quinta-feira, junho 02, 2011

KENNETH MAXWELL - Fim da lua de mel


Fim da lua de mel
KENNETH MAXWELL
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

A lua de mel de Dilma Rousseff durou breves cinco meses. Quando assumiu a Presidência, em janeiro, muita coisa a favorecia. A mais importante era a popularidade de Lula.
Ela se tornou a primeira mulher a presidir o Brasil. Tinha um retrospecto de oposição ao regime militar. Herdou uma economia em boa situação.
Três questões, porém, causaram-lhe dificuldades. A primeira envolve o seu governo. Ela indicou Antonio Palocci como ministro-chefe da Casa Civil -na prática, como o seu principal ministro.
Ele foi ministro da Fazenda no primeiro mandato de Lula.
As políticas que adotou ajudaram a acalmar os mercados financeiros agitados. Mas Palocci também carrega uma bagagem negativa. Parte do problema envolve supostas irregularidades quando foi prefeito de Ribeirão Preto (SP).
Também há o "caso Francenildo", sobre o seu suposto envolvimento com lobistas e orgias, o que resultou em sua renúncia como ministro da Fazenda. Agora, a imprensa concentra suas atenções na expansão de seu patrimônio pessoal nos últimos quatro anos.
A segunda questão envolve a controvérsia sobre o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia, e o novo Código Florestal. Ambos são projetos de Dilma -ela foi ministra de Minas e Energia no governo Lula e era vista como forte defensora de projetos de infraestrutura.
O novo Código Florestal dá maior autonomia aos Estados, concede anistia por desflorestamento feito antes de abril de 2008, determina o relaxamento das regras de reserva legal e isenta os pequenos proprietários rurais -que tenham menos de 400 hectares- de suas disposições. Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência, define o novo código como "o maior passo atrás".
Terceira, há preocupações quanto à saúde de Dilma, que a sua recuperação lenta de uma pneumonia, após a visita à China, só serviu para reviver. Antes da eleição, Dilma enfrentou um câncer linfático.
Os brasileiros prestam menos atenção do que deveriam aos candidatos a vice-presidente. Dois deles se tornaram presidentes nas últimas décadas: José Sarney, com a morte de Tancredo Neves, e Itamar Franco, após o impeachment de Collor. O atual vice-presidente é Michel Temer, 70, paulista de origem libanesa e líder do PMDB, mais conhecido por sua mulher, Marcela, 27, antiga "Miss Campinas".
Não existem razões sólidas para acreditar que seja provável o ressurgimento do câncer de Dilma. Mas Elio Gaspari voltou a colocar em destaque a questão da saúde dela.
É, de fato, verdade que, se ela voltar a adoecer e isso a incapacitar para o cargo, não resta dúvida de que a equação política brasileira seria completamente transformada. Esse é outro motivo para cautela.

JANIO DE FREITAS - A maior conta


A maior conta 
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

Ainda que convencida da inocência de Palocci, Dilma deveria afastá-lo pelo menos até que ele se explique


ANTONIO PALOCCI não parou de receber. Sejam quais forem os pagadores de sua lista milionária, admitindo-se que exista, nela ninguém enfrentou conta mais alta do que o preço que Dilma Rousseff está pagando pelos feitos do seu ministro. Nesse sentido, a convocação de Palocci pela Comissão de Agricultura da Câmara, dê no que quer, é derrota maior para a presidente do que para o fugidio convocado.
Além de ter um ministro palaciano sob o cerco de suspeitas graves, Dilma Rousseff lançou a acobertá- lo outros ministros e seus congressistas mais dispostos a qualquer atitude. Comprometeu o governo, como se o ministro, e não a presidente, o representasse, e nega-se ao descumprir o dever presidencial a que se referiu no discurso de posse: nenhuma tolerância com irregularidades.
Ainda que convencida da inocência de Palocci, o dever e a palavra de Dilma Rousseff obrigavam-na a afastá-lo do governo pelo menos até que, se capaz de explicar-se, a limpidez do dito consultor ficasse demonstrada de público ou à instância institucional apropriada.
Assim fez, sem drama e sem demora, o então presidente Itamar Franco com seu também ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, que em pouco voltou ao cargo levado pela inocentação. Os antecedentes de Palocci não autorizam a supor que chegasse ao mesmo final do antecessor distante, mas os desdobramentos seriam assunto seu. Não do governo, de Dilma Rousseff e dos cidadãos que a apoiam ou apoiaram.
Pode-se ter uma ideia do desvio de atitude presidencial, na proteção a Palocci sem cobrar-lhe a clareza devida, ao considerar a hipótese da descoberta de que êxito financeiro valeu-se de incorreções.
Mais tarde ou mais cedo, de um ou de outro modo, o fundamental será mesmo conhecido. Se negativo para Palocci, o efeito sobre o governo e sobre Dilma Rousseff, como presidente e como pessoa, é imprevisível.
Não se precisa ir tão longe, porém, para perceber o custo já vencido e em pagamento diário. Não por Palocci, que não teria as enrascadas de ontem e de hoje se não tivesse temperamento para tanto.
O modo como a bancada evangélica dispôs-se a arrancar de Dilma a recusa ao projeto contra a homofobia é um dos exemplos que se juntam à derrota, na Câmara, que lhe impuseram com o Código Florestal e a anistia aos grandes fazendeiros desmatadores. Sem sair da mesma corrente, o modo debochado como o deputado Anthony Garotinho proclama novas chantagens evangélicas à presidente da República mostra até onde já chega o custo Palocci para Dilma.
Sob tudo isso há uma indagação de resposta muito mais obscura do que os milhões paloccianos. A atitude de Dilma Rousseff em relação a Palocci é tão contraditória com o que dela se sabia e se ouviu, que não é possível simplesmente desprezar a hipótese de que a permanência do ministro, apesar de tudo, deva-se a quem quis restaurá-lo à custa da sucessora na Presidência. Quanto a permanência representa de vontade da própria Dilma Rousseff ou de seus entendimentos desconhecidos com Lula, não há indício ou ideia que nem sequer permita especulação razoável.
Em um ou em outro caso, no entanto, o ônus pesado é de Dilma Rousseff.

EUGÊNIO BUCCI - A direita, o papagaio e o facão


A direita, o papagaio e o facão
EUGÊNIO BUCCI
O ESTADÃO - 02/06/11

Uma aura folclórica, translúcida e radioativa, faz reluzir esse novo histrionismo de intolerância direitista que, de 10 ou 15 anos para cá, vem ganhando cargos políticos e espaço jornalístico no Brasil e no resto do mundo. Uma aura folclórica, é bom repetir. Esse discurso que mescla receitas anacrônicas de ultraliberalismo econômico e uma sanha persecutória contra os movimentos sociais em geral - uma repulsa ao Estado, quando o assunto é mercado, e uma ojeriza à diversidade, quando o assunto é sociedade civil - costuma vir embalado por arrogância bruta, dita politicamente incorreta, que, no mais das vezes, não se pode levar a sério. Jair Bolsonaro é um exemplo, mas há outros. Falam tanta barbaridade, tanto desaforo, que a gente dá de ombros. Melhor deixá-los onde estão. Cumprem lá o seu papel.

O novo histrionismo tem lá a sua representatividade. Ele externa ideias que a grande maioria dos mortais teria vergonha de pronunciar. Desbocado, fala em nome de padrões morais menos flexíveis, xingando os gays e abominando os militantes das causas ambientais, como se todos fossem comunistas escondidos em ONGs vendidas ao capital internacional. É um discurso absurdo? É, mas todos reconhecemos o seu direito de existir. Que as atrocidades sejam ditas em sua crua explicitude - se não fica mais elegante, pelo menos o debate fica mais franco. Assim, barulhenta como um papagaio doido, essa voz primitiva conquistou seu lugar ao sol. Como folclore.

Falando em folclore, temos aqui um dado pitoresco. Essa voz não pode ser confundida com a direita em sentido clássico. Ela não representa a defesa da livre-iniciativa ou da concorrência no mercado. Ela mal sabe o que são trustes, marcos regulatórios e fluxo de capitais. Confunde vícios privados com ética pública. Ela é de direita como caricatura, pelo conservadorismo nos costumes, por não suportar conviver com a diferença, pelo asco que emula contra tudo o que cheire a esquerda. Essa direita, enfim, é uma direita comportamental e obtusa; é mais uma seita fundamentalista, ainda que fragmentada, e menos uma corrente de pensamento.

Em parte, como já foi dito, ela cresce graças à corrupção que corroeu a esquerda, em vários países, gerando incompetência administrativa e frustração nos diversos eleitorados. Essa explicação, contudo, é insuficiente. É verdade que, além do esmero em se apropriar do alheio para abarrotar cofres pessoais ou partidários, setores expressivos da esquerda demonstraram notável talento para fazer desandar a máquina pública, mas isso, apenas isso, não explica o crescimento dos discursos prepotentes à direita. É preciso levar em conta, ainda, um fator que parece galvanizar os descontentamentos. O nome desse fator é moralismo.

Para que tenhamos uma ideia menos vaga do que é o moralismo político hoje, vejamos o que se passa na França. Marine Le Pen, candidata da extrema-direita às eleições presidenciais do ano que vem, prega abertamente o retrocesso. Ela fala contra os estrangeiros (xenofobia), contra a unificação europeia e contra os políticos. Para ela, a prisão de Dominique Strauss-Kahn - então diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), num hotel de luxo em Nova York, acusado de agredir sexualmente uma camareira - não é outra coisa senão um sintoma da imoralidade em que naufragou a elite política francesa.

Não há razão nesse discurso, é evidente. O fato de ser acusado de um crime sexual não transforma Strauss-Kahn no representante de uma elite estupradora (a propósito, Marine Le Pen também integra a elite política francesa). Mas o moralismo é assim: elege traços comportamentais como pilares da ética pública e solta seus cachorros na rua. Como não estamos no campo da lógica, o eleitorado vem gostando dos comícios de Marine Le Pen. À vontade, ela catalisa a fúria contra o diálogo: a fúria contra os estrangeiros, os outros políticos e os demais países europeus. No caso dela, a direita não é folclore: é facão.

E no Brasil? Bem, por aqui estamos às voltas com políticos ditos de esquerda que faltaram com a decência pública. Que sejam julgados e punidos. A conduta pessoal de cada um deles, entretanto, não quer dizer que todo o governo (de Lula ou de Dilma) seja uma desbragada bandalheira. Não é. Da mesma forma, não foram pura maldição os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, por mais discutíveis que tenham sido os métodos pelos quais ele abriu atalho para o segundo mandato. Houve acertos na gestão de FHC, assim como houve acertos na gestão de Lula. A nossa única esperança está em separar, sem extremismos, os acertos dos erros - e fortalecer os primeiros e corrigir os segundos. Claro, segundo as regras da democracia.

A hora é delicada. No Congresso Nacional há um embrutecimento da perseguição religiosa contra homossexuais. No campo, líderes ambientalistas (todos ligados a movimentos de esquerda, registremos) são assassinados sem que os criminosos sejam sequer localizados. Em todo lugar despontam manifestações de impaciência e de recusa peremptória do argumento adversário, seja quando se fala de um livro de Português adotado em escolas públicas, seja quando se vota o novo Código Florestal. Há até mesmo gente afirmando que a ditadura militar não foi tão mal assim.

Sejamos serenos. A polarização não nos vai levar a bom termo. Ela é incapaz de promover a superação dos impasses que se apresentam. Ao contrário, vai somente fomentar o repúdio à política, às instituições e aos mecanismos democráticos, que são lentos e tortuosos, mas são os únicos eficazes.

Existe intolerância de esquerda? Claro que sim. Eu mesmo a apontei muitas vezes, neste mesmo espaço. Agora, porém, olhemos para esse facão que se insinua à direita. Ele é tão grave quanto. E fica aí, posando de folclore.

ROBERTO MACEDO - 'Bullying' é bulir com a língua portuguesa


'Bullying' é bulir com a língua portuguesa
ROBERTO MACEDO
O ESTADÃO - 02/06/11

Na língua inglesa, bullying é o comportamento pelo qual uma pessoa amedronta outra, ou lhe causa dor, ferimento, constrangimento, ou outros sofrimentos, até no plano emocional.

Há tempos noto o crescente uso do termo no Brasil, em particular para descrever ocorrências nas escolas. Ele ganhou maior notoriedade depois que no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril, houve o assassinato de 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira. O criminoso, Wellington Menezes de Oliveira, teria sofrido o bullying quando aluno da mesma escola. Pela internet soube que, manco, era chamado de suingue pelos colegas.

Da minha janela vejo periquitos a bicar e ameaçar seus colegas e outras aves. Trata-se de comportamento típico de animais, herdado por seres humanos. E, nessa condição, também sob versões além da física, como agressões verbais, apelidos constrangedores, intrigas e fofocas. Já existe também o cyberbullying, via internet, celulares e outras tecnologias digitais.

Portanto, o bullying não é novidade histórica e alcança todo o espaço onde está o ser humano. Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem. Surpreendentemente mesmo é o desconhecimento delas, conforme revelado pelo amplo uso de bullying. Pelo que vi na internet, outras pessoas também perceberam esse desconhecimento.

Pensando no referido comportamento, recordei-me de palavras que, quando criança, ouvia para descrevê-lo. Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia "fulano buliu comigo". Aí está o bullying, e nessa e noutras formas em dicionários da nossa língua.

O meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros. E não consta como regionalismo. Neste caso, no Nordeste tem também o significado de tirar a virgindade. Acrescente-se que nas duas línguas as palavras começam da mesma forma, mas ignoro se têm etimologia comum.

O mesmo dicionário tem também bulimento, o ato ou efeito de bulir, e bulidor, aquele que o pratica. Ou seja, temos palavras para designar tanto o sujeito (bully), como o verbo (to bully) e o ato decorrente (bullying). Acrescente-se que no desnecessário uso deste último anglicismo se fica só na referência ao ato, dificultando ou desnecessariamente estendendo textos, o que é feito não apenas corriqueiramente pela imprensa, mas também por gente importante.

Por exemplo, o filósofo e educador Gabriel Chalita, hoje deputado federal, quando vereador da capital paulista apresentou projeto de lei que "dispõe sobre ... medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying... (nas)... escolas públicas do Município...". No trecho que trata dos objetivos, o projeto inclui o de "orientar os agressores, por meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comportamento". Por que não usar bulimento e bulidores? Quanto à conscientização destes, é indispensável, pois muitos não percebem o mal que praticam.

A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov), voltado para combate ao bulimento, uma das orientações consiste em levar bulidores efetivos ou potenciais a fazer a si mesmos esta pergunta: "Se alguém lhe fizesse a mesma coisa, você se sentiria incomodado?" O termo bulidor também se revela conveniente ao dispensar referência prévia a bullying, ou mesmo a bulimento.

O mesmo anglicismo também está onipresente em cartilha sobre o assunto lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o título Bullying: Cartilha 2010 - Justiça nas Escolas, escrita pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Aí bulidores são novamente chamados de agressores e, também, de opressores. Soube ainda que o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, escreveu um artigo intitulado Bullying - aspectos jurídicos.

Como se percebe desses exemplos e do noticiário em geral, há muita gente bulindo com o idioma português. Se este falasse certamente reclamaria do bulimento a que é submetido.

O deputado federal Aldo Rebelo, que pontificava como grande defensor da língua pátria - esse era o nome que tinha quando comecei a estudar -, esteve nos últimos meses muito ocupado como relator do Código Florestal, na Câmara. Gostaria de vê-lo de novo na ativa a defender o português no meio ambiente onde sofre a poluição de outras línguas.

E não só quanto ao assunto desse artigo, mas também para protestar contra algo mais grave, pois reconheço que bulir e seus derivativos não são muito conhecidos e, por isso mesmo, precisam ser difundidos. Trata-se da proliferação de anglicismos claramente desnecessários, como delivery, sale, off e muitos outros estrangeirismos.

Particularmente estranháveis são os nomes dados a edifícios nos anúncios de lançamentos de imóveis. Ainda no último fim de semana havia neste jornal nomes como Still, Grand Terrace e - inacreditável! - Tasty Panamby. Se traduzido das duas línguas de onde vem, o inglês e o tupi-guarani, este último significaria Borboleta Gostosa.

Já escrevi aqui sobre o mesmo assunto (Prédios com nomes de outro mundo, 6/5/2010) e, apesar do meu apelo, ninguém me explicou convincentemente os fundamentos desse fenômeno. Enquanto isso não vem, fico com as minhas versões. É gente que não dá valor à nossa língua. Ou talvez pense que morando em prédios assim denominados estaria a viver em outro país. Os nomes também podem ser cacoetes de arquitetos e marqueteiros, mas não inconsequentes no seu bulimento com a língua portuguesa.

Bilac, que a chamou de "última flor do Lácio", certamente lamentaria vê-la reproduzida com esses e muitos mais espinhos de outras espécies.

JOSÉ SIMÃO - Ueba! O FHC tá chapadão!


Ueba! O FHC tá chapadão!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o predestinado do dia é um grande sucesso nos elevadores de São Paulo: técnico de elevadores Schindler, Ronaldo SEGURA!
Quando o elevador estiver caindo todo mundo grita Ronaldo, SEGUUUUUUUURA!
E o Fernando Henrique? A Múmia tá doidona! Fernando Henrique defende descriminalização da maconha! E ofereceu uma bola pro Serra? O Aécio deu um tapa? E o recado de um leitor: "Avisa pro FHC que a última vez que eu fumei maconha, eu votei nele". Rarará!
Fumando Henrique Cardoso ou Fernando Henrique Chapado! Mas ele tá certo, viu! Porque esse é o único efeito colateral da maconha: quando a polícia chega! E a larica! Fuma um e corre pra geladeira pra comer feijão gelado com calda de pêssego!
E um amigo comeu uma feijoada, fumou um e bateu com a cabeça na quina do bidê. Pior, outro amigo tentou chupar o próprio pingolim e quebrou o pescoço! E o FHChapado tá estrelando um documentário: "Quebrando o Tabu". Ops, "Apertando o Tabu". Rarará! Devia se chamar "Quebrando a Larica". Aliás, o personagem devia se chamar: Larica. Seu Larica.
E tem uma cena num coffee shop em Amsterdã. Em Amsterdã se queima tanto fumo que a camiseta mais vendida é: "Visitei Amsterdã e me lembro vagamente". Rarará!
E o Gabeira disse que até as velas das caravelas eram feitas de maconha. Por isso que eles saíram pra Índia e acabaram batendo no Brasil. Não foi calmaria, foi leseira mesmo!
E o FHC pode descriminalizar tudo, menos os CDs do Restart e do Luan Santana. E o FHC Boca de Suvaco tá super certo, mas por que ele não fez isso quando era presidente? Rarará!
E o Palofi? O site QMerda apelidou o Palofi de Eike Petista. Ele não é o Eike Batista, é o Eike Petista! E o Palofi roubou o slogan do Nelson Rubens: "Eu aumento, mas não invento"! E as quatro operações matemáticas: somar, diminuir, dividir e Palocci!
E acaba de lançar um novo tipo de Viagra: o PAULOCCI! Aumenta 20 vezes. Rarará! E no Ceará que tem um forró chamado Forrozão do Mello Pinto! Rarará! Nóis sofre mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

CONTARDO CALLIGARIS - "Mas isto é arte?"


"Mas isto é arte?"
CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

SÁBADO, DIA 4, abre as portas a 54ª Bienal de Arte de Veneza. Gosto do clima cultural antes da abertura (nos jornais, na televisão e nos bares de Castello vingam as polêmicas sobre os curadores, os artistas convidados etc.). Em compensação, na cidade, a abertura é uma chatice: sentados às mesas dos restaurantes mais luxuosos ou plantados na popa das lanchas que servem de táxi, aparecem de repente centenas de personagens que talvez sejam artistas, curadores e intelectuais do mundo inteiro -mas acontece que, para ter cara de artistas, curadores etc., eles se esforçam tanto que parecem ser figurantes pagos por uma agência de turismo local.
Enfim, fico em Veneza até amanhã. E voltarei em julho, quando, passada a primeira semana de glamour, tanto a Bienal quanto as numerosas paralelas estarão abertas e quase desertas -até novembro.
Não sei mais quantas Bienais de Arte de Veneza visitei. Tudo indica que a deste ano será boa, mas, agora, o que me interessa é este fato, que se repete a cada dois anos: nos dias antes de a mostra abrir, a imprensa italiana descobre as primeiras obras que chegam à cidade e sempre pergunta: "Mas, afinal, isto é arte?".
Claro, ninguém consegue responder, nunca. E eu acho ótimo que seja assim.
Corajoso, o crítico Achille Bonito Oliva (no jornal "La Repubblica" de 28 de maio) propôs um catálogo de sugestões ou critérios, que me inspiraram alguns comentários.
1. "É preciso chegar diante da obra desarmados, ou melhor, com um preconceito favorável." A sugestão me fez pensar, paradoxalmente, no excesso de preconceito favorável com o qual, em regra, nós nos aproximamos da arte "clássica". Enquanto entramos numa Bienal perguntando, irônicos, se "aquilo" é arte, entramos nos museus como se fossem santuários. No entanto, há muitas obras dos últimos seis séculos que são formalmente falidas e triviais pelo tema.
Gostaria que, na hora de visitar um museu, a gente pudesse deixar nosso preconceito favorável no vestiário e evitar se extasiar quando não há por quê. No museu da Accademia, na semana passada, uma mãe exasperada tentava incutir respeito (não apreciação: respeito) a um menino de sete anos que achava aquilo tudo muito chato; a cena acontecia diante de uma medíocre crosta do século 17. Não seria mau se nós mesmos aprendêssemos a entrar nos grandes museus (que às vezes são apenas museus grandes) com a irreverência de uma criança que não está a fim de ser entediada.
2. "A arte é forma... Se ela precisa de demasiadas explicações, de legendas, a obra faliu." Aplaudo: gosto de enriquecer minha experiência lendo sobre a de outros diante da mesma obra, mas a obra que PRECISA de um modo de uso é fracassada.
3. "A arte deve pensar o mundo", sugere Bonito Oliva. Concordo, mas sempre parecemos oscilar entre dois estereótipos: o do crítico e o do jornalista.
O estereótipo do crítico prefere ser incompreensível, talvez por medo de simplificar e reduzir.
O estereótipo do jornalista, preocupado com o conforto de seus leitores, resume a obra ao óbvio. Exemplo. Jennifer Allora e Guillermo Calzadilla, artistas norte-americanos, propõem (no pavilhão dos EUA) um tanque de guerra de cabeça para baixo com, em cima, uma esteira sobre a qual correrão (na abertura, suponho) os membros do time de atlética dos EUA.
Já houve jornalistas para decretar que a obra denuncia a guerra e propõe o esporte como alternativa. Caramba! Só para começar: talvez a obra afirme que guerra e esporte são misérias (ou glórias) comparáveis, duas faces da mesma medalha. E que tal se a denúncia dissesse que o horror da guerra não é muito pior do que o domínio exercido sobre nós pela ditadura higienista do corpo em forma?
Bonito Oliva conclui dizendo que "a arte é o domingo da vida", porque representa a suspeita de uma outra beleza, a esperança de um desconcerto. Por isso mesmo, preferiria dizer que a arte é o sábado da vida -na espera de domingos, que sempre decepcionam um pouco.
Enfim, a modernidade (é o que mais gosto nela) é a época da dúvida como valor. Ter uma conduta moral, para nós, significa não parar de se perguntar o que é justo e o que é errado. Da mesma forma, apreciar nossa arte talvez signifique não parar de se perguntar: "Será que isto é arte?".

MÔNICA BERGAMO - OFICINA MECÂNICA


OFICINA MECÂNICA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

Os donos de 500 mil veículos já foram convocados neste ano para recall (chamada para troca de peças de produto com defeito) até maio, segundo balanço do Ministério da Justiça. O número já supera o total de automóveis chamados em 2009 (461 mil) e representa uma média mensal 6% superior à de 2010.

PRIMEIRO LUGAR

Do total de veículos que tiveram recall neste ano, 300 mil carros eram da Ford. Modelos do EcoSport, Fiesta RoCam Hatch e Sedan apresentaram defeitos de fabricação.

FOSFORESCENTE
O ministério fez o levantamento também de outros produtos que tiveram recall: 1,37 milhão. Destes, 1,35 milhão eram lâmpadas da Philips com possibilidade de superaquecimento.

TOGA JUSTA
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), ficou contrariado com os termos do convite enviado pelo governo para um jantar com Dilma Rousseff. Em primeiro lugar porque ele foi feito pelo advogado-geral da União, Luís Adams, "de ordem" da presidente. Mello também acha que idas em bloco ao palácio podem provocar a leitura de que o tribunal foi cooptado pelo executivo. O ministro, no entanto, não pretende se manifestar a respeito.

TOGA JUSTA 2
Outros três ministros do STF declinaram do convite de Dilma: Celso de Mello, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que estava viajando.

ESTRELA

Os ministros que foram ao jantar no Alvorada foram surpreendidos pela presença do ministro Antonio Palocci, da Casa Civil.

NADA A DECLARAR

Apontado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), entre outros, como um dos clientes da consultoria de Palocci, o banco Itaú prefere manter silêncio. "Não há o que comentar", diz a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa.

CEP
Guto Quintella, ex-diretor institucional da Vale, tem novo endereço: o BTG Pactual, de André Esteves. Vai atuar preferencialmente na área de infraestrutura.

RECOLHIMENTO

A Defensoria Pública de SP prepara ofensiva contra os toques de recolher instituídos para crianças e adolescentes em cidades do interior. Entrou com pedidos de habeas corpus coletivo em Cajuru (298 km da capital) e Ilha Solteira (660 km de SP). E acompanha os casos de Itapira e Fernandópolis.

ZONEAMENTO
Em Ilha Solteira, a medida limita horários em que os jovens podem participar de festas. Em Cajuru, determina o recolhimento de crianças e adolescentes que estejam nas ruas depois das 23h.

FAÍSCA
O governo passa hoje por teste de fogo: a negociação de reajuste salarial para os 28 mil funcionários do sistema Eletrobras. O Executivo bate o pé num reajuste de 6%. Os sindicatos querem mais. Miguel Colasuonno, diretor de gestão e administração da empresa, lidera as conversas.

RESULTADOS POSITIVOS
Terminou em elogios a disputa entre Ivan Zurita, presidente da Nestlé, e Lucilia Diniz, do Pão de Açúcar e da Good Light. Depois de desavenças nos negócios, a empresária processou e criticou Zurita. O executivo apresentou queixa contra ela por difamação e tentativa de "enxovalhar" a sua honra. No acordo de reconciliação, Lucilia declarou que ele é um "profissional íntegro, capacitado e cuja atuação tem trazido, como é notório, resultados positivos para a Nestlé".

CURTO-CIRCUITO
Milton Nascimento faz show no dia 18 às 22h no Via Funchal, em São Paulo. Classificação etária: 12 anos.

Jan McAlpine, da ONU, participa da conferência "Ano Internacional das Florestas no Brasil" amanhã, na Hebraica, realizada pelo Instituto Humanitare.

O livro "Conversas com Líderes Sustentáveis", de Ricardo Voltolini, será lançado hoje a partir das 19h no Cine Livraria Cultura, no Conjunto Nacional.

Nina Becker faz show do CD "Azul" no Tom Jazz, amanhã e sábado às 22h. 18 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA, THAIS BILENKY e CHICO FELITTI

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Perdas com catástrofes alcançam US$ 44 bi
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

Os gastos decorrentes de catástrofes ocorridas neste ano, potencializados pelo acidente nuclear japonês e pelo tornado nos Estados Unidos, levarão 2011 a um dos mais altos patamares em termos de perdas seguradas, segundo empresas do setor.
O ano de 2010 -em que aconteceu o terremoto no Haiti- já registrara perdas econômicas, seguradas ou não, de US$ 218 bilhões, decorrentes de catástrofes naturais e sinistros causados pelo homem, segundo dados da resseguradora Swiss Re.
O custo global da indústria de seguros, em uma demonstração da ainda baixa penetração do serviço, superou US$ 43 bilhões.
Neste ano, só no primeiro trimestre, já são cerca de US$ 44 bilhões em perdas seguradas, segundo a corretora Marsh, com base em estimativas do mercado.
O acontecimento de tantos desastres naturais, aliado a um novo comportamento das corporações pós-crise de 2008 com relação a perdas inesperadas, elevou as áreas de gerenciamento de riscos nas empresas a uma posição estratégica, segundo Eugênio Pascoal, presidente da Marsh Brasil.
A área de gerenciamento de risco deixou de ser responsável apenas por comprar seguros de prevenção contra incêndios e sua função se uniu à governança.
"A forma de avaliar o risco ficou mais ampla após a crise. Passa agora por segurança da informação até a cadeia de fornecimento, que, no caso do Japão, uma economia com gestão de riscos evoluída, sofreu com a quebra na rede de fornecedores", afirma Pascoal.

BOLA DE SABÃO

A Bombril prevê ampliar em 30% a sua capacidade de produção de detergentes líquidos neste ano.
A companhia adquiriu novo maquinário de produção de embalagens e envase para a fábrica de São Bernardo do Campo (SP).
Importado da Alemanha e da Suíça, o equipamento é composto por injetora, sopradora, envasadora e rotuladora. Os investimentos foram de R$ 20 milhões.
"A capacidade da planta estava esgotada. E, como queremos ganhar participação de mercado, precisávamos desse investimento", diz Marco Aurélio Guerreiro de Souza, diretor-presidente da companhia.
O equipamento está em fase de testes e deve entrar em operação no final deste mês, segundo Souza.
A companhia estuda investimento e ampliação da unidade industrial de Sete Lagoas, em Minas Gerais. "Estamos na fase de elaboração de projetos."
No segundo semestre, a Bombril deve lançar nova marca de cosméticos.

INVESTIMENTO POR ESPORTE
Mais de 70% dos presidentes de empresas no Brasil dizem estar dispostos a investir na área desportiva, segundo pesquisa da FGV.
Quase 100% dizem acreditar no poder transformador do esporte para a educação e a inclusão social.
No setor privado, 76% associaram valores do esporte a sucesso profissional, por meio de "disciplina, foco, perseverança e equipe".

ACESSÓRIO ORIENTAL
O grupo Ornatus vai inaugurar mais de cem franquias de suas três marcas até o final deste ano.
Os investimentos nas novas unidades da Morana e da Balonè, ambas de bijuterias finas, segundo o grupo, e da Jin Jin Wok, de gastronomia asiática, serão superiores a R$ 30 milhões.
A Morana, que já tem três lojas no Porto e uma em Los Angeles, abrirá três franquias em Lisboa.
"Com as crises política e econômica, apareceram oportunidades interessantes em Portugal para nós", diz o proprietário do grupo, Jae Ho Lee.
O aumento das dificuldades para obtenção de crédito no Brasil também pode ser positivo para as três marcas, segundo Lee.
"As pessoas deixam de comprar carros e apartamentos, mas gastam mais em compras menores e que as deixam satisfeitas, como as peças do nosso setor."

Nova fábrica 
A IBG (Indústria Brasileira de Gases) constrói uma nova fábrica no município de Serra (ES), com investimentos de R$ 5 milhões. Começa a operar em julho. A empresa já atua no Estado com enchimento de gases.

Na ponta da língua 
A rede de franquias de idiomas paranaense Influx pretende aumentar sua atuação na região Sudeste. Até o final do ano, será aberta a primeira unidade da companhia no Rio e mais dez escolas em São Paulo.

Santo Antônio
O Boticário investiu R$ 27 milhões em pesquisa, desenvolvimento de produtos e campanha publicitária para os produtos do Dia dos Namorados. A empresa prevê alta de 15% nas vendas.

Fone de ouvido
A dinamarquesa GN Netcom, da marca Jabra, de acessórios para telecomunicações, chega ao Brasil. A empresa abriu escritório em São Paulo e fez alianças com Cisco, Microsoft e Avaya. Em 2010, faturou no mundo US$ 400 milhões.
com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e VITOR SION

MÍRIAM LEITÃO - Volta em si mesmo


Volta em si mesmo
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 02/06/11
Há uma forma de se aprovar uma obra polêmica na democracia: com transparência e capacidade de convencimento. Infelizmente, não foi o que o Ibama escolheu para a usina de Belo Monte. Preferiu passar por cima de si mesmo, reduziu suas próprias exigências e aceitou o "parcialmente cumprido" para condicionantes que ele mesmo havia estabelecido.

As 40 condicionantes viraram 23. O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, não explicou a química com que condensou exigências; deve ser com o mesmo truque com que empacotava ontem perguntas dos jornalistas que tinham que ser feitas em bloco. Assim, várias questões recebiam uma resposta, que sobrevoava pontos levantados.

Nada demais para um órgão que postou ontem em seu site relatório em que escreve com frases assim: "Essa condicionante foi considerada parcialmente atendida." A exigência em questão se referia à qualidade da água na região. O que é uma água de qualidade parcialmente boa?

Relatório fluido e respostas apressadas foram as escolhas do órgão regulador do meio ambiente para aprovar a licença de implantação de Belo Monte. Assim, o Ibama autorizou a mais polêmica das obras amazônicas. As outras duas obras, menos controversas, as do Rio Madeira, já enfrentaram casos de mortes, incêndios em canteiro de obras, denúncias de trabalhadores, aumento da criminalidade na região e elevação de preço. Belo Monte nem começou e já se sabe que o valor inicialmente estabelecido de R$19 bilhões subiu para R$26 bi sem sinais de que vai se contentar com esse bom bocado. Não se sabe quem será o dono do empreendimento porque foram tantas as empresas que abandonaram o projeto que o consórcio precisará de novos voluntários, como a Vale. A mineradora, como se sabe, teve sua direção escavada para ocupar a vaga da Bertin. Agora falta achar substitutos para a Serveng, Cetenco, Mendes Júnior, J.Malucelli, Galvão, e Contern. Mas o Cardeal - Valter Cardeal, presidente do Conselho de Administração da Norte Energia, o mesmo que fez uma ponta na campanha eleitoral - disse que a obra começa já e garantiu: "está tudo certinho". Se é o Cardeal que garante é o caso de se dizer amém.

Não se produz energia sem impacto ambiental, mas o debate contemporâneo é como produzir com menos impacto e menos risco, porque de energia não podemos prescindir. A hidrelétrica do Rio Xingu tem volume impressionante de dúvidas em todas as áreas: do projeto de engenharia, do custo fiscal, da viabilidade econômica, do regime hídrico, da coesão do consórcio, do volume de energia. Tem uma coleção de perguntas sobre o impacto ambiental da obra e do seu entorno. As dúvidas bem respondidas reduziriam riscos e impactos. Tratadas como foram vão elevar os problemas em torno da hidrelétrica.

Há inúmeras instituições e pessoas que reclamariam fosse qual fosse o comportamento do Ibama. Por isso, para fazer melhor juízo, deve-se ler o texto do próprio governo. Quem lê o documento no site do Ibama se impressiona com a superficialidade das considerações. A condicionante 2.9, só para citar uma, estabelece que algumas ações de educação, saúde e saneamento teriam que ser feitas antes das obras. Não foram. A conclusão é que ela está "parcialmente atendida" porque "apenas parte das obras foi iniciada" e "algumas estão atrasadas." Destacou ainda como "mais preocupante o estágio das obras de saneamento na sede de Altamira e Vitória do Xingu, cujas obras ainda não teriam sido iniciadas, e as inconsistências nos cronogramas de implantação dos esgotamentos sanitários nas localidades de Belo Monte e Belo Monte do Pontal." Ou seja, o Ibama exigiu, a empresa não cumpriu, o Ibama escreveu que é "preocupante" mas deu a licença. E ontem o presidente do órgão se dizia orgulhoso com o feito. Com efeito!

A condicionante 2.13 estabelece que o Rio Xingu tem que continuar navegável e todos os afluentes da Volta Grande do Xingu "respeitando os modos de vida daquelas comunidades." Essa também está "parcialmente atendida". O que será um rio parcialmente navegável, ou um parcial respeito ao modo de vida de uma comunidade indígena? É 10% ou 90%?

O Ibama só concedeu a licença prévia a Belo Monte depois de estabelecer essas condições. Não foi imposição de ninguém. E é o próprio Ibama que passa por cima de si mesmo e estabelece que o parcialmente é tão bom quanto o totalmente cumprido.

O cuidado é porque uma obra desse porte, que vai ser construída para produzir 11,2 mil MW e vai produzir de fato 4,6 mil MW, que formará lago de 500 km de extensão, que vai alagar terras em três municípios, que mudará a vazão de um rio, que vai abrir um canal de 100 km no meio da floresta e que levará milhares de trabalhadores para o local precisa sim de precauções.

A certa altura do documento, quando fala das linhas de transmissão, o texto admite que a empresa apresentou apenas um "traçado orientativo", mas devia ter apresentado "projeto básico de engenharia com seu traçado definitivo sobre imagem de alta resolução e discriminação de faixas de servidão e acessos a serem eventualmente abertos." Mesmo assim foi dada a licença. Um pouco desorientado esse traçado escolhido pelo Ibama.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA


Diagnóstico fechado
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

Como nenhum outro desde o início da crise, o dia ontem foi pródigo em sinais da deterioração da sustentabilidade de Antonio Palocci. A convocação, por ora suspensa, para explicar na Câmara a escalada de seu patrimônio se deu com o corpo mole da base.
Tão ou mais significativa foi a de todo inesperada ausência, no almoço-armistício entre Dilma Rousseff e os caciques do PMDB, do ministro que até 20 dias atrás comandava a operação política do governo. Enquanto formalmente os governistas correm para evitar a exposição de Palocci a qualquer microfone, mais e mais se ouve, dentro do Palácio do Planalto e entre os aliados no Congresso, que ele será obrigado a falar.

Deveras... 
De um peemedebista, sobre a ausência de Palocci no almoço: "Acho que a Dilma deve ter decidido prestigiar o Luiz Sérgio".

Banho de loja 
Originalmente, a agenda do ministro das Relações Institucionais não previa participação no repasto. A mudança para incluir a presença de Luiz Sérgio só foi divulgada às 10h26.

Pega leve

Michel Temer atuou preventivamente para que a refeição não desandasse com declarações indigestas. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi um dos orientados a "se comportar".

Boca cheia 

Coube a Vital do Rego (PB) a única menção a Palocci. Com o tema pairando no ar, o senador pediu licença para sair mais cedo. Anunciou a todos que tinha que correr para o Congresso de modo a barrar a convocação do ministro na comissão que preside.

Foi você! 

Depois da bobeada que permitiu a convocação de Palocci na Câmara, sobrou para todo mundo. Na caçada aos culpados, primeiro entrou na roda a articulação política do governo, que naquela hora estava reunida com Dilma no Planalto. O segundo alvo foi Aldo Rebelo (PC do B-SP), aliado a quem petistas afirmam ter sido dada a missão de cuidar para que não aparecessem surpresas justamente na Comissão de Agricultura.

Conta outra 

Comentário de um petista diante da informação oficial de que a reunião da Executiva do partido, hoje em Brasília, não pretende tocar no assunto Palocci: "A esta altura do campeonato, alguém acredita que tem como não discutir isso?".

Divisão... 
No lançamento do programa de combate à pobreza extrema, hoje, o governo anunciará que 59% dos 16,2 milhões de brasileiros que constituem o público-alvo da ação estão no Nordeste. Norte e Sudeste empatam, com 17% cada um. O Sul terá 4% de participação e o Centro-Oeste, 3%.

...do bolo 
Dos contemplados, 40% têm menos de 14 anos, e 71% são negros. Para aplicar as iniciativas, o governo editará uma MP e dois decretos.

Reator 1 

As discussões sobre o prosseguimento do programa nuclear brasileiro terão novo capítulo semana que vem. A Comissão de Meio Ambiente da Câmara montará o grupo de deputados, procuradores e especialistas que deverá ter acesso à documentação e às dependências do complexo nuclear de Angra dos Reis.

Reator 2 
Na semana passada, o presidente da Eletronuclear, Othon Silva, assinou documento franqueando o acesso. Presidente da comissão da Câmara, Giovani Cherini (PDT-RS) defende que o Brasil siga a Alemanha e anuncie o fim de seu programa nuclear.

Indicação
O novo embaixador do Brasil em Honduras será Zenik Krawctschuk, hoje encarregado de negócios brasileiros no país.

Em série 
Depois de Antonio Anastasia (PSDB) editar decreto que exige "ficha limpa" dos nomeados para o governo de MG, hoje é a vez da Câmara de Belo Horizonte. A Casa deve votar projeto para estender a exigência aos fornecedores dos órgãos públicos municipais.

com LETÍCIA SANDER e RANIER BRAGON

tiroteio


"Os agricultores estão muito curiosos para saber qual é a fórmula do fertilizante que o Palocci usou nestes últimos anos."
DO DEPUTADO ONYX LORENZONI (DEM-RS), sobre a convocação do ministro da Casa Civil -que multiplicou seu patrimônio em pelo menos 20 vezes entre 2006 e 2010- pela Comissão de Agricultura da Câmara.

contraponto

Diversões radicais

No fim de semana passado, impressionado com as imagens de um programa de TV, o tucano Andrea Matarazzo, secretário paulista da Cultura, comentou no Twitter:
-Um dia descubro qual é o prazer de andar nessas montanhas russas!
O secretário particular do governador Geraldo Alckmin reproduziu a mensagem acrescida de um comentário:
-Perto do PSDB é fichinha mesmo!

DORA KRAMER - Não tem solução


Não tem solução
DORA KRAMER
O ESTADÃO - 02/06/11

O ministro Antonio Palocci não tem mais como ficar no governo e quem diz isso não é a oposição. A esta provavelmente interessaria que ele ficasse na Casa Civil ao ponto de desgaste tão insustentável que se efetivasse o funcionamento de uma CPI.

Confirmada a convocação aprovada ontem (1) na Comissão de Agricultura na Câmara, são quase nulas as chances de Palocci dar um show de convencimento. Não depois de tanta luta para se esconder. Derrubar a convocação, faltar? É pior.Quem diz que Antonio Palocci não tem como ficar no governo é a situação. Aí entendida tanto quanto à posição dos governistas quanto ao agravamento das circunstâncias.

O exame dessas duas variantes resulta numa conclusão: a saída de Palocci da Casa Civil, e provavelmente da vida pública, no momento só depende da definição de quando e como ocorrerá o desfecho. Pelo menos dois ministros já são vistos na cabeceira da pista para assumir a Casa Civil: Paulo Bernardo, das Comunicações, e José Eduardo Cardozo, da Justiça.

Se a escolha realmente recairá sobre um dos dois, é algo ainda fora do campo de visão.O que a paisagem nos mostra claramente é a perda de condições de Palocci de funcionar como o previsto pelo governo: politicamente frágil, não pode fazer articulação política; moralmente baqueado, perdeu credibilidade para atuar na interlocução intra e extraministérios; na berlinda, não pode frequentar uma solenidade oficial sem que seja o foco de todas as atenções.

Em resumo: toma, e de forma negativa, todo o espaço da cena. Tornou-se um problema quando era para ser uma solução. E para enfrentar um problema só há dois caminhos: resolvê-lo ou livrar-se dele. A possibilidade de uma solução razoavelmente indolor ficou perdida neste quase um mês de carência de explicações e abundância de suspeições. Se o procurador-geral da República resolver abrir investigações, confirma-se a razão das suspeitas.

Se não, a oposição ganha mais um argumento em favor da abertura da investigação parlamentar.Pergunte-se a qualquer governista na posse plena de serenidade mental o motivo de Palocci não ter-se defendido e a resposta é uma só: não há explicação que não suscite novos e mais graves questionamentos. Portanto, não há remédio.

A respeito dessa sinuca falam os petistas que nos últimos dias resolveram compartilhar com o público suas impressões sobre o episódio e a falta de cerimônia dos demais partidos da base em manifestar suas opiniões.Uma nítida sinalização de que não há mais o que salvar e, portanto, salve-se quem puder conseguir agora posição melhor na fotografia desse cenário adverso.

Quando uma defensora do governo como a senadora Gleisi Hoffmann aborda o afastamento do ministro durante uma reunião cujo conteúdo obviamente acabaria vindo a público, é de se imaginar que não se motive pelo mero desejo de ver o marido, Paulo Bernardo, como substituto dele na Casa Civil.Além de não falar sozinha, a senadora não é tola nem primária.

A justificativa apresentada por ela ao alegar que o caso Palocci é “pessoal”, e que no mensalão houve motivação coletiva, mas a informação do senador Eduardo Suplicy sobre uma consultoria de R$ 1 milhão, com taxa de sucesso para uma fusão de empresas, mostram que quanto mais se fala nesse episódio mais complicado fica. Por isso, a cada dia se dilui a veemência das defesas, bem como na mesma proporção se animam os oportunistas a dar vazão aos seus baixos instintos.

O deputado Anthony Garotinho confere folclore ao chantagear o governo sabendo perfeitamente que o Planalto não pode mais resolver a questão no varejo e ao ironizar chamando as suspeitas que pesam sobre Palocci de “diamante de R$ 20 milhões”. Sem maiores preocupações com detalhes como compostura e nome a zelar, diverte-se.

Em tese, a demissão de Palocci não deveria encerrar a questão, pois o caso em si do enriquecimento suspeito permanece em aberto. Mas, olhando as coisas sob o prisma do pragmatismo governamental, hoje o preço da retirada é o mais barato que o Planalto poderia conseguir para tirar o assunto de pauta.

MERVAL PEREIRA - Situação crítica


 Situação crítica
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 02/06/11
Pode ser até que o governo consiga sustar a convocação do ministro Antonio Palocci, evitando assim que ele tenha que se explicar em uma comissão da Câmara. Mas, antes de ser uma solução, a reversão da decisão de uma instância da Câmara por ato de seu presidente eventualmente do PT pode colocar mais lenha na fogueira, aumentando a percepção de que alguma coisa muito grave está sendo escondida do distinto público.

O fato de a oposição ter conseguido abrir uma brecha na blindagem ao chefe da Casa Civil fala muito mais da divisão interna do governo do que propriamente da capacidade de atuação dos partidos oposicionistas, mesmo que se tenha que elogiar sua perseverança.

A situação é tão confusa que ninguém sabe exatamente onde começa o boicote a Palocci e onde termina a incompetência governista.

Sabe-se, por exemplo, que a senadora Gleisi Hoffmann, uma petista de alto coturno, sugeriu em conversa reservada da qual participou o ex-presidente Lula que as suspeitas contra o chefe da Casa Civil já estariam prejudicando o governo Dilma e que estava na hora de ele se explicar para não contaminar definitivamente o Planalto.

Se aliarmos a esse comentário o fato de que a senadora é casada com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que, segundo a boataria que corre solta em Brasília, poderia vir a ser o substituto de Palocci na Casa Civil, temos aí pelo menos uma bela intriga palaciana que terá desdobramentos futuros, seja qual for o resultado da blindagem de Palocci.

Do jeito que as coisas estão no momento, a defesa do chefe da Casa Civil parece ser a única salvação do governo Dilma, que sem ele não teria condições de existir nos próximos três anos e meio de mandato e ficaria "arrastando-se" até o final.

Esse raciocínio é simplesmente do ex-presidente Lula, que o desenvolveu nessas conversas dos últimos dias com aliados supostamente para proteger a presidente Dilma, e que na prática acabaram por piorar sua situação.

Como é difícil imaginar que Lula faça movimentos políticos sem medir suas consequências, é forçoso imaginar que ele tenha querido fixar a posição de comandante prioritário do governo, colocando a presidente em situação subalterna de maneira pensada.

Talvez o tenham incomodado as comparações que se faziam, sempre em benefício da novidade, entre o estilo sóbrio da presidente e sua maneira desabrida de fazer política.

A defesa obstinada de Palocci que o ex-presidente fez, sem medir as consequências para a presidente de direito, teria também o objetivo de proteger um nomeado seu, colocado por ele no setor mais estratégico do Ministério para tutelar o novo governo, juntamente com o seu ex-chefe de Gabinete Gilberto Carvalho, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência.

Enquanto Palocci não explica seu enriquecimento, boatos de todos os tipos circulam por Brasília, e a cada dia fica mais evidente que dentro do próprio PT cresce a tendência de considerar que ele está provocando mais problemas que soluções neste momento.

O raciocínio que teria desenvolvido a senadora Gleisi é de que o escândalo do mensalão teria sido provocado por ações que favoreceriam o PT, enquanto o problema de Palocci seria de índole pessoal, o que retiraria do PT a obrigação de defendê-lo.

Há, porém, quem afirme que esse dinheirão todo que o chefe da Casa Civil arrecadou, sobretudo os milhões que entraram em sua conta nos últimos meses de campanha, na verdade, pelo menos em parte, teria destinação partidária, seja para financiamento da campanha presidencial, seja para a formação do Instituto Lula.

Essa seria uma explicação lógica para o ponto mais grave da acusação, a de que Palocci continuou a atuar como "consultor" mesmo depois de ter sido indicado coordenador da campanha de Dilma.

Se, no início da campanha, Palocci tivesse encerrado as atividades de sua "consultoria", coisa que só fez no final de 2010, quando Dilma já estava eleita, poderia hoje alegar que assim procedera para evitar conflitos de interesse diante da possibilidade de a candidata do PT ser eleita.

Mas, tendo continuado a operar duplamente durante toda a campanha e, mais que isso, tendo recebido o grosso do dinheiro depois da eleição, só faz crescer a suspeita de que o que sua "consultoria" vendia mesmo era tráfico de influência.

Essa suspeita que domina a opinião pública só será dissipada se o ainda chefe da Casa Civil conseguir, em depoimento no Congresso ou em entrevista, desmontar as insinuações, provando que nenhum de seus clientes teve favores do governo, deste ou do anterior.

Mas o pouco que se sabe hoje já dá para desconfiar de que alguma coisa próxima do tráfico de influência ocorreu.

O caso apresentado pela liderança do PSDB na Câmara é exemplar disso. A restituição pela Receita Federal à cliente de Palocci incorporadora WTorre, no valor de R$9,2 milhões, teria acontecido em prazo recorde - 44 dias - e ao mesmo tempo em que a empresa fez uma doação à campanha de Dilma.

O governo alegou que o pagamento foi feito por ordem judicial, mas não foi exatamente isso. A ordem judicial foi para que a Receita tomasse uma decisão sobre o caso, que estava parado na burocracia. Perguntado sobre por que então o governo não recorrera da "decisão judicial", a alegação burocrática foi de que a Receita perdera o prazo de recurso, o que seria no mínimo prevaricação.

A convocação da Câmara ocorre quando a Procuradoria Geral da República pede mais explicações a Palocci, considerando insuficientes as que ele mandara anteriormente.

O governo estava contando com decisão favorável ao ministro para hoje, o que esfriaria a crise. Ao contrário, o pedido de Roberto Gurgel, ao adiar a decisão por mais uma semana, aumenta a temperatura da crise e indica que, até o momento, as explicações de Palocci são insuficientes para impedir a abertura de um inquérito.

ELIANE CANTANHÊDE - Não há bobos, só espertos


Não há bobos, só espertos
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/06/11

Bobeou, dançou. Os governistas bobearam, Palocci dançou e foi convocado a depor na Comissão de Agricultura da Câmara sobre o faturamento estonteante de sua empresa de um funcionário só e o seu ‘boom imobiliário’.

O custo para reverter a decisão é alto para líderes e governo. Sempre é melhor prevenir do que remediar... Por que a Comissão de Agricultura? Porque um dos clientes da consultoria do ministro era da área do agronegócio.

Ah, bom! Esse detalhe já mostra o quanto o DEM foi esperto e os governistas, bobinhos. Se é que não se fingiram deliberadamente de bobinhos... O PT, o PMDB e os demais governistas têm uma maioria recorde no Senado, na Câmara e na própria Comissão de Agricultura.

Logo, a convocação de Palocci demonstrou descoordenação, desarticulação e desconfiança da base aliada quanto à lisura do ministro, com o risco de fazer o caminho contrário: depois da derrota na comissão, também na Câmara e enfim no Senado.

É aí, no Senado, que mora o principal perigo, com oposição mais atuante, dissidência do PMDB mais clara e governistas querendo mais do que um silêncio sepulcral sobre R$ 20 milhões pra cá, apartamento de R$ 6,6 milhões pra lá.Começou com Ana Amélia (PP-RS) pedindo o afastamento do ministro até que tudo fique em pratos limpos.

Depois, a informação de que Gleisi Hoffman (PT-PR) estava indo na mesma linha em reuniões fechadas do partido e de governo.Registrem-se o recolhimento petista e a guinada no discurso oficial. Antes, tudo era mero ‘jogo político’.

Agora, diz-se que é uma ‘questão pessoal’ de Palocci — não do governo, muito menos do PT. Soa ou não soa como lavar as mãos?O momento é de tensão, enquanto Dilma e seu vice, Temer, ganham uns quilos a mais, de almoço em almoço, jantar em jantar. Essas coisas até ajudam quando preventivas. Com o fogo alto, pode ser tarde para evitar incêndios. E frituras.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Pedaços de metal


Pedaços de metal
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO - 02/06/11

Nietzsche escreveu em algum lugar que certas ideias se tornam verdades pela repetição, mas perdem o significado com o tempo, como moedas cujas imagens se apagam e passam a ter, todas, apenas o valor de pedaços de metal. Me ocorreu que a metáfora do Nietzsche pode ser usada ao contrário para descrever o que acontece com o euro, a moeda única idealizada para uma Europa unida que parece estar em vias de perder o sentido. No caso do euro a intenção era que as moedas valessem o mesmo para todos os membros do mercado comum, independentemente do estado das suas economias. Mas, ao contrário dos pedaços de metal de Nietzsche, com o tempo certos euros ganharam um valor real que para outros é artificial. E o valor dos euros saudáveis é ameaçado pelas repetidas crises dos euros anêmicos.
As outras tentativas de criar uma Pan-Europa fracassaram por razões diferentes. Napoleão quis levar a revolução francesa para além das fronteiras da França e do seu próprio poder e provocou uma reação da Europa monárquica que acabou não só com suas pretensões imperiais mas com o regime revolucionário que o pariu. Ironicamente, Napoleão criou uma união europeia – a dos velhos regimes que se uniram para detê-lo e à ameaça republicana. Decisiva na derrota de Napoleão e do seu sonho foi a resistência da Inglaterra, aquela estranha ilha que, para quem vive dizendo que não é Europa, tem tido uma participação desproporcional na história europeia.
A Inglaterra também foi, em grande parte, responsável pela derrota de Hitler, outro que sonhou com uma federação europeia e propôs sua Europa fascista como um baluarte contra o bolshevismo e as “hordas asiáticas” que já estariam na margem oriental do Danúbio prontas para atacar a civilização ocidental. Uma proposta aceita por muita gente boa, na época.
A atual tentativa de unir a Europa partiu de uma conveniência de mercado, nada tão grandiloquente quanto as pretensões bonapartistas e nazistas. Em vez de um ideal revolucionário ou da civilização cristã, pretendeu-se defender a relevância da Europa no mundo da competição capitalista. Começando pelos pedaços de metal, pois afinal o dinheiro é que manda neste mundo. Também não está funcionando.