sábado, fevereiro 12, 2011

WALTER CENEVIVA

 Battisti entre refúgio e extradição
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11

Caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir se o refúgio concedido por Lula foi ou não legal


A DIVERSIDADE de posições entre os governos da Itália e do Brasil quanto à extradição de Cesare Battisti aproxima-se do fim. Tem, como afirmou a presidente Dilma Rousseff, predominante caráter jurídico.
A lei brasileira cria dois enquadramentos distintos: o da extradição e o do refúgio. Ambos voltaram à esfera do Judiciário depois que o presidente Lula reconheceu Battisti como refugiado, sob alegação de temores de perseguição política na Itália, com fundamento no art. 1º da lei nº 9.474/97.
Se o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmar tal condição, ficará sustado o seguimento "de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio". A apreciação originária do refúgio cabe, no plano administrativo, ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão do Ministério da Justiça (art. 11 da lei).
A criação do Conare foi prevista na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, seguido por protocolo em 1967. O estatuto se explica porque, passados seis anos da Segunda Guerra Mundial, era impositivo o cuidado com milhões de refugiados gerados pelo conflito e pela Guerra Fria que se seguiu.
As consequências do estatuto se aplicam à pessoa encontrada no território brasileiro, no qual reconhecidamente se refugiou. No caso de Battisti, para imposição da lei nº 9.474, caberá distinguir se é dissidente político ou criminoso comum. Diz a Itália que foi condenado por delitos graves, sem vínculo com movimentos políticos. Battisti nega ações dessa espécie, mas o governo italiano afirma serem atos de puro terrorismo. Um dos apoios encontrados pelo presidente Lula, levando-o à concessão do refúgio, foi o de risco para a vida do acusado se recambiado para a Itália.
A acusação de terrorismo é das mais severas, conforme se vê do inciso XLIII do art. 5º da Constituição. Nele está dito que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, entre outros, o "terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". Se for o caso de Battisti, não terá direito ao refúgio. A concessão de Lula será anulada.
Tem sido entendido em nosso país que, como regra, não cabe ao Judiciário brasileiro apreciar o mérito e a fundamentação da sentença proferida na nação requerente da extradição. Os atos de Battisti poderão ser enquadrados como terrorismo (se claramente compreenderem mais que simples atos individuais) ou crime comum. Esse dado tem relevo próprio, enquanto requisito da intensidade da visão política dos que perturbam a ordem para fins do interesse de seu grupo.
Caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir, com quorum completo graças à boa escolha do ministro Luiz Fux, se o refúgio concedido por Lula foi ou não legal. A confirmação da legalidade extinguirá o pedido de extradição, conforme ficou dito. Afirmada a ilegalidade, a extradição será concedida ou negada pelo mérito, na forma da lei brasileira.
Serão dois momentos distintos, para cuja resolução o Brasil emitirá juízo exclusivamente compatível com sua soberania, definida no art. 1º, I, da Constituição, ajustado ao exercício de sua independência política.

MÔNICA BERGAMO

GUERRA DOS ROSES 
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11

A empresária Yara Baumgart, do spa Kyron, apresentou na semana passada à Justiça um pedido de pensão contra seu ex-marido, Roberto Baumgart, do grupo Center Norte, de shoppings. É um dos maiores valores alimentícios já propostos no país: R$ 430 mil mensais, ou cerca de R$ 5 milhões por ano, valor oficial dado à causa.

SÓ NOS AUTOS 
Sergio Magalhães, advogado de Yara, informou por meio de uma secretária que o processo está no Fórum de Pinheiros e que ele não se pronunciará a respeito. Dilermando Cigagna Júnior, advogado de Roberto, também prefere não se manifestar.

RANKING 
Dilermando, por sinal, já esteve do outro lado: ele advogou para Jaqueline, ex-mulher de Flávio Maluf, que obteve em 2007 a maior pensão já concedida de que se tem notícia: R$ 217 mil mensais. O ex-casal acabou fazendo um acordo. A "segunda colocada" é a pensão que o usineiro José Pessoa de Queiroz Bisneto, do grupo José Pessoa, foi condenado a pagar à ex: R$ 117 mil. Ele recorreu e diminuiu o valor.

NEM MORTA 
Em casos de separações com patrimônios vultosos, a lista de despesas que as ex apresentam aos ex-maridos inclui joias, segurança, motorista, despesas com restaurantes e flores, terapia, cabeleireiro, personal trainer, estacionamento, depreciação do carro -e às vezes até o pagamento da sepultura em que desejam ser enterradas.

FESTA DA DEMOLIÇÃO
O clube Heaven, nos Jardins, ficará fechado para reforma por um tempo. E na festa de despedida, hoje, os frequentadores da balada terão uma surpresa. Eles poderão destruir toda a decoração atual da casa.

TROCA DE CAMISAS 
A nomeação de um político do PC do B para a futura Secretaria Especial da Copa que o prefeito Gilberto Kassab (DEM) vai criar em SP ganhou um opositor graduado dentro da legenda comunista: o ministro do Esporte, Orlando Silva. Ele defende que o partido não entre na administração municipal enquanto Kassab estiver no DEM. Prefere esperar a possível ida do prefeito para o PMDB, que é da base do governo Dilma.

DE CAMAROTE 
Depois de colocar o Morumbi à disposição do governador Geraldo Alckmin caso o estádio do Corinthians não fique pronto até a Copa de 2014, o presidente do São Paulo, Juvenal Juvêncio, levou o secretário estadual de Esportes, Jorge Pagura, para conhecer a arena de seu clube. Aos passear pelos camarotes, o político disse que a estrutura era "uma maravilha", segundo o mandatário são-paulino.

DE CAMAROTE 2
E o secretário Pagura deve passar o final de semana na Costa do Sauipe, na Bahia, assistindo ao Brasil Open de tênis. A Koch Tavares, organizadora do torneio, quer trazer a competição para SP. 

CURTO-CIRCUITO

O DVD "O Milagre de Santa Luzia" (livre) será lançado amanhã, às 20h, no Canto da Ema. Haverá show com Dominguinhos (que comemorará seus 70 anos no evento), Elba Ramalho, Mariana Aydar, Oswaldinho do Acordeon e Gabriel Levy. 18 anos.

A cantora Paula Fernandes faz show de lançamento de seu DVD no dia 26 de março, às 22h, no Citibank Hall. Classificação: 14 anos.

Márcio Ackermann lança hoje, a partir das 15h30, a segunda edição do livro "A Cidade e o Código Florestal", na livraria Martins Fontes (avenida Paulista, 509).

Odino Marcondes lança na próxima segunda o livro "Você tem os Defeitos de Suas Qualidades", na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Com DIÓGENES CAMPANHALÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

JOSÉ SIMÃO

Mubarak! Eu preciso tomar banho! 
José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Adorei esta manchete: "Neymar rala a coxa no Peru!". E o Mubarak? Ô MÚMIA CHATA!
O planeta inteiro aguardando a renúncia, o Dia do Saio. E ele aparece na TV dizendo que FICO! Sabe o que ele gritou pro povo egípcio? "Eu estou no poder só há 30 anos, vão encher o saco do Ricardo Teixeira. Vão encher o saco do Sarney."
E olha o que eu li no Twitter dum egípcio: "Você sabe que está com problema quando a embaixada do Iraque no Cairo pede pros iraquianos voltarem pra casa". Rarará!
E o pronunciamento do Mubarak pros manifestantes da praça Tahir? Ele botou as duas mãos nas orelhas, abanou e mostrou a língua!
E o Habib's devia abrir uma filial na praça Tahir! E como é que fica a situação daquele que estendeu a faixa: "Mubarak, renuncia logo que eu preciso tomar banho?". Isso não é mais protesto, é um apelo!
Para entender a situação egípcia: Mubarak passou os poderes pro vice. E criou um regime inédito no mundo: o VICE-PRESIDENCIALISMO! E aí o vice apareceu na TV: "Agora voltem pras suas casas e não vejam TV a cabo". Rarará!
Os dois novos inimigos da Turma do Mubarak: CNN e Al Jazeera.
E ditadura é sempre assim, trata o povo como criança: "Vai pra casa, não assiste TV a cabo, e, se gritar, eu te mato".
E agora dizem que ele saiu do Egito. E quantos jumbos pra levar o estoque de Koleston Negro Corvo? É uma linha da Koleston especial para ditadores! Koleston Ditador Negro Corvo. Rarará!
E tô adorando os blocos do Carnaval. Direto de Olinda: o Bloco das Virgens de Verdade! Não vai ter ninguém. Nem pra segurar a faixa!
E direto do Rio: Enxota que Eu Vou! E uma amiga carioca vai sair neste sábado no Pinto Sarado! Pinto de academia. Pinto do Alexandre Frota. Rarará! E a Ju Suvaco Cabeludo é a rainha de bateria do Bloco Suvaco de Cristo!
O Brasileiro é Cordial. Mais uma do Gervásio. Placa na empresa em São Bernardo: "Se eu souber que alguém daqui fez macumba pra prejudicar meus pensamentos, vou fazer esse aprendiz de Harry Potter comer atabaque e sair som pelo umbigo. Conto com todos. Assinado: Gervásio". E todo mundo me pergunta se o Gervásio existe mesmo.
Existe, e a mulher dele se chama Maria Bonita. Rarará! A situação tá ficando egípcia. Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

FERNANDA TORRES

Tamagoshi
FERNANDA TORRES
REVISTA VEJA - RJ


Quando meu filho mais velho estava com uns 6 anos, pediu que eu comprasse um Tamagoshi para ele. Como eu havia negado todas as suas súplicas de colocar um cachorro para viver conosco dentro de um apartamento, achei que o Tamagoshi poderia servir de substituto. Depois de ajudá-lo a ligar o aparelhinho, de dar o nome e escolher os atributos, uma trabalheira binária sem fim de sins e nãos, finalmente a criaturinha nasceu. Empenhado, meu rebento alimentou, divertiu, deu estudo e até dança para o bicho. Tudo foi muito bem durante o fim de semana, com o golem criando corpo e meu filho se achando o mais feliz dos pais.


Mas a segunda-feira amanheceu violenta, com escola, natação, inglês, futebol, e o Tamagoshi acabou esquecido em casa. Por volta das 5 da tarde, quando chegou da estiva, meu filho foi dar comida para a cria e tomou conhecimento da tragédia: o Tamagoshi já não estava entre nós. Uma música fúnebre saía da caixa de som do pequeno objeto. No visor, a entidade havia criado asinhas diminutas que voavam em direção ao céu e duas cruzes ocupavam o lugar dos olhos. Em choque, o rosto do meu menino empalideceu. Era possível perceber o pavor culposo nos seus olhos. “Ele morreu?!”, perguntou-me, com a voz embargada. Eu não tive tempo de responder, as lágrimas rolaram gordas pelas suas bochechas, a cabeça baixou e ele emudeceu de vez.
Mãe esforçada, corri para o manual a fim de saber se o destino do serzinho eletrônico poderia ser reversível. Será que os japoneses acreditam no além? Lembrei dos fantasmas dos filmes de Kurosawa e acreditei que sim. Esperançosa, retornei com uma boa alternativa. Seríamos obrigados a conviver para sempre com a dor da perda, mas zerando o aparelho com a ponta de um alfinete poderíamos começar tudo de novo, do zero.
Repetimos todo o processo do ovo, da escolha das características, do nascimento, até outro monstrinho surgir nos pedindo comida, educação, diversão e sono. Culpado com a morte prematura da primeira criatura, meu menino se empenhou em dobro, mas mesmo assim não houve jeito. Esse durou três dias. Nas vezes em que ficou esquecido em casa, uma rede de auxiliares, eu inclusive, o ajudou a manter-se de pé.
Apesar dos esforços coletivos, ele também partiu sem nem chegar à adolescência. Desencarnou acompanhado da mesma composição funesta, com as mesmas asinhas e os olhinhos em cruz. O impacto ainda foi grande, mas um pouco menor. Depois da quinta morte consecutiva, o inferno tecnológico foi parar no fundo da gaveta e nunca mais tivemos o desprazer de invocá-lo.
Recentemente, por obrigações contratuais, abri uma conta no Twitter com o nome de @atijucana. Frequentei a rede social com assiduidade, enviei mensagens, respondi aos amigos, senti aquele orgulho besta de ver o número de seguidores subir paulatinamente e a inveja dos que são seguidos por milhares de pessoas. Enalteci a capacidade que um instrumento como aquele tem de chamar atenção para questões importantes, divulgar ideias, projetos e fomentar ações.
Além de todas as qualidades, descobri que o Twitter aplaca a carência da caixa vazia do e-mail naqueles dias em que só entra spam. Durante um mês fui só elogios, até que um dia me enchi. Fui acometida por um grande enfado da rotina obsessiva de ler mensagens curtas, checar quem entrou e quem saiu e saber se fulano está aqui ou ali. Nunca mais apareci. O Twitter, o Facebook e afins são grandes invenções, não há dúvida, mas, assim como o Tamagoshi, se baseiam em uma substituição repetitiva e compulsiva do mundo dos vivos. Essas redes exigem atenção constante, se não são alimentadas, morrem à míngua. Tomam preciosas horas reais de dedicação de você.
Elas me lembram aqueles grupos de japoneses que a gente encontra muito em viagem, que, em vez de ver com os olhos os lugares que visitam, filmam sem parar para depois assistir em casa.
Melhor comprar um cachorro.

MÍRIAM LEITÃO

A praça venceu
Míriam Leitão
O GLOBO - 12/02/11

Os momentos revolucionários são mágicos, contagiantes e belos. O povo egípcio mereceu o dia de ontem. Foram longos 18 dias de persistência que hipnotizaram o mundo. Nada os deteve: nem o longo tempo, nem a violência da repressão, nem as manobras do ditador. A Praça Tahrir mudou o Egito, mas mudou também Washington. Agora, começa o perigoso momento seguinte.

O vigoroso discurso de ontem do presidente Barack Obama, inspirado e convocando heróis da luta pacífica como Martin Luther King, descrevendo com paixão as cenas que o mundo viu, foi uma forte demonstração de como Cairo mudou Washington. Obama em dois anos manteve uma política externa conservadora, sem grandes sinais de mudança em relação ao que havia antes. E sim, ele podia ter mudado mais. Deve ser constrangedor para a secretária de Estado, Hillary Clinton, rever o que ela mesma disse poucos dias atrás sobre ser um governo estável de um aliado confiável, a ditadura de Mubarak. Apenas um pouco menos constrangedor do que para o primeiro-ministro francês, François Fillon, a sua imagem voando nas mordomias do avião de Mubarak.

Quando Saddam Hussein caiu, era o governo de Washington impondo sua hora ao povo iraquiano. Era um ditador a menos, e ninguém vai lamentá-lo. Mas foi preciso passar por cima dos relatórios da ONU, conduzidos por Mohamad El-Baradei - sempre ele -, para sustentar que o governo do Iraque tinha o que ele não tinha: armas de destruição em massa. A guerra iraquiana ainda não acabou e nunca houve grandes esperanças sobre as mudanças de Bagdá. No Egito, a mudança vem de dentro, é genuína e tem chances de ser duradoura.

As cenas fortes do confronto na ponte, da força da Praça Tahrir, do dramático ataque a cavalos e camelos dos policiais de Mubarak, das adesões de militares ao movimento, da onipresente bandeira egípcia ficarão por muito tempo nas lembranças do mundo. Mas depois da festa de ontem começará a volta ao normal.

Os próximos passos são essenciais. De agora em diante todo o cuidado é pouco. Há perigo na esquina. Vários perigos. Os militares podem querer permanecer no poder, do qual, na verdade, nunca se afastaram. O governo de Hosni Mubarak foi um regime militar misturado com uma ditadura pessoal. Seu poder vinha das Forças Armadas financiadas e mantidas pelo poder do forte subsídio americano. Ainda há ambiguidades dentro do sistema. Eles precisam do dinheiro americano e dos privilégios que construíram ao longo dessas décadas. Não vão querer abrir mão deles. E, dependendo do que pretendam fazer, pode ser o inicio de mais instabilidade.

O povo vai se recolher para seu merecido descanso depois da vitória, como sempre acontece. E ainda não é a hora. A forma da transição não está resolvida e ela tem que conter alguns ingredientes indispensáveis: suspensão da lei de emergência, o AI-5 deles, que está em vigor desde 1981; dissolução do Parlamento eleito de forma fraudulenta; governo de transição com representação civil para garantir que as eleições serão mesmo livres e limpas.

Na economia, há muito a fazer. As últimas semanas deixaram sequelas. Houve muita fuga de capital, muito investimento adiado, muita produção parada, muito negócio cancelado. Será preciso retomar a atividade normal. Amanhã, a Bolsa do Cairo abre depois de duas semanas fechada. E a economia começará lentamente a reconstrução. Mas é bom lembrar que alguns problemas ajudaram a fomentar a revolta, como o forte desemprego entre os jovens e a alta de preços dos alimentos. Nada disso desaparecerá de uma hora para outra. E se eles não começarem a ser enfrentados será inevitável o sentimento de decepção, principalmente entre os jovens que puxaram os mais velhos para a praça.

Será necessário combater a corrupção, que lá é explícita: o ministro da indústria era dono de um grande complexo industrial; o do turismo, da maior operadora de turismo do país; o da habitação tinha a maior construtora. E assim por diante. Desfazer toda essa teia de interesses que captura o Estado, como sabemos bem, é uma longa batalha.

A oposição passou por cima da divisão anterior para construir a força que os manteve unidos na Revolução da Praça Tahrir, mas agora será retomada a competição entre os diversos grupos, até porque é natural e saudável que isso aconteça na construção de uma verdadeira democracia. Mas qual é o momento certo da divisão? Se for cedo demais, antes de se consolidar o arcabouço da transição, os riscos aumentam.

Na lista do saldo favorável dos acontecimentos no Egito está a derrubada de um dos preconceitos mais arraigados no Ocidente: o de que era preciso tolerar uma ditadura laica, do contrário haveria um governo religioso extremista. E o governo de Mubarak nem era tão laico assim. Era de interferência direta na questão religiosa. O sermão da sexta-feira a ser lido pelos líderes religiosos islâmicos tinha que ser submetido à censura prévia do ministério que cuida especificamente da religião. Terá agora que ser derrubado outro preconceito: o de que há uma incompatibilidade entre a cultura árabe e a democracia.

Como disse Obama, o processo de transição não se completou, está no início e há muito trabalho e riscos pela frente. Fiquemos por enquanto com a beleza do povo na praça mudando a História de um país, de uma região conflituosa, de um continente marcado. Fiquemos por um minuto vendo a beleza da História sendo feita por todos os egípcios. É inspirador.

MERVAL PEREIRA

Anseios da rua árabe
Merval Pereira
O GLOBO - 12/02/11

O fato de que durante os vários dias que duraram as manifestações no Egito, até o fecho com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, não ter havido nem bandeiras de outros países queimadas, nem slogans que não fossem relacionados com as reivindicações nacionais, é "inédito e muito significativo" para Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e atual Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações.

Para ele, parece claro que, no casos da Tunísia e do Egito, há uma reivindicação comum expressa pela chamada "rua árabe" de liberdade, de democracia, de melhores condições de vida, de mais justiça social e igualdade de oportunidades.

Em ambos os países, em que a demografia é marcadamente jovem, ressalta Sampaio, "o povo reclamou o direito ao futuro, o qual passa sem dúvida pelo direito ao trabalho e a uma vida digna".

A Aliança das Civilizações é uma iniciativa das Nações Unidas que objetiva mobilizar a opinião pública em todo o mundo para superar preconceitos e percepções equivocadas que, muitas vezes, levam a conflitos entre Estados e comunidades heterogêneas.

A Aliança de Civilizações foi proposta pelo presidente do governo da Espanha José Luis Zapatero, logo após os atentados terroristas ocorridos em 2004 no metrô de Madri, e é copatrocinada, desde o início, pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

Um grupo de Alto Nível composto por 20 personalidades, entre elas o sociólogo brasileiro Candido Mendes, organizou a atuação da Aliança.

Candido Mendes é embaixador brasileiro para a Aliança das Civilizações e secretário-geral da Academia da Latinidade, criada em 1999 para discutir a questão do multiculturalismo dentro de um universo já ameaçado pela hegemonia dos Estados Unidos, mesmo antes dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Reúne intelectuais, na maioria de países de origem latina - seu presidente é o ex-secretário da Unesco Frederico Mayor, e um dos vice-presidentes é o ex-presidente de Portugal Mario Soares -- , e se propõe a intermediar as relações do Ocidente com o Oriente, tendo como base o fortalecimento da democracia.

Para Candido Mendes, "a onda de democracia começada pela Revolução de Jasmim é uma expressão autêntica do inconsciente coletivo do mundo árabe, que passou diretamente do colonialismo para a presença de governantes instalados, há décadas, no poder e sem indícios de deixarem as suas investiduras".

Para ele, esse movimento é mais claro na Tunísia, "o país civicamente mais adiantado da área, na força da sua classe média e de seu peso universitário".

O que aconteceu no Egito, para Candido Mendes, foi um efeito mimético "sem qualquer intelligentsia que desse um teor, de fato, de mudança ou de verdadeira revolução frente ao status quo".

Ele vê como "risco" a "instalação regressiva de movimentos como a Irmandade Muçulmana", com o clamor pela democracia sendo "absorvido pelo reducionismo fundamentalista".

Candido Mendes chama a atenção para o que "pressagia o Irã de Khamenei, na reprodução, agora, no Cairo, do movimento de Khomeini", o que levaria a uma "radicalização imediata e subsequente do conflito com Israel, e a dimensão do confronto atômico que poderá deflagrar-se entre Jerusalém e Teerã".

Para ele, o conflito egípcio "passou do regional ao global".

Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, confrontado com a possibilidade de que essa onda de reivindicações na região decorra não de um desejo de democratização, mas seja um mero reflexo das dificuldades por que passam países árabes, com desemprego alto e inflação crescente, chama a atenção para o fato de que "a democracia não se esgota na realização de eleições livres e no Estado de Direito".

O governo "do povo e para o povo" significa, ressalta Sampaio, que "liberdade, igualdade e direitos - direitos políticos, mas também econômicos, sociais e culturais - estão na raiz da democracia".

Mesmo que tenham acontecido na mesma ocasião, e resultado na deposição de antigas ditaduras, as revoltas na Tunísia e no Egito não devem ser comparadas, analisa Jorge Sampaio: "Cada país é um caso e não gosto de tratar as situações de uma forma monolítica, as generalizações são sempre simplificadoras e por vezes reducionistas. Não há dois países iguais, mas há, claro, semelhanças e tendências comuns".
Sampaio não crê que se possa dizer que a sociedade civil é forte nesses países, "como também o não é em outros países vizinhos".

Mesmo que considere que uma sociedade civil forte "está sempre mais apta a reagir a abusos, a defender o interesse coletivo e a fazer prevalecer o bem comum", o ex-presidente de Portugal lembra que "essa não é uma condição sine qua non de mudança".

Ele cita o caso do Egito, em que "a união fez a força, e triunfaram os ideais da democracia, da liberdade e dos direitos humanos".

A "extensa e bem preparada classe média egípcia e o fato de a sociedade ser relativamente aberta" facilitaram o sucesso desta mudança histórica, analisa Sampaio.

Se o fato de não haver uma sociedade civil organizada não impediu o êxito do movimento, o ex-presidente de Portugal destaca que essa falta "poderá tornar o processo de transição mais complexo e incerto. Não esqueçamos que a democratização é um processo longo que exige compromissos e muita concentração. Um regime pode cair de um dia para o outro ou, pelo menos, num breve lapso de tempo. Mas o mesmo já não acontece com a construção da democracia que mais se assemelha uma obra morosa de arquitetura". (Amanhã: o risco da radicalização, o papel dos Estados Unidos e de Israel)

IVAN ÂNGELO

Perna de homem
IVAN ÂNGELO
REVISTA VEJA - SP



Constato: não há mais meninos de calças curtas. Eles usam calças compridas desde o início da vida bípede; os homens adultos é que usam calças curtas quando não estão no escritório.


As meninas estão entrando mais cedo na adolescência e os meninos mais tarde. Suspeito que para eles faltem indicações externas, falta daquilo que os estudiosos do comportamento humano chamavam de rituais de passagem. Agora os garotos começam a beijar muito mais cedo e a trabalhar muito mais tarde. Bagunçou. O beijo precoce, em idade ainda lúdica, não tem aquele poder de movimentar hormônios, é brincadeira de criança, não sei se ajuda a crescer.


Uma das indicações mais importantes de que alguma coisa estava mudando na vida dos meninos eram as calças compridas, e com elas algumas responsabilidades. Chegava uma época em que mãe e pai conferenciavam e decidiam: já está na hora de o menino usar calças compridas. Mais ou menos na mesma época em que ele começava a mudar de voz. Havia como que um cerimonial em torno disso, desde a compra da calça comprida até a saída à rua. Daqui a alguns anos, quando um leitor encontrar no meio de um texto uma frase como “Fulano era ainda um menino de calças curtas”, não vai saber do que se trata.


Pois era isso: a partir de certa idade, na época do aparecimento de pelos mais grossos e fartos pelo corpo, tomava-se o cuidado de cobrir as pernas masculinas. E elas permaneciam cobertas até o fim da vida. É de supor que a sociedade as considerasse feias, ou não as cobriria. Escoteiros eram olhados como meninões sem autocrítica, a exibir pelos, joelhões e batatonas de pernas. Os ingleses, povo meio esquisito, usavam aquelas calças curtas na Índia. Os escoceses, também peculiares, digamos assim, utilizavam saiotes nos dias de festa. Eram exceções, e distantes de nós.


As mulheres eram treinadas na discrição. Podiam opinar somente sobre aspectos mais delicados, como a beleza do rosto dos atores, da voz dos cantores e locutores. Os homens tinham de ser avaliados por critérios genéricos e fluidos como caráter, masculinidade, segurança. Quando levadas a particularizar um pouco mais suas preferências, as mulheres falavam de altos ou médios, gordos ou magros, louros ou morenos, com bigodes ou sem bigodes, com barba ou sem barba.


Agora não. Agora falam sem pejo do corpo dos homens, na base do vamos por partes.


Talvez elas já o apreciassem em silêncio. Por que começaram a falar abertamente do assunto de uns anos para cá? Um dos primeiros a jogar o tema na praça nacional foi Fernando Gabeira, num conto que publicou em 1979, logo que voltou do exílio. Falava de um homem sul-americano que ficava intrigado porque a namorada europeia dizia que gostava do traseiro dele. Nos anos 70, os homens não sabiam exatamente o que seduzia as mulheres. Abafadas, elas disfarçaram por muito tempo sua mirada.


Na década de 80, uma revista já elegia, com o voto delas, as pernas do goleiro Leão como as melhores do país. Homens comuns passaram a modelar as suas, a moda masculina começou a autorizar a exibição de pernas. Shorts migraram do litoral para os parques urbanos, avenidas, pistas de jogging, e logo, no estilo “bermuda social”, invadiram festas, almoços ao ar livre, bares, restaurantes sabatinos. Os homens conquistaram definitivamente o direito de exibir pernas fora das praias, como as moças faziam desde os anos 60 com suas minissaias e shortinhos. O que era tosco, feio, mal-acabado e grosseiro adquiriu status de atração sensual.


Ficamos devendo às mulheres mais essa pequena liberdade. Logo que chegaram aos postos de decisão na sociedade, elas passaram a ditar não só o que queriam mostrar, mas também o que queriam ver.

RUY CASTRO

Apagando o Yolanda

RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11

RIO DE JANEIRO - A estação do morro do Adeus, no teleférico do Complexo do Alemão, vai ganhar um painel em homenagem a Noel Rosa. Nos anos 30, Noel foi um dos primeiros brancos a subir os morros -a pé, pelas trilhas, picadas e escadinhas- para compor com seus sambistas, um deles Cartola. E nenhum outro, até hoje, teve mais parceiros negros.
A foto usada no painel é aquela clássica, em que Noel está de terno branco, camisa preta, gravata branca -quase um gângster de filme da Warner- e acendendo um cigarro. No painel do morro do Adeus, o cigarro de Noel será apagado eletronicamente. Espero que não o substituam por um pirulito.
Os politicamente corretos atacam outra vez. Para eles, é feio mostrar Noel fumando. Seria mau exemplo para os jovens, que, por causa dele, poderiam querer fumar também. Isto num país em que a legalização da maconha é defendida até na TV. Uma provocação: se Noel estivesse acendendo um baseado, e não suas marcas favoritas, Yolanda e Liberty ovais, podia?
Noel fumava três maços por dia e, em suas autocaricaturas, sempre se desenhava fumando. Bebia cerveja Cascatinha (que chamava de água benta) e cachaça. Passava as noites no Mangue, na Lapa, em Vila Isabel, onde houvesse birita, violão, mulheres e amigos. Acordava com o dia longe, raramente via o sol. E se alimentava muito mal. Essa receita de suicídio levou-o à tuberculose e à morte aos 26 anos. Levou-o também a ser Noel Rosa.
A soma disso é sua obra. Em apenas sete anos e meio de vida musical (de 1930 a meados de 1937, quando morreu), compôs 259 sambas -cerca de 35 por ano, ou mais de um a cada 15 dias. Muitos deles, obras-primas. Em média, nem Ary Barroso e Cole Porter produziram tanto. Soa falso e bobo tentar "corrigir" sua imagem pelos padrões de saúde de hoje. Noel Rosa fumava e era Noel Rosa.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Generalidades sobre educação
EDITORIAL

 O Estado de S.Paulo - 12/02/11

Em seu primeiro pronunciamento oficial em cadeia de rádio e televisão, a presidente Dilma Rousseff se comportou mais como uma candidata do que como a nova presidente da República que anuncia suas políticas. A cadeia nacional de rádio e televisão foi convocada sob a justificativa de comemorar a abertura do ano letivo, apresentar a educação como uma das prioridades do governo e anunciar a criação do Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec). A ideia é oferecer ensino técnico aos estudantes da rede pública de ensino médio, por meio do Sistema S - que é formado pelas entidades sociais dos setores produtivos (agricultura, indústria, comércio, transportes e cooperativas) e mantido por uma contribuição de 2,5% sobre a folha salarial das empresas. Com isso, o ensino médio passaria a tempo integral.

Na campanha presidencial de 2010, a proposta foi defendida tanto por Dilma quanto por seu adversário José Serra (PSDB) - que reivindica sua autoria. Como o Pronatec até agora só foi esboçado e o projeto só ficará pronto dentro de um a dois meses, Dilma não tinha nada de substantivo para dizer em seu pronunciamento. O governo não definiu nem mesmo a fonte de financiamento do projeto - uma das possibilidades é a abertura de uma linha de financiamento do BNDES no valor de R$ 40 bilhões, que seriam usados para equipar as escolas; outra possibilidade seria negociar com o Sistema S o perdão de uma dívida - que não é reconhecida pelas confederações empresariais - em troca do aumento do número de vagas em cursos como os do Sesi e do Senac.

Por isso, a chefe da Nação acabou repetindo frases feitas sobre o papel do ensino básico, nos 5 minutos e 46 segundos de duração de seu discurso. "Nenhum país poderá se desenvolver sem educar bem o seu jovem e capacitá-lo plenamente para o emprego", afirmou Dilma. A educação é "a grande ferramenta de construção dos sonhos dos brasileiros"; é "a ferramenta para superarmos a pobreza e a miséria"; é "um desafio que somente será vencido se o governo e a sociedade se unirem de fato nessa luta, com toda força, coragem e convicção", disse a presidente - repetindo o que já falara durante a campanha eleitoral.

Além de prometer agilizar a implementação do plano nacional de banda larga e fazer do Pronatec uma espécie de ProUni do ensino técnico e profissionalizante, ela afirmou que vai corrigir as falhas que têm ocorrido no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com o objetivo de recuperar a credibilidade dos mecanismos de avaliação. E também defendeu mais investimentos para a formação de professores e anunciou que irá ampliar o número de creches e pré-escolas e coibir a evasão escolar.

Em seu discurso, que foi orientado pelos publicitários João Santana e Marcelo Kertz, responsáveis por sua campanha à Presidência, Dilma disse que "a luta mais obstinada" do governo será o combate à miséria, mediante a ampliação do emprego e o aperfeiçoamento das políticas sociais. E, sobre um fundo verde-amarelo que substituiu a marca "Brasil, um país de todos", do governo Lula, ela anunciou o slogan de sua gestão - País rico é país sem pobreza. "Esse será o lema de arrancada do meu governo. Ele está aí para alertar permanentemente a nós do governo e a todos os setores da sociedade que só realizaremos o destino de grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria", disse ela.

No Palácio do Planalto, a troca de slogans foi justificada como uma estratégia de marketing para passar para a população a ideia de que o País teria mudado de patamar, podendo buscar padrões mais ambiciosos que a mensagem da igualdade social, enfatizada pelo governo Lula. Nos meios políticos, porém, a fala de Dilma e o lançamento de um novo lema foram interpretados como uma tentativa de contornar os efeitos negativos para a imagem do governo causados pelos problemas ocorridos com o Sistema de Seleção Unificada, nos primeiros dias da nova administração.

O primeiro pronunciamento em cadeia nacional de Dilma foi apenas um exercício de retórica, com muitos adjetivos e poucos substantivos.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Próximo capítulo
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11


A ação que resultou ontem na cassação do mandato de José de Anchieta Jr. (PSDB) foi a primeira a chegar a julgamento entre 30 que pesam contra o governador reeleito de Roraima, acusado de uso irregular de meios de comunicação na mais acirrada campanha do país, decidida por 1.700 votos.
O material reunido nas representações que ainda tramitam no TRE, referentes ao segundo turno, tem considerável potencial de estrago. Ali está a gravação em que a mulher do tucano, Shéridan, oferece a inclusão de uma eleitora como beneficiária de projeto social em troca do voto no governador, com a frase: "O que a senhora quer pra votar no Anchieta?".


Moratória Tão logo empossado, Neudo Campos (PP) deve suspender todos os pagamentos do governo.

Vamos ver 1 Um veterano em negociações no Congresso desdenha da ameaça do governo de retaliar aliados que votarem por salário mínimo superior a R$ 545: "Quero saber se o ministro Carlos Lupi vai cair, já que o PDT, partido dele, liderou o movimento pelos R$ 580.

Vamos ver 2 No Planalto, admite-se que dificilmente Lupi sofreria abalo na esteira deste primeiro teste. Mas os palacianos lembram que há vários pedetistas na fila por cargos no governo. É o caso de Osmar Dias (PR).

Calorias 1 Ao receber das mãos de Marisa Letícia uma fatia de bolo no aniversário do PT, Dilma Rousseff agradeceu, despejou metade do doce em outro prato e se justificou: "Estou de regime".

Calorias 2 Na véspera, quando Lula jantou no Alvorada, a presidente e o ex trocaram dicas sobre suas respectivas dietas. Ele contou que está fazendo 1 hora e 20 minutos de esteira por dia.

Superpop A volta de Lula de Brasília, ontem, foi ainda mais animada do que a ida. Ao final do voo, formou-se longa fila de passageiros que queriam ser fotografados ao lado do ex-presidente.

Blitz Liderados por Carlos Jereissati Filho, dirigentes dos principais shoppings centers de São Paulo serão recebidos na próxima quarta-feira pela cúpula de Segurança Pública do Estado. Discutirão com o secretário Antonio Ferreira Pinto uma força-tarefa para conter a onda de assaltos aos centros de compras da capital.

Ambientado Otávio Okano será o novo presidente da Cetesb, companhia responsável pela concessão de licenças ambientais e fiscalização de atividades poluidoras em São Paulo. Engenheiro químico, Okano já dirigiu a empresa em 2006, no final do mandato anterior de Geraldo Alckmin, quando substituiu Rubens Lara, então promovido à Casa Civil.

Vaivém O PV indicou o prefeito de Ribeirão Pires, Clóvis Volpi, para o comando do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica), autarquia incumbida do planejamento e execução das obras antienchentes na Grande SP. Para assumir, o "verde" teria que renunciar ao mandato. O nome de Volpi, contudo, ainda não passou pelo crivo da Casa Civil.

Centésimo O secretário da Saúde de SP, Giovanni Cerri, corre para apresentar, nos cem dias do mandato de Alckmin, um amplo programa antidrogas e álcool nas escolas da rede estadual, desenvolvido em parceria com a Secretaria da Educação.

Melhor não Alckmin pediu que José Bernardo Ortiz reconsidere a nomeação do ex-secretário de Assuntos Jurídicos de Pindamonhangaba Luiz Gustavo Mello para assessoria na FDE.
Com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Quem está com o governo votará a favor dos R$ 545. Quem votar em outra proposta estará fazendo oposição."
DO LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA, CÂNDIDO VACCAREZZA (PT-SP), sobre o comportamento que o Planalto espera de sua base aliada na votação do salário mínimo, marcada para a próxima quarta-feira.


contraponto

Acima de tudo

Ao encontrar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pelos corredores do Congresso na abertura do ano legislativo, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) repreendeu-o por ter recrutado para a chefia de seu gabinete o funcionário Mozart Vianna, longevo secretário-geral da Câmara e especialista em regimento.
-Você está nos roubando o 514º deputado, a única unanimidade entre nós!
-Já fui presidente da Casa e desfrutei das qualidades dele. Além disso, o doutor Mozart é mineiro...

ANCELMO GÓIS

VERMELHO CASSADO 
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 12/02/11

Um sábio reparou que a logomarca do governo Dilma só tem as cores da pátria. Diferente da logo de Lula, que incluía também preto (no “I”) e vermelho (no “L”).
Ou seja: não é nada, não é nada... não é nada.

HABLA ESPANHOL? 
Guido Mantega, que não fala bem inglês, atacou de espanhol, ontem, na reunião com o ministro da Economia da Argentina, Amado Boudou.
Teve um “la recuperação” e até “ter fecho mais políticas”.

ROYALTIES DO PETRÓLEO 
Sérgio Cabral já avisou a Carlos Minc, seu secretário do Ambiente, que vai mandar à Assembleia um projeto de emenda constitucional que duplica de 5% para 10% dos royalties do petróleo os recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam).
O Fundo gera, atualmente, entre R$ 250 milhões e R$ 320 milhões.

EM TEMPO... 
A alíquota original do Fecam era de 20% e foi reduzida para 5% no governo Rosinha Garotinho.

NO MAIS 
Como dizem os versos de Castro Alves, a praça é do povo como o céu é do condor.
Viva a Praça Tahrir, no Cairo!

MÉTODO DA GUERRILHA 
A editora italiana Mondadori adquiriu os direitos de “Método prático da guerrilha”, de Marcelo Ferroni, que saiu aqui pela Companhia das Letras.
O livro, sobre os últimos dias de Che na Bolívia, sairá ainda na Espanha e em Portugal.

AS VOLTAS QUE 
Na campanha eleitoral, o PT acusou José Serra de planejar, caso eleito, a suspensão de concursos e contratações de servidores públicos — o que o governo petista anunciou ontem.

REPÚBLICA DAS ALAGOAS 
A denúncia é da Associação Nacional do Ministério Público de Contas.
Desde agosto do ano de 2004, o TCE de Alagoas julga as contas do Estado e de seus municípios sem a presença de um único integrante do MP, o que pode levar à nulidade todos os seus pronunciamentos.

FLAGRANTE ILEGAL 
A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RJ concedeu habeas-corpus à professora de matemática Cristiane Teixeira Maciel Barreiras.
Em janeiro, ela havia sido condenada a 12 anos, em regime fechado, por ter mantido relacionamento afetivo com uma aluna de 13 anos.
Voltará gordo O embaixador George Prata, que está de saída da nossa representação em Praga, cumpre uma agenda tão vasta de despedidas que chamou a atenção de colegas de Itamaraty.
São, acredite, mais de 40 almoços e jantares.

DOM ODILO P. SCHERER

Questão ecológica, questão moral

DOM ODILO P. SCHERER 

 O Estado de S.Paulo 12/02/11

Sempre mais nos damos conta de quanto o nosso planeta é precioso e único no universo. Sem excluir que possa haver vida em algum outro lugar na imensidão do cosmo, o certo é que, com todo o seu potencial para esquadrinhar o espaço sideral, os estudiosos ainda não conseguiram detectar nada que se pareça com a vida no nosso Planeta Azul; nem mesmo com suas formas mais elementares.

A Terra é a casa da vida, o espaço privilegiado que abriga uma diversidade enorme de seres vivos. Ela é o condomínio da família humana, com suas raças, seus povos e suas culturas diferentes; lentamente, e com certa relutância, vamos aprendendo que ninguém é dono absoluto de pedaço algum deste globo e que todos fazem parte de uma imensa comunidade humana, que tem tanto em comum.

Todos são responsáveis por todos nesta comunidade e o bem de cada um só será completo se também for o bem de todos os demais; da mesma forma, o mal de um é o mal de todos. Comum deve ser também o zelo para que este condomínio não seja descuidado e tornado inabitável com o passar do tempo. Está em jogo o bem de todos.

Embora a questão ambiental entre, aos poucos, nas preocupações diárias, ainda estamos longe de ter alcançado uma consciência coletiva que seja capaz de frear os estragos causados pela intervenção humana na natureza; no âmbito dos comportamentos individuais, há muito que fazer para que o zelo pelo ambiente se torne habitual e cultural; no campo das decisões políticas, em todos os níveis, está difícil chegar a consensos que levem plenamente a sério a questão ambiental; de fato, procura-se salvar, geralmente, mais os interesses imediatos e particulares do que a sustentabilidade, a médio e longo prazos, desta casa comum que nos abriga.

A Igreja Católica, no Brasil, por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já pela terceira vez, realiza a Campanha da Fraternidade sobre a ecologia. Neste ano, o assunto é abordado de maneira ampla, com o tema "Fraternidade e Vida no Planeta". Chama-se a atenção para o fenômeno do aquecimento global, as causas que o provocam e as consequências que poderá trazer, ou já vai tendo; mostra-se, sobretudo, que o comprometimento das condições ambientais para o futuro da vida na Terra não tem, geralmente, a sua causa em fenômenos espontâneos da dinâmica do universo, mas em ações do homem, que interferem no equilíbrio ecológico. Tais intervenções foram aceleradas, sobretudo, pelo sistema industrial e pelos modelos econômicos adotados a partir dos últimos três séculos. A comunidade humana está cuidando mal da natureza, dela exigindo mais que ela pode dar, destruindo a própria casa, pouco a pouco.

Vamos deixar correr, fazendo de conta que o problema não existe, ou que é só dos outros? Manter o mesmo ritmo de consumo e de interferência na natureza, sem nos importarmos com as consequências?

Num condomínio, quando aparecem problemas e riscos, é normal que todos os condôminos se reúnam e decidam sobre o que fazer, pois o bem de todos está relacionado intimamente com o bem do próprio condomínio. Não deveria ser diferente com nosso planeta: descuidar da Terra faz mal a todos; cuidar bem da Terra é bom para todos.

O papa João Paulo II advertiu que a questão ecológica representa um problema moral, cujas implicações são, basicamente, duas: a solidariedade para com os pobres e o direito das futuras gerações. De fato, os maiores prejudicados com a deterioração ambiental são, e o serão ainda mais no futuro, os pobres do mundo, os mais fracos e desprotegidos da família humana. E não é moralmente honesto viver e agir apenas pensando em si, sem levar em conta o bem dos membros mais frágeis da família. Por outro lado, esta é uma questão de respeito e de justiça para com as gerações futuras, que habitarão este planeta depois de nós. Em que estado deixaremos este condomínio para nossos pósteros?

A questão ecológica demanda com urgência uma nova consciência solidária. O zelo pelo planeta é um desafio moral, que a humanidade precisa enfrentar com políticas adequadas de convivência e de interação responsável com a natureza.

Recentemente, na encíclica Caritas in Veritate (32), o papa Bento XVI apontou para a necessidade de uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e do sentido da economia e seus objetivos, para corrigir disfunções e deturpações, que têm implicação direta na deterioração do ambiente da vida na Terra. Por outro lado, não menos necessária é uma renovação cultural, para redescobrir os valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir o futuro melhor para todos.

Para os cristãos e para os crentes em Deus, de modo geral, há um motivo a mais para tratar a natureza com profundo respeito e responsabilidade: ela é dádiva do Criador para todas as suas criaturas, não, certamente, para que a depredem e destruam, mas para que dela vivam e louvem a Deus. De modo especial, o ser humano foi feito "zelador do jardim" e colaborador inteligente e responsável no cuidado pela obra de Deus. Tratar mal a dádiva é desprezar e ofender o doador; e a vontade de potência absoluta do homem sobre a natureza é irresponsável, pois introduz a desordem no mundo; as consequências só podem ser desastrosas, como aquelas que já constatamos e lamentamos.

A Campanha da Fraternidade deste ano é um convite à reflexão e à ação para manter acolhedora e vivível para todos a nossa preciosa casa no universo. E também para aqueles que a ocuparão depois de nós.

É questão moral, questão de fraternidade.

CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

CLAIRE CAIN MILLER

Na rede, o que importa são as palavras-chave
CLAIRE CAIN MILLER 
O Estado de S.Paulo - 12/02/11

Para ganhar audiência, sites adaptam conteúdo para a atração de leitores em serviços de buscas, e não na qualidade editorial


O site The Huffington Post contratou jornalistas veteranos para melhorar o conteúdo do seu noticiário. Entretanto, parte significativa dos seus leitores prefere artigos como o que foi publicado esta semana: "Chelsy Davy e o príncipe Harry: felizes juntos?" O texto de duas sentenças foi apenas um veículo para um conjunto de fotos do casal, sem qualquer notícia. Mas "Chelsy Davy" foi um dos nomes mais procurados no Google naquele dia e, logo depois da publicação, o artigo se tornou um dos primeiros links que explodiram nos resultados de busca do Google.

Este é um exemplo de uma arte e ciência na qual The Huffington Post se destaca: a otimização para mecanismos de busca (SEO, na sigla em inglês). O termo se refere a uma ampla variedade de táticas para fazer com que os usuários visitem um site na internet, como escolher tópicos para artigos baseados nas palavras-chave mais procuradas.

Como o Google é a porta de entrada da rede para vários usuários, a SEO tornou-se uma obsessão para muitos editores da rede, e os mais bem-sucedidos usam a estratégia em graus variados. Mas o consenso é que o aumento da concorrência por leitores entre jornais, revistas, blogs e sites transformaram a busca em prioridade - com isso, as empresas passaram a adotar novas técnicas, como explorar ao máximo as mídias sociais.

A capacidade do Huffington Post de usar essas táticas a fim de aumentar o número de leitores foi uma das razões que levou a AOL a adquiri-lo por US$ 315 milhões. A Demand Media, que administra sites como o eHow e Answerbag.com e valoriza a otimização para mecanismos de busca provavelmente mais que qualquer outro veículo, captou US$ 151 milhões em uma oferta pública de ações em janeiro.

Qualidade. Modelos como estes poderão preparar o caminho para um jornalismo lucrativo na era "pós-impressão", segundo analistas - ou, como outros temem, levar a mídia online a publicar artigos de baixa qualidade escritos para apelar aos buscadores e não aos leitores.

A SEO é "absolutamente essencial", afirma Rich Skrenta, diretor executivo do motor de busca Blekko. No entanto, ela acrescenta que a ferramenta pode ser o fim da qualidade da mídia online. "No início, os sites tinham um conteúdo realmente ótimo, mas agora se deram conta de que quanto maior a SEO, maior o lucro, e a pressão faz realmente com que a qualidade caia."

Existe uma indústria da otimização do motor de busca e de mídias sociais, e muitos profissionais com esse tipo de conhecimento encontraram emprego nas empresas de mídia online. Algumas das estratégias incluem a inclusão de palavras-chave que as pessoas podem pesquisar, títulos enigmáticos que leitores não resistem em clicar e numerosos links para outros artigos.

Além de escrever artigos baseados nas buscas mais comuns no Google, o Huffington Post escreve títulos como "Veja: Christina Aguilera se atrapalha com o hino nacional". Muitas vezes, usa as frases mais buscas no Google em seus artigos. Com essas técnicas, 35% das visitas ao site em janeiro vieram de buscadores, contra os 20% da CNN.com, informa a consultoria Hitwise. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

ISSANDR EL AMRANI

O fim de uma piada de três décadas
ISSANDR EL AMRANI 
O Estado de S.Paulo - 12/02/11

O humor egípcio chega aonde sua política não consegue

O que ocorreria se você passasse 30 anos fazendo piadas a respeito do mesmo homem? E se, na última década, tivesse zombado da sua morte iminente - mas ele continuou vivo, fazendo com que todas as histórias sobre sua imortalidade pareçam, de uma maneira incômoda, próximas da verdade?

Os egípcios, conhecidos pelo seu subversivo humor político, vivenciaram até ontem este cenário: Hosni Mubarak, seu presidente octogenário, às vésperas de entrar na sua quarta década de governo, agarrando-se ao poder e à vida com uma enorme força de vontade. Os piadistas egípcios, que de início caricaturavam seu líder nada carismático como um matuto ganancioso, passaram os últimos anos nervosamente fazendo piadas sobre sua insistência tenaz em permanecer no trono. E justamente agora, quando o humor começava a parecer um pouco obsoleto, veio a renúncia do ditador.

Um amigo meu adorava contar esta piada: "Qual é o dia perfeito para Mubarak? Aquele em que nada acontece". O agora ex-presidente egípcio preferia o status quo e não apreciava mudanças, mas a sua fantasia com o Dia da Marmota afetava enormemente os egípcios. Mubarak sobreviveu a tentativas de assassinato e a uma cirurgia complicada. Depois de passar a maior parte de 2010 convalescendo, todo mundo no Cairo -de motoristas de táxi a políticos e espiões estrangeiros - estava convencido de que ele morreria em questão de semanas. Mas ele se recuperou, aparentemente pensando em concorrer a um sexto mandato em setembro. Os prolíficos piadistas, com sua longa tradição de satirizar os poderosos, poderiam ficar sem material.

Fazer piada de autoridades tirânicas é uma parte essencial da vida egípcia desde a época dos faraós. Um comentário datado de 4.600 anos registrado em papiro gracejava que a única maneira de convencer o rei a pescar era colocar garotas nuas nas redes de pesca. Sob o império romano, os advogados egípcios foram proibidos de exercer a profissão por causa do hábito que tinham de fazer piadas, o que para os austeros romanos corroía a seriedade própria dos tribunais. Até Ibn Khaldun, o grande filósofo árabe do século 14, de Túnis, observou que os egípcios eram um povo extraordinariamente irreverente e hilário. O ator egípcio Kamal al-Shinnawi, também um mestre do sarcasmo, disse certa vez que "a piada é a arma devastadora que os egípcios sempre usaram contra invasores e ocupantes. Foi a corajosa guerrilha que penetrou nos palácios dos dirigentes e nos bastiões dos tiranos, interrompendo o seu descanso e deixando-os em pânico".

Existe muito material sobre os últimos 50 anos no Egito, marcado que foi por uma sucessão de líderes militares com pouco respeito pela democracia ou pelos direitos humanos. Embora até esta semana os egípcios estivessem virtualmente impotentes para mudar seus governantes, eles sempre tiveram uma ampla liberdade para ridicularizá-los com pilhérias, ao contrário da Síria, onde uma piada pode levá-lo à prisão. Nos povoados e cidades muito densos, onde a socialização é mais intensa, as piadas funcionam como uma maneira quase universal de "quebrar o gelo", ou dar início a uma conversa, e os temas básicos, que transcendem os governantes, as ideologias, as barreiras de classe, quase sempre são os mesmos: nossos líderes são idiotas, nosso país, uma confusão, mas pelo menos conseguimos fazer piadas juntos.

Os que governaram o Egito antes de Mubarak, o nacionalista Gamal Abdel Nasser e o prêmio Nobel da Paz Anwar Sadat, eram personagens exuberantes, e as piadas contadas sobre eles refletiam sua personalidade fora do comum. O paranoico Nasser teria mobilizado sua polícia secreta para recolher as piadas sobre ele e seu governo autoritário, da mesma maneira que a KGB monitorava nervosamente as legendárias anekdoty feitas na mesa da cozinha sobre o governo gerontocrático, para compreender realmente o que sucedia nos derradeiros dias da União Soviética. Sadat, apesar de conhecido no Ocidente pela paz firmada com o vizinho Israel, foi alvo de inúmeras piadas envolvendo seu governo corrupto e sua atraente esposa, Jehan.

Após o assassinato de Sadat, Mubarak assumiu o poder e foi recebido com alívio e ceticismo - alívio, pois parecia ter pulso mais firme do que o seu antecessor, que se tornou esquizofrênico um ano antes da sua morte, e ceticismo porque Mubarak não tinha absolutamente nada que se assemelhasse ao governo carismático que Sadat e Nasser encarnaram. Mubarak também era, pelo menos no começo, um piadista. Não muito tempo depois de assumir o poder, ele mesmo gracejou que jamais esperara ser nomeado vice-presidente. "Quando fui chamado por Sadat", disse ele a um entrevistador, "achei que seria nomeado chefe da EgiptAir".

Por décadas Mubarak foi ridicularizado, chamado de "La Vache qui Rit" (A vaca que ri) - numa referência ao queijo francês que apareceu no Egito nos anos 70, com a abertura do mercado - por causa das suas raízes rurais e seu estilo bonachão. A imagem que persistia nas piadas a seu respeito na época era a de um arquétipo egípcio, o camponês bufão e ganancioso.

Uma piada que me lembro bem dos anos 80 satirizava a decisão de Mubarak de não nomear um vice-presidente depois de assumir a presidência. "Quando Nasser tornou-se presidente, ele queria um vice mais estúpido do que ele para não ter um concorrente, então escolheu Sadat. Quando Sadat tornou-se presidente, escolheu Mubarak pela mesma razão. Mas Mubarak não tem um vice porque não existe no Egito ninguém mais estúpido do que ele."

As piadas ficaram mais acerbas nos anos 90, à medida que Mubarak consolidou seu poder e começou a vencer eleições com mais de 90% dos votos, expurgando seus rivais no Exército. Uma história sempre relatada é a de que ele enviou seus assessores políticos para Washington para ajudarem na campanha de reeleição de Bill Clinton, em 1996, pois o presidente dos Estados Unidos admirava a popularidade do egípcio. Ao chegarem os resultados, Mubarak é que teria sido eleito o presidente dos EUA.

Mas as piadas sobre o presidente egípcio na verdade viraram uma mania no inicio de 2000, quando ele completou 70 anos e começou uma vigília nacional. Uma delas, por exemplo, fala de Mubarak no seu leito de morte, lamentando para o seu assessor: "O que o povo egípcio fará sem mim?" Procurando confortá-lo, o assessor, respondeu: "Senhor presidente, não se preocupe com os egípcios. É um povo forte que conseguirá sobreviver mesmo comendo pedra!". Mubarak faz uma pausa, reflete sobre isso e depois diz ao assessor que era preciso dar ao seu filho Alaa o monopólio do comércio de pedras.

Numa outra cena, Azrael, o arcanjo da morte, chega ao presidente egípcio e diz que ele precisa se despedir do seu povo. E ele indaga: "Por que, aonde estão indo?". Azrael tornou-se uma figura comum nas piadas, e a mais famosa delas faz alusão à reviravolta brutal do governo Mubarak nos anos 90. Deus convoca Azrael e lhe diz: "É hora de buscar Hosni Mubarak"."O senhor tem certeza?", pergunta Azrael, timidamente.

Deus insiste: "Sim, chegou a hora dele; vá e traga-me a sua alma".

Azrael desce para a Terra e dirige-se ao palácio presidencial. Chegando lá, tenta entrar, mas é capturado pela Segurança do Estado. É jogado numa cela, espancado e torturado. Depois de alguns meses, é libertado.

De volta ao céu, Deus, ao vê-lo todo machucado e arrebentado, pergunta: "O que aconteceu?"

"A Segurança de Estado de Mubarak me espancou e me torturou", Azrael responde. "E agora me mandaram de volta." Deus fica pálido e, com uma voz apavorada, pergunta: "Você não disse que fui eu que o mandei, não é?"

Não é somente Deus que tem pavor de Mubarak - mas também o demônio. Outras anedotas falam de Mubarak deixando o diabo em estado de choque com suas ideias para martirizar o povo egípcio, ou morrendo e tendo sua entrada recusada tanto no céu como no inferno, porque é considerado uma pessoa abominável por Deus e pelo Satanás.

A internet abriu novas janelas para o humor. Comentários sarcásticos que costumavam circular online nas mensagens de texto agora são transmitidas pelo Twitter, enquanto no Facebook foram criadas identidades falsas e páginas satíricas sobre políticos conhecidos do país.

Mas hoje a maior parte dessas sátiras é sobre a tenacidade com que Mubarak se agarra à vida e ao poder. Hishan Kassem, conhecido editor e uma figura da oposição liberal, contou-me esta :

Hosni Mubarak, Barack Obama e Vladimir Putin estão reunidos quando de repente Deus aparece para eles: "Vim aqui para lhes dizer que o fim do mundo será daqui a dois dias. Avisem o seu povo".

Assim, cada um dos líderes volta para sua capital e prepara um discurso pela TV para fazer o comunicado.

Em Washington, Obama diz: "Meus caros americanos. Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que posso confirmar que Deus existe. A má notícia é que ele me disse que o mundo vai acabar em dois dias".

Em Moscou, Putin declara: "Povo da Rússia, lamento lhes dar duas más notícias. A primeira é que Deus existe, o que significa que tudo aquilo em que nosso país acreditou durante todo o último século era falso. Em segundo lugar, o mundo estará acabando dentro de dois dias".

No Cairo, Mubarak diz: "Egípcios, venho lhes dar duas excelentes notícias! Primeira, Deus e eu tivemos uma importante reunião. A segunda é que ele me disse que serei o seu presidente até o fim dos tempos".

Para Hishan Kassem, o principal legado do governo Mubarak talvez seja a abundância de chacotas sobre seu líder. "No governo de Nasser, era a elite, cuja propriedade ele nacionalizou, que fazia piadas sobre o presidente". E, no governo de Sadat, "foram os pobres que ficaram abandonados pela liberalização econômica que faziam piadas. Mas no caso de Mubarak, são todos que o satirizam".

Mas um grande número de egípcios não achava mais que a situação do seu país era assim tão divertida e estava transformando o talento nacional para a sátira numa arma agressiva de dissidência política. O movimento Kifaya, contra Mubarak, usou o humor mais pungente para manifestar a indignação de uma nação inteira que se tornou um país de segunda mão para a família do presidente, com os planos de Mubarak para indicar seu filho Gamal como seu herdeiro. Outros manifestantes, queixando-se do alto custo de vida e dos salários estagnados, usaram caricaturas para representar políticos e magnatas roubando o país. E desde o início de 2010, o laureado com o prêmio Nobel Mohamed ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e um candidato potencial à presidência, tornou-se o símbolo de uma liderança digna que a oposição egípcia busca há décadas. O interessante é que, recentemente, Baradei censurou Mubarak por um comentário engraçado sobre um acidente com uma balsa que provocou a morte de mais de mil egípcios em 2006.

Mas mesmo que os democratas do Egito tenham conseguido impedir que o herdeiro de Mubarak o suceda no cargo, com certeza continuarão fazendo piadas sobre Gamal, filho do agora ex-presidente. Uma sátira épica foi criada na forma de um blog popular chamado Ezba Abu Gamal (O vilarejo do pai de Gamal). O blog é uma coleção de comentários, normalmente da perspectiva de Abu Gamal, prefeito de um vilarejo. A esposa está sempre insistindo para o filho ser promovido, mas Gamal tem muitas dúvidas a respeito: o rapaz não entende nada de reformas, laptops e assim por diante. É uma descrição mordaz para os iniciados na política egípcia. A persona de "camponês astuto" de Mubarak ressurge no seu filho e Gamal é descrito como um indivíduo inexperiente e incompetente, manipulado pelos amigos. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É ESCRITOR EGÍPCIO. FOI ANALISTA PARA O NORTE DA ÁFRICA DO INTERNATIONAL CRISIS GROUP

ROBERTO ROMANO

Municípios e corrupção política

ROBERTO ROMANO 

 O Estado de S.Paulo 12/02/11

Todo ano os jornais noticiam marchas de prefeitos rumo a Brasília para exigirem recursos. Os mesmos periódicos trazem respostas evasivas ou demagógicas do poder central. E como resultado temos as notícias de corrupção, cujos focos passam pelos municípios. Estes, se olharmos bem, constituem o começo e o fim do imenso assalto ao erário. Mas a ausência de uma Federação verdadeira é o que gera os assaltos de políticos e seus comparsas na vida civil.

É difícil entender o que se passa hoje sem revisar a história das instituições que herdamos do passado.

Munícipes, na Antiguidade, eram os habitantes itálicos que tinham direitos de gestão própria, assimilados aos romanos. Quando sem aquela autonomia, as cidades tinham o nome de praefecturae e seus habitantes não perdiam a qualidade de cidadãos de Roma, mas deviam obediência ao Senado de Roma.

Existiram municípios em toda a Europa até a queda do Império Romano. A federação que ligava as urbes a Roma as diferenciava em várias categorias. As mais autônomas, os municípios, concluíam um foedus aequum com a cidade dominante. Essa marca perdurou até a queda do império. O município e sua autonomia eram, ao mesmo tempo, base econômica e obstáculo na edificação do Estado absolutista. As cidades, ameaçadas pela nobreza e pelo clero, sofriam o assédio dos papas e monarcas que tentavam centralizar nações. Essa situação continuou até o século 18.

A liberdade municipal, segundo Alexis de Tocqueville, sobreviveu ao feudalismo. Em nações como a alemã e a italiana, as cidades chegaram a formar pequenos Estados. As Cortes da França, da Espanha e de países menos estratégicos, como Portugal, sufocaram as cidades ao impor sua burocracia, com a "igualdade" de todos diante do rei. No século 18 o governo municipal degenerou em oligarquia, "algumas famílias conduziam nele os negócios, tendo em vista fins particulares, longe do olhar público e sem serem responsáveis diante dele: trata-se de uma doença espraiada por toda a França" (O Antigo Regime e a Revolução). O poder régio domou as urbes, tornando-as centros corruptos e venais. A burocracia sufocou a independência dos municípios.

Passemos ao Brasil.

Aqui, a história política mostra similaridade com a descrita por Tocqueville. Uma agravante: nossas cidades já apareceram sob o absolutismo, não viveram a autonomia romana nem lutaram para manter suas prerrogativas na Idade Média. Não ocorreram nelas eleições livres nem a responsabilidade dos governantes diante dos munícipes. Terra de conquista, sobretudo econômica, o Brasil foi administrado segundo a moderna "igualdade de todos sob o rei".

Boa parte dos ofícios públicos era vendida ou alocada segundo os interesses da Corte. Em imenso território, as cidades eram geridas a distância. Os impostos seguiam para Lisboa, com pouquíssimo retorno à origem. A tendência centralizadora do poder consolidou-se em Portugal nas reformas pombalinas. Com a vinda da Casa Real se compôs a Corte no Rio de Janeiro, onde se integravam a nobreza, burocratas de alto escalão, serviçais e negociantes. O "povo" era a aristocracia, composta pelos "homens bons" sem sangue judeu. A representação "popular" fazia-se por petições, dando-se o direito de voto sem que os cidadãos tivessem presença ativa na esfera pública.

A grandeza do território, as revoltas, o exemplo dos países vizinhos que se tornaram Repúblicas, a memória da Revolução Francesa, todo um amálgama de pavores cortesãos definiu nosso Estado desde o nascimento. Surgiram dois projetos conflitantes: o da monarquia soberana e o de um governo constitucional. Venceu o primeiro, o império civil foi instituído por direito divino. A Constituição de 1824 incorporou o quarto Poder e o ampliou, pois ele podia dissolver a Câmara de Deputados, afastar juízes suspeitos, etc. A preeminência do Poder Moderador sobre os demais foi mantida mesmo nos tempos de Regência. Na República, tais prerrogativas foram mantidas para o chefe do Estado. Com elas veio a pretensão dos presidentes de supremacia sobre os demais Poderes.

O nosso Estado é um arremedo de República, sem harmonia entre os Poderes, sem federalismo. Ele é império, sob o Executivo central. Se no Brasil foedus significasse um "pacto", teríamos graus crescentes de autonomia, dos municípios ao poder de Brasília. Mas nossas leis desconhecem diferenças regionais e culturais, de geografia, etc. Uma uniformidade gigantesca obriga todos a seguirem a burocracia do Executivo. Não existe tempo nem autoridade para o experimento e modificações das políticas públicas em plano particularizado.

As "tragédias" das enchentes mostram o desastre desse centralismo. Não temos uma escala real de responsabilização pelas políticas públicas. Todas as decisões são açambarcadas pelos que habitam os palácios brasilienses. Logo, as oligarquias parasitam os Poderes (a mais célebre mantém este jornal sob censura) e mostram face dupla: trazem os planos do poder central (e recursos) aos Estados e levam ao Planalto as aspirações regionais.

As tratativas entre os dois níveis (central e estadual) ocorrem no Congresso Nacional. Ali, Presidência e Ministérios buscam apoio para os seus projetos. É impossível conseguir verbas sem "favores", mercadejo dos cargos, pró-labore "informal" por "serviços prestados".

Enquanto não existirem municípios autônomos, sobretudo nas finanças, testemunharemos: uma das fontes mais poluídas de nossa política corrupta é institucional.

Federação de fato, já!

FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ''O CALDEIRÃO DE MEDEIA'' (PERSPECTIVA)

CLÓVIS ROSSI

A revolução, a mão boba e a utopia
CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/02/11
Egito fez o impossível, falta agora o mais difícil, que é organizar a sua transição para a democracia

O que parecia impossível há apenas 20 dias aconteceu ontem: a rua egípcia derrubou uma ditadura de 30 anos. Realizado o impossível, vem o mais difícil, que é organizar a transição para a democracia, em um país e em uma região que têm escassa tradição democrática, se é que tem alguma. Para começar, há um antecedente, cravado na memória coletiva do país, que dá razão à desconfiança sobre se a saída de Mubarak por si só abre espaço para a democracia.
Em 1954, um militar como Mubarak, Gamal Abdel Nasser, também viu seu governo cercado por manifestantes em seu palácio, exigindo o retorno a um governo civil, a libertação dos prisioneiros políticos e a restauração do Parlamento -agenda muito parecida com a de 2011.
Nasser prometeu reformas, anunciou eleições livres para junho daquele ano, e os manifestantes foram para casa. "A ação [de retirada] custou ao Egito 57 anos sem liberdades básicas", diz Omar Ashour, diretor do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da universidade de Exeter (Reino Unido).
Esse episódio mais a visceral desconfiança do Ocidente sobre a possibilidade de que países árabes e/ ou muçulmanos possam de fato se democratizar explica a análise feita à "Foreign Affairs" por Joshua Stacher, professor-assistente de Ciência Política da Universidade Kent e que prepara livro comparando o autoritarismo no Egito e na Síria:
"Aqueles que cercam o combatido presidente e que constituem o regime, de forma mais abrangente, asseguraram-se de que a viabilidade do Estado não fosse questionada. A instituição central do país, os militares, que historicamente influenciam a política e têm o comando quase monopólico dos interesses econômicos, nunca relutaram."
Não relutaram nem mesmo ante o afastamento do chefe, como se tratasse de entregar o anel (ou os anéis, somando o vice Omar Suleiman) para preservar os dedos, evitando que o sistema caísse na rua.
Feitas essas observações digamos pessimistas, não parece haver espaço para que a ditadura se mantenha agora sem o ditador. Mais, e melhor: minha impressão à distância é que o que aconteceu no Egito não tem paralelo com as revoluções ocorridas no século passado ou com outros processos de democratização como os da América Latina.
Um detalhe micro, micro mesmo, chama a atenção: há relatos de mulheres que contam que desde o 25 de janeiro podem circular tranquilamente pelas aglomerações sem o risco de uma "mão boba", tão característica nas localidades turísticas do Egito como as pirâmides.
Pode ser ingenuidade minha, mas tal mudança de mentalidade dá ar de utopia à rebelião egípcia, capturada por um de seus principais escritores, Alaa El Aswany.
Em entrevista ao "Independent" britânico, diz que "um homem verdadeiramente apaixonado se torna uma pessoa melhor", e acrescenta: "Uma revolução é algo parecido: todos os que dela participam sabem que tipo de pessoas eram antes de que começassem as manifestações e agora se sentem diferentes".
Uma segunda versão épica-idílica para a revolta aparece em texto de Assia al Atrouiss para "Al Sabah" ("A Manhã", do Iraque): "Os povos não aceitam mais morrer em silêncio; aspiram viver com dignidade". Fecha com frase que é prudente comprar: "Isso deixa abertas todas as hipóteses para o futuro".