sexta-feira, janeiro 28, 2011

AUGUSTO NUNES

O Brasil de cartório sucumbiu ao temporal
AUGUSTO NUNES
VEJA ON-LINE

A leitura da certidão de nascimento do Brasil Maravilha, registrada em cartório no dia 15 de dezembro, informa que a tragédia na Região Serrana do Rio só assumiu dimensões apocalípticas porque os brasileiros teimam em morar no país real presidido por Dilma Rousseff. Se vivessem no colosso que Lula inventou, estariam todos na praia ou numa quadra de escola de samba. As tempestades de janeiro não teriam feito mais estragos que uma velha garoa paulistana, as águas dos rios não se atreveriam a abandonar o leito, o mais frágil dos barracos seguiria ancorado na encosta do morro, os mortos seriam contados nos dedos das mãos e os flagelados caberiam numa creche do PAC.

É o que garante a página 278 do segundo dos seis volumes que agrupam os prodígios e milagres colecionados pelo maior dos governantes desde Tomé de Souza. Depois de localizar o trecho que descreve o que Lula fez para mostrar que sabe até domar a natureza, o repórter Bruno Abbud constatou que Dilma anda prometendo coisas que já existem. Há 10 dias, por exemplo, prometeu montar em quatro anos o Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Naturais. Não precisa. No país do cartório, o Sistema Nacional de Defesa Civil esbanja eficiência desde 17 de fevereiro de 2005.

O decreto-lei 5.376, que transformou o velho Sindec em coisa de primeiro mundo, explica que o órgão ”tem por finalidade: I – planejar e promover a defesa permanente contra desastres naturais, antropogênicos e mistos, de maior prevalência no País; II – realizar estudos, avaliar e reduzir riscos de desastres; III – atuar na iminência e em circunstâncias de desastres; IV – prevenir ou minimizar danos, socorrer e assistir populações afetadas, e reabilitar e recuperar os cenários dos desastres; V – promover a articulação e coordenar os órgãos do SINDEC em todo o território nacional”. Não é pouco. E não é tudo.

O sistema esboçado por Dilma pretende criar um Centro Nacional para Desastres Naturais, com sucursais nas cinco regiões do país, e ”prevê a implantação de sistema operacional de informações hidrológicas, metereológicas, climáticas e ambientais em tempo real, para prevenção e mitigação de desastres naturais”. Perda de tempo, informa o papelório com firma reconhecida. O Sindec já “instalou nas cinco macrorregiões geográficas do brasil as Coordenadorias Regionais de Defesa Civil, ou órgãos correspondentes, responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em nível regional”. Dilma só precisa descobrir onde ficam os prédios e os funcionários.

Precisa também ao padrinho que revele onde está aparato administrativo aperfeiçoado por feitos listados na página 278: ”I - 32.772 agentes capacitados em planejamento e administração para redução de desastres, operações de defesa civil, avaliação de danos, preparação para emergências químicas, formação de núcleos comunitários de defesa civil, dentre outros, em todos os municípios com coordenadorias municipais de defesa civil”; II - 531 cursos diversos de defesa civil realizados em todos os estados brasileiros, 504 obras de prevenção realizadas, tais como as de engenharia em áreas de risco de inundações, deslizamentos, desabamentos, entre outros desastres; III – 35.199 alertas expedidos pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Risco e Desastres (Cenad) aos estados e municípios, relacionados a eventos naturais como enchentes, deslizamentos, incêndios florestais, ciclones e vendavais; IV - 190 núcleos comunitários de defesa civil implantados em todas as regiões do Brasil, com apoio da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec): V - 2.099 coordenadorias municipais de defesa civil (Comdec) criadas no período de 2003 a 2010, elevando o número de municípios com estes órgãos para 4.299″.

Um sistema de prevenção semelhante a esse evitou que fosse reprisada na Austrália, igualmente devastada por tempestades, a matança ocorrida na Região Serrana. Por que o governo não mobilizou o Sindec para reduzir as dimensões iraquianas do desastre anunciado em 2008 num relatório da ONU? Porque os governantes australianos transportaram para o mundo real o que por aqui só existe na cabeça de pais-da-pátria sem compromisso com a verdade.

“No Brasil, em se plantando, tudo dá”, escreveu Pero Vaz de Caminha na Carta do Descobrimento. A certidão de nascimento do país do faz-de-conta, assinada pelo populista mitõmano e rubricada por ministros sabujos, comprova que Lula se convenceu de vez de que plantar mentira dá voto. Excitado com a colheita de três vitórias presidenciais, mandou empilhar num só documento os embustes, fantasias, invencionices, bazófias e imposturas que plantou. Acabou de descobrir que quem semeia mentiras pode colher tempestades assassinas. No primeiro temporal, o Brasil Maravilha apareceu com água pela cintura.

É só o começo. Vai morrer afogado por chuvas de verdades.

VINICIUS TORRES FREIRE

Sol quente no deserto do Saara

VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11


O sol está quente no deserto do Saara, ou pelo menos no norte da África. Como se sabe, a ditadura da Tunísia estremeceu, há protestos na Argélia, os mumificados Egito e Iêmen vivem tumultos nas ruas. Saber o que se passa nesses lugares mais ou menos esquecidos é que está difícil. O grosso da imprensa ocidental não vai muito além de contar mortos e dar destaque a idiotices como dizer que os protestos foram organizados por meio de "redes sociais e celulares". De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones. Mas passemos.

O que se passa? As revoltas no sul do Mediterrâneo afetam países árabes sob ditaduras mais ou menos estáveis e sem oposição relevante organizada (afora a Argélia). Houve o efeito contágio, o bom exemplo da revolta na Tunísia. Mas já houve muita revolta na Argélia e nada aconteceu nos vizinhos; já houve uma oposição islâmica mais forte no Egito, hoje quietinha e reprimida, e nada aconteceu nem no Egito. Há, de novo, inflação da comida. Mas a inflação da comida foi pior em 2008. É o efeito "limiar", de revolta acumulada com a pobreza e fome?

A economia do Egito não está em crise. Desde 2005, cresce em média mais de 6% ao ano, como quase todo o mundo "emergente" ou quase isso (embora o crescimento da renda per capita seja menos significativo, pois a população cresce a 2% ao ano, o dobro da taxa brasileira).
A economia vai bem, o povo vai mal. Mais de 40% é pobre (daquela pobreza Banco Mundial, de viver com menos de US$ 2 por dia); a pobreza voltou a aumentar depois de 2008. Dois terços vivem sob uma espécie de programa Fome Zero. O PIB per capita equivale a um terço do brasileiro. Afora alguns subsídios para subsistência, o Estado não tem muitos recursos de proteção social -a receita de impostos é de apenas 15% do PIB.
Desde 2005, o desemprego flutua entre 9% e 11%, já em si alto, ainda mais se considerada a baixíssima participação das mulheres na força de trabalho. Mas, como diz um diplomata brasileiro mais entendido em Egito, o problema seria a "bronca dos jovens", que ora parecem liderar os protestos, um tanto desorganizados. Cerca de 90% dos desempregados têm menos de 30 anos. O desemprego entre os jovens de 20 a 25 anos costuma ser o triplo ou o quádruplo da média nacional.
Sim, voltemos à inflação da comida. No pico da crise de 2008, chegou a quase 30% ao ano (a inflação geral média nos últimos cinco anos foi de 12%, já muito alta, e deve ser de 11% em 2011); agora, anda pela casa dos 20%. O país importa metade do milho e do trigo que consome, alimentos básicos. O preço de quase todas as commodities, comida, combustíveis, metais e minérios, está de novo na direção do recorde.
Economia apenas não explica revoluções, claro. O Egito é uma desgraça socioeconômica faz tempo e, de resto, a economia passou a crescer bem depois de meados dos anos 2000. Aparentemente, a geração do boom demográfico egípcio dos anos 1990 é que não tem a mesma paciência dos seus patrícios mais velhos. Desocupada, imensa, essa geração viu o "mau exemplo" da Tunísia e resolveu tomar satisfações.

RUY CASTRO

 O começo e o fim
RUY CASTRO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

RIO DE JANEIRO - Finalmente alguém acusou a fenda no que parecia um muro de certezas. Um médico italiano, o doutor Maurizio Ponz de Leon, ousou contestar a tese, tão popular entre seus colegas, de que o consumo "moderado" de álcool protege contra enfartes e derrames, e que as pessoas que "bebem pouco" devem ser estimuladas a usar o produto como remédio.
Para Ponz de Leon, há vários problemas nessa argumentação: as pessoas têm conceitos variados de moderação -o que é moderado para alguns pode ser insuficiente para outros; o álcool é causa frequente de acidentes de trânsito; e seus propalados benefícios para a saúde ainda não estão provados.
Como inevitável, as objeções do médico italiano estão sendo contestadas pelos partidários de que uma ou duas taças diárias de vinho tinto fazem bem às coronárias, controlam o colesterol, previnem a diabetes e reduzem a hipertensão. Eles citam os franceses (que "bebem pouco, todos os dias") como beneficiados por essa dieta -esquecendo-se de que a França tem um dos maiores índices mundiais de alcoolismo e de doenças a ele associadas, envolvendo fígado, cérebro, boca, laringe, coração, estômago, intestinos e pâncreas.
A tese de Ponz de Leon não é novidade para os profissionais das clínicas de recuperação de dependentes de álcool. O dia-a-dia desses terapeutas e também médicos compõe-se de pessoas para quem a ideia de se limitar a "uma ou duas taças diárias de vinho tinto" é aterrorizante diante dos dois ou mais litros de destilado por dia que consumiam antes de ser internados.
Todos os alcoólatras na ativa começaram, um dia, por uma ou duas taças de vinho, um ou dois chopes, um ou dois conhaques, até descobrir que sua tolerância ao álcool era maior do que pensavam e passar a agir de acordo. Estimular as pessoas a beber deveria ser privilégio dos publicitários.

RICARDO MELO

Retratos do Brasil 
Ricardo Melo
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

SÃO PAULO - Edemar Cid Ferreira, diz sua biografia, militava no Partido Comunista lá pelos anos 50 do século passado. O gosto pelo teatro aproximou-o de Plínio Marcos.
Chegou a participar da encenação da primeira peça do autor, "Barrela", cujo enredo tratava das desventuras de um rapaz violentado na prisão. Desde então, as artes, a política e a cadeia parecem nunca ter abandonado a vida de Edemar.
O interior da casa do ex-banqueiro, revelado em reportagem memorável de Mario Cesar Carvalho, exibe fausto digno de um faraó. As obras espalhadas pela residência vão de peças de grande valor artístico a outras de gosto duvidoso.
A miscelânea, de todo modo, cria um ambiente típico da revista "Caras", na qual, aliás, Edemar sempre foi presença assídua. Já os retratos de modelos nuas ou seminuas comparecem para dar um inevitável toque berlusconiano à propriedade.
Foi fazendo política que o ex-banqueiro conseguiu reunir tamanho acervo. Graças a amizades como a de José Sarney, Edemar ergueu um banco vendido à opinião pública como exemplo de sucesso empresarial. A agenda de telefones se encarregava tanto de manter os cofres irrigados com dinheiro público como de afastar o livro caixa dos rigores da fiscalização.
Edemar voltou a ter contato com a cadeia, ao vivo e não sobre um tablado, quando nem Brasília conseguiu impedir seu banco de desmoronar. Até hoje não se sabe direito a dimensão do rombo. Sabe-se só que foi de bilhões, e que dele escaparam amigos influentes informados com antecedência de que o negócio estava prestes a ruir.
Condenado a 21 anos, Edemar recorre da sentença em liberdade, depois de alguns meses na prisão. É duvidoso que volte para lá, uma vez que a Justiça nacional é pródiga em artifícios para quem é bem relacionado, tem dinheiro e contrata um bom advogado. Conhecendo-se o Brasil, ninguém se surpreenda se, em breve, Edemar reaparecer em grande estilo nas colunas sociais.

LUIZ GARCIA

Pode não ser ilegal
Luiz Garcia
O GLOBO - 28/01/11

Há países em que políticos malandros - forma cordial de defini-los como desonestos - ganham o que não merecem na moita, debaixo do pano. Têm, claro, medo de perderem o respeito de cidadãos que dão valor aos seus próprios votos.
Aqui, esse temor aparentemente não existe. Ou não é generalizado. Como acontece com as aposentadorias de governadores. Se alguém não sabe, aposentados são cidadãos que deram duro durante 30 anos e ganham por isso - e porque sofreram descontos em seus salários para isso - uma pensão que corresponde a uma fração de sua última remuneração.
No Brasil, temos uma situação original: ex-governadores de estados têm direito a aposentadoria, como se mandato político fosse emprego, o que obviamente não é. E como se precisassem da pensão para viver. Dependendo do estado, ela vai de R$11 mil a R$24 mil. É um óbvio absurdo - e há casos em que ele é maior ainda.
Diversos senadores, entre os que assumirão o mandato este ano, vão somar pensão e subsídio parlamentar. Os mais sortudos levarão para casa mais de R$50 mil por mês. Ninguém mais ganha isso em qualquer dos três poderes.
Um dos casos mais curiosos é o de José Sarney: é governador aposentado do Maranhão - R$24 mil por mês - e senador pelo Amapá. E não custa lembrar que senadores e deputados já têm uma quantidade de despesas pagas pelo poder público - ou seja, por nós todos da arquibancada. Por exemplo, passagens de avião, casa ou apartamento em Brasília, funcionários nos seus estados etc.
Em 2007, o Supremo Tribunal Federal considerou ilegal a aposentadoria de governadores do Mato Grosso do Sul. Decisão óbvia: mandato político nunca foi emprego. Mas a opinião do STF, por alguma razão técnica, limitou-se a um estado. Não sei o motivo. Talvez tenha alguma relação com o fato de que somos um país onde, como alguém já disse, há leis que pegam e leis que não pegam.
O exercício da política é uma profissão. E os mandatos, no Executivo e no Legislativo, precisam e devem ser remunerados. A alternativa seria atrair para eles apenas os ricos e os desonestos. Também nada existe de errado na aposentadoria de políticos profissionais. Mas nada disso tem qualquer coisa a ver com as aposentadorias decorrentes do exercício de um mandato executivo.
Principalmente quando os aposentados continuam na ativa, exercendo mandatos legislativos. Nas bancadas que estão tomando posse este ano, pelo menos uns dez vão somar subsídios e pensões. Pode não ser ilegal - mas certamente é desanimador.

JOSÉ SIMÃO

Oscar 2011! O Brasil foi pro lixo!
JOSÉ SIMÃO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

E avisa pro Kassab que "Lixo Extraordinário" não é um documentário sobre o governo dele. Rarará!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
O Prefeito Pitbull: "Prefeito de Duartina morde morador que deve IPTU". Rarará! Tá certo, todo imposto é uma mordida! E já imaginou se a moda pega? Levar uma mordida do Kassab?
E olha a placa na Bahia: "Venha Esperimentar os Delisiosos Drinks Ezóticos: Xereca Baiana, Beijo na Boca, Tesão, Espanhola e Orgasmo". Só não pode misturar. Rarará!
E mais um predestinado: vocês viram o nome do novo diretor financeiro do Palmeiras? Marcos BAGATELA!
E o "BBB"? O "Big Podre Brasil". Olha a notícia da biba baiana do "BBB": "Lucival deixa queimar o pudim". Comentário do Kibe Loco: "Ô se deixa!". Rarará!
E mais uma manchete do Sensacionalista: "Dilma anuncia mínimo de dez centímetros". Aí não é mínimo, é ínfimo. Rarará!
E o Oscar? "Lula, o Filho do Barril" foi recusado, mas classificaram um documentário anglo-brasileiro: "Lixo Extraordinário". O Brasil foi pro Lixo! Os americanos preferiram o lixo ao Lula?
E avisa pro Kassab que "Lixo Extraordinário" não é um documentário sobre o governo dele! Rarará! E sabe qual a semelhança entre o "BBB" e o lixão? Ambos fedem, mas no lixão dá pra fazer reciclagem!
E agora o Lula dá palestras! E cobra R$ 200 mil. E o chargista Zédassilva publicou "A Tabela do Lula": palestras, R$ 200 mil; aparecer em palanque, R$ 100 mil; contar piada em churrasco, R$ 50! Rarará!
E a última notícia direto da Bahia: "Ladrão devolve relógio alegando ser falso". Rarará! Nem ladrão quer ching-ling!
O Brasileiro é Cordial! Mais uma do Gervásio. Olha a placa na empresa em São Bernardo: "Se eu pegar alguém aqui com o bafo da maldita cachaça, vou fazer esse filho do Brasil tomar um litro de óleo de rícino com água de bateria até cuspir fogo feito um dragão. Conto com todos. Assinado, Gervásio".
Aí um amigo meu teve um ataque de Gervásio e colou o cartaz na portaria do prédio: "Se eu descobrir quem anda pegando meu jornal todas as manhãs, vou fazer esse larápio semialfabetizado engolir o caderno de cultura e cagar a página policial". Rarará!
E eu também quero pensão vitalícia. Sou bisneto do Lampião. Quero pensão. Qualquer R$ 13 mil tá bom!
A situação tá ficando psicodélica. Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

BARBARA GANCIA

 Edemar, o faminto
BARBARA GANCIA 
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

Entre uma ida e outra para a detenção, o ex-banqueiro seguiu dando jantares regados a Château Pétrus


DESDE MINHA ENTRADA em cena há mais de meio século, eu já vi muita coisa bonita.
Sem querer pisotear e já pisoteando, dormi muitas noites seguidas em castelos, convivi com Picassos em lavabos, almocei e jantei com talheres de ouro maciço que pertenceram ao czar Nicholas e vi com meus próprios olhos estatueta do Oscar ser usada para escorar a porta.
Estou acostumada a tratar o bem viver com naturalidade e não há muita coisa na área do luxo (tirando o excesso, que a gente descarta imediatamente como mau gosto) que consiga me impressionar.
Mas sou obrigada a admitir que a antiga moradia do banqueiro falido Edemar Cid Ferreira, no Morumbi, que a Folha mostrou lindamente ontem, me deixou de queixo caído. Todo mundo e seu vizinho já tinham ouvido sobre as obras que ele guardava lá dentro (aquele Frank Stella na piscina interna é de comer) e sobre os 54 funcionários que a administração da casa requeria (coitadinha da dona Lily Marinho, que Deus a tenha!), mas nada fazia supor que estávamos falando de uma casa que pudesse deixar bilionário da Califórnia acanhado.
Eu mesma já tinha escutado relatos bastante minuciosos e possuía alguma noção de que se tratava de algo grandioso com obras de arte, livros e objetos importantes, coleções (uma de mapas mundi que é um mimo) que haviam sido juntadas por um apaixonado, alguém que não só unia o dionisíaco ao gastar ilimitado, mas que juntara sob o mesmo teto, em uma casa de uma beleza estonteante, centenas de peças que, reunidas, adquirem um novo sentido, além de ser o conjunto capaz de contar a história do Brasil, das Américas e do tempo em que o colecionador viveu.
Tudo isso entremeado a um bom gosto que me dá até vontade de vomitar de tão apurado. Alô, síndrome de Stendhal!
Não é à toa que Peter Marino seja considerado o melhor decorador do mundo e que, Ruim, digo, Ruy Ohtake, e Enoque, digo, Oscar Niemeyer, dividam entre eles nove a cada dez obras públicas que são realizadas no país.
A casa de Edemar Cid Ferreira, homem de confiança de José Sarney transformado em banqueiro de investimentos que acabou indo pelos ares, levando consigo seus investidores, é única e, provavelmente, não encontrará comprador. O Brasil tem casas espetaculares; no Rio, em especial, já vi coisas de arrancar a tampa de crânio de tão lindas: escultura de Henry Moore no jardim, palmeira imperial enfileirada a perder de vista no horizonte e casa feita pelo Lúcio Costa com lago povoado por cisnes negros. Mas nunca vi nada que se compare.
Fato está que o Edemar não ganhou seu dinheiro de forma convencional. Nem tampouco tentou conter sua megalomania ou seu pendor pelo hedonismo uma vez sentida a dor do tombo. Ao contrário, entre uma ida e outra para trás das grades, seguiu dando jantares regados a Château Pétrus.
Fico me perguntando se terá valido a pena. Dizem que a porta do Batistério, em Florença, custou a mesma soma da Guerra dos 100 anos. É uma equivalência difícil de ser colocada em perspectiva.
Veja: eu, que não sou nenhum modelo de recato, posso me contentar com um bife a cada refeição. Será que o Edemar, com sua caldeira munida de 35 mil litros de óleo para esquentar o piso da sua piscina interna, precisa de dois ou mais?

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Com baixo investimento, sobe deficit de setor químico 
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

Sem aumento expressivo nos investimentos, a indústria química brasileira aprofundou o deficit em 2010 e demonstra preocupação com o avanço da Índia em 2011.
O deficit subiu para US$ 20,7 bilhões no ano passado. As exportações ficaram em US$ 13,1 bilhões, enquanto as importações chegaram a US$ 33,7 bilhões.
"A questão mais óbvia seria a cambial, mas não é a única. O agravamento decorre de uma estagnação nos investimentos. Eles estão ocorrendo, mas no patamar de continuidade", diz Eduardo Bernini, presidente da Abiquim (associação da indústria química).
Os investimentos anunciados pela cadeia produtiva da indústria química ficaram em US$ 4,5 bilhões em 2010 e devem subir para US$ 4,7 bilhões em 2011.
"Isso é reflexo de que há disposição de investimento, mas não é suficiente. A demanda está crescendo, mas não está sendo atendida pela produção local", diz Bernini.
A produção registrou alta de 6,99% no país no acumulado do ano passado. O índice de vendas internas subiu 7,03%, segundo levantamento da entidade.
"Além da China, um ponto importante no ranking mundial no setor é a Índia, que tem conseguido desenvolver a sua competitividade internacional com políticas públicas de incentivo a inovação, gestão e financiamentos", afirma Bernini.
O baixo nível de investimentos afeta a geração de valor agregado ao produto nacional. O valor médio dos produtos importados é hoje de US$ 2.200 por tonelada, enquanto os exportados estão na faixa de US$ 1.000, segundo Bernini.

EXPLOSIVO
Luciano Coutinho, presidente do BNDES, está hospedado justamente no Morosani Posthotel, onde ocorreu uma explosão ontem de manhã, em Davos, na Suíça.
A pequena cidade, uma estação de esqui que sedia o Fórum Econômico Mundial até domingo, é altamente vigiada por receber importantes líderes, como os presidentes Nicolas Sarkozy, da França, e Dmitri Medvedev, da Rússia, além da nata empresarial do mundo todo.
As entradas do vilarejo ficam todas bloqueadas por guardas armados com metralhadoras.
Coutinho não estava no hotel no momento da explosão, que teria afetado apenas o depósito. Segundo a polícia local, não houve vítimas e os estragos foram poucos.

FUMAÇA
Para ampliar o fornecimento nas áreas de mineração, petroquímica, siderurgia e setor hospitalar, a IBG (Indústria Brasileira de Gases) vai investir R$ 24,5 milhões neste ano.
Serão instaladas sedes próprias em Curitiba (PR), Itajaí (SC) e Vitória (ES).
Em Itajaí também será construída uma fábrica de gases do ar, como oxigênio, nitrogênio e argônio, com inauguração prevista para o final do ano. "Teremos nossa primeira unidade produtiva no Sul do país", diz o presidente da empresa, Newton de Oliveira.
No ano passado, a empresa investiu cerca de R$ 40 milhões em ampliação e novos projetos.

Mobília A indústria moveleira de Bento Gonçalves (RS) fechou 2010 com faturamento de R$ 2,05 bilhões, aumento de 17% ante o ano anterior. Em exportações, o polo de Bento Gonçalves registrou aumento de 10,5% em relação a 2009.

Carro... Uma rede de 11 lojas voltadas para serviços de conservação e estética de carros criou neste mês a Station Car. A marca já tem unidades nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco.

...novo A companhia, que pretende abrir franquias no Rio de Janeiro em 2011, lançará produtos próprios de funilaria, pintura, higienização e cristalização de automóveis.

Mudança José Ismar Tôrres é o novo diretor-executivo da FenaCap (Federação Nacional de Capitalização).

Mineração A Siemens fechou contrato com a Usiminas para expansão do processo de mistura de minério de ferro em Cubatão (SP) e Ipatinga (MG). O valor do investimento será acima de R$ 27 milhões.

Sul-americanos estão mais confiáveis, diz pesquisa

A possibilidade de os sul-americanos não cumprirem suas obrigações financeiras é cada vez menor, segundo estudo da CMA DataVision.
O índice que mede a chance de calote nos próximos cinco anos caiu para todos os países do continente em dezembro passado.
Entre as 65 nações analisadas, o Brasil terminou 2010 na 41ª posição, sendo que, quanto pior a colocação, melhor a situação econômica.
Venezuela e Argentina ainda estão entre os cinco países com maior probabilidade de dar calote. Ambos, porém, foram ultrapassados: por Grécia, no caso venezuelano, e por Irlanda e Portugal, no argentino.
O Chile, na 53ª posição, é o único sul-americano que está melhor que o Brasil.
Os países com pior rendimento no trimestre passado são Bélgica, Espanha, Alemanha, Holanda e França.
Em recuperação econômica, os EUA caíram quatro posições e voltaram a aparecer entre as cinco nações com menor risco de calote.

CELULAR NO INTERIOR
Entre as dez cidades com o maior número de acessos de celulares no ranking da Anatel de dezembro de 2010, duas não são capitais: São José dos Campos (SP) e Campos dos Goytacazes (RJ).
A cidade paulista pulou do nono lugar em 2009 para o quarto no ano passado, com um índice de teledensidade de 129,62 celulares para cada grupo de cem habitantes.
"São José dos Campos tem forte atividade industrial. A alta do poder aquisitivo faz com que as pessoas tenham chips de várias operadoras", diz Juarez Quadros, sócio da Órion Consultores.
"A entrada da Oi impulsionou o mercado, o que acirrou a competição", diz Eduardo Tude, da consultoria Teleco.
Campos dos Goytacazes tem alta teledensidade devido à região ser base das plataformas de petróleo no mar.
Salvador é a cidade que lidera o ranking de densidade por código nacional. A liderança, porém, é contestada. "O DDD 71 abrange só a capital Salvador, já o 11 de São Paulo pega área bem maior, como o ABC", diz Tude.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O voluntarismo do PT na economia
Luiz Carlos Mendonça de Barros
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

Os mercados acompanham com interesse as primeiras ações do governo Dilma.

Pequenas decisões ou movimentos mais relevantes da nova equipe instalada no Palácio do Planalto têm grande repercussão no vaivém dos mercados.

Afinal, o Brasil é uma das economias emergentes com maior visibilidade entre os investidores internacionais. Em 2010 fez parte -pela primeira vez- do seleto grupo dos dez países que mais receberam investimentos diretos estrangeiros.

O maior foco da atenção dos analistas tem sido a decisão do Copom sobre juros, a questão do salário mínimo e o corte de despesas no Orçamento fiscal para 2011.

Não tenho visto, entretanto, uma análise mais estrutural de como será a gestão da economia nos próximos anos.

Talvez porque o sucesso do governo Lula tenha cristalizado a visão de que o governo do PT segue hoje o receituário econômico de Fernando Henrique Cardoso e ponto final.

Não é essa a minha impressão.

Embora aceite que os valores socialistas mais radicais, que dominaram o PT durante a fase fora do poder, estão hoje superados, entendo que sua visão da economia ainda é a de um grupo de esquerda democrática clássica.

O principal elemento do pensamento desse grupo é o de um voluntarismo da ação do governo na busca do crescimento acelerado.

Gosto da imagem sobre o comportamento do Exército francês na fase inicial da 1ª Guerra Mundial para descrever esse ativismo de grande parte dos governos de esquerda. Era o chamado ""élan", palavra francesa para descrever ""o ímpeto" como a força principal que movia os soldados franceses nas trincheiras da Europa.

No caso dos governos, como o da nossa presidente, a teoria do élan se aplica à busca do crescimento econômico. Nessa versão, as mortíferas metralhadoras alemãs são substituídas por limitações de natureza financeira e econômica que aparecem em uma economia de mercado nos momentos de boom.

Cito dois exemplos clássicos e que já ocorrem neste Brasil no início de 2011: o quase pleno emprego no mercado de trabalho e o deficit financeiro em nossas transações comerciais com o exterior.

O principal motivo dessas verdadeiras armadilhas, em que caem os governos mais tradicionais de esquerda -e é a história que nos mostra isso-, é a incapacidade de seus economistas em aceitar que movimentos importantes em uma economia de mercado acontecem em momentos diferentes. Os economistas chamam de "lags" esses espaços de tempo que ocorrem entre ações dos agentes econômicos -inclusive governos- e seus impactos nos vários mercados.

O exemplo da relação entre consumo e investimento em uma economia como a brasileira é um dos mais importantes para mim. Com o consumo das famílias e do governo em expansão vigorosa, já há alguns anos, começam a aparecer gargalos em vários setores da economia.

Como existe um grande otimismo em relação ao futuro, as empresas -e o governo- estão dispostas a investir na expansão de suas fábricas ou usinas hidrelétricas ou na exploração do petróleo do pré-sal.

Acontece que, durante um tempo, os gastos com investimentos produtivos se confundem com os de consumo, tornando ainda maior a pressão sobre fatores escassos como mão de obra, transportes e energia.

Somente após algum tempo - normalmente longo - esses gastos cessam e temos um aumento da oferta de bens e serviços. No caso do mercado de trabalho, essa armadilha é ainda mais delicada porque o tempo necessário para treinar e formar novos trabalhadores com alguma qualificação é muito elevado.

Vivemos essa situação no Brasil de hoje e, mesmo assim, o nosso ministro da Fazenda vem a público dizer que a meta do governo é crescer 5,5% nos próximos anos.

Isso não acontecerá sem que a inflação se acelere de forma perigosa e o deficit em conta-corrente atravesse a fronteira do bom senso econômico. É preciso reduzir a demanda agregada nos próximos anos para permitir que os gastos de investimento sejam realizados sem pressão sobre os preços.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

ELIANE CANTANHÊDE

Revolução
Eliane Cantanhêde
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

Às vésperas da 3ª Reunião de Cúpula da América do Sul com os países árabes, dia 16 de fevereiro, em Lima, o mundo árabe está, ou parece estar, em chamas.

Começou na linda e periférica Tunísia, chegou à Argélia, bateu na Jordânia, está agora no Egito -líder árabe- e já chegou no Iêmen. Impossível fingir que não há um movimento que extrapola fronteiras e atinge toda a região. Mesmo que ainda restrito a jovens e à classe média conectada à internet.

Até agora, o Brasil tem ficado diplomaticamente quieto, observando, sentindo, esperando ver como fica antes de se manifestar. Mas quem deve estar mesmo em polvorosa são os Estados Unidos, que já perderam há tempos o Irã e não podem se dar ao luxo de perder também o poderoso Egito (80 milhões de habitantes versus 10 milhões da Tunísia) e a Jordânia.

Para ter noção da importância estratégica de ambos: dos 22 países da Liga Árabe, apenas dois reconhecem oficialmente Israel: justamente... Egito e Jordânia, que fazem fronteira com o mega-aliado dos EUA naquelas bandas.

É por isso que os EUA balançam entre princípios (a democracia) e o pragmatismo (manter os aliados no poder). No máximo, como a UE, pedem que o regime de Hosni Mubarak permita manifestações e evite a violência. Ah, tá!

As rebeliões têm tudo a ver. São resultado de ditaduras que se eternizam, não respeitam direitos coletivos nem individuais e transformam os países em bolsões de pobres e ignorantes. No Egito, estima-se que metade da população ganha de US$ 1 a US$ 2 por dia e que 40% são analfabetos.

As informações não circulam e até os sermões das mesquitas são previamente censurados. Mas nem o fechadíssimo mundo árabe consegue escapar do instrumento mais globalizado da história da humanidade - a internet. Mark Zuckerberg, do Facebook, é o maior revolucionário do planeta.

MERVAL PEREIRA

No centro das decisões 
Merval Pereira
O GLOBO - 11/01/11

O G-20, que reúne as maiores economias do mundo, toma cada vez mais jeito de ser o organismo apropriado para as decisões do novo mundo multipolar que vem se desenhando, substituindo o G-8 antes que os fatos o tornassem obsoleto. Em poucos anos, países emergentes como China, Índia e Brasil estarão entre as principais economias do mundo, superando muitas das que hoje fazem parte do G-8.

A Rússia, pela importância política mais do que pela sua economia, já fazia parte como convidada do principal fórum de decisões.

A realidade fez com que esse fórum tivesse que ser ampliado, e agora os países emergentes estão inseridos nas decisões internacionais, e têm que assumir as responsabilidades decorrentes da nova situação.

Pois o presidente francês, Nicolas Sarkozy, está disposto a usar seu mandato à frente do G-20 para conseguir um consenso entre as principais economias do mundo, para regulamentar não apenas os mercados financeiros internacionais, mas também o mercado internacional de commodities, em especial o de produtos agrícolas.

Ele ontem fez um discurso bastante incisivo no Fórum Econômico Mundial, acenando inclusive com a possibilidade de uma revolta dos países pobres caso as principais economias do mundo não cheguem a um consenso para ajudá-los.

É dentro do contexto de um mundo que muda rapidamente, onde as informações chegam em segundos às mais diversas partes através dos mais diferentes meios tecnológicos, que Sarkozy vê a necessidade de uma ação para conter as especulações.

Não parecia estar fazendo cena quando previu que em 20 a 30 anos, se não houver uma mudança de postura diante dos problemas como escassez de alimentos devido à alta especulativa dos preços, pode haver uma crise de proporções inestimáveis.

Ele chamou atenção especificamente para o Brasil, dizendo que os países que hoje estão ganhando muito dinheiro com a alta dos preços das commodities estão sujeitos a quedas bruscas, o que pode desequilibrar suas economias.

Para ele, melhor será para todos se houver um mercado equilibrado pela regulação.

Sarkozy defendeu até mesmo uma taxa, que classificou de "infinitesimal", sobre as transações financeiras para a formação de um fundo de ajuda aos países pobres - fundo este com que os países ricos já estão comprometidos, mas para o qual não haverá dinheiro diante do enorme déficit fiscal que os países tiveram para enfrentar a crise financeira que estourou em 2008.

Dificilmente Sarkozy conseguirá esse consenso, e provavelmente as diferenças dos interesses dos países que formam o G-20 ficarão patentes durante as discussões. E Sarkozy parece jogar com a união dos países europeus para tentar dar os rumos das discussões, deixando os emergentes em posição subalterna.

O Brasil, por exemplo, se nega a apoiar uma regulamentação dos preços de commodities, mas quer a regulação dos mercados financeiros.

A própria gênesis do G-20 mostra como é difícil acomodar os interesses desse mundo multipolar, que tem hoje em países emergentes - como os que formam os Brics - jogadores fundamentais.

O G-20 nasceu em 2003, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio em Cancún, no México - que paralisou as negociações da Rodada de Doha para liberalização do comércio internacional devido a um impasse que colocou o grupo de países emergentes, à época liderado pelo Brasil, em contraposição a Estados Unidos, Japão e União Europeia.

Houve quem, na ocasião, se vangloriasse de que os emergentes haviam enfrentado com êxito os "países ricos" pela primeira vez, mesmo que à custa do fracasso das negociações.

Cinco anos depois, em 2008, o Brasil via-se na posição oposta à da China, e principalmente, à da Índia. Estávamos então do outro lado da mesa, com os "países ricos", na negociação da agricultura.

O problema é que a coesão do G-20 só se dá por razões que são ideológicas. A estratégia deu certo para os emergentes até o momento em que o G-20 representava uma resistência para a abertura em produtos industriais.

O que impediu a negociação naquela ocasião foi a proteção à agricultura familiar na Índia e na China. Dentro do G-20 não há um consenso básico em matéria de agricultura para poder negociar, porque a agricultura não é um tema Norte-Sul.

A Índia está protegendo seus pequenos agricultores porque eles não têm produtividade para competir, assim como a União Europeia protege os seus agricultores pela mesma razão. E o competidor, em grande parte das vezes, é o agronegócio brasileiro.

O Brasil pode ser considerado hoje a "fazenda do mundo". E poucos interesses comuns existem entre os representantes dos emergentes.

Alguns desses países já são potências econômicas, como a China, e outros estão a caminho, como Índia e Brasil, mas, quando lhes interessa, posam de pobres.

Porém, quando a França levanta a necessidade de dinamizar o comércio de alimentos para atender às necessidades justamente dos "países pobres", são os emergentes que produzem alimentos que não querem uma regulação.

Mesmo porque desconfiam que a preocupação francesa com os mercados tem mais a ver com a tentativa de controlar a ascendência das novas potências do que propriamente defender os países pobres.

A situação paradoxal leva a que seja possível que Índia ou China sejam obrigadas até a reduzir suas tarifas em caso de escassez de algum alimento, assim como os interesses do Brasil e dos Estados Unidos são convergentes quando se trata da produção de biocombustíveis, acusada frequentemente de ser responsável pela alta do preço dos alimentos.

Há ainda interesses políticos conflitantes entre os emergentes do G-20, como, por exemplo, a aspiração de fazer parte de um Conselho de Segurança da ONU reformulado que reflita esse novo mundo multipolar.

O apoio do presidente Barack Obama à entrada da Índia, anunciado recentemente, teve como objetivo principal enfraquecer diplomaticamente a China, mas atingiu diretamente o Brasil, que vem tentando obter dos Estados Unidos uma declaração formal de apoio e nunca conseguiu mais do que declarações genéricas e indiretas.

MÍRIAM LEITÃO

Licença para confundir
Míriam Leitão 
O GLOBO - 28/01/11

No último absurdo de Belo Monte, um presidente interino do Ibama deu uma licença parcial que vai provocar um dano permanente, a "supressão da vegetação". O Ministério Público entrou ontem com uma ação contra a licença. O BNDES emprestou R$1,1 bilhão ao grupo, mas garante ao MPF que exigiu que a empresa nada fizesse no local antes da licença de instalação total.

O Ministério Público entrou com uma ação ontem contra a concessão da licença de instalação parcial. Na comunicação do Ibama, eles definiram essa concessão com o curioso nome de "licença específica" para os "sítios" de Belo Monte e Pimentel. Na lei, o que existe é licença prévia, que é um primeiro sinal ao empreendedor, entendido como aprovação do Estudo de Impacto Ambiental. No caso de Belo Monte, essa primeira licença foi concedida, mas com 40 exigências. Em seguida, cumpridas as exigências, é dada a licença de instalação.

O BNDES concedeu tempos atrás um empréstimo ponte de R$1,1 bilhão à Norte Energia, que fará a hidrelétrica de Belo Monte, exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no "sítio". Só que as árvores do "sítio" começarão a ser derrubadas a partir dessa licença parcial.

O texto da documento do BNDES ao Ministério Público, que tenho em mãos, é claro. Diz que na minuta do contrato "figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a Licença de Instalação do empreendimento como um todo."

O presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, me disse ontem que não foi concedida a licença de instalação do empreendimento.

- Essa é uma licença apenas para fazer trabalhos específicos. Instalar o canteiro de obras, escritório, terraplanagem, alojamentos de trabalhadores.

Na conversa, ele várias vezes falou da licença definitiva no condicional: "se" ela for concedida; "caso ela venha a ser aprovada." Eu perguntei a ele o que aconteceria com a vegetação suprimida caso a licença não fosse concedida; como seria possível pôr de volta no mesmo lugar uma árvore centenária que pode ser derrubada a partir de agora?

- Eles terão que replantar tudo. Aquelas áreas para as quais foi concedida licença de supressão da vegetação estão alteradas. Não estamos falando de áreas tão intactas assim. Além do mais, é uma área pequena - disse Américo Tunes.

O terreno de 238 hectares tem até 64 hectares em área de preservação permanente. Pode não ser grande, mas deu mais ambiguidade ao processo. Pode-se instalar um canteiro de obras de uma obra que pode não ser feita. É permitido desmatar até área de preservação permanente, apesar de haver incerteza sobre a licença. O BNDES concedeu um adiantamento de mais de um bilhão de reais desde que não se mexa no "sitio", e o "sítio" ganha o direito de ser mexido apesar de não ter ainda licença de instalação do empreendimento.

Américo Tunes alega que é comum essa concessão em etapas da licença de instalação. Ninguém acha que isso é comum. Especialistas em direito ambiental dizem que existem mesmo só aquelas três formas de licença que se conhece: prévia, de instalação e de operação. Essa figura do "específica" e "parcial" não existe na legislação.

O presidente do Ibama garante que o que ele concedeu não permite o início das obras:

- Só posso conceder essa licença depois que a empresa cumprir as 40 condicionantes que foram exigidas na licença prévia. Essa é uma obrigatoriedade legal que temos que respeitar. Temos consciência da nossa responsabilidade. Eu te asseguro que se elas não forem cumpridas, a licença não será concedida. Neste caso, a empresa terá que fazer a desinstalação do que foi autorizado agora e recuperar a área.

É o samba da licença doida. Ela é e não é, pode-se desmatar uma área, incluindo-se APP, pode-se fazer a terraplanagem de dois "sítios", montar centro de alojamentos, lavanderia, almoxarifado, oficina de manutenção, borracharia, lubrificação, centro de conveniência, centro de atendimento ao trabalhador, portaria, central de carpintaria, canteiro industrial pioneiro, instalações provisórias de britagem e produção de concreto, sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário, 52 kms de estradas, sendo 42 kms de ampliação e 10 kms de novos trechos, áreas de estoque de solo e de madeira.

Tudo isso acima está escrito no documento oficial do Ibama, cujo presidente diz que a licença de instalação do empreendimento não tem data para ser concedida, depende dos técnicos, pode não sair, e, se não forem cumpridas as 40 condicionantes, não será concedida.

O Ministério Público perguntou ao BNDES quanto custa a obra e quanta energia ela vai produzir. O governo costuma dizer que são 11 mil MW e a um custo de R$19 bilhões. O banco respondeu: "a capacidade de geração estabelecida no contrato de concessão com a Aneel é de 4.571 MW médios de energia assegurada." O valor de R$19 bi é do empréstimo pedido até agora. Segundo o BNDES, o custo previsto de Belo Monte é de R$25,8 bilhões e o banco pode financiar até R$24,7 bi. Ou seja, o BNDES poderia emprestar até 95,7% do total. Uma concentração de risco inaceitável na prática mais elementar da prudência bancária.

Tudo está sendo atropelado: técnicos do Ibama, meio ambiente, limites fiscais, precaução técnica, termos dos contratos com o BNDES, princípios jurídicos, normas democráticas. Na democracia, o administrador público convence, não passa o trator sobre controvérsias tão agudas.

RICARDO BAITELO


Dilma chancela o atraso

RICARDO BAITELO

O GLOBO - 28/01/11

Em seu discurso de posse, no dia 1º de janeiro, Dilma Rousseff prometeu fazer uma revolução na área de energia no Brasil. Se disse comprometida com o desenvolvimento de fontes limpas de geração energética e garantiu que seu governo incentivaria investimentos em usinas à base de biomassa, eólica e solar. A presidente projetou o Brasil como futuro campeão mundial de energia limpa e dono da matriz energética mais limpa do mundo, baseado em um projeto inédito de país desenvolvido com forte componente ambiental.

Dilma, no entanto, parece estar rasgando o seu discurso de posse. Depois de anunciar um plano para construir 11 mega-hidrelétricas na Amazônia e voltar a fustigar órgãos de governo responsáveis pelo licenciamento ambiental de grandes obras, a presidente vai, nesta sexta-feira, emprestar seu prestígio e a força de seu cargo numa homenagem ao que existe de mais acabado em termos de involução energética. Dilma prometeu que vai estar presente à inauguração da usina termoelétrica Presidente Médici - que por óbvias razões o governo prefere chamar de Candiota III. A usina é um monumento à geração energética do passado.

Movida a carvão - o menos nobre e mais poluente dos combustíveis fósseis - Candiota III promete gerar 350 MW de energia deixando um rastro de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa que ameaçam a saúde humana e a estabilidade do clima do planeta. Significa que uma única usina - responsável por pouco mais de 0,5% da energia gerada atualmente no Brasil - contribuirá com o aumento de 10% das emissões atuais do setor elétrico.

Isso, sem incluir a mineração do carvão necessário à alimentação de seus geradores, uma atividade que comprovadamente causa impactos nocivos ao lençol freático e ao solo. Dilma, fiel ao bordão do governo, provavelmente dirá que Candiota III serve para garantir a segurança energética do país, assegurando que teremos energia para continuarmos a nos desenvolver. Trata-se de uma lenda.

De acordo com o cenário Revolução Energética, lançado pelo Greenpeace na COP 16, em Cancún, o potencial de energia eólica e biomassa e solar poderá atender a boa parte da expansão energética brasileira prevista com o crescimento econômico das próximas décadas. A matriz elétrica de 2050 seria, portanto, uma mescla entre o parque hidrelétrico já instalado, com forte participação de eólicas e cogeração a biomassa e geração solar centralizada e distribuída. Além dos óbvios benefícios ambientais, os ganhos seriam sociais, com a geração de empregos verdes, e econômicos, com a redução de gastos de combustíveis fósseis.

Não há lugar para termelétricas a carvão e nucleares nessa matriz. Este tipo de usina é considerado inflexível ou de operação ininterrupta e não se adapta, portanto, a um modelo que privilegia a a conjunção da disponibilidade momentânea de cada uma das renováveis. O relatório "A batalha das redes", lançado na semana passada pelo Greenpeace, mapeia o sistema de redes necessário para conectar a geração de energias renováveis na Europa e tornar a matriz dessa região 100% renovável e independente de fontes sujas até 2050.

Se a Europa, continente de grande geração fóssil, pode realizar essa tarefa até meados deste século, o Brasil, que já conta com uma matriz de mais de 80%, tem todas as condições para chegar lá antes disso. A privilegiada situação brasileira de potencial renovável permite que apostemos na conjunção entre os regimes de geração das diferentes formas de energias renováveis, que pode perfeitamente atender à demanda nacional de forma segura.

Em suma, a presidente está chancelando um empreendimento baseado em um modelo energético do século retrasado. Mas, se quiser se redimir, ainda terá a oportunidade de cumprir parte do que prometeu no ato da posse e tirar o projeto de lei de energias renováveis - PL 630 - do limbo na Câmara dos Deputados em fevereiro.

RICARDO BAITELO é coordenador de energia da organização não governamental Greenpeace no Brasil.

ILIMAR FRANCO

A partilha
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 28/01/11

A presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer conversaram sobre o processo de preenchimento dos cargos de segundo escalão. Na conversa, Temer citou uma lista de peemedebistas que a apoiaram nas eleições, mas que foram derrotados nas disputas regionais. O partido foi informado de que a presidente deu sinal verde para que eles sejam aproveitados. A intenção do governo é definir o segundo escalão até o dia 20 de fevereiro.

Turbulência na Cnen
A mudança de governo gera turbulência interna na Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Um grupo de funcionários se rebelou contra o presidente Odair Dias Gonçalves. O estopim foi o relatório de atividades da Cnen, divulgado nesta semana. Na publicação, Gonçalves reclama de “certo autoritarismo” dos técnicos da instituição. Para ele, a idade média dos funcionários é “alta”, o que desestimularia “processos mais eficientes e cumprimento de metas e prazos”.

Caiu para cima
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), está radiante. O presidente da Eletrobras, José Antonio Muniz, vai deixar o cargo, mas voltará para a presidência da Eletronorte. O governo planeja construir 61 hidrelétricas na região. A bancada me deu apoio porque isso era natural. Qual a conspiração que pode haver nisso?” — Sérgio Guerra, senador e presidente do PSDB (PE)

Diálogo surreal

Principal liderança do PR, o deputado Valdemar Costa Neto (SP) tentou enquadrar anteontem o deputado Sandro Mabel (GO), que insiste em ser candidato à presidência da Câmara. “Se você continuar com isso, vai ser expulso”, esbravejou Valdemar. “Então você vai ter que expulsar o presidente da Câmara”, respondeu Mabel, que, contrariando todos os prognósticos, acredita que pode derrotar Marco Maia (PT-RS).

Novos tempos
O proprietário de um tradicional restaurante de Brasília, para ilustrar a mudança no país desde a redemocratização, lascou: “Estes dias contei e tinha 12 algemados aqui”. Ele se referia aos graúdos que já estiveram atrás das grades. 

Pressão sobre Geraldo Alckmin
Sem ter como pressionar Aécio Neves, José Serra foi para cima do governador Geraldo Alckmin (SP) para tentar reverter o apoio à recondução de Sérgio Guerra à presidência do partido. Ligado a Alckmin, o novo líder na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), também está na linha de tiro. Os dois tentaram ontem minimizar a manobra. Cobrado, o líder disse ao deputado Jutahy Júnior (BA), aliado de Serra, que, na véspera da reunião da bancada, avisou a Alckmin do abaixo-assinado de apoio a Guerra. Alckmin teria dito que era imprudência fazer isso agora. Nogueira disse ainda a Jutahy que, quando viu o documento circulando, tentou falar com o governador de novo, sem sucesso. 

O MINISTRO Luiz Sérgio (Relações Institucionais) informou ao PMDB e ao PT que a presidência de Furnas será uma indicação do PMDB. Mas que a presidente Dilma Rousseff quer um nome técnico. 

AVULSO. Se não for escolhido na bancada para a vice-presidência da Câmara, o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA)vai lançar candidatura avulsa no plenário.

O EX-PORTA-VOZ da presidência Marcelo Baumbach vai ser embaixador comissionado do Brasil no Haiti. Ele pleiteava o segundo posto do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).

ANCELMO GÓIS

Noel sem cigarro
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 28/01/11

Um grande painel com a imagem de Noel Rosa vai enfeitar a Estação Morro do Adeus do teleférico do Complexo do Alemão, no Rio.
Seu autor, o artista plástico Valmir Vale, inspirou-se na mais famosa foto do Poeta da Vila (veja acima). Mas... teve a liberdade de tirar o cigarrinho. Fez bem. 

Isto é PMDB
Renan Calheiros flerta com a oposição para afastar o bloco petista do comando de algumas comissões do Senado. Mas quem conhece o líder do PMDB sabe que ele rompe o namoro em troca de mais alguns cargos no governo. 

Periga virar tango
Os argentinos não se conformam com a viagem de Obama ao Brasil e ao Chile. Uma coleguinha portenha conta que a revolta é grande na terra do tango: 
— Ele vai sobrevoar a gente e não vai descer!

Dolce far niente
Ana Paula dos Santos, primeira-dama de Angola, passa nova temporada de férias no Rio. O casal tem bens no Brasil.

Ei, é a outra

Um internauta feliz com a eleição de Dilma enviou à presidente, via site do Planalto, uma mensagem de parabéns. Segunda, recebeu de volta o aviso de que a comunicação não se estabeleceu por problemas técnicos. Até aí tudo bem. Mas a resposta era assinada pelo... “presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.

Biografia de Salazar
Chega às livrarias em fevereiro, pela portuguesa Leya, “Salazar — Uma biografia política”, de Filipe Ribeiro de Menezes, historiador português radicado em Dublin, na Irlanda. O ditador português ficou no poder de 1932 a 1968.

Cinzas do passado
Em entrevista à “Contigo”, Cissa Guimarães, a querida atriz, contou ter jogado as cinzas do filho Rafael aos pés de uma palmeira no jardim de casa. O gesto, como saiu aqui, foi, com todo o respeito, reprovado por técnicos do Jardim Botânico do Rio. Segundo eles, poderia prejudicar a árvore.

Segue...
A atriz escreveu para avisar que tomou “todos os cuidados” antes de depositar as cinzas:
— Eu jamais faria qualquer coisa que fizesse mal a uma planta. Tenho sítio na serra, onde já plantei várias árvores. 

E mais...

A mãe coragem conta que até contratou um agrônomo.
— O agrônomo estudou o terreno e recomendou que a árvore fosse uma palmeira. Ele sabia o tempo todo da minha intenção de pôr ali parte das cinzas. A palmeira está linda e saudável. 

Celso Barros contratou Maurício Mat- tos, outra vez, para produzir e operar o camarote da Unimed na Sapucaí, que terá o Fluminense como tema.

O livro “Os lençóis e os sonhos”, de Orlando Senna, foi Menção Especial no Prêmio Literário Casa de las Américas.

Em dezembro, aumentou 131% a minutagem de ligações de longa distância da TIM, comparada a 2009.

O tenente-coronel Cláudio Carneiro assume hoje a direção do Instituto de Cartografia da Aeronáutica.

A Unisuam realiza Vestibular Solidário domingo.

A exposição “Mundo Jurássico” es-tá todo dia no Extra 24h, na Barra.

Hoje, a Paraíso do Tuiuti recebe a Mangueira para seu grito de carnaval na Rua Conde de Leopoldina 294.

No pátio
A Team, voadora miúda com rota regular para Macaé, RJ, e que transporta, na maioria, funcionários da Petrobras, está há uma semana sem decolar. A Anac proibiu a empresa de operar por falta de um equipamento em seu avião.

Presente de grego
Ontem à tarde, antes de Vasco 1 x 3 Boa Vista, pelo Campeonato Carioca, Sérgio Cabral cortou, por seu aniversário de 48 anos, um bolo cheio de cruzes de malta, símbolo de seu time. Disse, coitado, que era o dia da virada.

Troca de mãos
O grupo Porcão comprou o restaurante Johnnie Pepper, no Via Parque, na Barra, no Rio. É o primeiro do grupo fora do ramo de churrascaria.

Paulo do Leblon
Há cerca de um ano, retiraram a placa que dava o nome de Paulo Mendes Campos a uma pracinha do Leblon. A viúva do escritor, Joan, mora em frente à praça e jamais recebeu uma explicação.

Troca de nome
A prefeitura de Nilópolis, RJ, decidiu demolir o Teatro Jornalista Tim Lopes, homenagem ao saudoso coleguinha assassinado. Vai construir no lugar num centro cultural que abrigará o Teatro Teresa Rachel. Nada contra Tereza, claro. Mas por que mudar o nome?

No mais
A contar de hoje, faltam 2.016 dias para os Jogos de 2016. Isto quer dizer... nada.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Os Borgs e a Comissão da Verdade
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11

Por ser visceralmente contra a tortura, sinto-me à vontade para criticar a "ideologização" dos fatos passados, a meu ver enterrados com a Lei da Anistia



Sou um admirador das séries de "Star Trek". Suas edições refletem muito a história da humanidade. Os Borgs são um povo de humanos robotizados e respondem a um comando central único, que pretende ""assimilar" todos os povos do universo. Assimilar é fazer com que pensem rigorosamente como eles e obedeçam como uma só unidade. Senão, são mortos.
Os Borgs representam as ditaduras ideológicas, que não admitem contestação e que procuram dominar os povos, eliminando as oposições e as verdadeiras democracias. Se a 1ª Guerra Mundial foi um embate pela realocação de poderes na Europa, a 2ª Guerra já foi uma guerra entre as democracias e os regimes totalitários (alemão, italiano e russo, visto que, no início, Stálin apoiou Hitler na invasão à Polônia).
A vitória de princípios democráticos naquele conflito, que gerou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10/12/1948, nem por isso eliminou essa luta permanente entre ideologias totalitárias, que não admitem contestação e que continuam poluindo a convivência das nações e das democracias.
Rawls, em dois de seus livros, "Uma Teoria da Justiça" e "Direito e Democracia", mostra que a democracia só pode ser vivida se as teorias políticas não forem abrangentes em demasia e possam conviver, em suas diversidades, com outras maneiras de pensar. Teorias abrangentes provocam a eliminação dos opositores ou a "assimilação", no estilo dos Borgs da "Star Trek", daqueles que vivem sob seu jugo.
Estamos no início de um novo governo, tendo a presidente sinalizado, mais de uma vez, que quer fazer um governo de união, mas com respeito aos opositores.
Não creio que a Comissão da Verdade venha auxiliar muito esse seu projeto, na medida em que, sobre relembrar fantasmas do passado e rememorar dolorosos momentos de história em que militares e guerrilheiros torturaram e mataram, tende a abrir feridas e a acirrar ânimos.
Como ex-conselheiro da seccional de São Paulo da OAB, durante seis anos no período de exceção, estou convencido de que com a arma da palavra fizemos muito mais pela redemocratização do que os guerrilheiros com suas armas, que, a meu ver, só atrasaram tal processo.
À evidência, sou favorável a que os historiadores -e não os políticos- examinem, pela perspectiva do tempo, o ocorrido naquele período, pois não são os políticos que contam a história, mas, sim, aqueles que se preparam para estudá-la e examinam-na sem preconceitos ou espírito de vingança.
Apoio, entretanto, o entendimento do ministro Nelson Jobim de que, se for instalada Comissão da Verdade, ela deve refletir o pensamento dos dois lados do conflito.
Tenho fundados receios de que uma pequena ala de radicais, a título de defender "direitos humanos" por um único e distorcido enfoque -e os vocábulos permitem uma flexibilização infinita para todos os gostos-, pretenderá "assimilar", à maneira dos Borgs na "Star Trek", todos os que não pensem da mesma maneira, transformando uma Comissão da Verdade em Comissão da Vingança.
Pessoalmente, como combati o regime de então -sofri em 1969, inclusive, pedido de confisco de meus bens e abertura de um IPM (Inquérito Policial Militar), processos felizmente arquivados- e participei da Anistia Internacional, enquanto tinha um ramo no Brasil, por ser visceralmente contra a tortura, sinto-me à vontade para criticar a "ideologização" dos fatos passados, a meu ver enterrados com a Lei da Anistia, de 1979.
Que os historiadores imparciais -e não os ideólogos- contem a verdadeira história da época, pois são para isso os mais habilitados.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 75, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

DORA KRAMER

Jogo de amarelinha
Dora Kramer 
O Estado de S.Paulo - 28/01/11

O que significa essa relação risonha e franca entre a presidente Dilma Rousseff e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab? Olhando de repente e considerando a iminente transferência dele do DEM para o PMDB, parece significar a transposição do prefeito da oposição para a situação.

Concluindo apressadamente a interpretação dos gestos, ver-se-ia neles o vislumbre de uma candidatura ao governo de São Paulo em 2014, com o apoio do PT, para tentar derrubar os 20 anos que na ocasião o PSDB estará completando de controle político do Estado.

Como ainda há muita água para rolar e muitos galos para cantar daqui até lá, pode ser tudo isso, nada disso ou parte disso.

É verdadeiro o interesse do PT em Gilberto Kassab, assim como é genuíno o conflito entre ele e o governador Geraldo Alckmin. É significativa também a redução do afã oposicionista do prefeito desde a eleição de Dilma e a derrota de José Serra.

Com a morte de Orestes Quércia, o PMDB de São Paulo tornou-se um feudo sem senhor. Por mais que o vice-presidente Michel Temer seja o sucessor, digamos, de direito de Quércia, seu cotidiano é agora nacional.

Portanto, a ideia de Kassab é assumir de fato o pedaço de forma a se livrar da subordinação ao PSDB e criar asas próprias. Se Serra tivesse sido eleito isso estaria resolvido. Como não foi, há que conquistar novas trincheiras.

Mas logo ao lado e no campo do maior aliado do governo federal? Pois é. Nada garante que o PMDB ao fazer um acordo com uma força política importante de São Paulo, onde já não tinha quase nada e para onde Kassab promete levar prefeitos, deputados e vereadores, usará isso a favor da atual aliança com o PT.

Pode ser que mais adiante use contra.

Convém prestar atenção nas relações estreitíssimas de Kassab com dois personagens: José Serra e Jorge Bornhausen, com os quais o prefeito vive dizendo que tem uma dívida eterna e, por ela, submete seus interesses às conveniências de ambos.

Algo se arma em São Paulo que ainda não é possível enxergar com clareza, até porque os artífices da obra, como convém a toda engenharia política que se preze, trabalham de olho no adversário, não revelam suas estratégias, dependem das circunstâncias e do andar das carruagens.

O jogo não é de via simples muito menos única: Kassab acumula, não divide forças para voar mais alto na política. Como candidato ao governo em 2014 com o apoio do PT?

Só se alguém puder acreditar em sã consciência e na posse do juízo perfeito que o PT abriria mão da chance de tirar São Paulo das mãos do PSDB justamente quando o partido estará em crise aguda de fadiga de material.

E o governo federal enquanto isso? Faz o seu papel: adula Geraldo Alckmin, agrada Antonio Anastasia, tenta neutralizar e dividir a oposição. Mais do que já está.

Recibo. José Sarney na presidência do Senado outra vez (a quarta) é confissão de suas excelências de que não há nada de melhor na Casa outrora nobre.

Reforma urbana. Jaime Lechinski escreve de Curitiba para, a propósito da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, lembrar (muito bem lembrado) o "drama das periferias urbanas, consequência das migrações rurais ocorridas a partir dos anos 60 e drasticamente aceleradas ao longo da década e meia seguinte".

Um processo desordenado, improvisado para o qual, na velocidade em que ocorreu, o Brasil não estava preparado. Isso é sabido.

Do que não se fala, e Lechinski aborda, é do tempo, dinheiro e energia gastos com a reforma agrária - "uma causa sem futuro" - em detrimento da atenção que seria devida à ocupação das periferias das grandes e médias cidades.

Sugere que políticos, intelectuais, movimentos sociais, governos que nunca levantaram essa bandeira passem a fazê-lo, a fim de conferir importância ao que de fato importa - o direito à vida - e de lidar com problemas reais no lugar de empregar dinheiro público em esforço inútil.