As fantasias teleféricas do Planalto
ELIO GASPARI
Folha de sp
Dra. Dilma inaugura serviços inexistentes e seu governo toca com fanfarra programas que estiveram parados
AQUI VAI UM TESTE para medir a qualidade do ceticismo das pessoas. Nos últimos dias, a patuleia recebeu dois anúncios. Num, soube que, desde segunda-feira, o teleférico do Morro do Alemão passou a funcionar das 7h às 12h. Noutro, aprendeu que os contratos de obras do programa Minha Casa, Minha Vida, na sua segunda fase, serão retomados nas próximas semanas e permitirão a entrega de 300 mil chaves até dezembro. Quem não desconfiou de nada vive num perigoso estágio de credulidade.
O teleférico do Alemão, com 3,5 km, custou R$ 210 milhões e beneficiará 30 mil pessoas. É uma joia do PAC e foi inaugurado pela doutora Dilma no último dia 7, acompanhada pelo governador Sérgio Cabral e pelo prefeito Eduardo Paes.
Houve inauguração, mas não havia serviço. Depois da festa, ele passou a funcionar das 9h às 11h e das 14h às 16h. Desde segunda-feira, nem isso, só das 7h às 12h.
Do jeito que está, não atende a quem trabalha.
A presidente da República, o governador do Rio de Janeiro e seu prefeito participaram de uma cerimônia de fancaria sabendo que, em novembro, poderiam inaugurar o serviço que fingiram entregar à população.
No segundo caso, o governo anunciou que o Minha Casa, Minha Vida, na sua segunda fase, voltará a contratar obras. Voltará, por quê? Porque neste ano as contratações pararam.
O programa foi outra joia da campanha eleitoral de Dilma, a "mãe do PAC". Até o final de 2010, havia a promessa de construção de 1 milhão de imóveis. Entregaram 350 mil. Durante a campanha, a doutora prometeu entregar 2 milhões de casas até 2014. Passaram-se seis meses e há na Caixa Econômica projetos para a construção de 200 mil residências. O governo anuncia que entregará 300 mil casas até dezembro. A ver.
Tanto os horários do teleférico como o suspiro do Minha Casa, Minha Vida podem ser explicados. Um está em fase de teste. O outro ajustou-se a novos valores e métodos. A encrenca não está aí, mas na marquetagem da fantasia. A mágica ofende primeiro quem acredita no governo. Quanto mais o sujeito crê, mais é feito de bobo. Numa segunda etapa, dá-se o pior: o governo acredita não só que a choldra é tola, mas se convence das próprias mentiras. Basta perguntar aos 24 ministros da doutora quantos acham que há um serviço de teleférico no Alemão.
PAGOT ANOTOU
É comum que notícias aterrorizantes desse tipo circulem por Brasília sempre que estoura um escândalo, e em geral elas são falsas. De qualquer forma, fica o registro de que há gente com medo do que se vem chamando de "a caderneta do Pagot". Teria nomes, datas e cifras.
OS VENCEDORES
A crise do império de Rupert Murdoch já produziu dois vencedores: o "New York Times" e o "Financial Times". Os dois jornais serão os beneficiários diretos da avacalhação do venerando "The Wall Street Journal", cujo declínio começou logo depois que Murdoch o comprou, em 2007. Um dos rivais ficará aliviado da concorrência no mercado americano. O outro, inglês, herdará o que sobrou do prestígio do "Wall Street Journal" no meio financeiro.
PERIGO
O marqueteiro Duda Mendonça informa que trabalha de graça na campanha pela autonomia das regiões de Carajás e Tapajós. Quando trabalhava a dinheiro para o PT (por dentro e por fora) deu no que deu, imagine-se agora que não cobra.
DEMÓFOBOS
O PSDB paulista e o PSD da capital farão da saúde suas bandeiras eleitorais. Se não o fizerem, seus adversários o farão. A rede de Gilberto Kassab tem uma espera de oito meses para uma ultrassonografia, e a Secretaria de Saúde diz que a culpa é da choldra, pois marca exames e não comparece. O tucano Geraldo Alckmin quer vender aos planos de saúde 25% da capacidade dos hospitais públicos gerenciados por organizações sociais. O superintendente do Hospital das Clínicas, Marcos Fumio Koyama, já defendeu para a repórter Laura Capriglione a destinação de 12% dos atendimentos para os planos privados.
CHOQUE
Os marajás do sistema elétrico estão com as barbas de molho. Pela lei da gravidade, as crises que começam na infraestrutura rodoviária migram para o setor elétrico.
BUEIROS
A cúpula do PR nega que tenha saído de seus hierarcas a afirmação de que Dilma Rousseff está "brincando com fogo". Fica combinado assim.
De qualquer forma, o comissariado petista no Congresso será obrigado a trabalhar mais. Será insuficiente a tática da ameaça, do gosto do líder Paulo Teixeira, que detesta ouvir falar em mensalão.
Com a ajuda da oposição e da bancada volante do PTB, os chamuscados do PR (41 deputados e sete senadores) poderão colocar bueiros explosivos no caminho da maioria governista. Dois exemplos:
1) Basta que o PT descuide das presenças em reuniões da Comissão de Fiscalização e Controle para que seja surpreendido por constrangedoras convocações de ministros. Com jeito de quem não quer nada, a comissão poderá chamar o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para explicar a alta dos juros.
2) Em agosto, o Congresso deverá apreciar o veto de Lula ao projeto de partilha dos royalties do pré-sal. Votação secreta, fará a alegria dos descontentes.
Nos dois casos a rebeldia dará até mesmo alguma popularidade aos dissidentes.
Sejam quais forem os interesses do surto de autonomia de um pedaço da bancada do governo, o PT deverá lidar com ele apresentando seus argumentos à opinião pública.
No grito ou na costura com os métodos utilizados no Dnit, o comissariado arriscará surpresas e derrotas.
DILMA, PATRIOTA, LORCA E VICTOR JARA
Dilma Rousseff e o chanceler Antonio Patriota estão entre as pessoas que lembram com tristeza o episódio da Guerra Civil Espanhola em que os franquistas fuzilaram o poeta Federico García Lorca. Ele tinha 38 anos. Ou ainda a execução do cantor chileno Victor Jara, em 1973, no Estádio Nacional de Santiago, depois do golpe do general Pinochet. Nos dois casos, a diplomacia brasileira ficou do lado dos assassinos.
Nenhum dos dois acreditaria se Madame Sesostris, uma famosa vidente, lhes dissesse que o destino poderia lhes reservar o mesmo papel. O governo brasileiro dá um discreto apoio ao ditador sírio Bashar al Assad que, em quatro meses de repressão, matou cerca de 1.500 pessoas.
Os manifestantes sírios cantam um hino que, numa tradução livre, chama-se "Pede pra Sair, Basher". O autor da canção seria Ibrahim Qashoush, cujo corpo, degolado, foi achado num rio no início do mês. O repórter Anthony Shadid ressalva que, como muitas histórias vindas da Síria, não se pode garantir que o morto seja o da "andorinha da Revolução".
No dia 20, o vice-ministro sírio Fayssal Mikdad passou por Brasília, esteve com Patriota e permitiu-se o seguinte relato:
"O ministro Patriota expressou como seu país aprecia as reformas do presidente Assad, indicando que o diálogo político é a melhor forma para resolver os problemas".