quinta-feira, março 24, 2011

MÔNICA BERGAMO

O DRINK DE STELLA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/03/11

A estilista inglesa Stella McCartney circulou pela Casa Panamericana, anteontem, na festa em sua homenagem, com caipirinha de maracujá na mão. Ontem, ela embarcou para Angra dos Reis. Hospedada na casa de Luciano Huck, foi recebida com um almoço preparado pela chef Lelena Cesar. No cardápio, quibe de abóbora com coalhada seca e suco desintoxicante de couve com maçã, laranja e gengibre.

DEVASSA NA DERSA
Sob nova direção no governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), a Dersa, envolvida em denúncias de corrupção na campanha eleitoral de 2010, reestruturou seu departamento de auditoria. E a empresa começa a fazer, a partir desta semana, um pente fino em contratos firmados por todos os seus departamentos no governo passado.

MEMÓRIA
A empresa ganhou as manchetes de jornais em 2010 depois do escândalo em que seu ex-diretor de engenharia, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, foi preso sob suspeita de receptação de joia roubada e depois apontado como arrecadador de verbas ilegais para o PSDB. Ele nega.

LINHA DIRETA
A Dersa vai lançar também um código de ética, um e-mail e uma linha de telefone (0/xx/11/3702-8190) para que sejam encaminhadas denúncias contra funcionários da empresa.

PORTA DE SAÍDA
Depois de manifestar à cúpula do governo que pretendia deixar o cargo, a presidente da CEF (Caixa Econômica Federal), Maria Fernanda Coelho, iniciou um movimento em sentido contrário -agora quer permanecer. As disputas geradas com a primeira manifestação dela, no entanto, podem tornar sua saída irreversível.

EM CASO
Na impossibilidade de permanecer na presidência da Vale, Roger Agnelli já trabalha para ao menos influenciar na escolha do sucessor. José Carlos Martins, diretor-executivo de marketing, vendas e estratégia da empresa, é um de seus executivos mais próximos. A solução, no entanto, não agrada ao governo. Outro nome que circula caso a opção seja caseira é o de Tito Martins, diretor de operações com materiais básicos da Vale.

A VIDA DE BRUNA
O longa "Bruna Surfistinha", de Marcus Baldini, que estreou no dia 25 de fevereiro, completa hoje 2 milhões de espectadores.

O filme da TV Zero, orçado em R$ 6 milhões, é a terceira bilheteria do ano.

STEVIE E O CRISTO
O cantor americano Stevie Wonder foi convidado para se apresentar na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia 12 de outubro, em evento que celebrará os 80 anos da estátua do Cristo Redentor. Uma segunda atração internacional também está sendo sondada pela produção da festa.

EM CORO
A comemoração em Copacabana, orçada em mais de R$ 9 milhões, também contará com 12 artistas nacionais, de gêneros variados, um coral de 800 vozes e um balé coreografado por Caio Nunes.

SÓ WAGNER
Wagner Moura conta que deseja participar de dois novos projetos. O primeiro é o filme sobre a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, com direção de Sérgio Machado. O segundo, o longa inspirado no livro "O Filho da Mãe", de Bernardo Carvalho, cujo roteiro é preparado por Julian Fellowes ("Assassinato em Gosford Park"), segundo o produtor Rodrigo Teixeira. Felipe Hirsch demonstrou interesse em dirigir a história.

TANGO BRASILEIRO
Rosangela Lyra, diretora da Dior no Brasil, assistiu à estreia do musical "Evita", no Teatro Alfa. Alfredo Setubal, do Itaú, e Thereza Collor também participaram do coquetel argentino oferecido após a peça de Jorge Takla.

CURTO-CIRCUITO

O vice-presidente da República, Michel Temer, toma posse hoje na cadeira de número 6 da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

A galeria Marília Razuk inaugura hoje mostras de Hilal Sami Hilal e Dawit Petros.

Benny Novak e Renato Ades apresentam hoje o novo menu do 210 Diner.

O Instituto Votorantim realiza hoje, às 18h30, a entrega do Prêmio Líder Social, no Centro Brasileiro Britânico, em Pinheiros.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

KENNETH MAXWELL

O bom cidadão
KENNETH MAXWELL

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/03/11

A reitora Drew Gilpin Faust, primeira mulher a dirigir a Universidade Harvard, está em São Paulo hoje.
Ontem à noite, participou de uma reunião com ex-alunos da universidade no Nacional Club, no Pacaembu.
Tinha acabado de visitar o Chile, onde foi recebida pelo presidente Sebastián Piñera no Palácio de La Moneda. Ele fez seu doutorado em Harvard e é um dos quatro "Harvard boys" no governo chileno.
Faust visitou o Liceo Carmela Carvajal, uma escola pública para meninas. Disse às alunas que "adoraria que vocês me contassem que mudanças estão vendo nas vidas das mulheres, e de que maneira elas afetam suas vidas".
A ironia é que a reitora Faust viajou ao Chile e ao Brasil com Jorge Domínguez, vice-diretor de assuntos internacionais da universidade e titular da Cátedra Antonio Madero de Política e Economia Mexicana e Latino-Americana.
O professor Domínguez se envolveu em um caso notório de assédio sexual nos anos 1980. Isso não impediu que Harvard o indicasse para um dos mais importantes postos administrativos da instituição. Porém o caso Domínguez está longe de ser esquecido, quer por suas vítimas quer por muitos dos colegas dele na universidade.
O que aconteceu? A revista "Time" reportou que "pouco após ser contratada como professora por Harvard, em 1981, uma mulher se tornou alvo de avanços amorosos por parte do presidente de seu comitê.
Ela alega ter sido convidada a visitá-lo em casa quando a mulher e os filhos do colega estavam viajando, e que ele a apresentou como "minha escrava" em uma festa para dignatários latino-americanos. A mulher acionou a reitoria a respeito, mas foi repetidamente desencorajada a apresentar uma queixa formal".
Em um acordo extrajudicial, Harvard não suspendeu Domínguez de suas funções letivas. Ele simplesmente perdeu sua posição no comitê (e apenas temporariamente).
A vítima, a professora Terry Karl, trocou Harvard pela Universidade Stanford, onde conquistou grande distinção.
Sylvia Maxfield, então aluna de pós-graduação, também apresentou queixa contra Domínguez. Lembro-me de um caso semelhante, também envolvendo um estudioso de questões latino-americanas, quando lecionei na Universidade Columbia nos anos 1980.
Os dirigentes da universidade não queriam saber desse tipo de problema, e culpavam as queixosas.
Domínguez vem sendo "um bom cidadão" desde então.
Foi assim que a diretora de uma das escolas de Harvard descreveu o caso. Ainda assim, é lastimável que exatamente Domínguez, entre todas as pessoas, esteja agora conduzindo alguém como Drew Gilpin Faust em sua primeira visita ao Brasil.

CONTARDO CALLIGARIS

O prazer e a culpa 
CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/03/11

Os jovens são levados a pensar que é só frustrando seus próprios desejos que ganham o amor dos adultos


ADMIREI A reação dos japoneses diante do desastre -terremoto, tsunami, contaminação nuclear. Nas declarações oficiais e nas palavras das vítimas, a catástrofe é apenas um acidente: pode haver responsáveis por falhas na prevenção, na segurança ou nos socorros, mas a catástrofe em si não tem sentido algum. Será que nós, ocidentais, seríamos capazes da mesma atitude? Não sei.
A peste assolou repetidamente a Europa do século 14 ao 18. A primeira grande epidemia, de 1347 a 1352, matou um quarto da população europeia. Para que o horror não induzisse ninguém a pensar que o universo era sem sentido, duas reações populares: 1) perseguir judeus e bruxas, supostamente responsáveis pelo contágio, 2) juntar-se aos flagelantes, penitentes que erravam pelo continente se fustigando até o sangue.
Para o flagelante, a peste era um castigo pelos pecados do mundo; portanto, punir-se por eles talvez fosse o jeito de tornar a peste desnecessária.
Naqueles quatro séculos, a Europa se cobriu de igrejas que eram construídas como oferendas para que a epidemia se acalmasse; nelas, homens e mulheres faziam promessas, pedindo para serem poupados.
Ainda hoje, na calamidade e no medo, a promessa que acompanha o pedido feito a Deus ou aos santos sempre propõe uma renúncia: o pedinte se engaja a se privar de algo, do sexo ao chocolate. Funciona assim: 1) meu prazer e meu gozo são sempre culpados, 2) portanto, qualquer mal que me assole se explica como punição de minhas culpas, 3) a renúncia aos meus prazeres pode me redimir e estancar a punição.
Como chegamos a fazer esse estranho uso dos prazeres, ou melhor, da renúncia aos nossos prazeres? Três respostas, não excludentes (e insuficientes).
1) Bem ou mal, educar implica conter, impor frustrações e renúncias. Com isso, a aprovação dos educadores sempre parece proporcional à aceitação das renúncias pelos educandos. Ou seja, os jovens podem ser levados a pensar que é só frustrando seus próprios desejos que eles ganham o amor dos adultos.
2) No fim do primeiro milênio, cada vila europeia vivia no medo de bandos errantes. Quando eles se aproximavam, o povo se reunia na igrejinha e rezava. Isso não impedia nem saques nem estupros. O que pensar quando os bandidos iam embora? Deus não nos protege porque não existe? Deus existe, mas não dá a menor para a gente? Devia triunfar a versão que conciliava o desastre com a existência de Deus: o próprio Deus mandou os bandidos para nos punir de nossos pecados.
3) Talvez seja menos angustiante viver num mundo que faz sentido do que num mundo que não teria sentido algum. Por exemplo, como é que você aguentaria o pensamento da morte futura sem o conforto da ideia de que ela está incluída numa ordem cósmica ou num plano divino?
Infelizmente, esse conforto tem um custo alto, pois o jeito mais fácil de garantir a existência de um sentido do mundo consiste em me atribuir a culpa por todos os males. Ou seja, minha culpa e meu esforço para me redimir "provam" que existe uma ordem (justamente, a que eu ofendia quando me entregava a meus prazeres).
Corolário: se meus prazeres culpados são a causa dos males, não preciso responder "adequadamente" às calamidades, bastará modificar minha conduta de modo que minhas ofensas sejam perdoadas.
Além de dar sentido ao meu mundo, a culpa me oferece a ilusão de agir de maneira eficaz: como o flagelante, posso esperar que minha renúncia ao prazer suspenda a punição. De repente, doenças e catástrofes talvez parem diante de minha conduta meritória. Em vez (ou além) de procurar as condições de prevenir um terremoto ou de debelar um câncer resistente, rezarei noite e dia e me fustigarei em penitência. Se, de qualquer forma, o terremoto vier ou o câncer triunfar, será porque não me açoitei o suficiente.
Pois bem, não acredito que, em nossa cultura, esse bizarro uso dos prazeres e da culpa tenha mudado substancialmente nos últimos sete séculos. Continuamos fundamentalmente inimigos do nosso prazer.
Prova disso: há, hoje como no século 14, bandos errantes que denunciam nossos tempos "hedonistas" e nossa voracidade por prazeres e gozos. São os flagelantes verbais: criticam o prazer para fomentar a culpa. É o jeito (custoso) que eles acharam para dar sentido ao mundo. 

ANCELMO GÓIS

Sucessão na Vale
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 24/03/11

Dilma disse ao “Valor” que não sabe “nada” sobre a sucessão de Roger Agnelli na Vale. Enquanto isso, o ministro Guido Mantega foi ao Bradesco articular a queda de Agnelli. Um dos dois vai acabar muito mal nesta confusa trama. 

Aliás...
Um dos ministros — não é Guido Mantega — envolvido nesta intentona para tirar Roger Agnelli reclama que o presidente da Vale não se preocupou em formar seu sucessor dentro dos quadros da empresa. É. Pode ser.

Cacciola fica preso
 
A juíza Ana Paula Filgueiras, do TJ do Rio, negou a progressão da pena do ex-banqueiro Alberto Salvatore Cacciola para o regime semiaberto. Segundo a magistrada, a mudança não pode ocorrer até que não haja mais possibilidade de recurso.

Bolsa-avião
A tarifa aérea média dos voos domésticos, em janeiro, foi de R$ 259,93, segundo a Anac, contra R$ 320,74 no mesmo período de 2010. Um dos motivos da queda de preço foi a política das voadoras para atrair a classe C. 

O subversivo
João Sayad, atual presidente da TV Cultura, só foi ministro do Planejamento no governo José Sarney porque os militares, que ainda apitavam na transição para a democracia, vetaram o nome de José Serra. A revelação consta do livro “Sarney, a biografia”, de Regina Echeverria. 

A onda Rio
O jogo eletrônico Angry Birds Rio, lançado terça para promover o longa de animação “Rio”, já é o número 1 em vendas na loja virtual da Apple no mundo. Detalhe: nem é vendido aqui. Para comprá-lo, só acessando lojas da Apple de outros países.

Pote de mágoa
Não é só na oposição que cresce a versão de que Lula ficou magoado com a falta de um convite direto e especial de Dilma para o almoço com Obama — e, por isto, decidiu não ir. Gente do PT diz que o ex-presidente é “um pote de mágoa”. 

Aliás...

No Chile, Obama também se reuniu com os ex-presidentes — do período democrático, claro. Mas Michelle Bachelet não compareceu. Alegou ter compromissos pela agência ONU-Mulher, que dirige. Deve ser terrível viver num país em que ex-presidente falta a um encontro tão simbólico.

New York, New York
O embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa será o novo cônsul-geral em Nova York, no lugar de Osmar Chohfi. 

Cocô emergente
A Secretaria do Ambiente de Cabral decidiu multar em R$ 100 mil o condomínio Rio 2, na Barra, onde vivem 13 mil pessoas. Blitz comandada pelo secretário Carlos Minc constatou que, do total de 340 coliformes por miligrama (ou seja, cocô) produzidos ali num dia, 310 (91%) são lançados in natura nas lagoas da região. O aceitável, diz Minc, seriam 51 (15%). 

Carnaval 2012

Luizinho Andanças, ex-Porto da Pedra, é o novo intérprete da Mocidade Independente. Substituirá Nego e Richah, os puxadores de 2011. 

Viva a Marrom! 
Elymar Santos prepara um show, que vai virar CD e DVD, só com o repertório de Alcione. A Marrom participará. 

Pode vir quente que...
A Duloren lançará para o Dia dos Namorados uma calcinha que, graças a um dispositivo, esquenta quando a mulher sente... vontade de fazer saliência. 

Flores para Nelson
A Alerj aprovou uma Medalha Tiradentes para Nelson Cavaquinho, o genial compositor que faria 100 anos em 2011, só agora foi enredo da Mangueira e, no verso de um samba com Guilherme de Brito, pedia: — Me dê as flores em vida. 

No mais 

Sob qualquer hipótese, demorar cinco horas para retirar um veículo de um acidente, como terça no Túnel Rebouças, no Rio, é um despropósito. Nenhuma cidade resiste.

EUGÊNIO BUCCI

A serenidade e a força de Sidnei Basile
EUGÊNIO BUCCI
O Estado de S.Paulo - 24/03/11

"A virtude ostentada converte-se em seu contrário. Quem ostenta a própria caridade ressente-se
da falta de caridade. Quem ostenta a própria inteligência é geralmente um estúpido"
Norberto Bobbio

"Você pode não acreditar em Deus, mas Deus acredita em você." O jornalista Humberto Pereira talvez procurasse animar seu grande amigo, internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, quando, sem exibir procuração para tanto, lhe transmitiu os votos de confiança de Deus, ninguém menos que Deus. O amigo, o também jornalista Sidnei Basile, não demonstrou emoção: "É o quanto basta".

Tinha câncer no cérebro. Sabia que estava condenado. Com a discrição que era sua marca registrada, há de ter avaliado que aquele não era um bom momento para colóquios teológicos. Recebeu com sobriedade o recado e pôs um ponto final na história. Com palavras econômicas.

Na quinta-feira passada, ao lado do caixão do amigo, no Cemitério Gethsêmani, o mesmo Humberto Pereira fez um discurso de despedida e reproduziu essa conversa, que é bastante reveladora. Por meio dela temos uma ideia fiel do caráter e da inteligência espirituosa desse que foi um dos maiores jornalistas econômicos do Brasil - e um dos homens mais dignos que conheci. Sidnei tinha muitas virtudes, mas não ostentava nenhuma. Não pedia comiseração a ninguém, nem mesmo a Deus.

Em vez disso, promovia gente. Nas redações da Gazeta Mercantil e da revista Exame, que dirigiu, notabilizou-se por ensinar jornalismo e por melhorar os profissionais que chefiou. Escutava os subordinados. Sabia identificar neles o que tinham de mais brilhante. Não foram poucos os que cresceram e prosperaram sob sua orientação. Sidnei foi um civilizador, um profissional que elevava os padrões de conduta e de convivência nos ambientes por onde passou. O posto que exerceu no final de sua carreira, o de vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, veio para ele como um passo natural. Sua aptidão para construir pontes de entendimento, com base no que chamava de comunicação de boa-fé, fez dele um articulador de diálogos de alto nível. Conhecia e cultivava os valores e as melhores práticas da imprensa - seu livro Elementos do Jornalismo Econômico, que ele pretendia atualizar, é uma prova disso - e, ao mesmo tempo, conhecia muito bem o mercado e as instituições do País. Advogado pelo Largo de São Francisco e também formado em Ciências Sociais pela USP, foi interlocutor de magistrados, ministros, parlamentares e presidentes, que viram nele, bem mais que o representante de uma empresa ou de uma organização, um defensor da liberdade, alguém a serviço da democracia e do público. Era assim mesmo: a respeitabilidade que ele conquistou em vida, em esferas diversas, eu a registro aqui como um fato notório, não como opinião pessoal.

Sidnei não contava, e não gostava que contassem, mas enfrentou a repressão política durante a ditadura militar e sofreu no corpo a brutalidade do regime. Nunca se vangloriou nem reclamou de nada disso. Apenas seguiu adiante. A liberdade pela qual se empenhou naqueles anos é a mesma liberdade que trabalhou para expandir agora, quando se opôs aos defensores de medidas que poderiam redundar em formas oblíquas de cerceamento do direito à informação. Com sua voz calma, que transmitia serenidade e quase doçura, com seus modos contidos, com a delicadeza de quem se divertia por ter desenhado um móvel especial para ler o jornal toda manhã (uma prancha de madeira com uma inclinação de uns 40 graus), com o capricho dedicado de um criador de ovelhas, sobre as quais editou uma revista com receitas ilustradas testadas, e muito bem testadas (o cidadão sabia cozinhar), era um viabilizador de aproximações, as mais difíceis, para as quais servia como uma garantia de que não haveria rebaixamento ou degradação de nenhum lado. Assim como juntava pessoas, conciliava propósitos e projetos diferentes, sem descaracterizar ou diminuir nenhum deles. Com ele por perto a gente sentia que as coisas caminhariam bem.

Aos muitos conselhos e entidades de classe, nacionais e internacionais, a que pertenceu Sidnei fará uma falta silenciosa, difícil de traduzir. As pontes de diálogo que ele abriu ficam órfãs. Sua ausência será sentida, principalmente, quando for necessária a temperança, quando for preciso desarmar espíritos em prol de consensos mínimos, sem os quais se alastram os estranhamentos.

Tudo isso porque da serenidade extraiu sua força. Num pequeno livro, Elogio da Serenidade, Norberto Bobbio discorre sobre essa virtude. "Acima de tudo, a serenidade é o contrário da arrogância, entendida como opinião exagerada sobre os próprios méritos, que justifica a prepotência", escreve o pensador italiano. "O indivíduo sereno não tem grande opinião sobre si mesmo, não porque se desestime, mas porque é mais propenso a acreditar nas misérias que na grandeza do homem, e se vê como um homem igual a todos os demais." Parece uma contradição, mas, exatamente por não ter nenhuma queda pelas grandezas vistosas, Sidnei inspirava tanta confiança.

Inspirava boa-fé. Entre redações que acreditam em valentias tribais, fustigando os que divergem para intimidá-los, e políticos que se comprazem em se refugiar na censura judicial, como nos falta boa-fé. Como nos falta a serenidade. Poucos sabem disso, mas aqui vai outro fato: sem Sidnei Basile a rotina da imprensa e de parte das nossas instituições fica um pouco mais penosa.

Por um bom tempo vou-me lembrar dele sorrindo, em sua cama de hospital, olhando para as fotos da família que mandou pregar na parede. Não era só Deus, não. Muitos de nós acreditávamos em Sidnei Basile. "É o que basta", ele diria, incomodado com o que tomaria como elogios. Mas não bastou, nem basta. Ele morreu aos 64 anos de idade.

Foi uma bela vida, mas ainda era cedo.

JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP E DA ESPM

CORA RÓNAI

E la nave va
CORA RÓNAI
O GLOBO - 24/O3/11
 
FOSB, fundação que administra a Orquestra Sinfônica Brasileira, conseguiu, enfim, o que queria: tornar a OSB uma orquestra conhecida internacionalmente. Ao longo das últimas semanas, desde que foi anunciada a avaliação de desempenho individual num período crítico, quando os músicos voltavam de férias, ela virou assunto em todas as rodas musicais, e e-mails chegam de todas as partes para os administradores e para o maestro Roberto Minczuk. Do que tomei conhecimento - do Conselho Executivo da Organização Canadense dos Músicos de Orquestra Sinfônica, que representa nada menos de 1.100 profissionais, ao Sindicato dos Músicos e Bailarinos da Hungria, passando pelos sindicatos dos músicos de Israel, da Noruega e da Bulgária - a maioria manifesta repúdio à atitude da FOSB e solidariedade aos músicos da OSB. Sobrou até para mim, de uma forma inusitada.

No começo da semana, recebi o e-mail de um amigo de longa data do Flickr, uma comunidade de fotografia. Este amigo atende por Ranabass, e nunca o conheci por outro nome - até a chegada dessa correspondência. Ele me pediu que defendesse os seus colegas da OSB, naturalmente sem saber que eu já o tinha feito. Estava horrorizado com o que soubera através de malas diretas da International Conference of Symphony and Opera Musicians e da FIM (Federação Internacional de Músicos). Meu amigo Ranabass, vim a saber, chama-se George E. Dimitri e é contrabaixista da Orquestra Sinfônica de Fort Worth, Texas.

Este, como eu disse, foi um e-mail inusitado, pela procedência; mas recebi muitos outros daqui mesmo. Destaco dois, pelo conhecimento e pela importância indiscutíveis dos remetentes.

"Como cantora e, de acordo com a informação do livro da OSB (pág. 168), a que mais atuou com esta orquestra, não poderia deixar de manifestar o meu aplauso a esta coluna que hoje disse o que muitos pensam e não têm coragem de expor", escreveu Ruth Staerke, a quem já aplaudi tantas e tantas vezes. Pouco depois, entrou na caixa postal o e-mail de Nelson Portella, outro dos meus ídolos líricos:

"Seu artigo de hoje é absolutamente definitivo a respeito da OSB. Na minha carreira de tantos anos, vivi constantemente nos maiores teatros de ópera do mundo, sobretudo na Europa, e tive o privilégio não só de trabalhar sob a batuta de grandes diretores, como também de vê-los trabalhar. Parabéns!!! Nós, músicos que lutamos pela seriedade e honestidade sem as quais não se pode fazer boa música, precisamos demais de artigos como esse."

Enquanto isso, na Urca, ainda na sexta-feira passada, o colegiado de professores do Instituto Villa-Lobos, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UniRio, produzia um documento a respeito do caso. Transcrevo na íntegra, pelos sérios problemas apontados:

"Os professores do Instituto Villa-Lobos da UniRio, por meio deste documento, querem expressar sua preocupação com os critérios que vêm determinando as relações entre a direção artística e os jovens músicos que compõem a OSBJ (Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem).

"Os alunos têm sido levados a atuar em lugar da orquestra profissional, expondo-se sem preparo adequado a situações que poderão acarretar efeitos negativos no seu desenvolvimento. A truculência com que são tratados os instrumentistas da OSBJ; as lições de antiética implícitas na obrigatoriedade de substituir músicos profissionais, alguns dos quais seus professores; os critérios pedagógicos utilizados na solução de problemas que não deveriam ser da alçada de uma orquestra jovem, utilizada como substituta da orquestra principal; a pressão exercida pela direção da OSBJ através da manipulação de bolsas de estudos, para assegurar a presença e a obediência dos jovens são, a nosso ver, atitudes inaceitáveis por parte de quem trabalha com formação profissional. Preconizado como "Projeto Pedagógico da OSB" por seu diretor artístico em diversas manifestações na mídia, este conjunto de ações soa ridiculamente cômico, não fosse maléfico. Os professores do Instituto Villa-Lobos da UniRio se posicionam frontalmente contra este estado de coisas e pedem aos responsáveis que voltem à razão e ao bom senso, deixando que as desavenças com os músicos profissionais sejam resolvidas em seu âmbito, sem envolver os alunos que já estarão, nesta altura dos acontecimentos, suficientemente marcados por decisões autocráticas desequilibradas e indefensáveis, sobretudo quando afetam jovens que procuram - dentro de um mundo que privilegia e incentiva não o SER mas o TER - o caminho correto para a realização dos seus sonhos."

Recebi também um telefonema muito cordial de Eleazar de Carvalho, presidente da FOSB. Ele me explicou que as avaliações não seriam realizadas para efeitos de demissão, coisa que os músicos não entenderam, e reconhece que houve um problema de comunicação na raiz da crise. O fato é que os músicos que faltaram às avaliações - entre eles alguns dos mais conceituados instrumentistas brasileiros - estavam em vias de demissão, "não por motivos artísticos, mas por insubordinação". De forma que, por paus ou por pedras, a FOSB parece ter chegado ao ponto que levou à revolta inicial dos instrumentistas: demissão em massa. Uma nova mesa-redonda estava marcada para ontem, quarta, mas como escrevo na terça, não sei o que ficou acertado. Eleazar de Carvalho me disse que tanto as avaliações quanto as demissões têm o respaldo da lei. Não duvido disso. O problema é que nem sempre o que é legal é justo ou correto. 

JOSÉ SIMÃO

Pum de quibe derruba Gaddafi!
JOSÉ SIMÃO 

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/03/11

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Kagaddafi Urgente! Breaking News! Força da Coalizão (devia ser colisão, do jeito que eles se batem) atacam base naval de Bousseta! Socuerro! Arrasaram com a Bousseta do Gaddafi! A Bousseta do Gaddafi tem cor de enxurrada também? A Bousseta do Gaddafi é uma esfiha aberta! Esfihão de rodoviária!
Outra! Breaking News de novo: "ONU prepara ajuda humanitária para a Líbia". Portugal também quer ajudar: vai jogar duas toneladas de tíquete-refeição. Assim eles escolhem o que comer. Rarará!
E aquele partido, o DEM? Tem tanta gente saindo que vai mudar o nome pra DEMissão! Rarará!
E adorei o ato falho do Bial: "Mais notícias no site Globo ponto cão". O quê? Globo.cão?! Rarará. Acertou errando!
E essa: "Cantor de lambada pode ser o novo presidente do Haiti". Ueba! Depois da lambança, a lambada. Chama o Luiz Caldas!
E essa outra aqui: "Praia de nudismo na Paraíba vai virar resort". O problema de praia de nudismo é o tamanho do bilau. Se o bilau for grande, todo mundo olha. E, se o bilau for pequeno, olham mais ainda.
E adorei o Chávez da Chavezuela: "Chávez diz que capitalismo pode ter acabado com a vida em MARTE". Rarará!
E os modelitos do Kagaddafi? Turbante cor de camelo com diarreia, bata cor de enxurrada, baiana do quibe. Acho que ele gastou todo o dinheiro da corrupção em pano pra fazer mortalha! Rarará!
E diz que quem deu o aval pra invadir a Líbia foi a Hillary. Eu sabia! A ABELHUDA! Chifre mal curado! E tensão no mundo árabe é quando chega o rapa na 25 de Março!
Os Predestinados! Hoje recebi dois folhetos. Especialista em emagrecimento na Multiclinic: Andrea LEITÃO! E esse acho que entregaram no apartamento errado: ""Cirurgia íntima. Chega de incômodos nas relações sexuais. Tire suas dúvidas com Lucia PEPINO!" Rarará.
O Brasileiro é Cordial! Mais Gervásio. Olha a placa na empresa em São Bernardo: "Se alguém daqui ficar com medinho do barulho do trovão, vou amarrar um monte de bexiga nesse cagão e fazer ele se encontrar com aquele padre baloeiro maluco pra rezar uma missa de corpo presente. Conto com todos. Assinado: Gervásio". E um colega escreveu embaixo com Bic: "Já tô rezando!". Nóis sofre mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! 

ILIMAR FRANCO

Pediu o chapéu
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 24/03/11
 
Alegando motivos pessoais, a presidente da CEF, Maria Fernanda Coelho, pediu ao ministro Guido Mantega para deixar o cargo. A conversa foi nesta semana, e o mais cotado para lhe suceder é Jorge Hereda, atual vice-presidente de governo da Caixa. Hereda tem o apoio do PT paulista, e a presidente Dilma Rousseff conhece seu trabalho por causa do acompanhamento das obras do PAC. 

A luta de classes no governo Dilma
A CUT e a Força Sindical estão cobrando que o governo fiscalize as condições de trabalho nas obras do PAC e que as contratações
sejam feitas pelo Sine (Sistema Nacional de Emprego), e não por meio de “gatos”. Querem ainda que o governo e as empresas firmem um protocolo de direitos trabalhistas com o Ministério Público do Trabalho. Há greves nas obras das usinas de Jirau, Santo
Antônio e Pecém, além do Complexo de Suape. Os trabalhadores querem aumento do vale-cesta básica e das horas extras pagas aos sábados, e reclamam do preço de produtos vendidos no canteiro de obras com desconto em folha.

"Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição” — Luiz Fux, ministro do STF, que votou contra a aplicação da Ficha Limpa nas eleições de 2010

ARTICULANDO. A pretexto de defender sua proposta de implantação do voto distrital nos municípios com mais de 200 mil habitantes, José Serra, candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais, reapareceu ontem no Congresso. Mas sua atividade principal em Brasília foi manter contatos e ganhar adeptos para sua proposta de assumir o comando do PSDB no lugar do deputado Sérgio Guerra (PSDB-PE). 

Constrangimento
Os petistas estavam confirmando a permanência de Luiz Antonio Santini à frente do Inca. Mas, depois das críticas da presidente Dilma ao trabalho de prevenção do câncer, o cargo voltou para a bolsa de indicações dos partidos aliados.

Socorro
O líder do PMDB, Henrique Alves (RN), pediu ajuda ao ministro Paulo Bernardo para garantir a nomeação de Orlando Pessutti para a diretoria de Crédito Agrícola no BB. Paulo Bernardo participou do acordo eleitoral PT-PMDB no Paraná.

DEM: a luta continua
A crise no DEM não se encerrou com a eleição de uma nova direção. A encrenca agora ocorre nos estados. O presidente, senador José Agripino (RN), tenta acalmar os descontentes. Ameaçam deixar o partido, reclamando da falta de democracia interna, os deputados Marcos Montes (MG), Eduardo Sciara (PR) e Cláudio Cajado (BA). Paulo Magalhães (BA) já embarcou no PSD de
Kassab e a ex-deputada Solange Amaral (RJ) se desfiliou. 

Pan-Amazônia
O ministro Fernando Haddad vai mesmo criar a Universidade Pan-Amazônica. Ele acertou com o senador João Pedro (PT-AM) que a sede será em Benjamin Constant (AM) e atenderá estudantes de sete países, como Peru e Colômbia.

A indústria

A agenda legislativa da CNI para este ano tem 129 projetos de alto impacto no ambiente de negócios. A indústria quer aprovar no
Congresso, entre outros, a regulamentação do trabalho terceirizado e rejeitar a recriação da CPMF.

 A PRESIDENTE Dilma vai chamar o governador Omar Aziz (AM) e o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, para conversar. Aziz abriu licitação para construir um monotrilho, mas Amazonino é contra.
As brigas podem tirar Manaus da Copa de 2014. 
 O PRESIDENTE da Câmara, Marco Maia, marcou para o final de abril a votação da regulamentação da emenda 29. O ponto pendente é a recriação da CPMF. 
 PROTESTO. Todas as especialidades médicas vão paralisar o atendimento aos planos de saúde no dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, para reivindicar reajuste nos honorários.

CLÓVIS ROSSI

O Itamaraty tucanou
CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/03/11

BERLIM - Não dá para entender muito bem o que o Brasil quer no caso da Líbia. Primeiro, abstém-se na votação que acabaria impondo uma zona de exclusão aérea. Ou seja, não sabe se é bom ou se é ruim, dúvida com que se folclorizava o tucanato tempos atrás.
Depois, o chanceler Antonio Patriota produz uma frase candidata ao campeonato mundial de platitudes, ao afirmar que o governo brasileiro espera uma "transição benigna na Líbia". Quem não quer, fora meia dúzia de tarados?
Ah, o ministro ainda acrescentou que espera "o mínimo de violência, o mínimo de derramamento de sangue e que se estabeleça processo político que leve a uma transição benigna". Também espero.
Mas dá para explicar como poderia haver "mínimo de violência e de derramamento de sangue" se a comunidade internacional seguisse o Brasil e não votasse a zona de exclusão aérea? Patriota, como brilhante diplomata, sabe que Gaddafi não é exatamente madre Teresa de Calcutá e que, sem os bombardeios, iria fazer pó de Benghazi e de seus habitantes.
Pode-se lançar mil e um argumentos, alguns até ponderáveis, para ser contra a decisão do Conselho de Segurança. Mas quem usa qualquer um desses argumentos deveria dar-se ao trabalho de contar também o que aconteceria se a proposta fosse rejeitada.
Aconteceria mais um massacre. Simples assim.
Uma segunda ordem de argumentos pede sanções também ao Bahrein (ou à ditadura que seu gosto pessoal recomendar, leitor amigo). Dadas as condições que se deram na Líbia, nada contra.
Mas faltaria, em qualquer caso, a legitimidade que só uma decisão do Conselho de Segurança pode dar, de acordo com as regras internacionais. São as que temos.
A escolha continua sendo evitar ao menos um massacre ou tolerar todos. Não é tão difícil escolher.

DORA KRAMER

União estável
DORA KRAMER

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/03/11

Muito já se falou a respeito das diferenças de forma e conteúdo entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor. Muito mais será dito ainda porque Lula e seus seguidores mais fanáticos já dão sinais explícitos de desconforto com as comparações, de resto inevitáveis tendo em vista as óbvias distinções entre um e outra.
Em menos de três meses a lista é robusta: atenção aos direitos humanos na política externa, rigor na resolução de desavenças internas, presença presidencial em caso de tragédias nacionais, reserva no comportamento pessoal, pronunciamentos limitados a ocasiões específicas, relações civilizadas com imprensa e adversários e convivência ao menos cerimoniosa com o fisiologismo.
Portanto, nada mais natural que se aponte e, conforme for o caso e o gosto do freguês, celebre-se o que há de diferente. Não há, objetivamente, nenhuma razão para a contrariedade exibida por Lula recentemente, considerando "hilariantes" as referências positivas à presidente no cotejo com condutas anteriores.
Francamente, o ex-presidente deveria sentir-se bem com a boa receptividade à sua sucessora e criatura eleitoral. Significa que, a despeito da má impressão deixada por ela durante o período em que foi ministra e seu desempenho abaixo da crítica como candidata, ele estava certo no tocante à capacidade da escolhida de sair-se bem na Presidência.
Ou não era isso que Lula esperava? Ao exibir-se desconfortável com os elogios, dá margem à interpretação de que talvez preferisse que a imprensa estivesse hoje plena de registros saudosistas em relação ao governo anterior, quem sabe até lamentos sobre a impossibilidade de haver um terceiro mandato.
Podendo, assim, alimentar a fantasia de que todas as críticas a ele dirigidas eram fruto de uma conspiração "das elites" contrariadas com um "governo do povo". Como se vê, os juízos negativos guardavam relação apenas e tão somente com palavras, gestos e atitudes inadequadas, quando não negativamente exorbitantes, do então presidente.
O problema, agora fica patente, era a ausência de limites e a carência de noção de Lula a respeito do significado do cargo e da conduta exigida a um chefe de nação. Dilma não faz nada de excepcional, apenas se comporta normalmente. Mas, na comparação, soa como um bálsamo.
Ao mostrar-se ressentido Lula não inova nem surpreende: apenas acentua marca de personalidade e mais uma vez perde excelente oportunidade de mostrar educação política e serenidade de espírito.
Inclusive porque ninguém com um mínimo de informação, sensatez e discernimento, aposta - nem remotamente - em ruptura entre ele e a presidente Dilma. Estão juntos, os dois e mais a nação petista, no mesmo projeto de poder.
Poder este disputado em eleições para o sucesso das quais a atuação de Lula é fundamental.
Romper não rompe. Resta aguardar para observar se Dilma também vai se diferenciar no que concerne ao uso da máquina ou se exorbitará, seguindo os passos do antecessor. Será o teste fatal.
Comando único. Não é visível, ainda, a olho nu, mas a presidente Dilma Rousseff determinou o fim da duplicidade de comando na condução da política externa ao molde do que vigorou no governo anterior: o chanceler de um lado, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, do outro.
De raiz. Chamar negros de morenos é, guardadas as proporções, como chamar gordos de fortes.
Revela preconceito tão arraigado e enrustido que não ousa dizer os nomes que as coisas têm.
Rápido e rasteiro. A propósito da reforma política tal como está sendo conduzida pela comissão especial do Senado, ocorreu a Jaime Lechinski frase de Giordano Bruno momentos antes de ser queimado pela Inquisição: "Que ingenuidade a nossa pedir aos donos do poder a reforma do poder." 

MERVAL PEREIRA

Cem dias
MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/03/11 

Caminhando para seus cem primeiros dias de governo, período de graça em que tradicionalmente se dá aos governantes o benefício da dúvida, a presidente Dilma Rousseff está acertando onde Lula errou e errando onde Lula acertou. Assim como Lula surpreendeu para melhor no primeiro governo, Dilma está surpreendendo pela capacidade de ser objetiva, sem se deixar levar por politicagens.

Mas ganho na política externa menos personalista e mais pragmática, e na condução do governo com sobriedade, maior rigor de postura, pode ser anulado pelos problemas econômicos. Os índices de popularidade são semelhantes aos de Lula no seu terceiro mês de governo, mas a diferença talvez seja que ela está com cerca de 40% de saldo positivo com uma economia que vem de um crescimento de 7,5% do PIB, mas está declinando.

Lula tinha índices parecidos num primeiro ano em que teve de tomar medidas muito duras, e entrou pelo segundo mandato mantendo essa mesma média de popularidade, que foi crescendo gradativamente à medida que a política de distribuição de renda ia se consolidando, e chegou à estratosfera dos 80% em 2010.

Talvez por isso Dilma mantenha o sonho de a economia crescer 5% este ano, quando tudo indica que, se fizer o que tem que ser feito para conter a inflação, ela crescerá no máximo 4%, ou até menos, metade do ano anterior. Talvez ela esteja errando onde Lula acertou: deveria puxar o freio no primeiro ano para depois tentar deslanchar. Tolerando um pouquinho de inflação, pode colocar em risco seu governo.

Justamente por isso o chefe do Gabinete Civil, Antonio Palocci - que foi o conselheiro de Lula que o convenceu de que controlar a inflação e alcançar o equilíbrio das contas públicas deveriam ser objetivos centrais nos primeiros momentos de governo -, está em disputa com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que é o pai da tese de que o PIB potencial brasileiro é de 5% ao ano, e quer provar isso a todo custo.

As entrevistas e declarações da presidente Dilma sobre esses temas não coincidem entre si, e também estão desalinhadas em relação a outros setores do governo.

A presidente diz que não abrirá mão do controle da inflação, mas ao mesmo tempo garante que não há inflação de demanda, isto é, não reconhece que a economia está aquecida e precisa ser controlada. Já o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, diz que a demanda está acima do que deveria e acena com medidas para conter o consumo.

A definição da equipe econômica, com a permanência de Mantega na Fazenda e a saída de Henrique Meirelles do Banco Central, deu clara indicação de que a presidente desejava centralizar a política econômica em suas mãos, na busca de objetivos que dificilmente são convergentes: nos próximos quatro anos, a média prevista pelo governo para o crescimento do PIB é de 5,9%, embora preveja redução de crescimento do PIB brasileiro para 5% este ano.

O Ministério da Fazenda estima um crescimento da economia para 5,5% no próximo ano, e 6,5% para 2013 e 2014.

O que parece estar novamente em jogo é a discussão sobre nosso PIB potencial, que em outros momentos provocou um debate técnico entre Mantega e Meirelles.

Quando assumiu o ministério, em março de 2006, Mantega vinha de uma disputa com o Banco Central exatamente sobre o PIB potencial e garantiu no discurso de posse que levaria a economia "até o limite do seu potencial de crescimento", que ele dizia ser mais próximo de 5% do que dos 3,5%, limite psicológico nunca explicitado, mas com que trabalhava a equipe econômica do ex-ministro Antonio Palocci.

Em 2007, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou o anúncio do crescimento do PIB de 5,4%, afirmando que estava sendo derrubado um mito de que o PIB potencial do Brasil era de 3,5%, nível acima do qual começaríamos a ter problemas de inflação e de "hiato de produção", isto é, falta de produtos e, no nosso caso, até mesmo apagão de energia.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, aparentemente comprou a briga de Mantega, assumindo como factível um crescimento médio de 6% sem provocar inflação. O mercado, porém, continua apostando no limite anterior, talvez um pouco ampliado para 4%, ou no máximo 4,5% de crescimento.

Tudo indica que a produtividade brasileira cresceu nos últimos anos, e é provável que o PIB potencial tenha chegado a 5%, mas não nas atuais circunstâncias, quando o governo Lula, para eleger sua sucessora, estourou todas as contas e aumentou o gasto do governo - situação que tem que ser consertada neste ano, para que a inflação não se mantenha na parte superior da meta pelo terceiro ano seguido.

Mas a presidente Dilma tem contado com a sorte também em seus primeiros dias de governo. Teve oportunidade de conter o apetite do PMDB, embora não tenha se empenhado para controlar o do PT, e pode ser que tenha contado com a sorte no caso da recusa do ex-presidente Lula de participar do almoço com Obama.

Muitas foram as desculpas apresentadas por Lula para o não comparecimento, sendo que a aparentemente mais digna seja a de que não quis ofuscar a primeira visita internacional que a presidente Dilma recebia, e logo com o carismático presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Essa desculpa é apenas aparentemente digna, pois embute uma pretensão absurda, a de que sua presença ofuscaria a presidente. Lula, que deixou há tão pouco tempo o poder que ainda se ressente dele, sabe que a realidade política e o cerimonial não dão margem a que alguém se destaque mais que a presidente. Mas, se Lula tivesse aceitado o convite, é quase certo que estaria sentado na mesa principal, e não Fernando Henrique. Com a recusa, Dilma aproveitou para fazer um gesto político de conciliação, o que foi muito bom, e ao mesmo tempo deu uma resposta com classe a Lula. 

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Meio a meio
RENATA LO PRETE 
FOLHA DE SÃO PAULO- 24/03/11

Diante da reação irada dos congressistas, o Planalto admite alterar o decreto, baixado no último dia de Lula na Presidência, que prevê o cancelamento, em 30 de abril, de convênios firmados em anos anteriores cujos contratos ainda não foram assinados.
Para atenuar o desgaste, o governo estuda garantir os recursos a obras já iniciadas pelas prefeituras, garfando só o montante relativo a projetos que não saíram do papel. A proximidade da Marcha dos Prefeitos, marcada para 10 de maio, preocupa Dilma Rousseff. O facão nos restos a pagar afeta principalmente emendas parlamentares destinadas aos municípios.

prontofalei 

Do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sobre a estratégia do Executivo para o setor aéreo: "O governo busca um economista para cuidar de aeroportos, quando deveria ir atrás de um engenheiro". O deputado, segundo quem o Planalto adotou a "política do puxadinho", viu Dilma vetar, anteontem, emenda de sua autoria que renovava, sem licitação, concessões de lojas em aeroportos.

Zona de risco O Planalto identificou a votação na qual corre o risco de receber o primeiro troco de sua base no Congresso: é a que promove mudanças no Tratado de Itaipu. Como Dilma planeja visitar o Paraguai em breve, o governo tem pressa na aprovação do texto. Para tanto, está disposto a abrir (um pouquinho) a torneira dos cargos de segundo escalão.

Como? 
Durante entrevista à TV SIC, de Portugal, Dilma estranhou quando o escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares lhe perguntou se era verdadeiro o seu "malfeitio". Por um momento, a presidente pensou que o comentário dizia respeito ao figurino, até entender que o assunto era sua alegada braveza. Aí ela caiu na risada.

Correio elegante 
Dilma enviou telegrama de cumprimentos a José Serra, a quem derrotou no segundo turno de 2010. No sábado, o tucano completou 69 anos.

Presença 
Depois do flerte com a Força durante a votação do salário mínimo, Aécio Neves (PSDB-MG) desembarca hoje em São Paulo para participar da festa de 20 anos da central. O convite ao senador foi feito pelo deputado Paulinho (PDT-SP).

Inclua-me fora 
Mencionado na lista de "nomes novos" do PT para a sucessão de Gilberto Kassab, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) avisou a correligionários que tão cedo não pretende transferir seu domicílio eleitoral, há anos mudado para o Pará, de volta a SP.

Esse não 
A escolha do empresário Paulo Simão para comandar a implantação do PSD em Minas esfriou o movimento de migração de deputados federais do Estado para a sigla de Kassab.

In pectore 
Embora Kassab também liste o vice-governador Guilherme Afif e o ex-secretário estadual Francisco Luna (Planejamento) como nomes de seu grupo para a eleição na capital, o "verde" Eduardo Jorge (Meio Ambiente) é o candidato que ele julga reunir atributos e currículo para a disputa.

Rédea curta 

O movimento de Kassab para emplacar o secretário municipal Eduardo Jorge será um dos temas do encontro de Marina Silva, hoje, com a bancada do PV de São Paulo. "Marineiros" avaliam que a estratégia do prefeito, avalizada pelo presidente nacional "verde", José Luiz Penna, tem como objetivo manter controle sobre a legenda.

Palanque 

Cortejado pelo PMDB para disputar a prefeitura de São Paulo em 2012, Paulo Skaf ocupará as inserções de propaganda do PSB, que começam a ser veiculadas amanhã na TV, para agradecer a votação obtida na derrotada campanha pelo governo paulista e falar de educação. Os comerciais, de 30 segundos de duração, vão ao ar até o dia 28.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"No mensalão de Brasília, temos de cassar itens e subitens. O Conselho de Ética, por ora, está cassando um subitem."
DO DEPUTADO SILVIO COSTA (PTB-PE), sobre o processo em tramitação no colegiado contra Jaqueline Roriz, ora sem partido.

contraponto

Sem cobertura

Reunido ontem num fórum empresarial em Belo Horizonte com o governador Antonio Anastasia e o ministro Fernando Pimentel, José Sérgio Gabrielli interrompeu exposição sobre os investimentos da Petrobras para atender a um telefonema -de Dilma, como ele cuidou de informar.
De volta à mesa, quando lhe perguntaram sobre o teor da conversa, limitou-se a dizer:
-A ligação caiu...