domingo, março 20, 2011

MAÍLSON DA NÓBREGA

 Tributos: menor independencia ou morte
MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

Nada é mais danoso à produtividade e ao desenvolvimento do país do que a excessiva carga tributária e sua complexa teia de normas confusas, conflitantes e cambiantes.
Arrecada-se anualmente no Brasil 35% do PIB, mais do que nos Estados Unidos (24%), na Suíça (30%) e no Reino Unido (34%). Nenhum país emergente passa dos 25% do PIB. A carga do México (17,5% do PIB) é a metade da nossa.
O tamanho da carga não é necessariamente um mal. A Dinamarca arrecada 48% do PIB. sem muitos efeitos colaterais. Razão: regras que evitam maior burocracia e outros custos de transação. No caso do Brasil, a diferença é a má qualidade da nossa tributação.
Cargas tributárias muito elevadas se justificam em países ricos, onde a fonte básica da arrecadação está na renda e na propriedade. Nos de menor renda, maiores cargas implicam cobrar mais no consumo, prejudicando quem ganha menos.
Por nenhum critério racional o Brasil poderia arrecadar 35% do PIB. mas precisa fazê-lo para cobrir despesas obrigatórias criadas pela Constituição e por leis posteriores. relativas a pessoal, previdência. educação e saúde.
Somos a única federação em que o principal tributo sobre o consumo. o ICMS. é arrecadado pelos estados. Antes de 1988, eles não podiam legislar sobre o tributo. O Senado fixava as alíquotas. Depois, liberou geral. Despesas crescentes levaram os estados a concentrar o ICMS em setores de baixa ou nenhuma sonegação: petróleo, energia e telecomunicações, fundamentais para o crescimento. Por essa razão. os tributos podem chegar a representar mais de 60% da conta de telefone.
Combate-se a sonegação a qualquer custo. Generaliza-se a substituição tributária, que antecipa a cobrança relativa a etapas posteriores da cadeia produtiva. Empresas do varejo acumulam créditos que nunca recebem. A Confusão e os custos se agigantam.
Dado o cipoal de normas. buscam-se brechas para pagar menos. A localização das empresas deixa de obedecer a princípios de eficiência para focalizar a economia de ICMS. É lógico para as empresas. mas um desastre para a economia.
Os estados respondem a tais expedientes com fiscalização em postos de fronteira. Caminhões ficam parados na estrada. Entregas atrasam. Custos aumentam. Em Brasília. o ICMS é exigido antes de a mercadoria entrar no seu território. A bagunça não é privilégio do ICMS. Ela está presente nos impostos federais sobre o consumo (Cofins. PIS e IPI). Poucos entendem sua vastíssima regulamentação e os inúmeros reimes especiais.
A cada dia útil. 35 normas' tributárias são editadas. O ICMS é o campeão. O caos vai ser descrito pelo advogado Vinicios Leoncio em livro, que terá mais de 43000 páginas. equivalentes a 95 quilômetros. A obra. de 6 toneladas, vai para o livro Grrirrrress de recordes.
A tragédia do 1CMS e dos tributos federais sobre o consumo pode ser enfrentada com um imposto sobre o valor agregado (TVA), único, arrecadado pela União e partilhado automaticamente com os Governos subnacionais. Ë o que fazem as demais federações. Os governadores dificilmente aceitarão a racionalidade. Para eles, o melhor é comandar o ICMS. fazer guerra fiscal. diferenciar contribuintes. Se o país cresce menos por causa disso, a culpa vai para o governo federal.
O senador Francisco Dornelles e o economista José Roberto Afonso têm uma proposta de criação de um IVA amplo. Eles rebatem os argumentos contrários, incluindo suposta desvantagem da centralização e o risco de a União se apropriar do dinheiro. Diz-se que o IVA feriria a autonomia 1 ou independência) dos estados. Exagero. Nenhum dos 27 países da União Europeia tem o poder de legislar à vontade sobre o seu IVA. A harmonização é fundamental para a integração. que a todos interessa.
A autonomia dos estados na ICMS e a bagunça federal não podem continuar a agravar o caos tributário e a inibir o crescimento. O IVA resolveria praticamente todos os problemas. incluindo o da competitividade das exportações.
Não há reforma tributária digna desse nome sem enfrentar essa situação- A saída é o IVA com gestão e normatização partilhadas entre todos os membros da federação. Menor independência ou morte do sistema tributário e de nossa capacidade de crescer!

PAULO RABELLO DE CASTRO

Sobre os demônios que nos atormentam
PAULO RABELLO DE CASTRO

REVISTA ÉPOCA

Há no Museu do Prado, em Madri, uma pintura de São Miguel Arcanjo de espada em punho, dominando os demônios a sua volta e trazendo paz aos eleitos no Paraíso. Além de refletir uma força extraordinária, o quadro guarda um detalhe que escapa ao admirado visitante. É que a cena reflete o pleno domínio de São Miguel sobre demônios vivos, não mortos ou moribundos, mas arregalados e espantados pela autoridade moral do arcanjo-mor do Paraíso. É a vitória da não violência.
Os demônios da vida social brasileira precisam de uma espada de arcanjo em seus pescoços. O governo é um demônio a dominar e exorcizar, e isso está ficando muito claro até para o próprio governo. Terá a presidente Dilma essa dupla capacidade de, embora sendo governo, bancar o São Miguel que dominará os demônios da vida brasileira? Nossa aposta permanece positiva. Ao anunciar cortes de cerca de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, a presidente fez o gesto inicial de desembainhar a espada. Daí a enfrentar demônios, são mais outros 50 bilhões...
Temos aqui capetas para todos os gostos de filmes de terror. Na economia, convivemos há muito tempo com uma trinca dos diabos: a burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação enlouquecida. São diabos asquerosos, todos eles a serviço da manutenção do poder abusivo do Estado sobre a vida normal dos brasileiros nesta República. Agem como vampiros por sugar a seiva do desenvolvimento da nação: os investimentos e o aumento da produtividade. Pelo caminho, matam a criatividade e o empreendedorismo. Deveriam ser mantidos à distância do povo que trabalha e produz. Mas hoje se dá o inverso.
Estamos no império da burocracia, essa secretária da morte do progresso, já que a peluda enreda as atividades do empresário e do cidadão comum, roubando-lhes o bem mais precioso, seu tempo. Calcula-se em 0,5 ponto porcentual do PIB a perda de crescimento anual por causa do excesso de burocracia, o equivalente a nos tomarem cerca de R$ 70 bilhões em investimentos adiados ou cancelados, a cada ano, por puro efeito dos excessos de regulamentos, carimbos, contraordens, erros de lançamento em cobranças, multas injustas e outras pragas. A burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação enlouquecida vampirizam o país
Outros R$ 70 bilhões anuais vazam pelo ralo largo dos desperdícios, como aponta Raul Velloso em nosso trabalho conjunto sobre o grande desperdício fiscal no Brasil. O gasto corrente sem retorno é igual ao que se deixa de investir em infraestrutura – 2% do PIB –, o suficiente para acrescentar mais 0,5 ponto de crescimento anual, permanentemente, à renda e ao emprego. É urgente uma auditoria da eficiência dos procedimentos de gastos de consumo do governo. Não é ideia nova, pois prevista no Artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por óbvio, deixada de lado sem cumprimento... há dez anos! Com esse duplo ataque à burocracia e ao desperdício público, Dilma somaria mais 1 ponto de crescimento anual, fazendo saltar de 4% para 5% a média nesta década. Isso, sim, seria combate à pobreza, inclusive mental.
Mas nada há que se compare ao manicômio tributário nacional. Nele perdemos mais de 1 ponto porcentual de crescimento todo ano. Vivemos no paraíso dos impostos e no inferno do contribuinte. A simplificação nessa área tem de ser corajosa. E sem reedição de velhos demônios, como a CPMF. Para chegar lá, o manicômio tem de pegar fogo. A mobilização popular contra os impostos malucos tem de tomar a proporção de revolução em país árabe. Lembrava-nos o vice-presidente Michel Temer, em recente debate do Movimento Brasil Eficiente no auditório do jornal O Globo, que nada se fará de relevante nesse campo dos impostos sem uma intensa mobilização da sociedade. Sou eu, é você, somos todos na luta por resgatar o pedaço do Brasil do futuro que os três demônios – da burocracia, do gasto inútil e do imposto insano – ainda querem nos tomar. É um Brasil a mais a ser ganho – ou definitivamente desperdiçado.

ANCELMO GÓIS

Cidade dos Negros
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 20/03/11

Veja esta curiosidade pescada pelo economista Marcelo Neri, da FGV. A Cidade de Deus, que pode ser visitada por Obama, primeiro presidente negro dos EUA, é o bairro do Rio com maior concentração de pretos ou pardos (62,2% da população local).

Aliás
O Sistema de Indicadores da ONG Rio Como Vamos mostra que a taxa de mortalidade infantil caiu na Cidade de Deus, viva! Em 2007, de cada mil nascidos na favela, 21,91 morriam antes de completar 1 ano. Em 2009, este número caiu para 16,29. 

Cuba libre
Lula disse a um amigo, dias atrás, que se mantém esperançoso com o governo Obama. Mas não se conforma com a apatia do presidente americano em relação a Cuba: 
— Como um homem com a origem dele não vai pessoalmente tratar com Raul Castro?

Tributo ao Japão
O diretor Rogério Gomes e o autor Walcyr Carrasco farão uma homenagem ao Japão, amanhã, no início do primeiro capítulo da nova novela das 19h da TV Globo, “Morde e assopra”, que teve cenas gravadas lá. Paulo José vai narrar, em off, um texto em que Carrasco dedica a novela “ao povo japonês”, enquanto serão exibidas belas imagens do país. 

Por falar em novela
O caso do italiano Cesare Battisti deve voltar à pauta do STF nos próximos dias. 

Obama cá e nós lá 
Um empresário paulista negocia a compra da cobertura do antigo Hotel Delmonico, em Nova York, um dos endereços mais tradicionais da cidade americana. O negócio gira em torno de uns US$ 25 milhões.

Calma, gente
Ziraldo, 78 anos, ficou bravo ao ler o artigo do analista político argentino Carlos Pagni, no “La Nación”, sobre a visita de Obama ao Brasil: 
— Estão com inveja. Somos um país de negros, com razões para festejar um negro na Casa Branca. A Argentina é um país de maioria branca que fracassou. 

Segue...
O tal artigo questiona o tratamento de “herói” que o Brasil se preparou para dar a Obama. E concluía que agora se sabe por que a Argentina, “onde há forte sentimento contra os EUA”, não está no roteiro. É. Pode ser. 

De volta
Depois de vender quase todas as suas ações da Gafisa, o megainvestidor imobiliário americano Sam Zell, 68 anos, negocia a compra de uma incorporadora no Paraná. A ideia é comprar incorporadoras menores e juntar tudo.

Sertões de Arinos

Pelo visto, nem toda a biblioteca do senador Afonso Arinos de Melo Franco ficou com a cidade do Rio. Será leiloado dia 26, na Livraria Rio Antigo, no Rio, com lance inicial de R$ 1 mil, um exemplar da primeira edição de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que pertenceu a Arinos. 

Aliás...
Na folha de rosto do livro, há até uma assinatura do jurista e político. 

Olha o furacão! 
Quase quatro anos depois da Operação Furação, da Polícia Federal, um dos três processos que envolvem os bicheiros Turcão, Anísio e Capitão Guimarães está concluído. Há um mês, aguarda a sentença da juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6a- Vara Criminal Federal.

Cacique na Mangueira
A Mangueira escolheu seu enredo para 2012. Será uma homenagem ao Cacique de Ramos, mais tradicional bloco carioca, que acaba de completar 50 anos.

Garfada no bilau
Quinta passada, num julgamento no Fórum do Rio, um homem denunciou a mulher por tentar furar com um garfo os... testículos dele. A razão da garfada seria a descoberta, pela acusada, de mensagens de uma outra mulher no celular do marido. A vítima apresentou ao juiz um laudo de hospital que atestava “furos em sua coxa, porque a esposa errou o golpe”.

ZONA FRANCA
 A secretária Cláudia Costin abre o ano letivo de Nova Friburgo com aula magna, amanhã.
 Roberto DaMatta recebe o título de Cidadão Honorário de Juiz de Fora, dia 23.
 Hoje, o técnico dos remadores do Flamengo, Marcão, festeja 50 anos com churrasco na sede do remo. 
 Luís Cosme Pinto lança “Ponte aérea”, amanhã, na Travessa/Ipanema. 
 Xando Graça dirige a peça “Patagônia”, às terças e quartas, no Planetário.
 Teresa Bergher, líder do PSDB na Câmara, abriu mão do carro oficial.
 Manekineko lança o Sunday Lounge. 
 O presidente do TJ-RJ, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, pede que funcionários se cadastrem como doadores de medula óssea.

MARCELO GLEISER

Conversa Sobre a Fé e a Ciência
MARCELO GLEISER 
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/03/11

Os caminhos da razão e do espírito são um só: a busca por significado em um mundo cheio de mistérios


NA SEMANA QUE VEM sai meu novo livro, em parceria com Frei Betto e com intermediação de Waldemar Falcão, "Conversa Sobre a Fé e a Ciência", pela Nova Fronteira. Temos alguns eventos no Rio e em São Paulo, de que espero participar via teleconferência, aproveitando os benefícios de nossa era digital.
Conversas sobre ciência e religião, em geral, terminam em briga. Mas não deveriam. Talvez seja essa uma das lições mais importantes que Frei Betto e eu queremos passar.
Reconheço que somos dois exemplos um pouco alternativos. Eu, como cientista, mantenho uma posição de respeito pela religião. Frei Betto, como pensador político e teólogo cristão, mantém uma posição aberta em relação à ciência. Começamos a conversa sem nos conhecermos e terminamos amigos.
Frei Betto concorda comigo que é absurdo fechar os olhos para os avanços da ciência, negando suas descobertas. Concorda, também, que a religião não deve ser usada fora de seu contexto, especialmente como um substituto da ciência.
Usar a Bíblia como texto científico, tentar extrair de sua narrativa simbólica fatos sobre o surgimento do Universo e da vida, é retornar ao obscurantismo da Idade Média. Por outro lado, concordamos plenamente que a ciência não se propõe a atingir uma verdade "absoluta".
Verdades dependem de quando são formuladas, ou seja, do contexto histórico em que são buscadas. Por exemplo, para os gregos, era "verdade" que a Terra era o centro do Universo; até o fim do século 18, era "verdade" que o Sol era o centro do Universo; até 1924, era "verdade" que a Via Láctea era a única galáxia no Universo. Com o avanço da ciência, essas verdades foram substituídas por outras.
Apesar de não haver dúvida de que certos fatos científicos permanecem inalterados com o passar do tempo (por exemplo, as leis de Newton), chamá-los de "verdades" talvez seja imprudente.
A ciência é uma narrativa que se ocupa do mistério, do não saber. Ela não tem capítulo final. Seu foco não é a busca pela verdade, mas por uma descrição do mundo que esteja de acordo com nossas observações.
Por outro lado, as religiões organizadas, com seu dogmatismo intransigente, distorcem o real sentido da fé. Nisso, Frei Betto e eu também concordamos plenamente (para ver no que mais concordamos e no que discordamos, é preciso ler o livro).
No cerne da religião, no ato de devoção religiosa, encontramos a espiritualidade pura, individual, que tece uma relação profunda entre o homem e o Universo e entre o homem e a sua consciência.
Frei Betto menciona Santa Teresa D'Ávila como alguém que alcançou um nível exemplar de transcendência pessoal e de comunhão com o divino. Aprendi muito durante nossa "conversa" e saí admirando meu interlocutor ainda mais.
Vejo a ciência, no aspecto mais puro e humano, como uma busca por transcendência, em que o espírito humano se une ao mundo natural para criar novas formas de pensar a nossa existência e, por meio da tecnologia, para criar expressões materiais dessa comunhão. Sob esse prisma, os caminhos da razão e do espírito são um só, simbolizando a essência do ser humano, que é a busca por significado num mundo cheio de mistérios.

DANUZA LEÃO

Pode ser muito bom
DANUZA LEÃO

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/03/11

Estava fora do alcance de todos, incomunicável; nada poderia me atingir, pensei, e me senti livre 


OUTRO DIA, numa dessas conversas sem compromisso, que não levam a nada, inventadas para que se possa fingir que não existem as duras realidades, a brincadeira era cada um contar os melhores momentos que tinha tido na vida.
Quando chegou minha vez, disse que foram muitos, e tantos, que a resposta ia ser grande -e foi. Tive que refrescar a memória, pois dos piores a gente se lembra logo, mas dos melhores é preciso tempo, o que não deixa de ser injusto.
Isso aconteceu depois de um almoço de domingo; não havia pressa alguma, e quando vi, estava contando episódios da infância, outros da vida já adulta, alguns até românticos, veja você. Nenhum deles daria um livro, nem um conto de duas páginas, mas estavam guardados -ou esquecidos- dentro de mim, como uma grande riqueza.
Voltei para casa e, já sozinha, voltei a pensar em minhas horas mais felizes; me surpreendi, lembrando de momentos totalmente diferentes dos que havia contado. Quais seriam os mais verdadeiros? Vou falar de só um deles, até porque os outros, tirando a geografia, o ano em que aconteceram e outros detalhes sem a menor importância, foram absolutamente iguais no seu significado. Entre eles, um grande ponto em comum: eu estava só.
Era verão, eu estava na Europa e decidi ir a Londres, cidade que conheço mal. Não consigo me situar, saber para que lado ir, me acho sempre perdida e, para complicar, falo mal a língua, o que faz com que me sinta, sempre, uma total estrangeira. Nessa viagem houve também o que poderia ter sido um problema, mas não foi, pelo contrário: esqueci o celular em Paris. Talvez tenha sido proposital, penso agora.
Como ia ficar só cinco ou seis dias, e, a rigor, não precisaria ligar para ninguém, relaxei. Relaxei e me dei conta de que ninguém, no mundo inteiro, sabia onde eu estava: nem em que hotel, nem em que cidade, nem em que país.
Estava fora do alcance de tudo e de todos, incomunicável; nada poderia me atingir, pensei, e me senti livre, livre como gosto de me sentir, mas que nem sempre consigo -e olha que nunca fui muito presa às chamadas convenções.
O tamanho da felicidade que senti -não, a palavra felicidade não é suficiente. Foi como uma comunicação profunda comigo mesma, uma liberdade plena e total de existir, sem depender de nada nem de ninguém, uma sensação do poder completo, no mais alto dos níveis.
É claro que isso não aconteceu em todos os momentos de todos os dias que passei lá; acho até que, na hora, nem me dei conta direito do que estava sentindo, só fui perceber depois, só tive consciência mesmo no dia da tal conversa, no tal domingo, já sozinha, já em casa. Quanta loucura: saber que me senti dessa maneira anos depois.
Mas valeu. Tenho o hábito de, nos maus momentos, quando parece que tudo vai dar errado e que não há solução para nada, lembrar de sensações parecidas, passadas numa praia do Ceará ou dentro de um avião, o que me dá a esperança -certeza- de que vai passar.
Agora vou me lembrar também de Londres, pois no fundo tudo é bem parecido. E vou resistir à tentação de voltar em algum outro verão, à procura do que já foi, pois nenhum tipo de volta dá certo.
E sentir-se só no mundo não é tão ruim como dizem; pode ser, até, um grande momento.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Vivendo de brisa
 JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 20/03/11


Penso em aproveitar minha condição de baiano e montar uns shows casadinhos 

Costuma-se pensar que artistas de modo geral, inclusive os escritores, são ricos. Volta e meia sai uma reportagem que diz quanto um astro de TV famoso ganha e daí se difunde a crença de que artista é rico, quando, na verdade, matar cachorro a grito é atividade das mais exercidas pela maioria deles, mundialmente. Os escritores aparecem em notícias sobre como um romancista antes desconhecido vendeu para Hollywood, por zilhões de dólares, seu premiado best-seller. Ai de nós - escritor, quando é pago, recebe entre cinco e doze por cento do preço final do livro. E, não só aqui como no mundo todo, se vira em jornalismo, no ensino, na publicidade e em outros campos, já que de livro mesmo poucos conseguem sobreviver e ainda menos ficar ricos. 
Paralelamente, cultiva-se como bela a imagem do artista faminto e penurioso, agasalhando-se do inverno com um casaco puído e esburacado pelas traças, afogando-se em álcool e desprezado por uma musa tão formosa quanto ingrata. Antigamente ele com frequência ficava tuberculoso e morria esquecido, num asilo para indigentes. Para o artista, esse ser privilegiado e superior, não são importantes as preocupações materiais e querer ganhar dinheiro com o que faz beira o sacrilégio, além de mercantilizar odiosamente o talento. 
Se é verdade que a maior parte dos artistas é apenas remediada e olhe lá, a batalha por dinheiro sempre foi a regra e não a exceção. A lista é infindável. Balzac, Dickens e Dostoievski, por exemplo, passaram a vida disputando uns trocados e há quem diga que os dois primeiros morreram de trabalhar. A arte da Renascença era toda feita de encomenda. Os dramaturgos gregos escreviam suas peças para ganhar concursos, em meio a generalizada baixaria, como a difamação ou a ridicularização de concorrentes. Mozart era empregado da cozinha imperial e recebia encomendas do tipo "quero um concerto para piano e orquestra daqui a duas semanas e não me venha com repetições". Bach escreveu os concertos de Brandemburgo para adular um governante, que, aliás, parece nunca ter chegado a ouvi-los. Shakespeare vivia catando histórias que dessem público e faturando o que podia como empresário. 
E por aí vai, mesmo depois da implantação quase universal do direito autoral. O artista, seja ele escritor, compositor, pintor ou o que lá for, precisa e gosta de dinheiro tanto quanto qualquer outra pessoa. Mas os novos tempos aparentemente querem trazer a eliminação do direito autoral, ou impor-lhe severas restrições. Há muito que meus livros, incluindo versões em áudio abomináveis, estão disponíveis em dezenas de sites da Internet, sem que eu seja nem comunicado, quanto mais pago. Agora também sei que títulos meus estão sendo baixados em leitores eletrônicos, outra vez sem que nem eu nem meus editores tenhamos sido consultados. 
Já estava resignado a essa pirataria, mas dizem que vêm mais novidades por aí. Li uma entrevista com um desses gênios da informática em que hoje o mundo abunda, na qual ele previu não somente o inexorável fim do livro impresso como a abolição dos direitos de autor. Perguntado como, neste caso, o escritor viveria, ele a princípio pareceu não saber ou não dar importância a pormenores dessa natureza, mas depois sugeriu que o escritor sobrevivesse fazendo apresentações públicas, leituras, performances pagas e coisas assim. 
Não chegou ao ponto de outro, sobre cujas ideias também li não lembro onde, que recomendou que, com suas obras à disposição de graça, os escritores façam voto de pobreza como os franciscanos, ou arranjem, vendendo a alma ao demo como possam, um mecenato que os sustente. Pelo menos o primeiro ainda vê as apresentações como um reduto em que o escritor poderá refugiar-se. Claro, se este for gago ou tímido demais para exibir-se em público, vai ser um problema. Mas há maneiras de superar tais limitações e os escritores, em breve, estabeleceriam animada concorrência, um aprendendo mágicas para alternar com leituras, outro estudando sapateado e ainda outros, como o Verissimo, pegando pesado com seu saxofone. Estou pensando em reagir aproveitando minha condição de baiano e montar uns shows casadinhos. Não conheço Daniela Mercury, Ivete Sangalo ou Margareth Menezes pessoalmente, mas tenho a esperança de que, com jeito, elas aceitem encaixar um número meu em seus shows, na base do "ajuda teu irmão". 
Pode ser que se esteja pensando também numa forma de remunerar o escritor que não dependa de vendas. O governo faz uma seleção dos nomes qualificados para receber algum pagamento e dá a eles, por exemplo, uma bolsa romance. Mas receio que para conseguir essa bolsa, ou qualquer outro estipêndio do Estado, será necessário arrumar um pistolão. Ou entrar para um partido político que disponha de quotas da bolsa, como parte do tudo a que tem direito por aderir ao governo. Ou talvez seja melhor a realização de concursos públicos. Quem quiser ganhar alguma coisa como escritor será obrigado a fazer uma espécie de vestibular e os aprovados terão direito a uma carteirinha e a receber dois salários mínimos por mês para seu sustento, além de uma eventual bolsa romance, bolsa poema ou bolsa ensaio. 
Seja o que Deus quiser, não se pode deter o progresso. Progresso este que faz um interessante revertério para o tempo em que o artista morria indigente. Ao que tudo indica, a moda está de volta e acho que vou procurar logo uma boa sarjeta e começar a treinar. Tenho, entretanto, um comentário final: tudo bem, são os novos tempos, mas os bens culturais "gratuitos" não são produzidos sem custos, pois não existe produto (ou almoço) de graça. Muita gente ganha dinheiro com essa produção, em todos os seus estágios, muita gente é paga. Por que só quem não deve ser pago é o autor? 
JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor. 

FERREIRA GULLAR

O trinado do passarinho
FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/03/11

Ao passar a gravação para o disco, verificou ter captado um passarinho e, então, decidiu destruí-lo
 


ELE É um excelente e raro poeta, que terá escrito uns 20 poemas em toda a sua vida. Sou certamente o único amigo que possui no mundo. Tem alguns parentes, filhos de uma irmã já falecida.
Como herdou dos pais alguns bens, esses parentes tentaram obter um diagnóstico médico para considerá-lo louco e, portanto, incapacitado para gerir a herança da família. Ele percebeu o golpe, fugiu de casa e nunca mais apareceu. Mudou-se para Lisboa, onde viveu alguns anos, e depois voltou, na moita, de modo que, para os parentes gananciosos, ele deve ter morrido.
Na verdade, reside, faz alguns anos, num pequeno apartamento no centro do Rio, num prédio onde só há escritórios e firmas comerciais. Ninguém sabe quem ele é nem o que faz. Com o resto do dinheiro, comprou um terreno em Magé, no Estado do Rio, e o doou à prefeitura para que instalassem ali um clube esportivo para meninos pobres, com campos de futebol e quadras de tênis.
A prefeitura aceitou a doação e nada fez. Agora ele está tentando anulá-la para entregar o terreno ao governo do Estado, a fim de ali construir escolas e moradias para desabrigados. O processo burocrático está em marcha; marcha lenta, claro.
Quando o conheci, em 1952, na casa de Mário Pedrosa, ele era funcionário do Centro Psiquiátrico Nacional, do Engenho de Dentro, onde ajudou a dra. Nise da Silveira em seus ateliês de terapêutica ocupacional. Se não me enganou, quem o levou a Mário Pedrosa foi Almir Mavignier, braço direito de Nise. Ele escrevera já então os poucos poemas que constituem a sua obra poética.
Tornamo-nos amigos e vagabundávamos pelo centro do Rio, frequentando o Vermelhinho e os botecos da Lapa, em companhia de Oliveira Bastos, Carlinhos de Oliveira e Amelinha, que era pintora e minha namorada. Publicou uma plaqueta de 34 páginas e distribuiu a reduzidíssima edição entre escritores indicados por mim. Um dos poemas dizia:
"Tapei a flor na noite
e os dias se esconderam.
Descabida metade das partes
relâmpago das cores".
Mas eis que ele, dias depois, aparece no Vermelhinho com um exemplar de seu livro, abre-o, estica com a unha da mão a linha que prendia as páginas, e afirma: "Isto vai arrebentar e misturar os poemas, quebrando a ordem em que estão. Vou recolher todos os exemplares e queimá-los. O teu está aí contigo?". Respondi: "O meu você não vai queimar coisa nenhuma". E o tenho guardado até hoje.
Pouco depois, decidiu gravar os poemas num disco. Usou um gravador do Centro Psiquiátrico e, de manhã bem cedo, fez a gravação. Sucedeu que, ao passá-la para o disco, verificou ter o gravador captado o trinado de um passarinho e, então, decidiu destruí-lo. Tentei dissuadi-lo, mas, para minha surpresa, no dia seguinte, ele me procurou para me informar que o trinado do passarinho enriquecera a gravação.
Editou então um álbum com o disco e me deu um exemplar que guardei até que meus filhos, brincando, o inutilizassem. Sobrou o álbum vazio.
Ele tem hoje 84 anos e, de vez em quando, aparece em minha casa. Outro dia, surgiu sem me avisar, sentou-se diante de mim e me perguntou se ainda tinha o disco com o trinado do passarinho. Respondi que tinha apenas o álbum vazio, onde estão impressos os poemas do disco. Ele, então, me informou que viera com o propósito de destruir o disco, mas, como este já não existia, destruiria o álbum. Tomei-o de suas mãos e disse-lhe que não ia destruir álbum nenhum.
Ele empalideceu, me olhou nos olhos e afirmou: "Você não tem o direito de me impedir. Os poemas são meus, o álbum é obra minha. Esses poemas não correspon- dem mais ao que considero minha poesia".
Tentei explicar-lhe que a nova edição que fizera dos poemas, em 1990, já deixava claro que sua visão sobre seus poemas mudara, uma vez que excluíra dela aqueles que não considerava perfeitos, à altura de sua exigência. De nada adiantou. Acusou-me de adotar uma atitude autoritária em vez de agir como amigo e foi embora muito zangado. Essa zanga passa, pensei comigo, sorrindo. Abri o álbum e li:
"O indivíduo estava no chão
e a pose passeava na forma".

VINICIUS TORRES FREIRE

Chiclete com Obama
VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/03/11

Diplomacia dos EUA tem pouco a oferecer ao Brasil; realidade econômica crua dita maior parte das relações



A QUESTÃO das "relações bilaterais" entre EUA e Brasil ainda parece muito com a da pauta estabelecida por Gordurinha e Almira Castilho em "Chiclete com Banana" nos idos de 1959, cantada pelo embaixador do forró, Jackson do Pandeiro.
Espécie de manifesto geopolítico, canção de protesto "avant la lettre", tapa na Bossa Nova e crítica antecipada ao Tropicalismo "entreguista", "Chiclete com Banana" dizia: "Eu só ponho bebop/ No meu samba/ Quando Tio Sam tocar o tamborim". Seguindo um princípio básico da diplomacia, o da reciprocidade, Gordurinha e Almira ofereciam um mix de chiclete com banana, de samba com rock, "mas em compensação" queriam ver um "boogie-woogie de pandeiro e violão".
O que os EUA têm a oferecer? O que queremos? Os governos petistas querem apoio para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, ambição duvidosa que, satisfeita, deve render mais dor de cabeça e conflito do que vantagem real.
Barack Obama veio ao Brasil fazer relações públicas, "discursos históricos" e vender umas coisas. Bom que a gente converse, bom para nós e o mundo que Obama seja um tipo amistoso e "cool" etc. E daí?
As relações econômicas entre Brasil e EUA são determinadas por realidades bem mesquinhas. Nada será diferente se a "diplomacia presidencial" for apenas algo mais calorosa. Quede planos?
Claro que os EUA já foram mais relevantes e intrometidos. Por exemplo, quando deram uma força meio fraca à industrialização, em meados do século 20. Quando vieram com a "modernização" da Aliança para o Progresso, nos anos 1960, que distribuiu umas latas de leite, fez propaganda anticomunista, financiou a subversão da Constituição brasileira e ajudou empresas americanas. Ou quando mandou uma frota para auxiliar os golpistas de 1964, "just in case".
Agora, os americanos querem mercado para sua indústria, que aos poucos migra para a China e arredores. Querem que ajudemos num tico a evitar a desindustrialização deles. O que vamos ganhar?
Querem um ponto de abastecimento de petróleo mais confiável. Mas mesmo que o pré-sal seja um sucesso, seremos fornecedores menores. Ainda que fôssemos maiores, em termos políticos isso talvez seja mais um risco do que uma vantagem. Basta ver as intervenções americanas nos países petrolíferos.
A conversa sobre livre comércio morreu desde a desastrosa e inaceitável negociação da Alca em 2002. Foi quando o "sub do sub", o ministro da negociação comercial dos EUA, Robert Zoellick, disse que o Brasil teria de fazer comércio na Antártida se rejeitasse a Alca. Desde então, os EUA nada fizeram para retomar o diálogo de forma menos extorsiva e estúpida que a de Zoellick.
Na OMC, os EUA fazem de tudo para burlar decisões pró-Brasil. Obama pode fazer quase nada sobre o protecionismo agrícola, decidido em barganhas no Congresso, como no caso do etanol, barrado no baile de subsídios americanos. Por falar em etanol, aliás, se o plano de energia limpa de Obama decolar, nossos biocombustíveis terão sérios problemas. Os EUA querem ainda aliados para detonar a bárbara política comercial chinesa. Como em parte isso nos interessa também, ok. Mas os chineses não dão a mínima.
Então, a que veio Obama?

SUELY CALDAS

A antirreforma de Dilma

SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 20/03/11


A expectativa de saírem do seminário "O Futuro da Previdência Social no Brasil" ideias e propostas do novo governo para a Previdência foi transformada em decepção, frustração e na lamentável sensação de que privilégios e injustiças de um sistema desigual e caro para os brasileiros serão mais uma vez postergados. Não serão corrigidos nos próximos quatro anos e sabe-se lá quando surgirão um governante e um Congresso dispostos a enfrentá-los. Na campanha eleitoral a candidata Dilma Rousseff evitou falar em reforma. Limitou-se a defender o aumento da idade mínima para quem se aposenta no setor privado, e nenhuma palavra sobre mudanças para o funcionalismo. Tudo bem, não é assunto que candidato goste de falar em campanha. Mas os seis anos de comando no governo Lula deram a Dilma conhecimento, dimensão das injustiças e diagnóstico mais que suficientes do problema. É decepcionante começar o mandato sem absolutamente nada a propor.


"Não há plano novo para a Previdência", confessou no seminário o ministro Garibaldi Alves Filho, escolhido aleatoriamente por ser do PMDB, e não por virtudes técnicas ou de especialização. E acrescentou que a única ação determinada pela presidente é o "empenho" do governo em aprovar o fundo de previdência complementar dos servidores, parado há quatro anos no Congresso. No papel de senador, Garibaldi votou pelo fim do fator previdenciário. Como esperar que, no papel de ministro, ele se empenhe em convencer senadores e deputados a aprovar o fundo?


No caso da Previdência a presidente Dilma desistiu antes de começar. Não jogou a toalha porque dela nem sequer fez uso. Não deu a menor importância a um problema que cresce em ritmo progressivo e devora verbas públicas, prejudicando áreas socialmente mais carentes e abrangentes, como saúde, educação, segurança e até o programa Minha Casa, Minha Vida, seu filhote predileto. A aguerrida Dilma, que enfrentou o PMDB na ocupação de cargos no setor elétrico, nomeou um técnico para a Infraero, avisou que privatizará aeroportos e indicou Henrique Meirelles para garantir lisura em obras da Copa e da Olimpíada, não é a mesma quando dá de costas às injustiças da Previdência, curvando-se a interesses da classe política.


As injustiças começam pela existência de dois sistemas diferentes: o que regula a aposentadoria de servidores públicos, que têm garantido o mesmo benefício recebido na ativa; e o que limita ao teto de R$ 3.689,66 o benefício do setor privado do INSS. Essa duplicidade foi responsável em 2010 pela absurda disparidade: o déficit de R$ 51,2 bilhões do setor público, que beneficia menos de 1 milhão de pessoas, é 16% maior do que o de R$ 42,8 bilhões do INSS, que contempla 24 milhões de aposentados. É injusto e intolerável que os aposentados privados ganhem, em média, R$ 715, enquanto o salário médio de servidores do Legislativo e do Judiciário supere R$ 13 mil. Ou seja, 18 vezes mais.


Em 2010 saíram R$ 94 bilhões dos cofres públicos para cobrir os déficits dos dois sistemas, beneficiando 25 milhões de pessoas. É um inegável disparate social, quando comparado com o valor de R$ 70,9 bilhões previsto para atender mais de 100 milhões de brasileiros que dependem de saúde pública e o de R$ 54 bilhões para garantir educação a milhões de estudantes pobres distribuídos pela rede pública de ensino.


Aí está a prioridade em reformar a Previdência. Os números expressam um quadro alarmante de injustiça social e péssima distribuição do dinheiro público que, infelizmente, a presidente Dilma não quer enxergar. E na hierarquia de prioridades desponta a urgência em mudar a previdência pública, que a cada ano piora perigosamente. Para ter uma ideia, em 1995 a União gastava R$ 15,1 bilhões com a aposentadoria de seus funcionários. Em 2009 o valor quase quintuplicou, para R$ 67 bilhões. Embora não resolva o problema, a aprovação do fundo pelo Congresso ao menos estanca a sangria do crescimento sem limites do déficit. Mas determinar, vagamente, "empenho" em aprová-lo e entregar a tarefa a um senador do PMDB, convenhamos, não é o caminho certo.


JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO

JIM O'NEILL

O Japão e o iene

JIM O'NEILL

O Estado de S.Paulo - 20/03/11

Na sexta-feira, 18 de março, o G-7 demonstrou uma nova razão para sua existência pela primeira vez em anos. Num claro sinal de seu desejo de ajudar o Japão, as autoridades do G-7 anunciaram que interviriam para sustar a valorização do iene. Essa é a primeira vez que ocorre uma medida desse tipo em dez anos e, ao menos da perspectiva japonesa, é extremamente bem-vinda. Após a declaração, as autoridades japonesas intervieram e, como resultado, pelo menos por enquanto, o iene enfraqueceu.

Embora continue difícil avaliar com segurança a escala dos danos causados pelo terremoto e o tsunami que assolaram o Japão, é imperativo que a situação não seja mais agravada por desdobramentos injustificados do mercado financeiro. No início desta semana, o primeiro-ministro japonês descreveu a situação como o maior desafio que o país enfrenta desde a 2ª Guerra Mundial. Um comentário desses requer medidas corajosas, e a intervenção para conter a força do iene se justifica plenamente, a meu ver.

Evidentemente, a origem da força da moeda japonesa é, em grande medida, a acumulação de superávits em conta corrente no balanço de pagamentos na última década e, com isso, o acúmulo de enormes ativos estrangeiros. Embora o governo pareça ter um problema de dívida, o país como um todo não o tem. Por definição, o saldo em conta corrente é a diferença entre a poupança nacional e o investimento nacional, e os superávits em conta corrente do Japão ao longo de muitas décadas são reveladores.

No entanto, nos últimos anos, essa poupança nacional tornou-se cada vez mais dependente do setor corporativo, na medida em que diminuía a poupança das famílias. Apesar de muitos financistas continuarem estupefatos com as atividades da infame sra. Watanabe (apelido no Japão para donas-de-casa que fazem investimentos cambiais), a poupança acumulada está de fato encolhendo. Como já mencionei em ocasião anterior, jamais pensei que ainda estaria trabalhando quando a taxa de poupança familiar nos Estados Unidos superasse a do Japão, mas isso já está ocorrendo há mais de um ano. Aliás, as famílias americanas poupam hoje duas vezes mais que as japonesas e a dívida pública bruta americana é menos da metade. Não era assim que a coisa funcionava.

É fato conhecido que a população do Japão começou a declinar alguns anos atrás, e muitos especialistas calculam que até 2050 ela estará em torno de 100 milhões de pessoas ou menos, cerca de 25% menor do que hoje. Com o aumento da expectativa de vida, porém, isso significa que, a menos que os japoneses aceitem trabalhar além da idade normal de aposentadoria, haverá cada vez menos pessoas trabalhando para sustentar cada vez mais pessoas. Segundo um interessante artigo recente do jornal Financial Times, 20% dos japoneses com mais de 65 anos já estão trabalhando em empregos de tempo integral, supostamente quatro vezes mais que na Europa. Todos eles terão de trabalhar muito mais, especialmente no Japão, que terá ainda que aumentar a imigração e imaginar maneiras de encorajar os pais a produzirem mais filhos.

Esses problemas chamaram a atenção por muito tempo de diversas mentes no exterior para os dramas financeiros do Japão, incluindo diversos investidores altamente bem-sucedidos. Muitos têm histórias famosas sobre quanto perderam tentando vender a descoberto Bônus do Governo Japonês ou ienes, ou ambos (apostando no enfraquecimento dos ativos japoneses). Durante boa parte dos últimos 15 anos, nunca concordei realmente com essa visão, por três razões (embora, nos últimos dois anos, eu também tenha entrado nesse campo).

A primeira das três razões é a seguinte: foi verdade, e ainda é, que o Japão é um grande credor estrangeiro. Quando o Japão precisou de mais financiamentos por causa do terremoto de Kobe e suas consequências em meados dos anos 90, os mercados internacionais suportaram as consequências negativas quando investidores japoneses repatriaram ativos estrangeiros para ajudar a financiar necessidades domésticas imediatas maiores. Observando de maneira geral os mercados na sexta-feira, a situação sugeriu uma reprise parcial.

A segunda razão é que, apesar de a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real do Japão ter sido modesta e sua tendência de crescimento fraca comparada à de muitos outros países, em razão de sua demografia, a riqueza individual no Japão não sofreu - isto é, o PIB per capita não encolheu. Isso foi verdade antes de o Japão começar a testemunhar a deflação, mas as evidências são agora mais matizadas. A terceira é que a taxa de poupança no Japão era relativamente alta, mas isso agora começou a mudar, especialmente desde a crise global do crédito em 2008 e da reconstrução da taxa de poupança familiar americana. Foi esse último ponto, na verdade, que me levou a mudar a minha visão estratégica sobre o Japão.

Muitos observadores têm ficado confusos com a relativa timidez do Banco do Japão (banco central) para tentar estimular o crescimento, conter a deflação e sustar a valorização aparentemente inexorável do iene. Embora se possa explicar por que o iene chegou ao ponto em que está levando em conta os ativos estrangeiros líquidos do Japão, por quaisquer outras fórmulas de estimação da taxa de câmbio de equilíbrio, o iene está muito caro. Isso é obviamente verdadeiro numa simples base de PPP (paridade de poder de compra), e nos dois últimos anos, o mesmo resultado também é produzido por modelos de taxa de câmbio real ajustada. Ironicamente, isso ocorre num modelo que eu criei há cerca de 15 anos para explicar por que o iene se comportou da forma como se comportou, e que hoje mostra a moeda japonesa com uma sobrevalorização de 30%.

No último ano, circulou um argumento muito válido, em termos políticos, de que o Banco do Japão resistiu a medidas para enfraquecer deliberadamente o iene tanto por temer provocar um sentimento empresarial anti-japonês nos Estados Unidos (que foi abundante no fim dos anos 80 e começo dos 90), e por um desejo de fortalecer o yuan chinês. O fato é que o iene se fortaleceu consideravelmente mais que o yuan desde a crise de crédito global. Há agora uma clara necessidade de ousadia para assegurar uma superação acelerada dessa situação trágica. Os acontecimentos certamente o exigem. Eu aplaudo a declaração do G-7 e a intervenção que vimos e que, muito provavelmente, veremos mais. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

ILIMAR FRANCO

Um novo líder 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 20/03/11

A bancada do PT no Senado está revoltada. A presidente Dilma Rousseff está inclinada a fazer o deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS) líder do governo no Congresso. Os petistas querem o senador José Pimentel (PT-CE). Alegam que o PMDB já tem a liderança do governo no Senado, ocupada por Romero Jucá (RR). Mendes Ribeiro é integrante da bancada dos amigos da presidente Dilma.

O PMDB está com saudades de Lula
A cúpula do PMDB não fala abertamente, mas está muito descontente com seu espaço no governo Dilma Rousseff. Seus dirigentes só não estão soltando o verbo porque isso equivaleria a deixar numa situação delicada o vice-presidente Michel Temer. Mas, nas conversas entre eles, costumam citar os espaços generosos que ocuparam no governo Lula, sobretudo a partir da metadedo segundo mandato. Seus líderes reclamam que o partido ficou menor no governo Dilma, e que eles ainda são obrigados a conviver com insinuações e vetos dos petistas contra os quadros do partido que são indicados para os cargos de segundo escalão.

"Prevaleceu o bom senso. O (presidente Barack) Obama falar para o povão na rua (Cinelândia) seria de um ridículo” — Francisco Dornelles, senador (PP-RJ)

‘NEXT TIME, I WILL GO TO BAHIA’. Rápido no gatilho, o governador Jaques Wagner foi cumprimentar a presidente Dilma Rousseff, no fim do almoço no Itamaraty. Dilma apresentou Wagner ao presidente Obama, e o governador aproveitou para convidá-lo a visitar a Bahia. Obama falou que pretende voltar ao Brasil e que, quando isso ocorrer, sua prioridade é ir até a Bahia. O cerimonial de Wagner já havia enviado um Oxóssi de prata (deus das matas, da caça e da fartura) de presente a Obama.

Jardim de Infância

Enquanto os presidentes e ministros participavam de coquetel de despedida, ontem, no Palácio da Alvorada, as meninas Malia e Sasha foram ao jardim da residência oficial. Voltaram contando que tinham brincado com as emas.

Amenidades
No coquetel no Alvorada, Dilma Rousseff e Barack Obama caminharam pela varanda do Palácio. Obama ficou curioso com os ninhos de joão-debarro e quis saber se Dilma nadava na piscina. Ela contou que nadou uma vez só. 

Protesto contra o rigor da segurança

Os ministros brasileiros ficaram irritados com a revista a que foram submetidos pela segurança americana, no encontro empresarial com o presidente Barack Obama. Surpresos, se submeteram. Depois, irritados, Aloizio Mercadante, Fernando Pimentel, Edison Lobão, Alexandre Tombini e Guido Mantega se retiraram antes do discurso de Obama. “Nos levantamos e
fomos embora ostensivamente. Ninguém foi nos receber, e a segurança foi autoritária”, protestou Mercadante. 

Identidade
Depois de uma rápida conversa com o vice Michel Temer, o presidente Obama comentou com Dilma: “Nós somos professores de Direito Constitucional.” Temer disse a Obama que apreciou seu livro “A audácia da esperança”.

Degustação
Se a ideia era ampliar o mercado para a carne brasileira nos EUA, a picanha servida no almoço do Itamaraty deixou a desejar. Convidados que se sentaram à mesa com Obama e Dilma disseram que a carne estava “ruinzinha”.

 DURANTE o almoço no Itamaraty, os presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama conversaram sobre o programa Bolsa Família e o desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos.
 OS CONVIDADOS aplaudiram a iniciativa. Após o almoço no Itamaraty, a presidente Dilma Rousseff chamou para uma foto os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique, Itamar Franco e Fernando Collor.
 O PRESIDENTE Barack Obama fez até brinde. Mas seus companheiros de mesa contam que ele não deu qualquer gole na taça de vinho que lhe foi servida.

ETHEVALDO SIQUEIRA

A segurança está em você

ETHEVALDO SIQUEIRA

O Estado de S.Paulo - 20/03/11

Não corra riscos, sem necessidade. Você poderá pagar um preço muito alto até por pequenos descuidos ao usar o computador, a internet, a câmera digital ou o smartphone. Cultive os melhores hábitos. Eles evitarão até 90% dos problemas que afetam os usuários de dispositivos eletrônicos. Aproveite as observações deste artigo para fazer um pequeno balanço dos procedimentos realmente importantes e reflita sobre as recomendações abaixo, mesmo que suponha saber tudo sobre o assunto.

Segurança. Use sempre software de segurança. Comece com antivírus grátis. Por que permanecer vulnerável a todos os tipos de ataques e contaminações?

Backup. Faça backup ou cópias de segurança do conteúdo mais importante de seu computador. Invista num HD externo de boa capacidade, de 500 gigabytes (GB) ou mais. Guarde cópias em lugares diferentes, em especial dos arquivos e documentos de maior importância ou valor. É claro, num futuro próximo, você guardará muita coisa na nuvem.

Privacidade. Tenha cuidado com sua privacidade, particularmente nas redes sociais, como Facebook, LinkedIn, Flickr, Orkut - nada de informações ou fotos que possam um dia se tornar comprometedoras ou inconvenientes.

Senhas. Não use a mesma senha para tudo. Eu sei que dá mais trabalho, mas, em nome da segurança, mude sua senha periodicamente. Não use datas de aniversário ou números de seus documentos. Aprenda a criar senhas alfanuméricas. Exemplo ilustrativo: s9e7n5h3a (eu intercalei os números 9, 7, 5 e 3 entre as letras da palavra senha).

Especificações. Nunca ignore as especificações de seu computador e de seus equipamentos eletrônicos. Elas definem as possibilidades e as limitações de cada um.

Delete o spam. Nunca responda a um spam. Não clique na frase "remova-me", pois ela pode conter um link para a invasão de um programa espião. Não acredite em propostas milagrosas. Não abra e-mails que prometem cenas de crimes, de terremotos no Japão, de tsunamis, de escândalos, de cenas pornográficas. Delete tudo que for suspeito.

Telas falsas. Cuidado com os physhings (ou fishings), que imitam telas de bancos, do Imposto de Renda, da Justiça ou de lojas famosas, para pedir recadastramento ou dados confidenciais e, a partir deles, entrar em suas contas.

Seu laptop. Não caminhe com seu laptop ligado, a não ser que seja em uma curta distância dentro de sua casa, da cozinha à sala, pois, com o disco rígido girando em alta velocidade, a máquina pode travar e quebrar.

Perigo na cama. Cuidado quando usar o laptop na cama. O maior risco é obstruir as portas de ventilação da máquina por um travesseiro ou pela colcha. O superaquecimento pode danificar seu laptop. Use uma mesinha de café ou aquela de servir breakfast na cama.

Evite imprimir. Pense um minuto antes de imprimir qualquer coisa. Há pessoas que imprimem tudo. Prefira armazenar ou fazer apenas o registro digital. Se for algum documento com assinatura digital, faça um arquivo em PDF.

Perigo na praia. Não leve sua câmera para a praia. Um grão de areia que caia no obturador ou no mecanismo de zoom e você terá um grande problema pela frente. Se você tiver que fazer fotos na praia, leve sua câmera num estojo impermeável ou num saco plástico. Compre uma câmera à prova d"água, totalmente impermeabilizada.

Selecione os e-mails. Guarde seus e-mails de forma seletiva. Lembre-se que eles podem ser arquivados em ordem cronológica, de remetente ou de assunto. Faça backup do que for importante. Não hesite em apagar o resto.

Use atalhos. Aprenda a usar os atalhos (ou shortcuts) de seu teclado. Muitas pessoas não sabem que Control-C quer dizer cópia. Ou que Control-V é atalho para colar. Ou que Control-B é o comando para salvar. Você não precisa voltar ao mouse e clicar outro comando e perder tempo. Atalho foi criado para ser usado.

Não entulhe seu PC. Faça uma seleção do que você realmente precisa. Não faça de computador uma lata de lixo, com mil bugigangas virtuais, como pequenos aplicativos, ícones, diferentes browsers na barra de ferramentas e coisas que você não vai usar tão cedo. Desinstale o máximo de coisas que não vai usar. Seu computador ficará muito mais leve e mais rápido.

Organize seus papéis. Salve seus documentos e organize tudo que você precisa guardar, como faz, aliás, com contas de luz, telefone e impostos. Abra pastas para esses documentos. Guarde cuidadosamente os documentos ou dados de garantia de seu computador e de outros eletrônicos. Os produtos de eletrônica de consumo costumam quebrar sempre alguns dias após o fim de sua garantia. Mas, algumas vezes, eles se quebram na vigência das garantias.

Carinho virtual. Trate seu computador com carinho. Evite que ele sofra quedas e pancadas, movimentos bruscos ou choques de qualquer tipo. Nunca deixe seu laptop dentro do carro. Ele vai ser roubado daqui a pouco. Use estojos disfarçados ou bolsas diferentes comuns.

MÔNICA BERGAMO

Bárbara no espelho
MÔNICA BERGAMO

O GLOBO - 20/03/11

Bárbara Paz, de volta à TV e ao teatro, corre de um lado para o outro e diz que tem um sonho: comprar uma rodoviária para a sua família

A imagem da atriz refletida no espelho de seu camarim
Carregando duas bolsas
Prada enormes, pelas ruas dos Jardins, Bárbara Paz diz que não consegue transportar tudo o que precisa. "O Juca de Oliveira diz que eu estou sempre carregada", conta ela, que ouviu do colega a pergunta: "Por que você traz tanta coisa, se vem sempre para o mesmo lugar?". A resposta: "Porque eu nunca sei onde vou parar".

"Preciso ter uma casa dentro da bolsa. Isso tem a ver com o meu passado, porque eu nunca tive um porto", diz ao repórter Diógenes Campanha. Ela ficou órfã de pai aos seis anos, começou a trabalhar aos nove e perdeu a mãe aos 17. Saiu de Campo Bom (RS) para virar atriz e modelo em SP. Ao visitar sua cidade para o Natal, sofreu um acidente de carro e ficou com cicatrizes no rosto, que esconde com maquiagem. "Vamos falar da nova Bárbara?", sugere.

A partir de amanhã, a parada da "nova Bárbara" é o horário das 19h da TV Globo. Ela será Virgínia, uma assistente de arqueóloga na novela "Morde & Assopra". Em 13 de maio, joga a âncora no Rio, onde estreará a peça "Hell", dirigida por seu marido, Hector Babenco.

A personagem da novela, que vende fósseis no mercado negro, é marcada pelo exagero. Virgínia terá uma veia cômica inédita para a atriz. "Já vivi tanta coisa que sou um pouco cansada de tudo. Isso te traz um olhar mais triste, e por isso me caem bem personagens densos."

Ela aprendeu a usar o rosto em seu favor. Recentemente, o ator e amigo Rafael Primot reclamou, depois de se ver no vídeo em uma série da Globo: "Não adianta, eu nunca vou perder essa cara de sonso". A resposta dela: "Então aproveita! Eu não tenho cara de louca?".

Das bolsas de Bárbara saem dois livros, roupa de ginástica, perfume, remédio para alergia, carregador de celular e uma caneta que ganhou do ator Mauro Mendonça, "para não parar de escrever nunca". Óculos escuros Balenciaga no rosto, ela carrega outros dois. "Um é de estilo, um é do problema [1,75 grau de astigmatismo] e o terceiro é de sol com grau." A maquiagem vai numa maletinha. "Vendi muitas dessas quando não tinha contrato."

Antes de vencer o reality show "Casa dos Artistas", do SBT, e se projetar nacionalmente, em 2001, Bárbara comprava as maletinhas e fazia colagens com imagens de cidades, santos ou estrelas de cinema, dependendo do gosto da freguesa. Promovia bazares para colegas como a atriz Giselle Itié. Depois de se destacar em sua estreia na Globo, como a "drunkoréxica" Renata, na novela "Viver a Vida" (2009), assinou com a emissora por três anos. É seu primeiro contrato longo.

Depois de três novelas no SBT, entre 2002 e 2007, ficou "com muita cara" da emissora de Silvio Santos. Decidiu só voltar se fosse na Globo. "Se não ficasse fora por um tempo, eles nunca iriam me olhar de outra forma." Foi "desconvidada" de "O Clone" e ouviu de Manoel Carlos, após a reprovação em um teste anterior a "Viver a Vida", a promessa de que trabalhariam juntos. "Foram nove anos até acontecer. Poderia ter filha dessa idade."

No almoço, Bárbara devora um prato de risoto de aspargos com fondata de queijo taleggio no restaurante Piselli. "Só tem homem aqui, todos usando camisa listrada. Será que é tudo "business" [executivos]?", ela pergunta. "Eu vou contar para todo mundo que você tá comendo de tudo, não tá mais com aquele problema", diz um senhor, referindo-se ao distúrbio alimentar da Renata de "Viver a Vida". "Eu me internei, me curei", ela brinca. Comemora. "Eu me tornei conhecida como Bárbara [no reality show]. Agora tirei a Bárbara e coloquei a Renata. Era disso que eu precisava. Algumas pessoas nem sabem meu nome. Em Portugal, então [onde a novela foi exibida], é só Renatinha."

Mais cedo, naquele dia, a atriz havia sido convidada para participar de um seminário da revista "Marie Claire" sobre "sexualidade e o casamento". Quando o assunto era o homem brasileiro, a apresentadora Mônica Waldvogel disse que "Bárbara não é casada com brasileiro" e poderia contar sobre a diferença de ter um marido argentino -no caso, Babenco. "Você quer que eu fale da minha relação? Não vou." Relembra a cena no restaurante. "Era só o que faltava. Jamais faria isso com o Hector. Respeito muito ele."

A atriz tem 36 anos e o diretor, 65. "A gente foi um belo encontro. De almas, sabe? Amor não tem idade." O casal mora na casa dele, na Vila Nova Conceição. Num intervalo entre os compromissos, ela telefona. Diz que deu tudo certo no seminário. "Você tem que acreditar mais em mim", responde Babenco. "Me passa uma receita para eu ficar confiante?", ela pede. Avisa que não poderá ir à apresentação de balé da neta dele. "Mas leva a câmera. Está na cômoda."

Bárbara diz que faz parte de "uma família de amigos" de Babenco. "São pessoas que eu admirava demais. O Drauzio [Varella], o [Arnaldo] Jabor. No começo era... qual a palavra que eu posso te dizer? Fascinante. Falo que ele é meu Arthur Miller", referindo-se ao dramaturgo que foi casado com Marilyn Monroe. "Tudo em excesso me cansa, mas no amor eu não tenho dose."

Já com sua família, a relação é distante. "Tem pessoas que pararam no tempo, e só eu me salvei para contar a história. Ainda vou escrever um roteiro, um livro sobre isso." Parte desse texto já foi "encenado" no "Domingão do Faustão", em 2010: homenageada no programa, ela assistiu a um vídeo em que suas irmãs -ela é a caçula de quatro filhas- reclamavam que a atriz não mantém contato e que acha que elas só a procuram quando estão precisando de dinheiro.

"Foi um absurdo. Não é verdade. E elas são muito inocentes, não têm noção do que a TV pode alcançar. Não preciso falar de tudo o que eu já fiz pela família: dei casa, dei carro. Mas chegou uma hora em que achei que deveria parar. Foquei nos meus sobrinhos, que eu ajudo nos estudos e no que eu posso. Eles estão começando e podem se salvar."

Ainda assim, há um presente que Bárbara gostaria de dar à família. Filha de político, ela costuma dizer que seu batizado "foi um comício", de tantas autoridades presentes, e lembra que os Paz eram donos da rodoviária de Campo Bom. O imóvel foi vendido após a morte do pai. "Adoraria poder dar a rodoviária de volta pra minha família, mas ainda não tô podendo pegar esse ônibus."
BÁRBARA DISSE
"Já vivi TANTA COISA que sou um pouco cansada de tudo.
Isso te traz um olhar mais TRISTE,e por isso me caem bem PERSONAGENS DENSOS"

MERVAL PEREIRA

O sexto membro
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 20/03/11

Não é de hoje que o Brasil reivindica um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas nunca esteve tão próximo de consegui-lo quanto em 1945, quando da criação do organismo internacional ao final da Segunda Guerra Mundial. Essa história está relatada na tese do diplomata Eugênio Vargas Garcia, membro da delegação brasileira na ONU em Nova York, aprovada com louvor no Instituto Rio Branco, que ele pretende publicar em livro.

Com o título "O Sexto Membro Permanente ? O Brasil e a Criação da ONU", conta, com base em documentos, alguns inéditos, pesquisados tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil, como reivindicamos pela primeira vez a inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que estava para ser criado de acordo com uma minuta aprovada na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944, "Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral".

A tese de Eugênio Vargas Garcia é de que os EUA assumiram a dianteira do processo em parte porque seus aliados estavam ocupados demais para investir tempo e recursos em atividades de planejamento que não fossem voltadas para fins militares imediatos.

"Por um momento, a Grã-Bretanha travou quase sozinha a guerra contra a Alemanha nazista e a URSS suportou uma luta titânica de vida ou morte na frente oriental. Geograficamente distante das zonas de batalha, os EUA não tiveram seu território continental atacado durante o conflito. Eram, possivelmente, o refúgio mais seguro para conferências internacionais e conclaves do gênero", analisa em seu trabalho.

Entre outras fórmulas aventadas na época, o estudo mostra que Roosevelt acalentava a ideia de implantar um sistema chamado por ele de "tutela dos poderosos" já que, em sua avaliação, os mecanismos de consenso e participação universal da Liga das Nações não teriam funcionado. "Era preciso lançar mão de expedientes mais drásticos" .

Em discurso de 1944, Roosevelt sublinhou que o propósito supremo das Nações Unidas podia ser expresso em uma única palavra: "segurança". Este, aliás, era um ponto de sólido consenso entre os Três Grandes, ressalta Eugênio Vargas Garcia.

"Muito mais praticantes do que teóricos da Realpolitik, Roosevelt, Churchill e Stalin estavam de perfeito acordo quanto à prerrogativa dos poderosos de gerenciar a ordem internacional nos seus termos".

O plano a que se chegou em Dumbarton Oaks poderia ser visto, segundo o estudo, como uma versão fortalecida da Liga das Nações, controlada pelos Quatro Policiais (Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido). O Quinto Policial seria a França.

Mais tarde, na Conferência de Yalta, definiu-se a fórmula para a votação no Conselho de Segurança: a) cada membro do Conselho teria um voto; b) as decisões em questões processuais seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros; e c) as decisões em todos os outros assuntos seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes. Neste texto, explica o trabalho, estava embutido o poder de veto.

Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a sugerir que o Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, uma possibilidade que ajudaria a "reforçar a posição do Brasil" na América do Sul.

Modelo de "bom vizinho", o Brasil era visto em Washington como parceiro confiável e "aliado fiel".

No entanto, analisa a tese de Eugênio Vargas Garcia, essa concordância de Roosevelt não foi uma iniciativa meticulosamente preparada nem chegou a ser amadurecida previamente nos círculos decisórios norte-americanos.

O presidente Vargas tinha a expectativa de que as aspirações do país seriam satisfeitas, como reconhecimento devido pela colaboração que o Brasil havia prestado aos Aliados.

Segundo a tese, o respaldo de Washington - particularmente de Roosevelt - era esperado como parte da "aliança preferencial" que haveria entre os dois países, pelo menos na visão do Rio de Janeiro.

O Brasil chegou a apresentar proposta de emenda à Carta para conferir à América Latina representação permanente no Conselho, na esperança de que, se aprovada, o país fosse indicado naturalmente, mas não obteve êxito.

O pesquisador ressalta que o presidente Franklin Roosevelt, que se havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa possibilidade.

A posição do governo dos EUA, ressalta o estudo, evoluiu de 1944 para 1945, com marcante queda no interesse em reforçar o Brasil como seu principal aliado na América do Sul e no Hemisfério Ocidental, linha que havia sido seguida por Roosevelt.

Quando a Conferência de Yalta teve lugar, a conjuntura já havia, em parte, mudado, destaca Eugênio Vargas Garcia: a guerra se aproximava do fim, o perigo maior havia passado, e esquecida a importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no Nordeste) ou na contenção da Argentina "antiamericana".

Quando Truman assume, não era mais imperativo cultivar a amizade de Vargas ou tolerar abusos de seu regime personalista.

Para Getúlio Vargas, magoado e decepcionado, não haveria sinal maior de ingratidão, mas o estudo demonstra que ele teve contra si situações políticas que não controlava: problemas internos o obrigaram a desviar seus esforços da questão internacional, e a morte de Roosevelt roubou-lhe um aliado inestimável.