Não só nos empregos “artísticos”. Minha sobrinha Andrea trabalha numa grande empresa multinacional, de ponta em seu setor. Tem um cargo executivo e a opção de trabalhar em casa quando quer. Cercada de computadores de última geração e internet wi-fi, Andrea administra sua área de casa. Discute as linhas de ação constantemente com o big boss do setor, que passa a maior parte do tempo nos Estados Unidos, mas também convive com seu filho pequeno e administra a vida doméstica. Faz questão de ir à sede regularmente, por opção.
Recentemente, vi um lançamento imobiliário que vendia o apartamento com o escritório acoplado, com entrada independente! Ou seja, as construtoras estão antenadas na tendência. Já conheci terapeutas que transformaram um cômodo do apartamento em consultório. O pai de um amigo meu fechou sua agência de turismo em Alphaville, sólida, para montar seu escritório no mezanino da sala. Está felicíssimo. Não tem mais a estrutura de antes. Não perdeu renda e diverte-se mais. Como vou com frequência ao Rio de Janeiro, procurei um personal trainer por lá. Tomaz montou uma miniacademia na sala de seu apartamento! Tem todos os aparelhos básicos. E aproveita para ficar com a filha bebê nos intervalos.
— Foi a melhor coisa que fiz! — alegra-se.
Trabalhar em casa torna a vida mais confortável. Não é preciso pegar trânsito nem perder horas na ida e na volta do serviço. Gasta-se menos com refeições, roupas... O tempo rende mais. Há uma desvantagem, é claro. Os resultados não são medidos por horas, mas por tarefas. No meu caso, por exemplo, tenho de escrever a crônica, depois o capítulo... e assim vai. É preciso ter muita disciplina, porque não há ninguém cobrando. Muitas vezes, torna-se necessário dedicar-se mais tempo do que num expediente comum. Mas o que é melhor? Trabalhar descalço e de moletom ou de paletó e gravata?
Uma amiga manteve um escritório comercial de representações em casa durante mais de dez anos. Fazia tudo pelo telefone e pela internet. Seu telefone fixo conectava-se diretamente com o celular. Certa vez fomos à praia juntos. Estávamos deitados na areia, tomando sol como lagartos. Tocou o celular. E ela, de biquíni, agiu como se estivesse em um escritório tradicional. Negociou, discutiu, fez novas ligações, levantou preços. E vendeu! Depois de despachar alguns caminhões de produtos químicos, suspirou fundo, passou mais bronzeador e voltou a tomar sol. Eu, pasmo:
— Como você consegue?
— É só ter tudo bem organizado! — declarou.
Eu já estaria morando feliz em alguma pequena cidade do interior, onde conhecesse os vizinhos, fizesse tudo a pé e pudesse passear em rios e cachoeiras. Só não me mudei ainda por causa da violência presente no interior paulista. Atualmente, talvez só isso impeça um êxodo para as pequenas cidades. Trabalhar em casa é o futuro de muita gente.