Opção pelo disparate
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA
Todo mundo sabe que a legislação trabalhista no Brasil é muito ruim; é sabido, também, que ela oferece as mais amplas possibilidades de ser modificada para pior. É natural. Trata-se, como vem sendo constatado nos quase setenta anos de vigência da Consolidação das Leis do Trabalho, de uma obra em aberto, com o detalhe de que essa abertura só funciona numa direção: a da entrada. Ali tudo entra e nada sai - o que acaba proporcionando o máximo de chances para cometer erros e o mínimo de possibilidades para corrigir qualquer deles. (Se colocarem nas leis trabalhistas que 2 mais 2 são 5, vai ficar desse jeito pelo resto da vida; será um "direito adquirido".) O fato é que sempre há espaço para socar mais alguma regra lá dentro, e é justamente o que acaba de acontecer com a decisão do Supremo Tribunal Federal de regulamentar o pagamento do aviso prévio quando o trabalhador é demitido do emprego. Está escrito na Constituição de 1988 que esse pagamento, até então limitado a um mês de salário, deve ser proporcional ao tempo de serviço do funcionário demitido. Nos 23 anos que se passaram desde então, a nova regra não "pegou"; mas agora o STF resolveu que ela tem de pegar, e ficou de fornecer uma fórmula para fazer os cálculos necessários. Só Deus sabe o que vai sair disso.
A compensação pelos anos de casa já não está sendo feita pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço? Está, mas até hoje ninguém ganhou nada achando que a legislação trabalhista brasileira deva fazer sentido. E aí, justamente, que se concentra a principal dificuldade para um debate produtivo sobre a questão - falta lógica, e sem ela a conversa fica num acende-apaga que não esclarece nada. A situação não poderia ser diferente, quando se leva em conta que os dois lados envolvidos na discussão se recusam a raciocinar: um acha que tem de derrotar o outro, e nisso se esgota todo o seu estoque de ideias. Os defensores oficiais da chamada "reforma trabalhista", concentrados nas organizações empresariais, dizem que é preciso cortar ao máximo os benefícios dos empregados; falam em "direitos excessivos", ou em "privilégios". Seus adversários, nos sindicatos e na vida política, dizem que não se pode cortar nada; falam em "direitos" intocáveis. É o melhor caminho para deixar tudo igual.
A opção pelo disparate é clara nos dois lados da discussão. Quem conseguiria, por exemplo, medir exatamente o que seriam "direitos excessivos"? É duro de engolir, igualmente, que os trabalhadores brasileiros sejam pessoas que desfrutam de privilégios. Basta olhar uma fila de ônibus, ou de hospital, locais em geral só frequentados por beneficiários das leis trabalhistas - se são privilegiados, o que estariam fazendo lá? Afirmar, como é comum, que os benefícios dos empregados tornam inviáveis o lucro, o investimento ou a própria sobrevivência das empresas é outra coisa que não faz nexo algum. As 500 maiores empresas brasileiras por vendas, que estão justamente entre as que mais respeitam a legislação trabalhista no pais, tiveram um lucro superior a 85 bilhões de dólares em 2010 - o maior dos 38 anos de história da edição "Melhores e Maiores", da revista EXAME, que estará em circulação nesta semana. Não é a CLT, obviamente, que impede as empresas de ganhar dinheiro. O problema central das leis trabalhistas está em outro lugar - mas, como seus defensores não admitem nenhuma mudança, de nenhum tipo, na legislação atual, vai ser difícil melhorar alguma coisa. (É um crime de lesa-povo, para eles, propor reformas nessa área; pensando bem, é uma surpresa que ainda não tenham apresentado um projeto de lei para "criminaJizar" qualquer ideia que envolva a redução de benefícios.)
O nó verdadeiro da questão é que as regras hoje em vigor tornaram cara demais, para a grande maioria das empresas brasileiras, a contratação de gente; alguma coisa está muito errada no sistema, com certeza, quando a pior coisa que pode acontecer a um negócio é o aumento no número de seus empregados. Para os grandes, e em épocas de economia quente, como agora, o problema fica escondido. Mas basta as coisas voltarem ao ritmo normal para o trabalhador se ver diante de uma realidade ruim: se o seu trabalho se torna um bem indesejável, por custar mais do que as empresas podem ou acham que compensa pagar, as leis feitas para protegê-l o passam a atrapalhar. Direitos trabalhistas adiantam bem pouco quando não há trabalho.
É isso que deveria estar em discussão.
A compensação pelos anos de casa já não está sendo feita pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço? Está, mas até hoje ninguém ganhou nada achando que a legislação trabalhista brasileira deva fazer sentido. E aí, justamente, que se concentra a principal dificuldade para um debate produtivo sobre a questão - falta lógica, e sem ela a conversa fica num acende-apaga que não esclarece nada. A situação não poderia ser diferente, quando se leva em conta que os dois lados envolvidos na discussão se recusam a raciocinar: um acha que tem de derrotar o outro, e nisso se esgota todo o seu estoque de ideias. Os defensores oficiais da chamada "reforma trabalhista", concentrados nas organizações empresariais, dizem que é preciso cortar ao máximo os benefícios dos empregados; falam em "direitos excessivos", ou em "privilégios". Seus adversários, nos sindicatos e na vida política, dizem que não se pode cortar nada; falam em "direitos" intocáveis. É o melhor caminho para deixar tudo igual.
A opção pelo disparate é clara nos dois lados da discussão. Quem conseguiria, por exemplo, medir exatamente o que seriam "direitos excessivos"? É duro de engolir, igualmente, que os trabalhadores brasileiros sejam pessoas que desfrutam de privilégios. Basta olhar uma fila de ônibus, ou de hospital, locais em geral só frequentados por beneficiários das leis trabalhistas - se são privilegiados, o que estariam fazendo lá? Afirmar, como é comum, que os benefícios dos empregados tornam inviáveis o lucro, o investimento ou a própria sobrevivência das empresas é outra coisa que não faz nexo algum. As 500 maiores empresas brasileiras por vendas, que estão justamente entre as que mais respeitam a legislação trabalhista no pais, tiveram um lucro superior a 85 bilhões de dólares em 2010 - o maior dos 38 anos de história da edição "Melhores e Maiores", da revista EXAME, que estará em circulação nesta semana. Não é a CLT, obviamente, que impede as empresas de ganhar dinheiro. O problema central das leis trabalhistas está em outro lugar - mas, como seus defensores não admitem nenhuma mudança, de nenhum tipo, na legislação atual, vai ser difícil melhorar alguma coisa. (É um crime de lesa-povo, para eles, propor reformas nessa área; pensando bem, é uma surpresa que ainda não tenham apresentado um projeto de lei para "criminaJizar" qualquer ideia que envolva a redução de benefícios.)
O nó verdadeiro da questão é que as regras hoje em vigor tornaram cara demais, para a grande maioria das empresas brasileiras, a contratação de gente; alguma coisa está muito errada no sistema, com certeza, quando a pior coisa que pode acontecer a um negócio é o aumento no número de seus empregados. Para os grandes, e em épocas de economia quente, como agora, o problema fica escondido. Mas basta as coisas voltarem ao ritmo normal para o trabalhador se ver diante de uma realidade ruim: se o seu trabalho se torna um bem indesejável, por custar mais do que as empresas podem ou acham que compensa pagar, as leis feitas para protegê-l o passam a atrapalhar. Direitos trabalhistas adiantam bem pouco quando não há trabalho.
É isso que deveria estar em discussão.