segunda-feira, maio 30, 2011

A saúde de Dilma - REVISTA ÉPOCA


A saúde de Dilma
REVISTA ÉPOCA 

Época teve acesso a exames, a relatos médicos e à lista de medicamentos usados pela presidente da República. Por que seu estado ainda exige atenção



Cristiane Segatto. Com Isabel Clemente e Leandro Loyola

No último dia 22, um domingo, a presidente Dilma Rousseff viajou para Salvador para participar da cerimônia de beatificação de Irmã Dulce. Foi seu primeiro compromisso público desde a pneumonia que a obrigou a cancelar viagens e a despachar durante três semanas do Palácio da Alvorada, sua residência oficial. Na capital baiana, a chuva obrigou a organização do evento a improvisar. Dilma foi acomodada sob um toldo que lembrava uma bolha de plástico. Não era apenas uma deferência justificada pelo cargo que ela ocupa. Era um cuidado necessário para evitar uma recaída da inflamação pulmonar que, segundo palavras que ela mesma disse, de acordo com um interlocutor de confiança, teria sido “a pior de todas as doenças que já enfrentei”.

O “foco de pneumonia” descrito no boletim médico no final de abril revelou-se mais pernicioso do que a sucinta comunicação oficial sugeria. Dilma voltou da China depois de dez dias de trabalho extenuante. Já estava gripada quando inaugurou oficialmente a campanha de vacinação contra a doença, tomando ela mesma uma dose. Na terça-feira 26 de abril, sentiu-se febril. Sua temperatura era de 36,8 graus. O médico oficial da Presidência, o coronel Cleber Ferreira, prescreveu o antibiótico Levaquin, sem avisar o chefe da equipe que a acompanha, o médico Roberto Kalil, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Dilma piorou. Na quinta-feira, o exame de raios X revelou uma pneumonia. Transferida para São Paulo, passou a receber na veia dois antibióticos: azitromicina e ceftriaxona – recursos usados em casos graves. Seguiu com esse tratamento durante 14 dias. Foi tratada também com um corticoide.

Assessores próximos contam que a doença afetou a disposição da presidente e seu estado psicológico. Ela sentia cansaço e falta de ar. Passou a despachar do Alvorada, a residência oficial, para evitar o ar-condicionado do Palácio do Planalto, onde as janelas são lacradas. Reclamava de dores de estômago e náuseas e não conseguia se alimentar direito. O fígado dava sinais de agressão. Os níveis da enzima TGP, que serve de parâmetro para avaliar as condições hepáticas, subiram, como resultado do esforço que o órgão fazia para processar o coquetel de remédios que Dilma usava. No dia 21 de maio, ela se submeteu a uma tomografia no tórax que, de acordo com os médicos, mostrou que ela estava curada da pneumonia.

Nos últimos dias, ÉPOCA teve acesso a relatos médicos, a exames e à lista de medicamentos que ela toma. Durante o tratamento da pneumonia, eram 28 remédios diariamente – entre drogas alopáticas, suplementos vitamínicos prescritos em tratamentos ortomoleculares e cápsulas que Dilma consome por conta própria, algumas pouco ortodoxas, como cartilagem de tubarão (leia a lista completa abaixo). Procurada por ÉPOCA, Dilma pediu ao Hospital Sírio-Libanês que emitisse um boletim exclusivo sobre sua condição de saúde. “Do ponto de vista médico, neste momento a Sra. Presidenta apresenta ótimo estado de saude”, afirma o boletim. Não há, segundo os médicos oficiais, nenhum sinal de que seu câncer linfático, diagnosticado e tratado em 2009, tenha voltado, nem de que as defesas de seu organismo tenham sofrido maiores consequências por causa do tratamento. “A Presidenta Dilma continua em remissão completa do linfoma, e não há nenhuma evidência de deficiências imunológicas, associadas ou não ao tratamento do linfoma realizado em 2009”, diz o texto.

Mas as informações obtidas por ÉPOCA revelam que a saúde da presidente ainda exige atenção. Não por causa do câncer. Mas em virtude de preocupações naturais para uma mulher de 63 anos. Dilma convive com vários problemas que consomem energia. Ela sofre de diabetes tipo 2 e, há vários anos, toma o remédio Glifage para mantê-la sob controle. O tratamento tem funcionado. Com o remédio, os níveis de glicemia ficam um pouco acima do normal. Além do diabetes, Dilma também tem gordura acumulada na região abdominal. Em conjunto, são dois sinais característicos de uma condição conhecida como síndrome metabólica, extremamente comum no Brasil e no mundo, considerada um fator de risco para doenças cardiovasculares, como infarto e derrame. Cerca de 80% das pessoas que têm diabetes tipo 2 estão acima do peso. Quando o diabético engorda, fica mais difícil manter os níveis ideais de açúcar no sangue, e o remédio torna-se imprescindível.

Há duas semanas, a lista de remédios de Dilma tinha 28 itens

Dilma sofre também de problemas hormonais. As células de defesa de seu organismo reconhecem a glândula tireoide como um corpo estranho e passam a atacá-la. Ela sofre de uma doença autoimune conhecida como tireoidite de Hashimoto, a causa mais comum de hipotireoidismo. “Sem tratamento, a pessoa sente desânimo, percebe que suas funções orgânicas e cognitivas ficam mais lentas, o cabelo cai com facilidade e as unhas ficam fracas”, diz Laura Sterian Ward, presidente do departamento de tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “O tratamento é para a vida inteira. É como usar óculos. A dose do hormônio tem de ser ajustada corretamente, e o remédio precisa ser tomado todos os dias em jejum.” Quando a dose do hormônio é inadequada, o paciente sente alterações da frequência cardíaca. Depois de décadas de doença, a tireoide de Dilma praticamente não produz mais hormônio. É por isso que ela precisa tomar disciplinadamente o remédio Synthroid. Durante o tratamento da pneumonia, nem sempre ele pôde ser tomado em jejum, e a absorção do hormônio tireoidiano ficou prejudicada. Quando sente taquicardia, a presidente percebe que a dose do hormônio precisa ser ajustada.

A presidente tem colesterol normal, mas às vezes sofre de pressão alta. Para manter a pressão arterial na faixa dos 13 por 8, precisa tomar o anti-hipertensivo Cozaar. Os médicos dizem que o coração da presidente vai bem. Ela já passou, no entanto, por um episódio vascular complicado. Para receber a quimioterapia e fazer exames sem precisar puncionar veias com frequência, ela recebera um cateter implantável, chamado port-a-cath, que permite o fácil acesso às veias. Em 20 de março de 2010, ela apresentou um inchaço na região do pescoço (um edema), como resultado da formação de um coágulo. Poderia ser o início de uma leve trombose na veia cava, a principal veia que transporta o sangue venoso para o coração. Em alguns casos, uma trombose desse tipo pode ser fatal se provocar embolia pulmonar ou uma grave obstrução na própria veia. Não foi o caso de Dilma. “Nesta mesma data, optou-se pela retirada do cateter venoso central (port-a-cath) com resolução do quadro clínico”, diz o boletim emitido pelo Sírio-Libanês.

Outro motivo de preocupação é a variação de seus níveis de potássio. Às vezes, eles caem rapidamente. Ela percebe quando falta potássio no organismo porque sente cãibras. Os médicos revertem o problema com a prescrição de doses elevadas do composto. Para controlar esse problema, ela toma o medicamento Slow-K.

Além da última pneumonia, Dilma contraiu gripe suína na Europa no final de 2009, quando era ministra da Casa Civil. Foi tratada com Tamiflu e Levaquin. Os dois episódios levantaram especulações sobre a condição imunológica da presidente. Para alguns especialistas envolvidos no tratamento, sua imunidade nunca mais foi a mesma desde a quimioterapia adotada para combater o linfoma, embora os médicos oficiais digam o contrário. Oncologistas especializados no tratamento de linfoma dizem que a imunidade do paciente costuma ficar comprometida nos meses que se seguem à quimioterapia. Em geral, porém, o sistema imune volta a funcionar bem seis meses depois do final do tratamento. “É incomum que a imunidade do paciente fique baixa depois desse tempo”, diz o hematologista Garles Miller Matias Vieira, do Hospital AC Camargo, em São Paulo.

A saúde de um presidente é um tema tão relevante para o jogo político quanto a ética das autoridades O principal parâmetro para avaliar se o organismo é capaz de reagir a infecções é a contagem de glóbulos brancos do sangue, os leucócitos. No exame realizado por Dilma no dia 30 de abril no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, esse índice estava dentro dos parâmetros normais. Segundo Kalil, a presidente não tem apresentado infecções urinárias ou gástricas repetidas vezes, eventos que poderiam caracterizar um quadro de baixa imunidade.

Além dos remédios convencionais, Dilma consome também cápsulas de curcumina e óleo de linhaça, produtos vendidos com a promessa de perda de peso. Também usa um suplemento de fibras, um polivitamínico e o Q-10, um produto antioxidante que supostamente protege o coração. O item mais curioso da lista são as cápsulas de cartilagem de tubarão. Apesar da crendice popular, não há nenhuma comprovação científica de que elas ajudem a prevenir o câncer. A presidente toma as cápsulas por conta própria. A pedido de ÉPOCA, ela confirmou a Kalil que usa o produto e ele se disse surpreso.

O histórico de saúde da presidente inspira cuidados. Uma mulher de 63 anos, com sobrepeso, intolerância à glicose, pressão arterial controlada com medicamentos e uma vida extremamente estressante precisa passar por rigoroso acompanhamento médico como vem fazendo. Até agora, Dilma tem demonstrado mais disposição para o trabalho que muitos jovens. ÉPOCA apurou que um dos ministros desistiu de acompanhá-la à China quando viu que a agenda seria muito mais extensa do que ele imaginava.

Mais preocupante que a saúde de Dilma é o silêncio sobre ela. Quando era ministra, ela só convocou uma entrevista coletiva para contar que tinha câncer depois que a notícia já estava publicada no jornal Folha de S.Paulo. E tentou manter em sigilo que já começara a fazer quimioterapia.

A falta de transparência sobre a saúde da presidente alimenta boatos num setor em que o Brasil coleciona traumas. Em 1909, último ano de seu mandato, Afonso Penna morreu de pneumonia no exercício do cargo. Em 1967, o marechal Arthur da Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar (1964-1985), sofreu um derrame. Costa e Silva ficou preso a uma cama, sem conseguir falar e com um dos lados do corpo paralisado. Paranoicos, os militares esconderam a doença e impediram a posse do vice, Pedro Aleixo, um civil. O mistério alimentou boatos. Um dizia que Costa e Silva já estava morto. Outro dizia que a causa do afastamento não era doença, mas um tiro. Em 1981, dois anos depois de tomar posse, o último presidente militar, general João Figueiredo, sofreu um infarto. Figueiredo foi operado nos Estados Unidos. Mesmo num regime ditatorial, a doença de Figueiredo foi divulgada e o vice, Aureliano Chaves, assumiu.

O maior marco da falta de transparência foi a doença de Tancredo Neves. Eleito primeiro presidente civil após 21 anos de regime militar, Tancredo sabia que estava doente meses antes. Escondeu seu estado clínico. Tancredo foi internado às pressas no hospital de Base de Brasília na noite anterior à posse, marcada para 15 de março de 1985, com uma diverticulite. Sua longa agonia de 39 dias no hospital foi um show de desinformação. Para tentar passar a falsa impressão que estava tudo bem, seus aliados montaram uma farsa. Tancredo foi retirado da cama, vestido num robe de chambre, e posou para uma foto ao lado da mulher, Risoleta, e da equipe médica, todos sorridentes. Divulgada para toda a imprensa, a foto era uma farsa: Tancredo tinha sondas injetadas no corpo que ficavam escondidas atrás do sofá. Morreu quase um mês depois. Como no caso de Costa e Silva, a contradição entre o divulgado e a realidade sobre o estado de saúde de Tancredo criou um terreno fértil para lendas urbanas sobre a causa da morte.

A saúde de um presidente é um tema tão relevante para o jogo político quanto a ética das autoridades. É um bem de interesse público que extrapola as fronteiras do direito ao sigilo médico. A situação seria diferente se os candidatos à Presidência fossem obrigados a prestar uma declaração sobre sua condição de saúde da mesma forma como são obrigados a abrir o sigilo do Imposto de Renda? Alguns países valorizam mais a transparência que outros. Mesmo sem regras escritas, os americanos tendem a adotar a transparência total quando está em jogo a saúde de presidentes da República. Boa parte da história médica de 41 presidentes americanos está compilada num livro, The health of the presidents, escrito por um médico. Um exemplo: ainda em campanha, o então candidato democrata, senador John Kerry, na disputa com George W. Bush nas eleições de 2003, revelou seu tratamento de um câncer de próstata. “Eles se adiantam nas informações porque transparência, nesses casos, é essencial. Sem isso, começam boatos e fica tudo pior”, diz Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Por ocupar o mais alto cargo majoritário de um país, a saúde do presidente precisa ser um livro aberto? A sociedade tem direito a saber todos os detalhes de tratamentos, de males, quaisquer que eles sejam? “Eu me inclino a considerar que somente venham a ser expostos ao público dados sobre a saúde do governante que ameacem a continuidade de seu governo e possam ter graves efeitos sobre o país”, diz o cientista político Leôncio Martins Rodrigues. Moléstias prolongadas teriam, para ele, um potencial muito maior de gerar instabilidades econômicas e políticas no país do que a morte em si, um fato consumado. Foi com certo constrangimento que o ex-presidente americano James Carter (1977-1981) falou publicamente sobre suas hemorroidas. Era preciso acalmar o mercado financeiro, inflamado com boatos muito piores sobre sua saúde.

Na França, em 1981, o presidente François Mitterrand determinou a divulgação de boletins médicos semestrais sobre sua saúde. A iniciativa pretendia afastar o fantasma da morte de Georges Pompidou, em 1974, atingido por um raro tipo de câncer, quando ainda estava na Presidência. Soube-se, depois, que os boletins sobre Mitterrand teriam sido falsificados por seu médico particular, autor de um livro em que revelava como Mitterrand escondera, por mais de uma década, a doença que lhe consumia. O câncer que matou Mitterrand se tornou público apenas em 1992, mais de dez anos depois de sua descoberta, de acordo com o relato feito por um médico particular. Se Dilma quiser se inspirar nos exemplos que a história tem a lhe oferecer, a estratégia mais recomendada é a transparência. Na falta dela, as especulações podem fazer ainda mais mal para sua saúde.

GUILHERME FIUZA - A última tentação de Palocci


A última tentação de Palocci
GUILHERME FIUZA 
Época - 30/05/2011

Finalmente a verdade veio à tona. Foram cinco meses de doce hipnose. Muita gente que detesta Lula e não vota no PT nem amarrado declarou-se entusiasmado com Dilma Rousseff. Por que, afinal? Porque ela é mulher. Porque ela fala pouco. Porque ela não faz bravatas. O Brasil avalia presidentes como se avaliasse ator de novela: “está muito bem no papel”, “acertou no figurino”, “não me incomoda na hora do jantar”. Só uma pessoa poderia cortar esse estranho devaneio coletivo: Lula.

E ele o fez com uma única frase, sincera e definitiva: “Se tirarem o Palocci, o governo dela (Dilma)vai se arrastar até o final”.

Não deixa de ser um grande alívio. Já estava ficando aflitiva a catalepsia geral. Até o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – uma espécie de recreio dos governantes, onde notáveis se reúnem para fazer nada em grande estilo – vinha sendo exaltado como ponto positivo da administração Dilma. O próximo passo seria a indicação do Ministério da Pesca ao Nobel da Paz. O país deve ser grato a Lula pelo esclarecimento providencial: sem Palocci, o governo Dilma não anda – se arrasta. Com todo respeito à laranjada de mitos feministas e esquerdistas que o sustenta.

Lula disse isso a senadores do PT, na já famosa reunião SOS Palocci. Sua intenção era nobre: lembrar aos distraídos que o ministro-chefe da Casa Civil não é importante para o governo – ele é o governo. O ex-presidente sabe bem do que está falando. Em 2002, quando foi eleito sucessor de Fernando Henrique, Lula tinha nas mãos nada mais que as bandeirolas xiitas do PT e uma alegoria de marketing chamada Fome Zero. O único de seu time que compreendia a diferença entre bater panela e governar era Antonio Palocci.

Quem mais naquela turma entenderia que o Banco Central não era exatamente um lobo mau a ser abatido com slogans populistas? Quem entenderia que responsabilidade fiscal não era palavrão da direita? Quem mais entenderia, política e tecnicamente, o que eram metas de inflação e superavit primário? Ninguém mais – tanto que a assembleia petista bombardeia esses conceitos até hoje. Acreditam que eles foram a “concessão neoliberal de Lula”, e nem de longe desconfiam que aí estava a galinha dos ovos de ouro, que os alimentou fartamente de votos.

Palocci foi um excelente ministro da Fazenda, e Lula teve seu momento de estadista ao lhe dar poder. Mas Palocci caiu, e Lula teve de inventar Dilma para suceder-lhe. Sabendo da aventura em que estava se metendo, o ex-presidente fez o óbvio: escalou Palocci para governar Dilma, na campanha e na Presidência. Tinha plena consciência de que sua sucessora, que mal consegue completar um raciocínio em público, não teria estatura para construir uma liderança de fato.
Palocci fraquejou no lema que parece religioso na escola petista: usar o Estado para arrecadação privada

É o que se viu nesses cinco meses. A inflação soltando suas labaredas, Dilma e Mantega dando ordens-unidas que o mercado ignora, e Palocci segurando as pontas sozinho do combate à gastança pública – e sendo, naturalmente, sabotado pelo PT por causa disso. Mas permaneceu forte, porque o mundo político respeita quem sabe o que faz. Só quem não respeita Palocci é ele mesmo.

Um dos políticos mais promissores do país, capaz de se reerguer depois de cair em desgraça por causa de uma casa de tolerância, o médico de Ribeirão Preto calibrou mal suas ambições pessoais. Fraquejou no lema que parece religioso na escola petista: usar o Estado para arrecadação privada. Palocci não resistiu à tentação de converter sua influência política em cachê. Mesmo no comando da campanha vitoriosa de Dilma, com seu futuro atrelado ao futuro do país, achou que era hora de faturar uns milhões por fora. Ou, no caso, por dentro.

A notícia é muito pior para o país do que para o governo. Este, como disse Lula, vai só se arrastar. O outro talvez ande para trás.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - Exemplo à brasileira


Exemplo à brasileira
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA
O ministro Cezar Peluso , presidente do Supremo Tribunal Federal , chamou-o de ” aspecto psicológico da pena ” . Um outro nome do mesmo fenômeno é ” caráter exemplar da pena ” . Os casos de Domenique Staruss-Kahn , nos Estados Unidos , e de Antonio Pimenta Neves , no Brasil , ilustram a distância oceânica entre os dois países quanto a esse ponto . Strauss – Kahn , o diretor do Fundo Monetário Internacional e candidato favorito à eleição presidencial francesa do ano que vem , foi arrancado de dentro de um avião ; detido ; exibido algemado na delegacia de polícia diante dos fotógrafos e das câmeras de TV ; levado a um tribunal ; novamente exibido ; e enfim conduzido a um presídio – tudo nas meras 48 horas que se sucederam à denúncia de que praticara violência sexual contra a camareira de um hotel em Nova York . Estava em curso o habitaul show com que os americanos lembram que as leis existem para ser observadas , a justiça para fazê-las valer e a polícia para prender os infratores .

Pimenta Neves matou a namorada , Sandra Gomide , em 20 de agosto de 2000 ; foi preso apenas no mês seguinte ; obteve habeas corpus em março de 2001 ; deixou a cadeia ; foi a júri apenas em 2006 ; condenado a 19 anos de prisão , ganhou o direito de recorrer em liberdade ; e em 2008 teve a pena reduzida para 15 anos pelo Superior Tribunal de Justiça. Recurso vai , recurso vem , só na semana passada o Supremo Tribunal Federal decidiu que era hora dele ser recolhido à prisão . Durante este tempo todo , os brsileiros tiveram diante dos olhos um show de impunidade que raros países ofereceriam , ainda mais em se tratando de assassino confesso .

A estratégia da exemplaridade tem sentidos opostos , num e noutro país . Nos EUA , o exemplo é mostrar que a lei funciona ; no Brasil , que não funciona . Os EUAlevaram 48 horas para montar seu show ; o Brasil onze anos . Ponto para a estratégia brasileira . Durante onze anos , foi martelado na cabeça dos brasileiros que se pode matar , pois são enormes as chances de escapar impune . É mais difícil de esquecer do que as meras 48 horas dos americanos . As imagens de um e outro dos protagonistas são eloquentes . Staruss-Kahn apareceu na polícia abatido , olhos baixos , silencioso . No tribunal que lhe pronunciou o indiciamento , tinha expressão vazia e barba por fazer . Sempre metido em ternos impecáveis , agora vestia uma jaqueta sobre camisa de colarinho aberto . Pimenta Neves mostrava-se tranquilo na hora da prisão . Manteve conversação amável com os policiais . Estava bem vestido . Parecia saudável e bem disposto .

Os dois vinham , claro , de situações diferentes . Pimenta Neves saía do sossego do lar e já tivera onze anos para amansar as feridas da transição de jornalista vitorioso , diretor de um dos principais matutinos do país , a assassino conhecido como tal em todo o país . Staruss-Kahn ainda vivia o calor da hora entre todas ingrata em que , metamorfoseara no mais ilustre estrupador do planeta . Certo , mas as imagens mostravam também as perspectivas que um e outro tinham pela frente . Strauss-Kahn , a do fim imediato e enapelável da carreira política na França e do mandato supremo em uma das três ou quatro mais importantes instituições internacionais , além da possível condenação a até 25 anos de prisão . Pimenta Neves … Bem , Pimenta Neves tinha pela frente o show brasileiro de impunidade , fase 2 : a expectativa de ganhar em dois anos o mínimo conhecido como ” progressão de pena ” . Com ele virão o regime semiaberto e o direito de sair da cadeia para trabalhar , descansar em casa ou divertir-se .

O ministro Cezar Peluzo defende reforma constitucional pela qual , uma vez condenado em segunda instância , o réu já passe a cumprir pena . Hoje , o excesso de recursos disponíveis , bem manipulados pelos advogados , pode empurrar a excecução da pena ao infinito . Os ministros do Supremo concordaram todos , no julgamento da semana passada , em que o excesso de recursos é que arrasta casos como o do jornalista . Não citaram a lentidão do Judiciário , o outro fator que deve ser levado em conta . Contra a proposta de Peluso já se levantam conhecidos advogados e entidades de advogados . os recursos fazem bem para os seus clientes e para eles mesmos . Com relação à lentidão do Judiciário , o mais imobilista dos poderes da República , a redução dos recursos pode ajudar , mas não resolve todo o problema . No caso Strauss-Kahn , dada a bem fundamentada acusação , a aposta é que não escapará de muitos anos de xadrez . No de Pimenta Neves , a voz do povo é : ” Quero só ver por quanto tempo ele permanecerá na cadeia ” 

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Cruzeiros marítimos giram R$ 1,3 bilhão na economia
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/05/11

A temporada 2010/2011 de cruzeiros movimentou R$ 1,3 bilhão entre gastos feitos por armadores, passageiros e tripulantes.
Desse total, R$ 332,7 milhões giraram a economia de cinco grandes cidades portuárias do Brasil.
Os números são de estudo inédito feito pela Fundação Getulio Vargas sobre impactos econômicos do setor, que será divulgado hoje no Seatrade South Americ Cruise Convention, em São Paulo.
Do total deixado pelos passageiros e tripulantes nas cidades portuárias, a maior fatia, de R$ 172,6 milhões, ficou com o setor de varejo. Seguido pelo de alimentos e bebidas, de R$ 155,1 milhões.
Em termos geográficos, nos dias que antecederam ou sucederam a viagem, as despesas dos viajantes foram maiores no Rio de Janeiro, seguido por Santos.
Os combustíveis aparecem em primeiro lugar (R$ 291,7 milhões) entre os itens mais dispendiosos para empresas que operam navios de cruzeiro. Em segundo lugar estão as taxas portuárias e impostos, com gastos que atingem R$ 215,2 milhões.
Devido à falta de infraestrutura dos portos brasileiros, o custo com água para abastecer as embarcações e para levar o lixo ao continente também é alto. As empresas desembolsaram R$ 28,1 milhões com essas despesas.

ESTRATÉGIA CIRÚRGICA
A operação brasileira da Stryker -empresa de tecnologia médica de equipamentos cirúrgicos- assumirá o comando da estratégia regional da companhia para a América Latina, que passa a ser feito a partir de SP.
Além do crescimento econômico brasileiro, a mudança se deve aos projetos de expansão por que passam os hospitais no país.
"Temos neste ano uma ampliação do portfólio de instrumental para cirurgias ortopédicas e de coluna e equipamentos de endoscopia", afirma Pablo Toledo, diretor-executivo da empresa no Brasil.
O portfólio de neurologia também será expandido, após a recente incorporação pela companhia da divisão neurovascular da Boston Scientific, fabricante multinacional de stents.

"IOGURTERIA"
A rede de "frozen" iogurte Yoggi vai inaugurar dez unidades no mês de junho.
Até o fim do ano, a empresa terá mais de cem lojas e duas fábricas. A segunda planta abrirá no começo do semestre, em Três Rios (RJ).
"A cidade fica perto do Estado de São Paulo, o que facilitará o escoamento da produção", afirma Bruno Grossman, um dos sócios-fundadores da marca.
A companhia investirá R$ 30,5 milhões até o final de 2011 no desenvolvimento de novos sabores, na abertura de lojas e em ações de marketing.

Crédito... 
O estoque de Letras de Arrendamento Mercantil cresceu 96% nos últimos 12 meses na Cetip. O instrumento saltou de R$ 400 milhões, em abril de 2010, para R$ 784 milhões no mês passado.

...no leasing 
Esses títulos de crédito oferecem maior agilidade às operações de captação de recursos de sociedades de arrendamento mercantil (leasing). A Cetip é depositária de título privado de renda fixa.

Pioneirismo 
A diretora da consultoria Monitor no Brasil, Flavia Almeida, é a primeira brasileira eleita para o conselho de ex-alunos da Universidade Harvard, que faz o acompanhamento estratégico da instituição (University's Board of Overseers).

Laser 
A Trumpf Brasil investirá 9 milhões (cerca de R$ 21 milhões) no país nos próximos três anos. A empresa, filial da fabricante alemã de máquinas a laser para processamento de chapas metálicas, aplicará os recursos em novas instalações e em treinamento.

"Data verde" 

A Tetra Pak do Brasil será a primeira das 40 filiais no mundo a receber data center sustentável. O sistema terá gerenciamento inteligente de consumo de energia, para redução de 30%, e atenderá demais empresas do grupo na América Latina.

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e EDUARDO GERAQUE

ANCELMO GÓIS - Brasil na moda


Brasil na moda
ANCELMO GÓIS

O GLOBO - 30/05/11
Um parceiro da coluna, que foi a Vancouver para a convenção mundial da KFC, rede americana de fast-food, com mais de 1.000 pessoas de 117 países, é testemunha desta história. Um dos palestrantes, Bill Clinton, falou bem do Brasil pelas costas. Certamente, o país mais elogiado pelo ex-presidente. 

Acerto de contas
Estão saindo da Vale, sob nova direção, Sílvio Vaz, presidente da Fundação Vale, e Almir Rezende, diretor de Energia. São ligados à antiga gestão. 

Temporão na China
 
O ex-ministro da Saúde e professor da Fiocruz José Gomes Temporão foi um dos escolhidos pela OMS para assessorar o governo chinês. A China quer mudar profundamente seu sistema de saúde. 

Cuba libre
Quinta, Yolanda, linda cubana, ex-mulher do poeta Pablo Milanés, musa inspiradora da música “Yolanda”, adquiriu cidadania espanhola. 

Chico Buarque fez sucesso

com a versão portuguesa da canção, também cantada por Simone e Milton Nascimento. No mais Dilma teve sua Batalha do Atlântico, embate importante da II Guerra Mundial, conhecido como Maio Negro.

Além de uma pneumonia
braba, no “maio negro” da presidente, ela enfrentou turbulências políticas de proporção razoável. Mas há tempo de sobra para repor a nave da capitã na rota certa. Vamos torcer.

Romeu carioca
O tenor carioca Pedro Portari, 42 anos, voltará ao Scala de Milão, dia 11 de junho. Cantará numa remontagem, de “Romeu e Julieta”, de Charles Gounod, produzida por Bart Sher, que projetou o brasileiro Paulo Szot em “South Pacific”. 

Gois em Wembley
Deve ser terrível viver num país despreparado para sediar grandes eventos esportivos. Sábado, na decisão da Liga dos Campeões da Europa, em Wembley, um ônibus que transportava vips levou uma hora e meia do hotel ao estádio. Ao chegar, o motorista não conseguia encontrar o estacionamento. Os passageiros saltaram e deram uma volta no estádio até achar o portão de entrada.

Jogo que segue...

Na caminhada, a turma, com o ingresso na mão, pediu informação a um guarda. Ele aconselhou ao grupo esconder o ingresso no bolso para evitar roubo.

Pega ladrão...
Aliás, um colega do “Globo Esporte” viu um roubo de ingresso quando o torcedor estava prestes a passar pela roleta. O ladrão, perseguido pelo torcedor e pela polícia, foi preso. 

Mário, 100 anos
Eduardo Paes prometeu à família de Mário Lago que a prefeitura vai patrocinar as comemorações pelo centenário do ator, compositor e grande brasileiro, em novembro. Os festejos incluem, entre outras coisas, dois CDs — um de canções inéditas e outro com poemas musicados por Caetano, Lenine, Macalé e outros.

Ianques no Fla 
Está quase fechado que parte dos atletas americanos nos Jogos do Rio vai treinar na sede do Flamengo, na Gávea. O clube negocia com o comitê olímpico dos EUA, que investirá nos aparelhos do clube. 

Energia eólica 
Carlos Minc licenciou a construção de uma usina de energia eólica de 136MW, a maior da América Latina, em São Francisco de Itabapoana. Seu próximo passo é criar no Rio um moderno centro de pesquisa de energia solar e eólica. 

O preço do palavrão
Semana passada, numa reunião de condomínio no Península, na Barra, no Rio, decidiu-se que, a partir de junho, será proibido falar palavrões, inclusive nas peladas de fim de semana. Sob pena de pagamento de multa de R$ 30 por palavrão. 

Educandário Brasil
Veja como a educação não parece ser prioridade no Brasil. A UFF, no Rio, por causa da “escassez de docentes” no curso de serviço social, como diz documento interno, decidiu “sustar o vestibular 2012 para o turno vespertino”. Manteve só o noturno.

Ligação Perigosíssima - REVISTA VEJA


Ligação Perigosíssima
REVISTA VEJA
O nome do ex-presidente Lula aparece em conversa de envolvidos em esquema de corrupção em Campinas

A reaparição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se restringiu ao noticiário político. Soube-se na semana passada que seu nome figura num documento sobre um esquema de. desvio de recursos da prefeitura de Campinas, desbaratado pelo Ministério Público paulista. A bandalha era comandada do gabinete do prefeito Hélio Santos (PDT), o Dr. Hélio. Segundo os promotores, a mulher de Santos, Rosely, orientava a cobrança de propinas em contratos da estatal municipal de saneamento, Sanasa. Seus fornecedores eram obrigados a pagar comissões de 5% a 7% do valor de cada negócio. A Justiça decretou a prisão de vinte envolvidos no esquema, incluindo o vice-prefeito Demétrio Vilagra (PT). A primeira dama Rosely safou-se graças a um habeas corpus concedido onze dias antes das detenções.

Lula foi enredado no escândalo pelo empresário José Carlos Bumlai. Dono de 150000 cabeças de gado, Bumlai se tornou conhecido em 2004 ao trazer a rede de lanchonetes Burger King para o Brasil. Mas sua fortuna é mais antiga. Antes de se tornar pecuarista, ele foi um dos principais executivos da empreiteira Constran. Conheceu Lula na campanha presidencial de 2002 por intermédio do ex-governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT. Bumlai conquistou sua intimidade de tal forma que Lula mandou afixar no Planalto um cartaz que franqueava a Bumlai acesso atadas as dependências do palácio, conforme revelou VEJA. A permissão constrangia a presidente Dilma Rousseff, que a revogou. Agora, é a vez de Lula se ver embaraçado pelo empresário. Segundo os promotores, Bumlai intermediava negócios da Constran com a Sanasa. Em um telefonema grampeado com autorização da Justiça, o ex-presidente da Sanasa Luiz Aquino diz que Bumlai poderia fazer um acordo de delação premiada com o Ministério Público para proteger um "Lula". A menos que ele seja muito amigo de um homônimo do ex-presidente, fica claro que se trata de Luiz Inácio Lula da Silva.

Assim como Bumlai, o prefeito de Campinas, Dr. Hélio, é um amigo fiel de Lula. Até a eclosão do escândalo, o ex-presidente cogitava lançá-lo candidato a prefeito de São Paulo em 2012. Na sua primeira eleição, em 2004, Dr. Hélio se ligou a dois amigos de Bumlai, os publicitários Armando Peralta e Giovane Favieri. Essa dupla passou a frequentar prefeituras do PT depois que Lula chegou ao Planalto. Em 2003, ela apareceu no escândalo do lixo paulistano. Os promotores estão de olho nessas ligações.

O governo sob a tutela de Lula - REVISTA ÉPOCA


O governo sob a tutela de Lula
REVISTA ÉPOCA
O ex-presidente comandou a reação do Planalto à crise Palocci. O risco dessa opção pode ser o enfraquecimento de Dilma no futuro
Andrei Meireles, Leonel Rocha e Marcelo Rocha

ELE VOLTOU
Lula com senadores aliados em Brasília, na semana passada. Chamado às pressas, ele agiu como uma espécie de tutor do governo Dilma

Uma lufada de um passado nem tão distante soprou sobre Brasília na semana passada. Como havia prometido em um dos (muitos) momentos passionais no fim de seu governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou rápido ao centro da política nacional: apenas cinco meses depois de entregar o cargo à escolhida para suceder-lhe, a presidente Dilma Rousseff. Lula colocou um paletó e durante três dias agiu como se ainda estivesse na Presidência da República, comandando articulações para tentar contornar a crise que se instalou no governo a partir de suspeitas sobre as atividades empresariais do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Em três dias, Lula reuniu-se com a presidente, Palocci e deputados e senadores do PT e dos partidos aliados. Interessado em blindar Palocci contra investigações sobre seu rápido enriquecimento por uma CPI no Congresso, ele deu orientações a Dilma, aconselhou ministros, tentou apaziguar parlamentares insatisfeitos com o tratamento distante dispensado pelo Palácio do Planalto. Em seguida, Dilma abriu sua agenda para reuniões com parlamentares e mandou arquivar o kit homofobia (cartilhas e vídeos a favor da tolerância sexual que seriam distribuídos nas escolas pelo Ministério da Educação), criticado pelas bancadas evangélicas.

A volta de Lula, em certa medida, confirmou o temor manifestado por muitos analistas antes da eleição de Dilma: ele poderia agir como uma espécie de tutor do governo, devido à inexperiência política da presidente, que, antes da eleição, fizera uma carreira em cargos de natureza mais técnica. Como que a corroborar esse receio, a volta de Lula ocorreu em meio à sensação generalizada de um vácuo de liderança no Planalto, por causa do recolhimento da presidente devido a seus problemas de saúde (leia mais) e da crise em torno de Palocci. Mais afeita a questões gerenciais do governo e notoriamente avessa às articulações políticas, Dilma terceirizou para Palocci a tarefa de negociar com as lideranças partidárias de sua imensa e heterogênea base de aliados do Congresso. Cabe a Palocci ser duro e seletivo nas nomeações para cargos na máquina pública, para os quais Dilma passou a exigir mais qualificações técnicas. A estratégia arrancou aplausos da opinião pública, mas despertou insatisfações no Congresso que vinham sendo cozinhadas em fogo lento até a descoberta das prósperas atividades de consultoria de Palocci.

Com Palocci sob tiroteio, as críticas ao estilo de Dilma destamparam no Congresso e se refletiram na derrota que o governo sofreu na votação do projeto da nova lei do Código Florestal pela Câmara na última terça-feira. Por 273 votos contra 182, os deputados, contra a vontade do Planalto, aprovaram uma emenda ao código que anistia os responsáveis por desmatamentos feitos até 2008. A emenda foi apresentada pelo PMDB, segundo maior partido da base do governo. Um dia antes da votação, em meio a um impasse nas negociações, Dilma fez uma operação arriscada. Ao perceber que o governo perderia a votação, Dilma mandou Palocci telefonar para o vice-presidente, Michel Temer, e lhe transmitir um duro recado: o PMDB deveria votar contra a emenda.
O PMDB espera sair do almoço com Dilma com mais 50 cargos para seus integrantes sem mandato

Uma versão que circulou no Congresso atribuiu a Palocci a afirmação de que, se o PMDB não fizesse isso, todos os ministros do partido seriam demitidos. Mas, segundo Temer disse a um interlocutor, a ameaça de demissão tinha como alvo apenas o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, seu aliado e integrante da bancada ruralista, principal patrocinadora da emenda rejeitada pelo Planalto. Temer disse que não fez nada. Depois da derrota do governo, coube a Palocci demover Dilma da intenção de punir o PMDB. No partido, o ultimato da presidente foi recebido como uma arrogância descabida, em um momento em que o governo precisa dos peemedebistas para evitar a criação de uma CPI contra Palocci. Mesmo sem ser concretizada, a ameaça desgastou Dilma com o PMDB e erodiu o cacife político da presidente.

Em seguida ao entrevero, Lula, em sua passagem por Brasília, reuniu-se com os principais caciques do PMDB - entre eles Temer e o presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP). No encontro, Lula prometeu melhorar o relacionamento do Planalto com o PMDB. Os senadores do partido deverão ser recebidos em um almoço com Dilma e Palocci no Palácio da Alvorada, assim como foram os senadores petistas na semana passada. Esses gestos de atenção costumam ser bem recebidos pelos parlamentares, mas não são o bastante para reverter a insatisfação. Os senadores do PMDB esperam sair da mesa do Alvorada com a garantia de mais 50 bons empregos para políticos sem mandato, como o ex-governador de Goiás Íris Resende e o ex-senador mineiro Hélio Costa, como recompensa para evitar a criação da CPI contra Palocci.

A ação de Lula envolveu não só apagar o fogo entre os aliados do governo, como também assestar baterias contra a oposição. Na conversa com Dilma e Palocci, Lula disse que o governo precisa mirar no ex-governador de São Paulo José Serra. Lula afirmou que Serra seria o responsável pelo vazamento de dados s financeiros da Projeto, a empresa de Palocci, que mostraram um faturamento de R$ 20 milhões no ano passado - concentrado sobretudo nos dois meses depois da abertura das urnas das eleições presidenciais em outubro. Publicamente, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, acusou a Secretaria de Finanças da prefeitura de São Paulo, pilotada por uma aliado de Serra, pelo vazamento de dados fiscais da empresa.

Os tucanos e a prefeitura de São Paulo contestam as acusações de Gilberto Carvalho. Para eles, o que ocorreu foi fogo amigo, disparado por petistas descontentes com a perda de espaço no governo Dilma. Sem força suficiente no Congresso para abrir uma investigação contra Palocci, os tucanos trataram de agir na esfera municipal de São Paulo. Na manhã da quinta-feira, na sede do PSDB em Brasília, o vice-presidente do partido, Eduardo Jorge Caldas Pereira, teve a ideia de abrir uma CPI na Câmara Municipal paulistana. Depois de obter autorização, Eduardo Jorge ligou ao líder do PSDB, o vereador Floriano Pesaro, e sugeriu a instalação de uma CPI a pretexto de investigar a denúncia de vazamento. O objetivo, na verdade, é convocar os sócios da Projeto, a consultoria de Palocci.

Na última sexta-feira, Palocci enviou um documento ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com explicações sobre o faturamento da Projeto - origem do aumento de seu patrimônio. Palocci tem se recusado a abrir a lista de clientes que ele teria atendido em sua consultoria sob a alegação de sigilo contratual. Na semana passada, o banco Santander confirmou ter contratado a Projeto para que Palocci proferisse palestras sobre a economia para seus executivos. Foi o terceiro cliente que tornou pública a contratação de Palocci.


EM CRISE
Por causa do Código Florestal, Palocci (à esq.) telefonou para o vice Michel Temer (à dir.) em nome de Dilma e ameaçou com a demissão do ministro da Agricultura, Wagner Rossi. O PMDB não gostou

Antes do Santander, o plano de saúde Amil e a construtora WTorre já haviam confirmado o uso dos serviços de Palocci. No caso da WTorre, descobriu-se que a empresa recebeu, no ano passado, R$ 9,1 milhões em créditos tributários da Receita Federal. O valor se refere a impostos que a empresa considera ter pagado a mais em 2006 e 2007. As ordens de pagamento foram emitidas no dia 6 de outubro, três dias após o primeiro turno das eleições. De acordo com o Ministério da Fazenda, os pedidos de restituição da WTorre foram feitos em abril de 2009. A empresa esperou um ano até apresentar um recurso à Justiça de São Paulo para que a Receita Federal fosse obrigada a analisar o pedido. Em agosto passado, a Justiça acatou o pedido. Passados 44 dias, a Receita Federal, mesmo sem ser obrigada pela Justiça, restituiu os R$ 9,1 milhões à WTorre. Ou seja: a WTorre esperou um ano e quatro meses por uma decisão judicial e, depois, recebeu em menos de dois meses.

Embora a questão tenha sido levada à Justiça, especialistas em tributação estranharam a celeridade. Em geral, processos de devolução de créditos tributários como esse levam cinco anos. Além de contratar os serviços de Palocci, a WTorre contribuiu com R$ 2 milhões para a campanha eleitoral da então candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, da qual Palocci foi o principal coordenador. As doações, de R$ 1 milhão cada uma, ocorreram em 24 de agosto e 9 de setembro. O primeiro milhão de reais foi doado no mesmo dia em que foi publicada a decisão judicial que obrigou a Receita a analisar os pedidos da WTorre.

Apesar da névoa que cerca os contratos de Palocci, o Palácio do Planalto aposta que a crise se esvaziará se o procurador-geral, Roberto Gurgel, decidir que não há motivos para uma investigação. Gurgel está na expectativa de ser reconduzido para mais um mandato. O Planalto espera também aplacar a insatisfação dos aliados no Congresso e conta com a ação política de Lula. Mas essa opção contém o risco de enfraquecer Dilma com apenas cinco meses de governo e minar seu poder no futuro. "A Dilma perde autoridade com isso", afirma o cientista político Amaury de Souza, da consultoria MCM. A autoridade é um bem inestimável para um presidente. Preservá-la implica, muitas vezes, não recorrer a atalhos - como a ajuda de Lula.

Se não conseguir exercer o poder na plenitude que seu cargo exige, Dilma corre o risco de se tornar uma figura como o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev. Todo mundo sabe que na Rússia o poder real é exercido pelo ex-presidente Vladimir Putin. Impedido pela lei de concorrer a um novo mandato, Putin fez como Lula: elegeu Medvedev, mas exerce o poder como primeiro-ministro e nos bastidores. "Não precisamos de um Putin no Brasil, uma figura que fique por trás do trono. Dilma tem de aprender a se relacionar com o mundo político, goste ou não goste", diz Amaury de Souza. "Isso faz parte do contrato social que a sociedade estabeleceu com ela."

CARTA AO LEITOR REVISTA VEJA - Devagar com o andor


Devagar com o andor
CARTA AO LEITOR
REVISTA VEJA
Com Antonio Palocci, ministro da Casa Civil e principal articulador político do governo, nocauteado por uma acusação de enriquecimento ilícito e a presidente Dilma Rousseff paralisada pela inapetência pelo diálogo com parlamentares, eis que ressurge em Brasília um ex-presidente disposto, como sempre, a ignorar as liturgias e desprezar as instituições para chamar a si a resolução do que pintou como uma séria crise política. Mas que crise foi essa? A democracia periclitou? Estivemos à beira de uma guerra civil? A economia ameaçou desandar e destruir a prosperidade dos brasileiros? As fronteiras nacionais estavam sendo forçadas por um inimigo atroz e foi preciso recorrer ao único personagem capaz de unir o país para organizar a defesa da pátria? Não. Nada disso. O Brasil vive um momento raro de estabilidade política, paz social e prosperidade econômica. Nem impasse real houve em Brasília. O objeto de discórdia, o novo Código Florestal, ainda vai ser examinado pelos senadores da República e, em nosso sistema presidencialista de cunho imperial, caso algo no texto final desagrade à governante, ela simplesmente poderá vetar o artigo produzido pela impertinência do Legislativo.

O que se viu em Brasília foi a fabricação de uma crise pelo lulopetismo, que aproveitou uma derrota do Executivo na Câmara dos Deputados, desfecho normal nas democracias, para fazer tempestade em copo d"água. De tão fora do contexto, a crise parece ter sido criada por encomenda para que Lula fizesse uma rentrée barulhenta e inconveniente para o bom funcionamento das instituições -mas satisfatória para os donos dos votos no Parlamento. Foi a reafirmação do modus vivendi imposto a Lula depois do escândalo do mensalão e cujos termos nada republicanos ele aceitou alegremente em proveito próprio, de seu partido e da base alugada.

O Brasil anda tomando liberdades demais com a fina pátina de civilização que os melhores das gerações passadas conseguiram sobrepor aos ilusórios entusiasmos tropicais, experiências políticas ruinosas que, a exemplo do lulopetismo de agora, mal disfarçaram sua dependência de um Legislativo fisiológico, desprovido de princípios e pronto a criar crises para vender governabilidade. Lula foi recebido em Brasília pelos seus sóclos, capitaneados por José Sarney, presidente do Congresso. Não é tolerável que, ao mais leve baque em seu projeto de poder, o grupo político dominante se entregue à cínica negação das leis e ao atropelo das normas civilizadas. Foi para a casa de Sarney, onde Lula instalou seu balcão de ofertas, que se transferiram os poderes da República. Espera-se que apenas momentaneamente.

MAÍLSON DA NÓBREGA - A próxima crise: dá para prevenir?


A próxima crise: dá para prevenir?
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
"O governo dá sinais de que pouco fará pelas reformas. A produtividade tem-se elevado nas empresas. Mas, como o governo faz o oposto, em algum momento as ineficiências do setor público anularão os ganhos do setor privado"
O Brasil está na moda lá fora. A economia vai bem. No passado, vivemos clima semelhante. Entre 1968 e 1973, crescemos em média 11,2% ao ano. O governo falava em "Brasil Potência". Na conquista da Copa de 1970, o presidente Médici, ufanista, disse que "ninguém segura este país". Na década seguinte, veio o fracasso. O PIB caiu 4,3% em 1981 e 2,9% em 1983. A inflação desembestou. Os salários reais encolheram. O crescimento anual despencou para 1,7%.

Nos países democráticos, governos plantam para outros colherem. Quem colhe semeia para futuras colheitas. É um processo incessante de avanços institucionais, ao qual se pode somar a sorte. Azares ou más escolhas podem produzir crises que caem no colo dos sucessores.

A gênese da crise dos anos 1980 é muito anterior. Veio da exaustão e das distorçðes do nacional-desenvolvimentismo, lançado no período Vargas com o objetivo de industrializar o país mediante substituição de importações e ampla intervenção estatal na economia. O país se industrializou, mas de forma ineficiente. A economia fechada inibia a inovação. O atraso institucional das finanças públicas obscurecia os efeitos do expansionismo fiscal e monetário. A indexação ficou raízes. A renda se concentrou.

Na reação à crise do petróleo de 1973, o modelo se aprofundou. A inflação caminhou para o descontrole total. A produtividade, peça-chave do crescimento, despencou. A explicação veio mais tarde, numa espécie de autópsia. Isso porque o debate e a crítica eram pobres ou inibidos pelo autoritarismo. Com o fim do regime militar, imaginou-se que a democracia nos traria a felicidade. Resgataríamos a "dívida social" enquanto os militares negavam a "dívida externa". O novo consenso implicou aumento do gasto público.A Constituição refletiu essa demanda e ampliou o estatismo.

Nos anos 1980, o Brasil começou a mudar. A sociedade se cansou da inflação, afinal vencida com o Plano Real. A privatização ensaiou seus primeiros passos. Modernizamos as instituições das finanças públicas e o Banco Central. Iniciamos a abertura da economia, que se acelerou na década seguinte. Nos anos 1990, novos avanços institucionais deram partida à revisão do papel do estado. A boa gestão macroeconômica se consolidou. O BC adquiriu autonomia para preservar a estabilidade da moeda. A privatização avançou. A Lei de Responsabilidade Fiscal nasceu (2000). Surgia um novo modelo, caracterizado por democracia; economia orientada pelo mercado; estado institucionalmente forte, capaz de regular a economia e induzir em vez de liderar o desenvolvimento; políticas sociais focalizadas nos pobres.

Os decorrentes aumentos de produtividade aconteceram no governo Lula. Era a fase de colheita, que se reforçou com a emergencia da China. Sua demanda por nossas commodities propiciou ganhos nos termos de troca de comércio exterior e acelerou o crescimento. Não foi, todavia, um período de plantio, salvo os avanços microeconomicos do início do primeiro mandato. Ao descurar das reformas, Lula interrompeu o processo de modernização institucional necessário para consolidar o novo modelo. O aparelhamento do estado agravou a baixa qualidade da gestão pública. Permaneceram intocadas as deficiências estruturais do país, paticularmente as decorrentes do caótico sistema tributário e da deteriorada infraestrutura de transportes. Lula preferiu surfar na onda e reivindicar para si a autoria das conquistas, disso convencendo um público pouco informado e mesmerizado por seu carisma.

O atual governo dá sinais de que pouco fará pelas reformas. Para nossa sorte, a produtividade tem se elevado nas empresas. Mas. como o governo faz o oposto, em algum momento as ineficiências do setor público anularão ou superarão os ganhos de produtividade do setor privado. O país poderá viver uma crise de baixo crescimento ou estagnação.

Felizmente, os tempos são outros. A imprensa é livre. Há debate. A crítica aponta falhas do governo. A sociedade não tolera a inflação. A alternancia renova lideranças. Cedo ou tarde se assumirá a consciência dos riscos da apatia em relação às mudanças. Em vez de fazermos a autópsia da crise, poderemos prevenir a sua ocorrência.

RUTH DE AQUINO - Um brasileiro honesto


Um brasileiro honesto
RUTH DE AQUINO
 REVISTA ÉPOCA

Estava ali, na poltrona 13 do ônibus que faz a rota Friburgo-Rio. Um celular esquecido pelo passageiro. Entre a poltrona e o vidro, havia algo mais. O motorista Joilson Chagas, de 31 anos, abriu o "pacote rústico" e tomou um susto. Nunca tinha visto tanto dinheiro junto: R$ 74.800. Não passou aos superiores. "É tentador. Nessa hora, nem nos colegas a gente confia." Por sorte ou destino, Joilson conseguiu devolver tudo ao dono. "O dinheiro não era meu. É bom ficar com o que é nosso."

Joilson levou o dinheiro de volta a Friburgo. Ao chegar ao ponto final, na Ponte da Saudade, avistou um senhor humilde chorando na porta da padaria. "Perdi um celular", dizia ele, "deve ter sido no centro do Rio." Joilson perguntou: "O celular é este?". O senhor, agricultor de 80 anos, emocionou-se: "É esse mesmo. Não tinha mais nada no ônibus?". Joilson disse que ele precisava explicar direitinho o que perdera. E ele falou: "Eram R$ 74.800 para pagar o transplante de minha filha, que não é coberto pelo SUS". Joilson entregou o pacote e não aceitou recompensa. "O dinheiro estava contado para a cirurgia e para a passagem. Eu não podia aceitar nada", ele me disse. "Também sou pai de família."

A história de Joilson aconteceu no dia 19 de abril e correu mundo. No Facebook, ele recebeu mensagens da Holanda, da Espanha, dos Estados Unidos, do Japão. Foi a programas de televisão. Ganhou plaqueta da empresa elogiando seu ato. Foi homenageado na semana passada no Palácio Guanabara, do governo do Estado. Recebeu cartas de alunos da 2ª à 5ª série de uma escola do Rio, dizendo: "Motorista, foi lindo o que você fez, você foi meu herói". Num dos envelopes, havia R$ 2 e um bilhete: "Desculpe não dar mais, era o que eu tinha no bolso". Joilson treme a voz. Quer encontrar e beijar essas crianças. "O que eu fiz era para ser uma coisa normal. O ser humano é repleto de valores, mas não põe em prática."

Ele começou a dirigir em transportadora quando tinha 18 anos. Concluiu o segundo grau. É casado, seu filho Gabriel tem 14 anos e sua mulher está grávida de cinco meses, de outro menino. Nas enxurradas em Friburgo, Joilson perdeu a casa, os móveis, e mora de favor na casa da irmã. A escola onde sua mulher era professora também foi levada pelas águas. Agora, ela costura. Joilson constrói uma nova casa. Trabalha 16 horas por dia como motorista, faz duas viagens de ida e volta no ônibus da Viação 1001, tem uma folga por semana. "Cai na segunda ou na terça." O primeiro ônibus sai às 5h30 de Friburgo. Ganha R$ 1.000 líquidos por mês, mas paga R$ 500 ao pedreiro que ergue sua "casinha". Joilson faz biscates de pintura: "A necessidade faz o sapo pular".
O motorista que devolveu os R$ 75 mil que achou no ônibus ganha R$ 1.000 por mês de salário e perdeu a casa nas chuvas

Seu único bem hoje é uma "motinha". Mas ele confia que "Deus está abrindo portas" e se preocupa com muita gente em Friburgo ainda abandonada em abrigos. Seu sonho é ter negócio próprio. Uma loja de autopeças. "Sempre vesti a camisa das empresas em que trabalhei, mas queria ter uma lojinha." Depois da enchente, a empresa deu a ele "uma cama de solteiro para o filho, um guarda-roupa de três portas e um sofazinho". Joilson gosta de diminutivos. Porque a vida sempre correu assim. Da casa para o trabalho, a estrada, os engarrafamentos, a paciência com passageiros mais estressados. A igreja e a beira do rio, onde pesca de anzol. "Meu lazer é ver televisão com a família comendo uma pipoquinha."

A atitude de Joilson não lhe rendeu só alegria. Quando descansava no dormitório da empresa, alguns colegas jogaram seu crachá no vaso sanitário e escreveram na parede do banheiro "Chagas otário". "Me chamaram ainda de babaca, palhaço, puxa-saco. Meu filho virou motivo de chacota no colégio. Mas não teve vergonha, sentiu orgulho de mim. A gente vive num mundo estranho. Perderam os valores", diz.

Eu queria que Joilson pudesse estar na lista da ÉPOCA desta semana dos 40 brasileiros com menos de 40 anos que representam o futuro do país. "Educação hoje é uma coisa rara. Mas é tudo na vida. Tento passar para o meu filho. Fazer o bem faz bem. Acho que eu servi de exemplo para muitos políticos, muita gente."

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Nova promessa ao exportador


Nova promessa ao exportador
EDITORIAL
O Estado de S. Paulo - 30/05/2011

Mais uma providência a favor dos exportadores foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na quarta-feira. Eles deverão receber em até 60 dias os créditos fiscais do PIS-Pasep. O objetivo é tornar os produtos nacionais mais competitivos pela diminuição da carga tributária. Pelo regime atual, os exportadores podem levar anos para conseguir a restituição do tributo, como observou o ministro, em Brasília, ao apresentar a novidade. Com essa iniciativa, o governo dá mais um passo - limitado, mas animador - para diminuir a desvantagem do produtor brasileiro no mercado internacional. A agenda da competitividade é muito mais ampla e inclui medidas em vários setores. É possível apontar só na área fiscal uma grande lista de alterações necessárias. O Executivo, no entanto, escolheu o caminho da mudança gradual.

Além de apressar a devolução dos créditos do PIS-Pasep, o governo decidiu ampliar o alcance do benefício. Por enquanto, tem direito à restituição quem obtém com as vendas ao exterior pelo menos 15% do faturamento bruto. O valor mínimo será reduzido para 10%. Além disso, os exportadores poderão resgatar créditos acumulados a partir de 2009. Pela regra anterior, os valores eram resgatáveis a partir de abril de 2010.

Mas essas mudanças entrarão em vigor só dentro de alguns meses. Por enquanto, o ministro apenas publicou uma portaria no Diário Oficial para formalizar a decisão. Segundo Mantega, o Ministério da Fazenda implantará o novo mecanismo entre junho e dezembro.

Até o fim do ano, portanto, os empresários terão de enfrentar a concorrência, no mercado internacional, sem dispor desse benefício. De modo geral, as providências para aliviar a carga tributária têm sido implantadas lentamente. Em alguns casos, os empresários mal conseguem ter acesso às vantagens prometidas de tempos em tempos pelo governo federal.

A própria restituição do PIS-Pasep é um excelente exemplo de como as promessas dificilmente se concretizam. Oficialmente, os exportadores têm direito à devolução, mas o processo, como reconheceu o ministro da Fazenda, é muito demorado. Por isso, a desoneração prometida acaba ficando nas palavras. Na prática, o alívio para a maioria dos exportadores é nulo ou quase nulo. As normas fixadas pela Portaria n.º 348, de junho de 2010, são agora substituídas precisamente porque os seus objetivos nunca foram alcançados. Além disso, convinha ampliar o número dos possíveis beneficiários e isso foi feito com a redução da parcela mínima de receita proveniente da exportação.

As promessas, como de costume, são de grandes inovações. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, reduções de impostos serão anunciadas provavelmente "na virada do primeiro para o segundo semestre". Ele anunciou essas providências em São Paulo, nessa quinta-feira, ao falar sobre a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) a empresários e sindicalistas na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). As providências, acrescentou, deverão incluir diminuição de encargos trabalhistas e desoneração fiscal das compras de máquinas e equipamentos. Autoridades vêm falando sobre esses temas há algum tempo. Já eram discutidos no governo anterior e continuam na pauta. Mas o próprio ministro foi cauteloso ao falar em prazos. O lançamento das medidas "na virada do primeiro para o segundo semestre" é ainda apenas uma hipótese.

O governo federal já teve, oficialmente, uma política de desenvolvimento na gestão anterior. Essa política deveria ser parte de uma ampla estratégia de modernização e de fortalecimento do setor produtivo. Seu foco principal seria a competitividade. Na prática, o balanço de resultados foi muito pobre. O crédito continuou insuficiente e caro para a maior parte das empresas - até porque o governo decidiu reeditar a política de beneficiar grupos escolhidos. Os impostos continuaram muito pesados e pouco funcionais. Os investimentos na infraestrutura foram insuficientes e pouco se fez pela formação de capital humano de alta qualidade. A maior parte da agenda continua no papel.

EDITORIAL - O GLOBO - Governo emparedado



Governo emparedado
EDITORIAL
O Globo - 30/05/2011

É preocupante a decisão da presidente Dilma Rousseff de cancelar a distribuição do kit anti-homofobia - sem discutir seu conteúdo -, uma cartilha elaborada por organizações não governamentais para ajudar a combater o preconceito contra homossexuais em escolas públicas. Primeiro, porque o governo federal acabou por dar abrigo a um retrocesso na questão do combate ao sexismo, num momento em que se reproduzem, em diversos estados, manifestações de violência, física principalmente, motivadas pela intolerância sexual. Segundo, porque, ao se dobrar a um grupo de pressão - no caso, a bancada evangélica no Congresso -, o Planalto deixou evidente que continua contaminado pelo clientelismo do toma lá dá cá da baixa política, marca dos governos do PT na relação com a base.

Dilma procurou justificar o veto com argumentos que disfarçam os reais motivos de sua decisão. Também nesse aspecto o governo passou ao largo de uma discussão que poderia até ser enriquecedora - a qualidade do material a ela apresentado (de resto, fica a suspeita de que a presidente teria sido vítima de uma esperta pegadinha dos líderes evangélicos, ao examinar um kit que não corresponderia ao conteúdo dos cadernos a serem distribuídos). Mas, embora seja mais um elemento a mostrar a maneira rasteira como a questão foi decidida em Brasília, este chega a ser um dado menor em comparação com a carga de estragos que o episódio da suspensão da cartilha contém, pontual e estrategicamente.

De imediato, porque fez do governo refém do grupo parlamentar que agiu com total desenvoltura para emparedar a presidente. No caso, com o pior da barganha política, por meio de ameaças de aprovar a convocação, ao Congresso, do ministro Antonio Palocci, enredado em suspeitas de tráfico de influência que lhe teria permitido multiplicar o patrimônio em curto período de tempo. Atingido o Planalto em seu flanco mais fragilizado, municiou-se o fisiologismo com as armas do emparedamento: nada indica que, atendida nesta primeira investida, se contentará com o butim político a bancada religiosa (outras tantas que venham a apresentar ao governo a fatura do apoio). Como agravante, o episódio encerra uma condenável submissão do Estado, laico por definição, a interesses religiosos. No aspecto estratégico, a barganha tem reflexos ainda mais graves, porque compromete a participação do governo na luta, de ampla mobilização, contra o preconceito sexual. E aqui se constata uma incoerência: quando o Supremo Tribunal Federal considerou legais as relações homoafetivas, com o reconhecimento de direitos civis de casais homossexuais, Brasília esbanjou elogios à posição da Corte. Ocorre que a distribuição de material de condenação ao sexismo e o voto do STF são partes que se juntam a outras iniciativas de um mesmo movimento - o combate à homofobia, do qual é imperioso que decorra a criminalização da odiosa prática.

A aceitação legal das relações homoafetivas foi apenas uma batalha vencida contra práticas homofóbicas. Mas a ela é fundamental que se proceda, no Congresso, à inscrição, no corpo legal do país, da homofobia como crime (projeto de lei 122). Como o Legislativo é um poder no qual estão representadas todas as correntes de ideias, inclusive os evangélicos e outros segmentos que condenaram o kit, é de se temer que, uma vez submetida a plenário, a criminalização da discriminação sexual leve a debates movidos por interesses corporativos, em prejuízo da essência do problema.

DANIELA BANDEIRA - A dependência do poder central



A dependência do poder central

DANIELA BANDEIRA

O Globo - 30/05/2011

A crise de organização dos poderes no âmbito do Estado tem sido um dos temas mais recorrentes no mundo ocidental. A perspectiva de uma reforma, com foco em maior descentralização, coloca em debate a necessidade de um novo processo de divisão de deveres e implantação de políticas públicas locais. No entanto, o que se observa - e de modo muito claro no Brasil - é o enfraquecimento político-administrativo de estados e municípios e o fortalecimento da União.

Portanto, a superação do problema passa pela revisão do ideário basilar de Estado e sua substituição por outro que potencialize a pluralidade de comunidades e grupos locais, em que a pessoa situe-se e se encontre inserida. Pode-se dizer que a democracia social contemporânea não se assenta mais em uma perspectiva individualista e atomística herdada da Revolução Francesa, mas sobre uma dimensão realista da sociedade e de valorização dos seus órgãos e tecidos mais naturais.

Com esse novo olhar desenvolveram-se numerosos estudos sobre a regionalização das estruturas territoriais infra-estaduais, particularmente na Espanha e na Itália, proporcionando-se campo favorável às decisões político-legislativo-administrativas voltadas à maior autonomia regional. No Brasil, entretanto, a utopia da Constituição de 1988 de criar espaços autônomos, com políticas públicas próprias e receita fiscal local, não se efetivou após 23 anos de sua promulgação. A recente marcha dos prefeitos a Brasília referendou a total dependência das cidades em relação à União e evidenciou que o poder municipal tornou-se "cabo eleitoral" do governo federal, numa relação fisiológica sempre focada na próxima eleição.

Os municípios, embora tenham tributos como o IPTU e o ISS, não conseguem, em sua grande maioria, gerir, planejar e executar suas próprias políticas públicas. Pegam carona nas do Estado central. Não há no Brasil a cultura da autoadministração e de ações locais em benefício da população. Torna-se fácil perceber que a descentralização de poder, se por um lado representa a resposta a um ideal democrático na gestão administrativa, por outro, e de maneira contraditória, apresenta-se como mecanismo justificador de maior intervenção nos assuntos de interesse local.

É desta forma que o Estado brasileiro e seus municípios têm-se comportado. Logo, as questões políticas representam um entrave à descentralização. A definição das ações locais representa nada mais do que os interesses dos ocupantes dos altos postos nos partidos e que anseiam cargos no Legislativo ou no Executivo do Estado central. A rigor, configura-se um processo de barganha eleitoral. Muitas vezes, sequer há plataformas de governo local, o que inviabiliza a participação política mais efetiva dos cidadãos.

Conclui-se, portanto, que a descentralização instituída pela Constituição de 88 criou um mecanismo pelo qual a União liberta-se de um rol de tarefas e, ao mesmo tempo, se mune de instrumentos para a extensão e a aplicação uniformes de sua vontade a todo o território. Assim, a organização do poder, segundo o paradigma moderno do Estado, permanece intacta, pois não se verifica uma efetiva partilha político-administrativa voltada ao bem-estar socioeconômico. Na prática, os municípios transformaram-se em meros executores das políticas centrais, numa anacrônica relação de suserania - como se, na política administrativa do Brasil do terceiro milênio, ainda houvesse espaço para os suseranos e vassalos da era feudal.

DANIELA BANDEIRA é juíza e diretora da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj).