segunda-feira, maio 23, 2011

FERNANDO CANZIAN - Palocci e apatia nacional


Palocci e apatia nacional
FERNANDO CANZIAN
FOLHA ONLINE

Nada mais simples para a compreensão do que um imóvel.

São dois no centro do "Paloccigate". Ambos próximos da av. Paulista, em São Paulo. Um de cada lado da avenida, adquiridos praticamente à vista. Ao custo de R$ 7,4 milhões.

Como todo mundo, o agora ministro da Casa Civil gostava de trabalhar perto de casa. Morava em um e despachava do outro.

Muitos no Brasil ainda perdem imóveis e bens de uma vida em minutos de enchente. Outros, passam décadas financiando sua primeira moradia.

Um trabalhador que recebe o salário mensal médio no Brasil demoraria 410 anos, sem poder gastar um tostão, para comprar o que Palocci adquiriu em meses.

Palocci é a segunda pessoa mais poderosa da República. E um dos novos milionários do Brasil.

Sua experiência vale muito, resume sua assessoria.

É inaceitável a falta de explicações do ministro. E o silêncio de sua chefe, a presidente Dilma Rousseff.

Quem pagou essa dinheirama a Palocci? O que ele fez para merecê-la?

Por algo menos concreto, os espanhóis estão acampados em Madri há dias contra o "clima de corrupção" no país. Sem verbalizar direito o que desconfiam, sentem um cheiro ruim.

A partir das redes sociais e por motivos distintos, pessoas de diferentes países estão determinadas a desafiar suas autoridades.

Nunca o ambiente foi tão favorável a isso, dada a abrangência e poder dessas redes.

Em São Paulo, vimos duas pequenas amostras do que é possível com elas: a manifestação a favor do metrô no bairro de Higienópolis e, agora, a controversa mobilização da Marcha da Maconha.

Dizem que o Brasil é o país da jabuticaba.

Mas, quando as maças de um pé amadurecem, alguma tem de cair primeiro.

As outras deveriam vir depois.

RENATO JANINE RIBEIRO - O PT vai encarar a corrupção?


O PT vai encarar a corrupção?
RENATO JANINE RIBEIRO
Valor Econômico - 23/05/2011

Podemos resumir assim a questão do ministro Antonio Palocci: se, nos últimos anos, ele usou o conhecimento intelectual que obteve como ministro para aconselhar empresas, não cometeu falha legal nem, provavelmente, ética. Nossa lei não impõe quarentena após o exercício de cargos públicos. Mas, se ele empregou conhecimentos (ou relações) no governo para favorecer tais empresas, está errado moralmente e talvez também do ponto de vista legal. Como está errado se o que recebeu estes anos foi em recompensa por benefícios eventualmente concedidos a empresas.

O problema é descobrir em qual hipótese está Palocci. Ele se recusa a abrir o nome de seus clientes. Isso deixa a questão em aberto. Se ele é honesto, publicar a relação de seus clientes viola um princípio básico da relação empresarial - o do sigilo entre as partes. Nenhuma empresa ou indivíduo é obrigado, em condições normais, a revelar com quem tem negócios ou amizade. Só o fisco tem direito a saber que clientes a consultoria Projeto teve. Essa informação não pode ser repassada a ninguém.

Mas a grande dúvida está aí. Sem conhecer seus clientes e os serviços que lhes prestou, não sabemos se Palocci agiu bem ou não. É um círculo vicioso. Se ele divulgar a clientela, violará um preceito fundamental de confiança nos negócios, publicando um assunto privado. Mas, se não divulgar, não saberemos se o assunto era mesmo privado - ou se entrou em jogo o meu, o seu, o nosso dinheiro. O que fazer?

Tenho uma proposta. Por que não confiar essas informações, hoje sigilosas, a uma comissão de pessoas que conheçam bem o mundo dos negócios e mereçam nosso pleno respeito ético? Não é impossível encontrar três notáveis, em cuja palavra possamos confiar, e que prometam guardar total segredo sobre o assunto - a não ser, claro, que concluam pela culpa do ministro. Porque, hoje, a situação é ruim. O ministro e o governo, não fornecendo detalhes sobre o caso, expõem-se à suspeita. O interesse do ministro, e sobretudo do governo, deveria estar em eliminar as desconfianças. Até agora, não conseguiram. Dizer que foi a empresa que enriqueceu, e não o dono de 99% dela, ou lembrar que seus antecessores no ministério também lucraram depois de sair do governo, não convence os desconfiados de que Palocci tenha agido corretamente. Por isso, sugiro: busquem-se três pessoas dignas, sem compromisso com a oposição nem o governo, que possam examinar o caso.

Na verdade, e aqui mudo completamente de patamar, há muita preocupação de gente que simpatizou com o PT ou mesmo o ajudou a fundar, com a leniência do partido com a corrupção. Deixo claro que não saberia julgar o caso Palocci - nem a culpa ou inocência de Delúbio Soares. Mas conto uma história. Em 2010, durante a campanha eleitoral, encontrei um amigo. Ele estava irritadíssimo com o que chamou a corrupção no PT. Quando alguém lhe disse que os demais partidos agiam do mesmo modo, ele respondeu: "Mas o que PMDB, PSDB e DEM fazem ou fizeram não me importa! Não votei neles. Nunca tive esperança nenhuma neles. Agora, do PT, esperei que fosse um partido honesto. Não me decepciono com os outros. Com ele, sim".

Já ouvi comentários dessa ordem. Quando fui diretor da Capes, alguns de meus colaboradores, servidores do Estado e não do governo, inclusive detentores de cargos de confiança, me diziam: "Sempre votei no PT mas, desde 2003, me desapontei; não voto mais nele". O estranho é que, na discussão política atual, essa voz "do meio" é pouco mencionada. Há pessoas que, porque o governo Lula introduziu definitivamente em nossa agenda política a questão social, relevam a complacência com a corrupção. E há quem, para condenar o governo petista, usa qualquer argumento, mesmo a mentira e o absurdo. Vemos defesa e ataque incondicionais. O que menos aparece são os matizes da decepção, de quem reconhece os ganhos sociais, mas lamenta o declínio moral.

Porque o PT, durante vinte anos, foi o partido que unia ética e justiça social. Promover a justiça social era um imperativo ético. Ganhar eleições era secundário, o fundamental era mudar o país, a sociedade, acabar com a miséria e com a corrupção. Um bordão como o da oposição em 2006 - "Por um país decente, Alckmin para presidente"-, opondo a ética ao PT, seria impensável meros três anos antes.

Esta não é a opinião apenas de inimigos do PT. Foi o que levou um dos ativos morais petistas, Helio Bicudo, a deixar o partido. Mesmo quem faz uma avaliação muito positiva do governo Lula, como Candido Mendes em seu Mudança e subcultura - por que me envergonho do meu país, afirma que houve corrupção. Mesmo quem avalia de maneira razoavelmente positiva as ações de Lula, como Perry Anderson, uma das referências da esquerda mundial, diz que houve corrupção. E não é porque o PT, desde 2002, ganhou votos entre os pobres que devem ser desdenhados seus antigos eleitores que se decepcionaram com ele no governo. Essas questões precisam ser tratadas a sério, sem se reduzir ao jogo político entre governismo e oposição.

Concluo, dado que falei em Delúbio Soares, pela questão do "mensalão". Sabemos que logo prescreverão algumas acusações contra os indiciados. Mas por que o PT não tomou a dianteira e não confiou, a pessoas respeitadas pela gente de bem que há no Brasil, uma apuração independente, ética, do caso? Uma coisa é o que diga a Justiça, na qual há prazos, protelações e formalismos. Outra é o que a consciência ética conclua. É pena, e ouço amigos meus dizerem isso com freqüência, que o casamento que parecia indissolúvel do PT com a ética tenha se tornado uma relação frouxa.

ANCELMO GÓIS - Mendigo exportação


Mendigo exportação
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 23/05/11

De olho na invasão de brasileiros em Nova York, um conterrâneo em apuros resolveu pedir esmola na esquina da Av. Madison com 60th. Dirige-se sempre ao público na língua de Pelé: “Por favor” e “Obrigado”.

E por falar...
Pelé será o garoto-propaganda do governo federal para divulgar a Copa do Brasil no exterior. 

Bilhões no mar
Dilma avisou a Cabral que não vai anular a licitação das 28 sondas da Petrobras, orçadas em uns US$ 22 bilhões. Mas todos têm que baixar o preço para igualar ao do Estaleiro Atlântico Sul, de Pernambuco, que ganhou a licitação anterior. 

Aliás, 
Tem gente em Brasília de olho no cargo de presidente da BR Distribuidora, atualmente nas mãos de José Lima Neto.

Ditadura de Franco
Hoje, a Alerj, por iniciativa da deputada Aspásia Camargo, homenageará Zuleika Alambert, 89 anos, ex-deputada paulista, que durante anos dirigiu a Juventude Comunista do Partidão. Ela iniciou a luta política ao lado de Heloísa Ramos, mulher de Graciliano Ramos, no porto de Santos, organizando boicote aos navios de bandeira espanhola na época da ditadura de Franco.

No mais

É como diz o economista Sérgio Besserman: 
— Vai ser braba esta semana na política depois que chutaram o Palocci da barraca.

Fim do mundo
Segundo reportagem da BBC News, após o assassinato de dois turistas britânicos e vários casos de violência, turistas ingleses estão evitando... Miami. Deve ser terrível viver numa cidade onde a violência afugenta turista.

Petrobras na Flip

A Petrobras é uma das patrocinadoras da Flip 2011, a ser realizada na primeira semana de julho em Paraty. Ano passado houve polêmica que atribuía a recusa da estatal em patrocinar a festa literária ao convite da Flip para FH fazer palestra sobre Gilberto Freyre,
o homenageado de 2010. 

Mas...
Na época a estatal disse que não aceitou o patrocínio por questão orçamentária e negou qualquer motivação política. Melhor assim.

Caetano esquecido
Deu no blog “Mancha de dendê não sai”. Quinta, num show em Salvador, Caetano Veloso cantava “Alegria, alegria”, quando... esqueceu a letra, no começo da segunda parte. Na maior calma, socorreu-se da plateia. “Como começa a segunda parte? Como é, alguém sabe?” O povo cantarolou e ele foi em frente, sob fortes aplausos. Não é fofo?

Rio e Moscou
Deu no “Financial Times”: as quatro cidades mais atraentes para se viver são Nova York, Rio, Istambul e Londres. Entre as piores estão Moscou e Dubai. 

Malas prontas
A paulista Loungerie, marca de lingerie, desembarca no Rio. Vai abrir uma loja no Leblon. 

Vida de rico
Fernando Barcellos, morador da Cidade de Deus que foi assistente de direção em “5xFavela”, quer fazer um documentário sobre a vida de Eike Sempre Ele Batista. Ele se diz cansado de ver filmes sobre pobres.

Segue...

Fernando levou o projeto até a OGX à procura do aval de Eike:
— Não quero que ele patrocine, não quero dinheiro dele. Quero é a sua autorização. 

Roupa de maconha

A grife Raiz da Terra lança no Rio-à-Porter, salão de negócios de moda e design que começa no Píer Mauá dia 30, uma linha de roupas feita de... maconha. O tecido foi importado da Índia e dos EUA. Ah, bom!

Cena carioca
Semana passada um guarda municipal, na esquina da Rio Branco e Sete de Setembro, no Rio, impressionado com a mulher, digamos, tanajura, declamou em tom cafajeste:
— A deusa tem permissão para transportar essa carga toda?
Há testemunhas.

O laranja de Romero Jucá - REVISTA ÉPOCA


O laranja de Romero Jucá
REVISTA ÉPOCA


Diego Escosteguy e Murilo Ramos. Com Marcelo Rocha

Um lobista conta a ÉPOCA que buscava dinheiro vivo com doleiros para negócios suspeitos, que era usado para ocultar o nome de Jucá em empresas e que uma empreiteira deu um imóvel ao senador


Romero Jucá é um profissional. Em 30 anos consagrados integralmente ao serviço público, Jucá percorreu uma trajetória invejável. Nos anos 70, era um mero assessor na prefeitura do Recife, em Pernambuco. Nos anos 80, tornou-se presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e, em seguida, governador de Roraima, nomeado pelo então presidente da República, José Sarney, com quem muito aprendeu. Nos anos 90, virou secretário nacional de Habitação do governo Fernando Collor de Mello e se elegeu senador por Roraima. A partir dos anos 2000, dedicou-se a liderar os trabalhos do governo no Senado. Primeiro pelo PSDB, depois pelo PMDB. Destacou-se tanto na lida que foi líder no governo Fernando Henrique Cardoso, permaneceu líder nos dois governos do petista Luiz Inácio Lula da Silva e mantém-se líder no governo Dilma Rousseff. A identificação entre cargo e político é tamanha que, em Brasília, subentende-se que, havendo governo, Jucá será fatalmente seu líder no Senado.

Romero Jucá é um profissional. Em 30 anos consagrados integralmente ao serviço público, as finanças de Jucá percorreram uma trajetória invejável. De garoto que cresceu à míngua no Recife, Jucá tornou-se um político rico. Amealhou, apenas em valores declarados à Justiça Eleitoral, R$ 4,4 milhões em patrimônio – tudo registrado em nome de familiares, sem computar as empresas que florescem em nome de seus parentes. Enquanto o patrimônio de Jucá e o de sua família cresciam às franjas do poder público, crescia também o número de processos contra ele. Jucá já foi acusado – e com abundantes provas – de quase tudo. No governo Sarney, à frente da Funai, foi acusado de cobrar propina para permitir exploração ilegal de madeira em terras indígenas. No governo Collor, foi acusado de desviar à sua fundação dinheiro federal destinado a “ações sociais”. Nos governos FHC e Lula, já como senador, foi acusado de comprar votos, de dar calote em bancos públicos, de receber propina de empreiteiras, de empregar parentes, de fazer caixa dois...

Com tantas acusações, Jucá começa a competir em feitos que atingem os cofres públicos com nomes bem mais conhecidos no plantel nacional de réus por corrupção, gente como Joaquim Roriz e Paulo Maluf. Nas últimas semanas, na tentativa de iluminar as ações profissionais de Jucá, ÉPOCA entrevistou lobistas, doleiros, ex-funcionários, empresários e laranjas ligados ao senador. A reportagem obteve documentos e depoimentos inéditos sobre as negociatas de Jucá – entre eles contratos de gaveta, procurações para laranjas e acordos comerciais. Um dos principais lobistas associados a Jucá, Geraldo Magela Fernandes, aceitou contar, em entrevista gravada, o que fez e presenciou em 30 anos de relação com Jucá.

Dessa investigação, emergem fortíssimas evidências de que:

* Jucá ganhou um apartamento em Brasília da Via Engenharia, empreiteira então presidida pelo empresário José Celso Gontijo, amigo dele há 20 anos e, como ele, presença constante no noticiário. Quando os dois fecharam a operação, em dezembro de 2001, a Via Engenharia prosperava no setor de obras públicas, precisamente em áreas sob a influência de Jucá. Para tornar possível a transação com a Via Engenharia, bastaram a Jucá um laranja e um contrato de gaveta, a que ÉPOCA teve acesso. Três anos depois, enquanto a empreiteira ainda construía o apartamento, a família Jucá, sem ter desembolsado um centavo, repassou a propriedade do imóvel à própria Via. Ao final, a heterodoxa operação rendeu à família Jucá meio milhão de reais.
* Jucá paga tudo em espécie – um indício de que a origem de seus rendimentos pode ser duvidosa. “O Jucá só mexe com dinheiro vivo”, diz Magela. Para cobrir os gastos com uma TV de sua propriedade, Jucá pagava a Magela uma mesada que variava entre R$ 30 mil e R$ 60 mil. Eram constantes também, segundo Magela, os pagamentos avulsos, acima de R$ 100 mil, para cobrir despesas extras dessa TV, como reformas de estúdio e compras de equipamentos. Magela conta que Jucá fazia os pagamentos em seu gabinete no Senado ou em sua fazenda no município de Boa Vista, em Roraima. “Ele tirava o dinheiro da gaveta e me entregava”, diz. Em sua campanha ao Senado em 2002, Jucá gastou, de acordo com o relato, cerca de R$ 15 milhões em dinheiro vivo, quase tudo caixa dois. “Eu era o responsável pela contabilidade da campanha e declarei só 1% das despesas”, diz Magela.
* Para movimentar tanto dinheiro, Jucá recorria a serviços de doleiros conhecidos. Além do principal doleiro de Roraima, conhecido como Pedro Reis, que chegou a ser sócio de seus filhos e seu suplente no Senado, Jucá era, segundo Magela, cliente especial do lendário doleiro paulista Antônio Pires de Almeida, preso em 2005 pela Polícia Federal, acusado de movimentar ilegalmente US$ 1,8 bilhão em contas secretas nos Estados Unidos. Magela conta que Jucá o tratava respeitosamente por Seu Pires e, às vezes ao lado do irmão e empresário Álvaro, visitava o escritório do doleiro em São Paulo. “Romero me apresentou pessoalmente ao Seu Pires e me autorizou a apanhar dinheiro no escritório dele”, diz Magela. “Busquei dinheiro lá ao menos 12 vezes.” Os recursos eram, segundo ele, repassados a Jucá ou gastos em campanhas políticas. Quando era ministro da Previdência, no primeiro mandato do presidente Lula, Jucá também manteve conversas misteriosas com o doleiro Lúcio Funaro, envolvido no escândalo do mensalão. Segundo contou a amigos, Funaro fez negócios no mercado de empréstimo consignado do INSS, cujo presidente era indicado por Jucá.
* Os negócios da família Jucá crescem na mesma medida que a influência política do senador. Cada ano à frente da liderança do governo no Senado significa a abertura de mais uma ou duas empresas ligadas a Jucá, em nome de laranjas ou familiares. Hoje, a família de Jucá detém participação em ao menos dez empresas, cujas atividades vão desde venda de combustível até administração de shopping centers (leia o quadro). Algumas delas, como a Diagonal Urbana e a Alfândega Empreendimentos, faturam milhões de reais em contratos com o governo e em patrocínios liberados pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet.

Magela, a principal testemunha contra Jucá, também é pernambucano e conheceu Jucá no final dos anos 70, quando ambos trabalhavam na prefeitura do Recife. No governo Sarney, Magela virou assessor de Jucá na Funai. Quando Jucá se elegeu ao Senado, em 1994, Magela fazia lobby para empresas da indústria farmacêutica e passou a frequentar o gabinete do amigo. Anos depois, em 1999, Jucá pediu a Magela que criasse uma empresa para administrar a TV Caburaí, retransmissora da Rede Bandeirantes em Roraima. A concessão da TV estava em nome de uma fundação, cujo presidente era contador de Jucá. “Criei a empresa e fizemos um contrato de boca, um acordo de cavalheiros”, diz Magela. “O nome do Romero não podia aparecer, por isso entrei como laranja. Eu administraria a TV, que estava em dificuldades financeiras, e ficaria com 20% a 30% do lucro. A ideia era usar o canal para fazer propaganda política para a campanha de Teresa Jucá (então mulher do senador) à prefeitura de Boa Vista.”

O problema, diz Magela, era que a TV dava prejuízo. “O dinheiro que vinha em publicidade do governo federal, do Estado de Roraima e da prefeitura de Boa Vista não cobria todas as despesas”, afirma. “Por isso, Romero tinha de complementar todo mês (com os pagamentos em dinheiro vivo). A TV sempre foi apenas um instrumento político.” Em 2003, Jucá pediu a Magela que transferisse a TV ao estudante universitário Rodrigo Jucá, filho do senador. “Achei bom. Eu só tinha prejuízo lá”, diz Magela. Ele assinou uma procuração com esse fim e a repassou ao filho de Jucá. Um ano depois, verificou que Rodrigo Jucá não formalizara a transferência – e estava administrando a TV em seu nome, sem pagar impostos e débitos trabalhistas. “O Romero prometeu acertar isso, mas sempre enrolou”, diz Magela. Há dois anos, ele descobriu que devia cerca de R$ 3 milhões à Receita e ao INSS. “Reclamei com o Romero, eles refinanciaram a dívida no meu nome, mas duvido que vão pagar. Tenho certeza de que vai sobrar para mim”, afirma. Hoje, a TV continua funcionando normalmente – mas em nome de Rodrigo Jucá.
“O Romero só mexe com dinheiro vivo”, diz o lobista Geraldo Magela, laranja confesso do senador

No curso da Operação Navalha, na qual a Polícia Federal desbaratou um esquema de propina comandado pelo empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, Magela chegou a ser preso, acusado de envolvimento nos desvios. A PF apreendeu planilhas da empreiteira em que o nome de Magela aparecia vinculado ao de Romero Jucá, ao lado de valores. “Eu tinha contrato com a Gautama, me relacionava com o Romero, mas nunca paguei nada”, diz Magela.

A sociedade oculta na TV não foi o único negócio fechado entre Jucá e Magela. Em 2001, o senador tornou-se dono oculto de um apartamento da Via Engenharia, presidida pelo empreiteiro José Celso Gontijo. Naquele ano, a Via recebera R$ 12 milhões do governo federal. “O Jucá pediu que eu fosse à sede da Via registrar o apartamento no meu nome”, afirma Magela. “Bote no seu nome e depois a gente vê como transfere para mim”, disse o senador, segundo o relato de Magela. Magela conta que foi então à empreiteira e assinou o contrato com seus dados. “Nunca paguei nada. Só fiz um favor para o Romero”, diz ele.

Gontijo sempre frequentou o gabinete de Jucá. “Ele ficava atrás de verbas para as obras dele em Brasília”, diz Magela. Gontijo ficou famoso há pouco mais de um ano, após a exibição de um vídeo em que aparece entregando dinheiro a Durval Barbosa, delator do mensalão do DEM. Nos anos seguintes ao negócio, uma das empresas de Gontijo ganhou contrato em Roraima – e passou a faturar muito no governo federal. Procurado, Gontijo admitiu a “amizade” com Jucá, disse frequentar o gabinete para tratar de “questões pessoais”, mas se recusou a dar maiores explicações a respeito das acusações de Magela.

Semanas depois de ter atendido Jucá, Magela conta que foi surpreendido com outra solicitação do senador. Dessa vez, para devolver o apartamento de três quartos que acabara de assumir e trocar por outro, maior e mais confortável, também oferecido pela Via. Em dezembro de 2001, Magela afirma ter fechado um contrato de promessa de compra e venda com a construtora. “Passei a papelada para o senador e depois assinei, no gabinete dele, uma procuração dando poderes para o Rodrigo Jucá ficar com o apartamento”, diz. Questionada sobre a forma de pagamento do imóvel, a Via não respondeu.

Três anos mais tarde, em julho de 2004, de acordo com documentos obtidos por ÉPOCA, o apartamento foi transferido de Magela a Álvaro Jucá. O curioso na história é que Rodrigo Jucá, filho do senador, aparece como procurador tanto de Magela quanto de seu tio, Álvaro. Rodrigo, na ocasião, tinha 23 anos. Em dezembro daquele ano, o negócio entre a família Jucá e a Via foi desfeito. Álvaro teve direito a receber R$ 550 mil para abrir mão do apartamento. “Acho que eram contratos de gaveta”, diz Marcello Paes, atual dono do imóvel. “Comprei o apartamento da Via em 2006. Sou o primeiro morador. Nunca ouvi dizer que esse apartamento tenha pertencido a alguém da família do senador Jucá.” A Via confirmou que a operação de R$ 550 mil foi “efetivamente realizada e liquidada”. Tradução: o dinheiro foi pago. Apesar dos contratos e da confirmação da empreiteira, Álvaro Jucá nega a existência da operação. “A vinculação de meu nome à compra de qualquer imóvel junto à Via Engenharia é uma inverdade absoluta”, diz Álvaro. Procurados pela reportagem, Romero Jucá e seu filho, Rodrigo, não responderam aos pedidos de esclarecimento sobre os negócios da família.

Encontrar o nome de Romero Jucá associado a empresas e imóveis é algo difícil. Mas sobram laranjas, como o motorista João Francisco de Moura, um dos sócios da Paraviana Comunicações, que administra duas rádios e uma TV da família Jucá em Roraima. Em e-mail encaminhado a ÉPOCA, João Francisco disse que se tornou sócio da empresa a pedido de Magela e não conhece seu outro sócio na Paraviana, Márcio Oliveira. Em tese, os dois pagaram R$ 2 milhões pela outorga de funcionamento dos veículos de comunicação. João Francisco é vendedor de equipamentos agrícolas no entorno do Distrito Federal. “Tenho medo do poder do senador. Nunca tratei nada com ele”, afirma. Claro que não. Romero Jucá é profissional.

O lado obscuro da Polícia Federal - REVISTA ÉPOCA



O lado obscuro da Polícia Federal

Andrei Meireles

REVISTA ÉPOCA

Ao fiscalizar a polícia mais respeitada do Brasil, o Ministério Público denuncia tortura, inquéritos malfeitos e omissão no combate ao tráfico de armas

Na noite de 21 de agosto de 2007, o agente da Polícia Federal Roberto Shiniti Matsuuchi entrou em sua casa, localizada em um condomínio de classe média alta em Brasília, e encontrou o alarme desligado e as gavetas reviradas. Matsuuchi percebeu que havia sido vítima de um furto. Haviam sumido relógios, óculos de sol, máquinas fotográficas, um uniforme completo da PF e uma pistola austríaca Glock, sucesso mundial como arma de pequeno porte. Como qualquer cidadão, Roberto Matsuuchi foi a uma delegacia de polícia e registrou o crime em um boletim de ocorrência. No dia seguinte, sua mulher, a agente federal Ana Cristina Matsuuchi, que trabalha na sede da PF, fez uma comunicação do furto a seu chefe imediato, o delegado federal Anderson Gustavo Torres. Mesmo sem ter competência legal para isso – por lei, investigar crimes como esse é trabalho para a Polícia Civil –, Torres abriu uma investigação paralela para descobrir os ladrões. De acordo com uma denúncia apresentada há dez dias pelo Ministério Público à Justiça Federal, o delegado Anderson Torres, o casal Matsuuchi e outros três agentes federais cometeram barbaridades nessa investigação informal.

Segundo a denúncia dos procuradores da República José Alfredo de Paula Silva e Bruno Calabrich, os policiais federais teriam – à luz do dia e diante de testemunhas, inclusive de vizinhos dos Matsuuchis – sequestrado dois rapazes, Marcelo Lamartine Coelho e Clésio Divino de Castro. Os dois, segundo os procuradores, foram levados para locais ermos. Algemados, foram submetidos a espancamentos em uma sessão de tortura para confessar o crime. Coelho e Castro teriam sido submetidos a asfixia por saco plástico, uma técnica muito praticada nos porões da ditadura militar (1964-1985) e imortalizada em uma cena brutal no filme Tropa de elite. De acordo com a denúncia, dois dias depois da sessão de tortura, Coelho e Castro passaram por exames no Instituto Médico-Legal. Apesar de nada terem constatado em Coelho, os peritos identificaram lesões que teriam sido feitas com instrumento contundente em Clésio de Castro. Semanas depois, a Polícia Militar do Distrito Federal encontrou a pistola Glock e prendeu os verdadeiros bandidos, que nada tinham a ver com Coelho e Castro.

A denúncia contra os seis federais é uma das várias ações do Ministério Público Federal que mostram um lado obscuro da Polícia Federal, uma instituição em geral reconhecida pelo profissionalismo de seus agentes, pela eficiência nas investigações e pelos métodos modernos de apuração de crimes como tráfico internacional de drogas e armas, desvios de verbas federais e contrabando. A grande maioria dos policiais federais justifica essa fama. Mas como em toda grande corporação – a PF tem mais de 15 mil policiais – há joio em meio ao trigo. E algumas ervas daninhas começaram a aparecer depois que o Ministério Público Federal resolveu exercer para valer sua prerrogativa constitucional de controle externo da PF – uma atribuição que, até 2008, era exercida pelos procuradores de forma burocrática e sem rigor.

A mudança de atitude do Ministério Público foi desencadeada pela Operação Satiagraha – marco na história de operações de combate à corrupção pela PF. Comandada pelo hoje deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), a Satiagraha causou estardalhaço ao levar à cadeia o financista Daniel Dantas, o controlador do Opportunity. A operação, porém, passou a ser contestada pela própria PF depois da revelação de que agentes secretos da Abin e da Aeronáutica participaram da investigação e de que outras irregularidades foram cometidas por Protógenes, como violação de sigilo funcional e fraude processual. Por causa dessas irregularidades, Protógenes foi condenado, em primeira instância, pela Justiça Federal de São Paulo

Depois da Satiagraha, os procuradores da República passaram a cobrar as investigações da corregedoria da PF sobre eventuais irregularidades praticadas por policiais. Esbarraram na resistência corporativa da polícia, que considerou a iniciativa do Ministério Público uma interferência indevida em seus assuntos internos. O chefe da Corregedoria-Geral da Polícia Federal, delegado Valdinho Jacinto Caetano, orientou as superintendências e delegacias em todo o país a não entregar suas investigações internas aos procuradores. “Somos rigorosos, cortamos na própria carne. Quando há crime, nós comunicamos ao Ministério Público”, afirma Caetano. Como argumento, ele brande os números dos 1.824 processos administrativos disciplinares instaurados nos últimos cinco anos, que levaram à expulsão de 55 policiais federais e à suspensão de outros 257.

Uma das investigações que a Polícia Federal se recusou a enviar ao Ministério Público se refere às denúncias de tortura contra a equipe do delegado Anderson Torres. Para a corregedoria da PF, não houve tortura e nada havia a censurar no comportamento dos seis policiais federais. Para os procuradores da República, a apuração da corregedoria da PF foi feita sob medida com o objetivo de acobertar o crime cometido pelos policiais. Baseado em depoimentos das vítimas e de testemunhas, os procuradores da República dizem que o delegado Anderson Torres comandou pessoalmente a diligência para prender Clésio de Castro e depois participou da tortura. Entrevistado por ÉPOCA, o delegado negou a acusação feita pelos procuradores. “Não houve nada disso. Essa denúncia é um absurdo”, afirma Torres. Ele disse que resolveu investigar o furto porque queria averiguar uma suposta ação do tráfico internacional de drogas contra seus agentes. Torres diz que chegou a ir à delegacia da Polícia Civil, que investigava o caso, mas nega ter participado de diligências ou de tortura. Roberto Matsuuchi e Ana Cristina Matsuuchi não quiseram se manifestar sobre a denúncia do Ministério Público.

Em dezembro passado, o Ministério Público Federal fez outra denúncia à Justiça Federal acusando agentes da PF de envolvimento em crimes contra direitos humanos. Em três visitas à carceragem da PF em Brasília, instalada em uma das dependências da Penitenciária da Papuda, os procuradores da República afirmam ter comprovado que os presos sofriam maus-tratos e tortura. Lá, ficam os presos acusados de crimes federais ainda não condenados e os que esperam decisão do Supremo Tribunal Federal sob pedido de extradição. Além de espancamentos, os procuradores afirmam que, em setembro do ano passado, foi servida água misturada com detergente para os presos da carceragem beberem.

Os presos se queixaram ao MP. De acordo com os procuradores, como represália, o chefe da carceragem, o agente da Polícia Federal Avilez Moreira de Novais, mandou que os presos fossem despidos, algemados e levados só de cuecas para uma pequena área onde ficaram amontoados sob sol escaldante por horas. Alguns passaram mal e dois tiveram de ser atendidos no hospital. A pedido do Ministério Público, a Justiça Federal afastou o agente Avilez Novais. Para o corregedor da PF, delegado Caetano, a denúncia foi uma injustiça e é inconsistente. “A denúncia teve como base o depoimento dos próprios presos”, afirma Caetano. “Vamos nos defender na Justiça.”

Além de abusos, como tortura, os procuradores envolvidos na fiscalização da PF afirmam ter encontrado indícios preocupantes de mau desempenho por parte da instituição. De acordo com o grupo nacional de controle da PF no Ministério Público, menos de 30% dos inquéritos relatados pela PF são aproveitados pelo Ministério Público e usados em denúncias à Justiça. Em 2009, em São Paulo, os procuradores da República em São Paulo arquivaram 5.706 inquéritos policiais e aproveitaram apenas 914 para ações penais. Para os procuradores, algumas causas explicam esse desempenho pífio. Como os crimes federais prescrevem mais rapidamente e as investigações se arrastam, os prazos para apresentação de denúncia, com frequência, vencem antes da conclusão dos inquéritos. Além disso, muitas investigações incompletas não conseguem comprovar a materialidade ou a autoria dos crimes.
QUEM TEM RAZÃO?
No alto, a casa dos agentes federais em Brasília que foi assaltada. Acima, reprodução do laudo que afirma ter havido tortura. O corregedor da PF, Valdinho Caetano (à esquerda), comanda a reação da polícia às denúncias do MP

A Polícia Federal rebate essa crítica e diz que há outras causas para o baixo aproveitamento das investigações policiais. Segundo a assessoria da PF, a corporação é obrigada a investigar todas as denúncias que recebe. Em muitos casos, a investigação termina sem que haja crime para denunciar. Em casos de sonegação fiscal e crimes contra a Previdência, as investigações são arquivadas, segundo a PF, porque os acusados pagam as dívidas e se livram do inquérito.

Por causa de divergências sobre os limites do controle externo, a Polícia Federal e o Ministério Público estão em litígio judicial em vários Estados. O pior conflito ocorre no Rio de Janeiro. Lá, os procuradores dizem ter constatado uma baixa produtividade da polícia em investigações sobre tráfico internacional de armas e de drogas. Eles requisitaram os relatórios de inteligência produzidos pela PF. Por orientação da direção nacional, a superintendência da PF no Rio se negou a entregar os documentos sob o argumento de que a Diretoria de Inteligência Policial e suas seções não estão sujeitas ao controle do Ministério Público. “Como parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, o controle externo desse setor da PF é feito pelo Congresso”, afirma o delegado Caetano.
Segundo o Ministério Público, menos de 30% dos inquéritos da PF rendem denúncias à Justiça

Os procuradores da República tomaram depoimentos de delegados envolvidos na repressão ao tráfico de armas e passaram a acusar a PF de omissão no combate ao crime. Também entraram com uma ação na Justiça para ter acessos aos relatórios de inteligência. “Esses relatórios deveriam ter sido enviados ao Ministério Público, mas não foram. Isso é grave”, afirma o procurador Marcelo Freire, do grupo de controle externo da PF no Rio de Janeiro. A disputa no Rio mostra o nível de beligerância a que chegou a relação entre a polícia e o Ministério Público, instituições que deveriam trabalhar em regime de colaboração.

DENIS LERRER ROSENFIELD - Pelo Brasil



Pelo Brasil
DENIS LERRER ROSENFIELD
O Estado de S. Paulo - 23/05/2011

A votação do novo Código Florestal, prevista para amanhã, representa um enorme avanço da legislação brasileira, tornando uma colcha de retalhos de medidas provisórias, leis e decretos um todo coerente, voltado para o bem do País. Não se trata de uma falsa oposição entre "ambientalistas" e "ruralistas", mas de parlamentares e cidadãos igualmente responsáveis e comprometidos com o futuro do Brasil.

Convém, nesse sentido, ressaltar que tampouco há um embate entre "governo" e "oposição", mas um diálogo frutífero que se tem traduzido por medidas sensatas. Não há, nem deve haver, "vitoriosos" e "derrotados". Pessoas de partidos tão díspares como o "comunista" Aldo Rebelo e a "ruralista" Kátia Abreu se juntaram numa mesma causa, que ultrapassa qualquer clivagem partidária. Cabe mesmo a pergunta sobre se tais rótulos ainda têm algum sentido. A questão é bem outra, a dos que defendem ou não o bem do Brasil.

Há, sim, atitudes de parlamentares de diferentes partidos que pensam num mundo novo, voltado para conjugar a produção de alimentos, tão necessária ao planeta, e a defesa do meio ambiente. Não esqueçamos que, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o País preserva 61% de suas florestas nativas, que serão, precisamente, preservadas.

Não se pode perder o olhar em questões menores e menosprezar os enormes ganhos já obtidos nas negociações realizadas. Se tivesse de resumir numa expressão essa vitória do País, seria tentado a chamá-la de segurança jurídica. O relatório do deputado Aldo Rebelo tira da ilegalidade mais de 90% dos agricultores brasileiros, familiares, pequenos, médios e grandes, que, hoje, estão submetidos a uma espada de Dâmocles, que pode abater-se sobre sua cabeça a qualquer momento. Não se pode viver assim, muito menos produzir.

Dentre os avanços, necessário destacar a perda de vigência de uma aberração existente no Brasil: o efeito retroativo da legislação ambiental. Quem cultivou a terra em determinada região, seguindo as leis em vigor na época, e, em muitos casos, tendo sido incentivado pelo governo, não pode ser tido como um "criminoso" que deve recompor a área desmatada. Trata-se de uma aberração que só o nazismo foi capaz de postular como uma "legalidade".

Outro foi o cômputo conjunto de reserva legal e áreas de preservação permanente (APPs), de modo a não tornar propriedades inviáveis, sobretudo pequenas e médias. Trata-se, também, de medida de bom senso. Atualmente, o cálculo é feito separadamente. Esse tipo de legislação só poderia ter como resultado expulsar famílias inteiras do campo, aumentando o número dos miseráveis nas cidades. O planeta deve preservar os seres humanos, e não só a mata nativa. Homens e mulheres não são objetos descartáveis que possam ser desconsiderados.

Outro ponto é o da linha de corte estabelecida para a consideração de áreas consolidadas, como as de café, uva, arroz e maçã, entre outras, que existem há décadas em APPs. Não podem ser seus produtores simplesmente lançados na ilegalidade e na insegurança. Estabelecendo a linha de corte em julho de 2008 e proibindo posteriores desmatamentos, o relatório de Aldo Rebelo consegue não apenas dar satisfação a todas as partes envolvidas, como cria um clima de segurança em relação ao futuro.

Há aqui, no entanto, um problema que está criando obstáculos à aprovação final da nova legislação ambiental. Diz respeito, em especial, à necessidade de recomposição ou ao tamanho da preservação de margens de rios. A imensa maioria dos deputados, de todos os partidos, é favorável ao relatório, estabelecendo uma linha divisória entre o antes e o depois, com o reconhecimento do que já foi cultivado. A questão reside em quais seriam essas áreas, suas culturas e quem faria a regularização, o governo federal ou os Estados.

Os deputados, com toda a razão, têm insistido em que isso seja feito em lei, e não em regulamentos administrativos que seriam posteriormente editados pelo governo. Nada melhor do que os representantes do povo, que têm delegação expressa para isto, serem os responsáveis pela legislação do País. Contra isso se insurgem os ambientalistas que propugnam por uma legislação infralegal, por atos administrativos. A razão é clara: eles têm medo do voto, temem a democracia. Se assim não fosse, aceitariam uma votação democrática. Estão por demais acostumados a legislar autocraticamente, por intermédio de seus representantes no MMA. Como se diz de modo popular, "querem ganhar no tapetão"!

O Executivo tampouco tem razão de pedir um voto de confiança para legislar posteriormente por decreto. Esse Poder acostumou-se a legislar, relegando a Câmara dos Deputados e o Senado a posições subalternas. Um pedido desse tipo equivale a uma demanda de servidão voluntária. O Poder Legislativo não se pode curvar, deve é recuperar para si sua prerrogativa de legislar. E a modernização do Código Florestal apresenta-se como a oportunidade de um novo começo.

Alguns poucos representantes da base governamental, alinhados com os ditos "ambientalistas", têm avançado o "argumento" de que a nova legislação, se aprovada, impediria a exportação de carnes e grãos, que seriam barrados no exterior. Alegação pueril. Primeiro, porque a demanda mundial de alimentos só tende a crescer, prescindindo de tais exigências ambientais. Seres humanos precisam ser alimentados! Segundo, se isso fosse verdade, os EUA e a Europa, por exemplo, não poderiam exportar produtos agropecuários, pois lá não há reserva legal, e APPs, quando existem, não correspondem ao rigor da atual nem mesmo da nova legislação brasileira. As ONGs deveriam fazer campanha lá, não aqui!

Aliás, por que não o fazem?

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - " Se pelo menos ensinassem Português"


" Se pelo menos ensinassem Português"
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/05/11
A coluna da semana passada, com esse título, gerou uma enorme quantidade de e-mails. Li todos, agradeço a atenção dos leitores e peço desculpas por não ter conseguido responder via e-mail. E, por isso, deixo aqui algumas observações, algo como uma resposta geral.

Na ampla maioria das mensagens, os leitores, incluindo muitos escritores, professores e linguistas, apoiaram a coluna e acrescentaram argumentos.

Voltarei ao assunto em outros artigos.

As críticas, como era de esperar, partiram de professores e de linguistas alinhados na tese de que não há o certo e o errado no uso da língua. Haveria apenas o adequado e o inadequado.

Assim, "nós pega o peixe" não está errado. E, se alguém disser que é, sim, errado, ou ensinar que isso está errado, estará cometendo "preconceito linguístico". É o ponto de vista que se encontra no livro Por Uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender (Editora Global), que foi adotado, comprado e distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) a milhares de alunos - a origem de toda a polêmica.

Nossa crítica a essa tese, no essencial, está na coluna da semana passada. Mas o que chamou a atenção, em muitos dos e-mails, foi a exposição de uma versão mais radical dessa tese. Na verdade, uma versão claramente política e ideológica.

Por esse ponto de vista, o Português oficial (a norma culta, a língua normatizada) é apenas mais um modo de falar, entre vários outros, todos igualmente válidos.

Mais do que isso: a língua, digamos, oficial aparece como o modo de falar da classe dominante. E que "impor a norma culta para todos", como escreveu um linguista, é mais uma forma de dominação social. A gramática seria a polícia.

Ou seja, há a língua das elites e as línguas do povão. A diferença vai pela classe social ou pela posição política.

Ora, está errado: os ricos falam mais a língua normatizada não porque sejam ricos, mas porque puderam estudar em boas escolas. E falam exatamente a mesma língua que um aluno pobre que tenha tido a sorte de cair numa escola pública de boa qualidade.

Nem é preciso procurar muito para encontrar ricos ignorantes que passaram não por escolas, mas por fábricas de diplomas. Eles falam tão mal quanto os pobres que não puderam ir às boas escolas. E acham que, por serem ricos, não precisam estudar.

Na verdade, o estudo e a busca da qualidade profissional são mais um valor das classes médias, que precisam ganhar a vida pelo esforço próprio.

De todo modo, essa "linguística ideológica" é uma das causas do péssimo ensino de língua, especialmente nas escolas públicas. Em muitas faculdades de Letras e de Educação, professores, alunos e linguistas se concentram muito mais nessas teorias da língua do que nos métodos de ensinar Português (e Matemática e Ciências) para crianças e jovens.

Assim como muitas escolas de Jornalismo se concentram em estranhas teorias da notícia e se esquecem de ensinar como apurar e publicar notícias.

Nada de mais. Também na coluna da semana passada, com o subtítulo acima, criticamos o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por ter nomeado o ex-vice-presidente da República e ex-senador Marco Maciel para cargos de conselheiro da São Paulo Turismo (SPTuris) e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

Dizíamos que, com atos assim - a nomeação de amigos e correligionários políticos para funções técnicas -, o prefeito mostrava pouco-caso pelos maiores problemas da cidade: trânsito e falta de estrutura de turismo.

A assessoria de imprensa de Kassab mandou e-mail dizendo que Kassab cuida do trânsito com investimentos no metrô, no Fura-Fila (agora Expresso Tiradentes) e na renovação da frota de ônibus.

Mas essas são políticas regulares, coisa de dar andamento ao serviço.

Ocorre que o trânsito em São Paulo piora todos os dias e chegou a um ponto que exige uma política de ampla mudança, atacando todas as questões. E não se observa resposta à altura da Prefeitura.

E com relação à falta de planos para o turismo, o prefeito descreveu Pirituba: um centro de convenções com quatro pavilhões de exposições; 22 mil vagas de estacionamento; centro de convenções de 60 mil metros quadrados, com capacidade de 6.500 lugares; um shopping center com 42 mil metros quadrados; um centro de logística de 22.900 metros quadrados; três hotéis com mais de mil quartos e mais cinco edifícios comerciais; além de uma arena multiuso com capacidade para 20 mil pessoas.

Sensacional! - não é mesmo!

E o que tem por lá? Estufando o peito, o prefeito informa que já declarou o terreno de utilidade pública. Alardeia: 5 milhões de metros quadrados declarados!

Ou seja: não tem nada lá. Um terrenão baldio, para futuras desapropriações, que criarão as condições para futuros projetos de futuras obras. Impressionante eficiência.

FERNANDO DE BARROS E SILVA - Fumaça democrática


Fumaça democrática

FERNANDO DE BARROS E SILVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/05/11 

SÃO PAULO - Em nome da manutenção da ordem e da legalidade, a PM patrocinou uma enorme desordem na tarde de sábado, em São Paulo, transformando a região da avenida Paulista e da rua da Consolação num campo de batalha.

A tropa de choque investiu contra aqueles que defendiam a legalização da maconha com balas de borracha e gás lacrimogêneo, distribuindo cacetadas em manifestantes que corriam. Disseminou-se pelas ruas um clima de pânico. Pessoas que nada tinham a ver com o ato foram atingidas pelo gás, nos carros ou nas calçadas.

As imagens e relatos não deixam dúvidas de que houve uso abusivo da força. O xis da questão, porém, está na decisão judicial infeliz que deu respaldo à ação da polícia.

O desembargador Teodomiro Mendez, do TJ-SP, decidiu proibir a manifestação na véspera de sua realização. Alegou que o ato "não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha". Disse ainda que os "indícios de práticas delitivas no ato favorecem a fomentação do tráfico de drogas, crime equiparado aos hediondos".

Pois bem: apesar da repressão tão veemente da PM, quantas pessoas foram presas no sábado por fumar maconha? Nenhuma, embora algumas tenham sido detidas, por razões pouco claras. Onde está, então, o "uso público coletivo de maconha", alegado pelo magistrado? Eis um caso típico de censura prévia praticado por um juiz conservador, que confunde o direito constitucional à livre manifestação com a apologia do crime.

Quem decide ir à rua para defender a legalização da maconha não está fomentando o tráfico de drogas, como sentencia o juiz, mas exatamente o contrário.

A ação desmedida da PM deve dar fôlego ao movimento que defende a descriminalização da droga. A decisão do doutor, que provocou a confusão, deveria ampliar o debate sobre a liberdade de expressão, ainda tão acanhada.

GUSTAVO CERBASI - Quanto vale seu dinheiro?


Quanto vale seu dinheiro?

GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/05/11 

Corte dos seus planos de compra o prazer que dura pouco e tira a oportunidade de consumo mais produtivo


HÁ DOIS MESES, estive em Lisboa para o lançamento de mais um livro meu em Portugal.
Na época, não haviam eclodido ainda os mais graves sinais da crise econômica, como o rebaixamento da nota de risco do país e o pedido de socorro à União Europeia.

Porém, o país já dava claros sinais da dificuldade de recuperação, incluindo desemprego e inflação em alta e esperança em baixa. Enquanto no Brasil nos referíamos à crise "de" 2008, em Portugal o termo usado era a crise "desde" 2008.

Em meio ao desânimo generalizado, demonstrei minha preocupação a meus editores, questionando se seria interessante, para eles, lançar novos títulos em um momento tão ruim do mercado.
Supunha que os trabalhadores portugueses tinham menos dinheiro no bolso para consumir qualquer coisa, incluindo livros.

Para minha surpresa, a resposta foi enfaticamente contrária às minhas suposições. Segundo meus editores, a crise que impunha mudanças até nos hábitos alimentares dos portugueses pouco influenciava o mercado de livros.

Acreditando que havia tropeçado em alguma diferença linguística entre os países, reformulei a pergunta com outras palavras, e recebi a confirmação estarrecedora: os portugueses realmente não abrem mão do consumo de livros.

Precisei de alguns minutos para digerir a informação, e a explicação foi admirável. Segundo meus editores, a compra de livros não tem exatamente a ver com a preocupação com educação ou com a flexibilidade de novos formatos de leitura.

Para os portugueses, assim como para a maioria dos europeus, leitura é lazer. Cinema, teatro, viagens, comer fora, práticas esportivas e jogos também são lazer, mas a procura por essas práticas havia caído drasticamente com a crise portuguesa.

O argumento para a sustentação na venda de livros era o de que o lazer obtido com um livro era barato, durava vários dias, podia ser repassado para toda a família e, ainda, doado a famílias com poder de consumo mais oprimido.

Em suma, o que sustentava o comércio livreiro em um país em crise era a durabilidade do prazer ou do benefício obtidos com esse tipo de produto. Nada traduz melhor o conceito de qualidade de consumo do que a ideia de obter do dinheiro um benefício mais duradouro.

Quando compramos um carro, levamos em consideração o benefício de contar com transporte por um longo período. Mas, ao comprar um carro com design diferenciado, maior potência e apetrechos tecnológicos, corremos o risco de desembolsar muito mais por benefícios apenas eventuais.
Só desfrutamos do design em situações sociais em que a imagem do carro seja associada à nossa.
O benefício da maior potência será tão frequente quanto forem nossas viagens. Os apetrechos tendem a cair em desuso, se não forem realmente funcionais. Comprar um carro popular e bem equipado tende a ser, na maioria dos casos, um consumo de mais qualidade do que comprar um carrão.

Quanto mais benefícios obtemos do nosso dinheiro, menos impulsos de consumo temos. O consumismo está diretamente relacionado à incapacidade de obter prazer duradouro nas compras, como uma droga que gera dependência. Por isso, a velha ideia de refletir antes de uma compra continua sendo uma das mais importantes ferramentas não só de consumo mas também de sobrevivência de nosso minguado saldo no banco.

Você quer mesmo aquilo que pensa em comprar? Ou é apenas um estímulo vindo de um vendedor habilidoso? Se quer, você precisa do que vai comprar? Se não lhe trouxer utilidade duradoura, esqueça. Há uso mais inteligente para seu dinheiro.

Se você quer e precisa, pergunte-se: você pode comprar?

Essa resposta só será obtida se você fizer a lição de casa antes de ir às compras. Não saia antes de checar o saldo na conta, a fatura do cartão e o orçamento doméstico.
Prazer que dura pouco e tira a oportunidade de consumos mais produtivos é justamente o que deve ser cortado de seus planos.

RUY CASTRO - Os periquitos


Os periquitos

RUY CASTRO 

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/05/11

RIO DE JANEIRO - Cada cidade com seus problemas, não? Vide Londres. Durante séculos, sofreu com o fog -ideal para a literatura e o cinema, mas que matava milhares por ano de bronquite e era só um misto de nevoeiro com fuligem, esta produzida pela queima de carvão, para cozinha e aquecimento, em milhões de casas. No que os londrinos foram proibidos de usar carvão, nos anos 60, o fog acabou.
Agora são os periquitos. Você não leu errado. Uma praga de periquitos está infernizando os parques da cidade. E, como Londres é cheia de parques, pode-se imaginar o tamanho do problema. Segundo estatísticas, uma população de 1.500 periquitos, em 1995, disparou para 30 mil em 2005 e, hoje, deve estar passando dos 50 mil. Mas não me pergunte como eles conseguem recenseá-los. É possível que alguns periquitos tenham sido contados duas vezes.
Teorias pululam. Uma, a de que os corvos, seus predadores naturais, cansaram-se de Londres e resolveram voltar para a roça. Outra, a de que há mais aposentados alimentando pássaros nos parques. Uma terceira é a de que os periquitos estão procriando mais que os ingleses, o que não é difícil. E não falta uma teoria da conspiração: naturais da Índia e da África, os periquitos seriam apenas pontas de lança de uma ocupação para valer. Seu objetivo seria abrir espaço para aquela gente diferenciada, os indianos e os africanos.
O fato é que, ao sentar-se hoje num parque em Londres, você ouve uma revoada. De várias árvores, centenas de periquitos levantam voo ao mesmo tempo, matraqueando em estéreo e Dolby, e dão um rasante sobre a sua cabeça. O filme "Os Pássaros", de Hitchcock, lhe vem à mente. Você fica com medo e volta para casa.
Nos "Pássaros", as armas eram as bicadas. Já em "Alta Ansiedade", de Mel Brooks, os pássaros também atacam, mas com esguichos.

GEORGE VIDOR - Dólar é que manda



Dólar é que manda
GEORGE VIDOR

O GLOBO - 23/05/11

O ouro já não serve de lastro para as moedas e o dólar perdeu muito da sua força. No entanto, a moeda americana ainda não perdeu a liderança nas transações internacionais e para mantê-la dificilmente os Estados Unidos aceitarão mudar agora as regras que definem o comando do Fundo Monetário Internacional (FMI). É assim desde 1946 e levará tempo para isso se modificar.

Tais regras agradam à União Europeia, mesmo com sua moeda única (o euro) apontada como potencial rival do dólar, e ao Japão. A economia chinesa caminha para superar a americana em tamanho, mas o yuan nem circula fora de seu território. A China continua a acumular suas reservas cambiais em dólares (alguns trilhões) e certamente gostaria de influenciar mais o FMI para que a instituição pudesse ter mais ingerência sobre decisões de política econômica dos Estados Unidos capazes de afetar o comportamento da moeda americana. Mas a China ainda não faz parte do seleto clube que decide.

Agora no fim da entressafra de cana-de-açúcar, o álcool anidro (que entra com volume de 25%) estava participando com quase o mesmo valor da gasolina pura (75%) da mistura. Do preço total que os consumidores pagavam no posto, o anidro correspondia a 22% e a gasolina pura a 26%. O restante era composto por impostos e margem dos revendedores.

A proporção de pessoas com mais de 15 anos que fumam no Brasil caiu para 15,1% no ano passado, segundo o Ministério da Saúde. A queda tem sido mais expressiva entre os homens (o índice caiu de 20,2%, em 2006, para 17,9%, em 2010). Entre as mulheres, a proporção permanece estável em 12,7%.

Os índices de fumantes são maiores na zona rural, entre as pessoas de renda mais baixa e as menos escolarizadas, possivelmente por elas não serem atingidas pelas campanhas de esclarecimento sobre o estrago que o fumo faz à saúde (dos próprios fumantes e dos que estão à volta). A proporção de pessoas com até oito anos de instrução que fumam é de 18,6%, enquanto entre as mais escolarizadas (12 ou mais anos de instrução) o índice cai para 10,2%.

31 de maio é o dia que os órgãos envolvidos no esforço para reduzir o consumo de tabaco avaliam esse trabalho, e a Organização Panamericana de Saúde promoverá um encontro em Brasília. Embora no Brasil esteja em declínio, o consumo está em alta em alguns mercados emergentes, ainda que a China tenha recentemente restringido o fumo em locais públicos.

A campanha estará direcionada agora contra o uso de aditivos, açúcares e a "mentolização", que tornam o cigarro menos desagradável aos que o experimentam (crianças e adolescentes, principalmente).

Em setembro, chefes de estado e de governo vão se reunir nas Nações Unidas, em Nova York, para discutir iniciativas de monitoramento dos chamados fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, entre os quais o tabaco e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

A Cedae, companhia estadual de água e esgotos do Rio de Janeiro, ocupará sua nova sede, na Cidade Nova, no mês que vem. Além de casa nova, a empresa chegará ao segundo semestre com seus passivos financeiros restruturados. Está prevista a quitação de uma dívida de R$1 bilhão (herdada do governo estadual) com a União. Esse débito é que impede a empresa de contrair financiamentos que viabilizem investimentos na recuperação e na expansão da rede de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos.

Para essa reestruturação foi fundamental também a Cedae equacionar seus compromissos com o fundo de previdência dos funcionários (Prece). No lugar do sistema de benefício definido, que deixava o fundo em situação de risco, os participantes estão migrando para planos de contribuição definida. Com a mudança, a Cedae pelo menos sabe quanto terá de desembolsar para liquidar esses passivos.

Nas próximas semanas conheceremos a verdadeira disposição do mercado imobiliário para investimento em prédios comerciais na zona portuária do Rio. A legislação abriu a possibilidade para a construção de prédios altos, se os incorporadores pagarem um sobrepreço pelos terrenos, valor que será investido pela prefeitura na melhoria da própria região. Esse programa despertou um debate sobre os rumos do desenvolvimento urbano do município. Induzir novos empreendimentos para o antigo centro, cujas vias de escoamento se mostram já saturadas, ou o melhor seria continuar caminhando para Barra da Tijuca e Zona Oeste?

Uma opção não exclui a outra, na verdade, pois, como mostra a experiência de Barcelona, uma grande cidade deve ser multipolar, com vários "centros" capazes de reunir áreas comerciais e de moradia simultaneamente.

Meu entusiasmo com a visita à Turquia foi tanto que acabei não mencionando uma rápida passagem por Berlim. Pela primeira vez me hospedei no lado oriental, na histórica Gendarmenmarkt, junto à rua (Friedrichstrasse) que reúne boas lojas. A praça é uma graça, com antigas catedrais que viraram museus e uma grande sala de concertos. Ao seu redor há uma série de ótimos restaurantes (um deles, de comida alemã, tem mais de duzentos anos) e bares. A pé se chega a todos os pontos de interesse da área histórica da cidade.

Conheci Berlim em 1980, quando ainda era possível ver, mesmo na parte ocidental, vestígios das dramáticas últimas semanas da Segunda Guerra Mundial na Europa. O lado oriental era de uma tristeza abissal. Logo depois da queda do Muro, voltei lá, profissionalmente, em duas ocasiões. Os dois lados ainda se estranhavam. Há três anos revi uma Berlim revigorada e desde então deu para perceber uma contínua melhora. Berlim pós-reunificação virou o centro de arte contemporânea na Europa.

LUIZ FELIPE PONDÉ - Flagelo da classe média


Flagelo da classe média

LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/05/11

Não sou bem resolvido, tenho muitos preconceitos. Um deles é contra a classe média.

Além disso, sou cheio de maus hábitos: charutos, cachimbos, álcool, comida com sangue e não ando de bike. Para mim, o vício e a culpa são o centro da vida moral.


Enfim, não sou uma pessoa muito saudável. Por isso, não sou de confiança. Mas não pense que sofro do fígado; sou apenas um fraco.

Tenho uma amiga, muito inteligente, que costuma me chamar de "flagelo da classe média".

Quando falo "classe média", não olhe para seu saldo bancário, olhe para dentro de si mesmo. Classe média é um estado de espírito, e não apenas uma "alíquota" do imposto de renda ou o tipo de cartão de crédito que você tem.

Uma das marcas da classe média é pensar que, quando se fala de classe média, pensa-se essencialmente em saldo bancário.

Você pode ter muita grana e pensar como classe média, quer ver? Vou dar um exemplo de um surto de classe média em alguém que não era da classe média.

O sociólogo húngaro radicado na Inglaterra Frank Furedi, em seu livro "Therapy Culture", comenta como a Lady Di (morta tragicamente em 1997), a "princesa da classe média inglesa" ou a "princesa do povo", lamentou para a mídia o fato de seu então marido, príncipe Charles (herdeiro do trono da Inglaterra), ter uma amante.

Podemos imaginar uma mulher do East End londrino se sentindo irmã da então princesa porque ambas sofreriam da mesma maldição: a infidelidade em um casamento infeliz. Choravam juntas, uma na frente da TV, outra na frente das câmeras.

Lady Di nunca entendeu o que é ser da aristocracia, confundiu-se com a classe média e seus anseios de que casamento, amor e felicidade sejam uma coisa só.

Mas não há muito o que fazer com relação à realeza hoje em dia, porque vivemos no mundo da opinião pública e "ter opinião sobre tudo" é um fetiche típico do espírito de classe média. Alexis de Tocqueville (1805-1859) já dizia que a democracia é tagarela.

Quando se depende da opinião pública já não há mais saída para escapar das "redes sociais" típicas do mundo contemporâneo, no qual as pessoas têm opinião sobre tudo a partir de seus apartamentos de dois quartos com lavabo.

Basta ver o tanto de bobagens que se fala no Facebook, tipo "fui ao banheiro" ou "vomitei". Além de "revoluções diferenciadas", as redes sociais potencializam a banalidade humana.

Quando a classe média sonha, ela sempre pensa como Cinderela. "Querer ser feliz" é coisa de classe média.

Você pode ser milionário e ter cabeça de classe média, por exemplo, quando faz algo preocupado com o que os outros vão pensar. Nada mais típico do espírito da classe média do que citar um restaurante numa ruazinha em Paris para mostrar que conhece a cidade.Por outro lado, você pode ser uma pessoa que "batalha" pela vida e não pensar como Cinderela. Basta não criar de si mesmo uma imagem de "reduto do bem e da honestidade". O bom-mocismo social é o novo puritanismo hipócrita do início deste século.

Uma clara semelhança de espírito entre "aristocracia" e as classes sociais mais pobres (aparente absurdo) é a pouca ilusão com relação à hipocrisia social, substância da moral pública.

A primeira porque está acima da hipocrisia social (não precisa dela porque tem poder), e a segunda porque está abaixo da mesma hipocrisia social (não pode bancar a hipocrisia porque hipocrisia é um pequeno luxo).

O que caracteriza o espírito da classe média é pensar mais de si mesma do que ela é. Já que não tem nada, mas não morre de fome, fabrica de si mesma uma história de grandeza que não existe.

Por exemplo, inventa para si mesma uma "história de dignidade familiar", quando ninguém sobrevive sendo "digno", acha que educa bem seus filhos sempre "brilhantes", calcula cada proteína que come, num movimento de ganância travestido de preocupação com a vida, diz coisas como "não minto", quando, sabemos, a vida se afoga em mentiras necessárias à própria vida.

A classe média adora ter uma família de pobres como "amigos" para exibir por aí. Enfim, a classe média sofre de avareza espiritual.

MARCO ANTONIO ROCHA - Dos efeitos do priapismo na economia mundial


Dos efeitos do priapismo na economia mundial
MARCO ANTONIO ROCHA
O Estado de S. Paulo - 23/05/2011

Diz a lenda que o poder e o dinheiro são afrodisíacos, e que todo rico é priápico. Lenda que ganhou reforço na última semana, com o envolvimento, num escândalo sexual, do homem de grande poder que lidava com montanhas de dinheiro, de muitos países, sentando-se, por força do cargo, ele próprio, numa montanha de dinheiro, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O caso está nas mãos da Justiça e da Polícia norte-americanas, e as finanças internacionais têm de tocar sua vida de qualquer modo.

Algum abalo ou perturbação sem dúvida advirá, dado o bom desempenho que Dominique Strauss-Kahn vinha apresentando nas funções muito mais discretas - embora muito mais pecaminosas - de salvar banqueiros e governos relapsos da bancarrota e evitar que o mundo financeiro venha abaixo em outra crise, pior do que a de 2008. Para tratar desses magnos problemas, nesta semana deverá haver a reunião de cúpula do G-8, em Deauville, na França, na qual o diretor-gerente do FMI seria uma presença-chave. Mas ele já renunciou ao cargo e é muito duvidoso que possa enviar suas orientações e seus conselhos por e-mail ou por outra via qualquer. Primeiro, porque não terá cabeça para isso, que estará centrada em como evitar a cadeia para o resto da vida. Segundo, porque a sua destituição cria um cenário diferente do que prevalecia antes dos fatos nebulosos ocorridos na suíte do Sofitel - cenário do qual estará distante.

É até possível um adiamento da reunião, para dar tempo a que um substituto europeu de Strauss-Kahn seja entronizado - pois o interino, que irá, ou iria, no lugar dele, embora fosse seu assessor no FMI, é um americano, John Lipsky, e não há quem não saiba que economistas americanos estão sempre sob suspeita entre representantes de governos europeus.

De qualquer forma, não será fácil escolher um substituto para S-K. A tradição é que o diretor-gerente tem de ser europeu, no velho formato de um europeu para o FMI e um americano para o Banco Mundial (Bird). Mas, desta vez, os emergentes estão emergindo para a disputa e querem alguém mais afinado com eles, mais capaz de entender o bricabraque - que é como muita gente do Primeiro Mundo ironicamente denomina a linguagem dos Brics - sem dúvida, difícil de compreender muitas vezes. É que a linguagem dos desenvolvidos (e hoje, desarranjados) é quase sempre uma só e está nos manuais de boa governança que eles próprios escreveram. A dos Brics parece que se está formando ainda e nem é a mesma: conforme o membro do grupo que fale, ela muda - na verdade, quase nunca é a mesma.

Por isso, acho que é prematura a pretensão dos emergentes de conseguir eleger um dos seus para diretor-gerente do FMI. Até porque, nessa nobre sociedade, os EUA detêm grande parte do capital, e o capital detido pelos emergentes não chega a ser decisivo. Mas pleitear não ofende, de modo que o nosso ministro Mantega aproveitou para pontificar que "antes de discutir nomes, devemos estabelecer critérios para uma seleção adequada". Até parece um líder dos minoritários de partido político brasileiro dando o seu "pitaco" na véspera da convenção nacional. E emendou: "Já se passou o tempo em que algumas decisões podiam ser tomadas por um grupo de países". Calma, ministro, esse tempo não passou de todo... e V. Exa. ainda não tem a menor chance de ser diretor-gerente do FMI.

De qualquer forma, também, não é fácil fazer uma reunião de cúpula que exige clima de serenidade para poder pensar a médio e a longo prazos, num ambiente como o que vive a Europa, com alguns governos reféns de agiotas. As ruas da Espanha estiveram cheias de jovens, na semana passada, protestando contra o desemprego e o caos social, e o importante jornal El País ponderava que a onda de inquietação que se propagou pelo norte da África, e ainda apresenta grandes riscos, pode ter chegado à Espanha.

O caso da Grécia está num impasse. Praticamente falido, o berço da filosofia ocidental se recusa a aceitar a proposta das lideranças da União Europeia de uma reestruturação da sua dívida de 150% do Produto Interno Bruto, com o seu primeiro-ministro, George Papandreou, argumentando que "a partir" de 2014 o país terá um excedente orçamentário que tornará sua dívida "viável" - seja o que for que isso signifique: "Nós estamos tomando todas as medidas necessárias", garantiu ele. O que deve levar seus credores a indagarem: por que as medidas necessárias não foram tomadas para evitar o endividamento?

Essas turbulências e incertezas se agravam num momento pouco feliz para a economia brasileira, que está sentindo os primeiros arranhões de um surto inflacionário que pode crescer; está vendo caírem os preços das commodities, que muito contribuíram para o nosso saldo comercial externo; que não está tendo os resultados que poderia esperar da prometida austeridade fiscal do novo governo; e que vê muitos economistas e empresários apostarem mais no menos do que no mais, em termos de crescimento, e mais no mais do que no menos, em termos de inflação nos próximos meses.

Tudo num momento em que a presidente Dilma dá alguns sinais de perda de rumo.

MARCO ANTONIO VILLA - O estrategista tupiniquim


O estrategista tupiniquim
MARCO ANTONIO VILLA
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/05/11

Caso o ministro Moreira Franco não esteja satisfeito com suas atribuições, deveria então ter a dignidade de pedir demissão do posto que ocupa


Quando foi avisado por um correligionário que seria o responsável pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco respondeu: "Quer tirar sarro da minha cara?". Foi sincero.
Ele nunca se interessou por planejamento estratégico, despreza o trabalho de reflexão sobre o futuro do Brasil e desconhece como outros países emergentes tratam a questão. Para o ministro, o que importa é que a SAE tem um orçamento pífio e não pode servir para abrigar seus aliados com cargos rentáveis.
Dentro da lógica do PMDB, do é dando que se recebe, a secretaria é uma espécie de "engana trouxa".
Tomou posse a 4 de janeiro, porém seu primeiro compromisso na SAE ocorreu somente 24 dias depois. No dia 26, seu primeiro dia de trabalho, foi ao Ipea às 10h e oito horas depois recebeu um deputado do seu partido. E só.
No dia posterior, uma quinta-feira, rumou para o Rio de Janeiro e só regressou na segunda-feira seguinte: é o que se chama de fim de semana prolongado em pleno mês de janeiro. Mas como absenteísmo é uma marca do ministro, no dia 31 só teve um registro na agenda: às 17h, "despachos internos".
Resumindo: em janeiro, ele esteve na SAE apenas dois dias. Em fevereiro, permaneceu em Brasília cerca de metade do mês.
Contudo, sua agenda -estafante para seu padrão de trabalho- ficou restrita a oito dias com somente "despachos internos", mas só pela manhã e começando às 10h.
Nos outros dias, recebeu parlamentares do PMDB e teve tempo, inclusive, para se encontrar com o ex-deputado Genebaldo Correa, um dos tristemente célebres anões do Orçamento. Há um registro até de uma audiência para um vereador de Engenho Paulo de Frontim, município do interior fluminense de apenas 13 mil habitantes.
Mas em dois meses de "trabalho" não realizou nenhuma reunião, mesmo que inicial, para analisar as questões estratégicas do Brasil, tarefa central da sua pasta.
Como um bom folião, resolveu antecipar o Carnaval. Despachou até as 15h do dia 1º de março. Depois rumou para o Rio de Janeiro.
Reapareceu no emprego no dia 10, certamente exausto, mas com apenas dois compromissos na agenda.
Horas depois, voou novamente para a antiga capital federal.
A ausência de atividades afeitas à pasta é evidente. Basta citar o dia 17 de março. Só há um registro: às 17h, compareceu à posse do presidente da Federação Brasileira de Bancos. O padrão de preencher a agenda com atividades absolutamente distantes da finalidade da SAE é uma constante.
No dia 10 de março anotou que, às 10h, fez os tais "despachos internos" e, às 21h, compareceu ao jantar comemorativo dos 45 anos do PMDB. Seria crível imaginar que, após três meses na SAE, Moreira Franco fosse finalmente assumir o seu posto. Doce ilusão.
No mês de abril, na maioria dos dias -isso quando esteve em Brasília-, registrou somente uma atividade na agenda. Em quatro meses, não foi recebido sequer uma vez pela presidente. Mas não perdeu a oportunidade de viajar para Roma e assistir à cerimônia de beatificação de João Paulo 2º (é uma atividade afeita à SAE?).
Caso o ministro não esteja satisfeito com suas atribuições, deveria ter a dignidade de pedir demissão.
Afinal, é muito importante para o país pensar e desenhar o planejamento estratégico para as próximas décadas, como faz a China (será que o ministro chinês, de uma pasta correspondente à SAE, tem a mesma agenda de Moreira Franco?). Mas, como estamos no Brasil, a ociosidade de Moreira Franco foi premiada: vai presidir o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas para que serve o Conselhão?