sexta-feira, julho 30, 2010

RUY CASTRO

Titãs extintos
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10


Cortes de terra para obras de infraestrutura em municípios de SP, PR e RS estão revelando redes de tocas que podem ter sido escavadas por tatus gigantes há 400 mil anos. Esses supertatus -gliptodontes, para os cientistas- eram do tamanho de fuscas, e seus cascos os transformavam em verdadeiros tanques. Com toda essa exuberância, extinguiram-se.
Um fóssil de urso achado em La Plata, Argentina, e apresentado há pouco num simpósio de paleontologia no Rio insinua que o bicho, um cidadão de 700 mil anos atrás, tinha 3,5 metros de altura e pesava 1,5 tonelada. Era carnívoro convicto e fazia a festa devorando tenros herbívoros, como antas e preguiças. Mas, com a chegada dos grandes felinos à América do Sul, ele caiu na zona de rebaixamento -encolheu de tamanho e tornou-se também herbívoro.
E, outro dia, cientistas da USP encontraram em MG ovos e crânios de um bicho desconhecido -talvez um crocodilo gigante, mas quem sabe também uma nova espécie ou até um novo gênero. Em todo caso, um feroz predador, de até seis metros de comprimento, e tremendamente antissocial. Por sorte, viveu há 90 milhões de anos.
A descoberta desses bicharocos sempre me emociona. Mostra como mesmo os maiores titãs do passado acabaram se extinguindo, por uma mudança no clima ou por um valente que apareceu no pedaço. E também me admiro quando se determina que o espécime viveu há 700 mil ou 90 milhões de anos.
Eu também viajo ao passado, em busca de personagens como Nelson Rodrigues, Garrincha ou Carmen Miranda, mas ainda não fui tão longe. Os três, por sinal, eram gigantes em seu tempo e ainda o são, em nosso tempo. Já muitos de seus contemporâneos, por mais sólidos que parecessem, só nos deixaram alguns dentes e artelhos que, um dia, com sorte, talvez sejam avaliados pelos paleontólogos.

MÔNICA BERGAMO

A VOLTA DO IRMÃO DO HENFIL 
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10

Betinho anistiado: a comissão do Ministério da Justiça que analisa pedidos de indenização de pessoas que foram perseguidas pela ditadura militar colocou na pauta o julgamento do caso de Herbert José de Souza, o Betinho. Militante da Ação Popular (AP), na clandestinidade, ele partiu para o exílio em 1971, retornando ao país em 1979. Caso seja anistiado, como é provável, os beneficiados serão seus herdeiros -Betinho morreu de Aids em 1997.

NOVA TURMA 
O julgamento deve ser realizado em setembro, já que a Comissão de Anistia está passando por ampla reformulação -os funcionários terceirizados estão sendo substituídos por servidores concursados recentemente.

OFICIAL 
O vice-presidente José de Alencar está pedindo a quebra do sigilo da ação de paternidade que determinou, na semana passada, que ele reconheça que a professora aposentada Rosemary de Morais é sua filha. "Ele acredita que as provas, no conjunto, o favorecem e não tem o que esconder", diz o advogado José Diogo Bastos. A defesa considera também que o sigilo não foi respeitado já que a sentença foi divulgada.

CARTA ABERTA 
O fórum de entidades Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, que reúne 67 organizações, envia hoje aos principais candidatos à Presidência uma carta aberta em que protesta contra a falta de comprometimento deles com o assunto. "Nenhum dos três ousa enfrentar o tema aborto quando confrontado, diante de um microfone ou gravador, sem tentar sair pela tangente ou negar seu próprio passado favorável ao atendimento humanitário e digno das mulheres que precisaram recorrer a um aborto", escrevem no documento.

ASSÉDIO 
Disposta a aumentar sua equipe esportiva para as Olimpíadas de 2012, a Record, que transmitirá com exclusividade o evento na TV aberta, sondou o locutor Luciano do Valle, hoje na Band. Ele não aceitou mudar de emissora. A Record nega que tenha feito uma proposta.

ESPELHO 
A biografia não autorizada do cantor canadense Justin Bieber, 16, sucesso entre as adolescentes, será lançada no Brasil em agosto pela editora Prumo. O livro fala da infância do astro e dos concursos de canto que participou.

RODA BRASIL 
As atrizes Marieta Severo e Andréa Beltrão vão sair em turnê nacional com a peça "As Centenárias", que já esteve em cartaz no Rio e em SP. Começa na última semana de setembro, em Porto Alegre, e segue para Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Goiânia e Florianópolis. 

EM CENA NO CENTRÃO 
O espetáculo "O Predador Entra na Sala", do escritor Marcelo Rubens Paiva, estreou anteontem no Espaço Parlapatões, na praça Roosevelt. No elenco da peça, que fala de um escritor solitário e neurótico, estão os atores Anna Cecília Junqueira, Raul Barreto e Celso Melez.

IMAGEM E AÇÃO 
O curta-metragem "I'm Here", do diretor Spike Jonze, teve exibição para convidados, anteontem, no Museu da Imagem e do Som. O filme foi premiado no Festival de Sundance neste ano.

SEM CENSURA 
Da novelista Maria Adelaide Amaral sobre a classificação indicativa obrigatória: "Suspeito que atrás da iniciativa de se proteger os bons costumes da família brasileira se escondam outras intenções, mais políticas do que morais". A Associação de Roteiristas de TV, Cinema e Outras Mídias debaterá o tema com o Ministério da Justiça. 

COMIDA SOBRE RODAS 
Donos do restaurante Eñe, os chefs espanhóis Javier e Sergio Torres vão abrir um bar de tapas itinerante em SP. O "nBOX será instalado em 12 contêiners, num espaço de 450 m2. Nos primeiros seis meses, ficará na avenida São Gabriel, no Itaim Bibi. Depois, circulará pela cidade. O espaço, que deve ser inaugurado no dia 14, também terá uma galeria de arte.

REENCONTRO 
O escritor americano William Kennedy participa de debate com Hector Babenco no dia 11, na Livraria da Vila. Babenco dirigiu "Ironweed", longa inspirado no livro de Kennedy e estrelado por Jack Nicholson. Os dois não se veem há oito anos. 

CURTO-CIRCUITO

Mônica Montoro apresenta o documentário "A Poética Política de Montoro" no dia 6, às 20h, na Flip, em Paraty.

Juscelino Pereira comemora hoje aniversario de seis anos de seu restaurante Piselli, com menu de tartufos. 

A festa All Beats acontece hoje, às 23h30, na boate Heaven. Classificação: 18 anos. 

O longa "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo", de Karim Ainouz e Marcelo Gomes fez 8.000 espectadores em três semanas em cartaz na Cidade do México. 

O Sebrae promove na terça-feira palestra sobre encadeamento produtivo entre grandes e pequenas empresas, na sede da entidade, em Brasília.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Uma nova agenda de prioridades
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10


Lula intui que uma alta na inflação provocará uma revolta nas camadas mais populares da sociedade


EM NOSSO último encontro manifestei minhas preocupações com a agenda de prioridades de um novo governo do PT. O programa da candidata oficial vai certamente manter o rumo definido pelo presidente Lula nestes seus últimos anos de mandato. Embora o documento registrado na Justiça Eleitoral apresente sinais contraditórios, na questão econômica podemos visualizar as linhas principais de um eventual governo Dilma.
Devem ser mantidas as linhas básicas da política macroeconômica de Lula. Uma gestão monetária voltada para o controle da inflação dentro dos limites do sistema de metas, a geração de superavit fiscal primário que estabilize a relação dívida/PIB e uma flutuação suja da taxa de câmbio. Em relação a esse tripé, a candidata já manifestou várias vezes seu compromisso.
Nosso presidente, homem extremamente pragmático, sabe que o sucesso de seu governo está diretamente ligado à estabilidade de preços. Intui que uma alta na inflação provocará uma revolta nas camadas mais populares da sociedade. E certamente passou essa lição para Dilma Rousseff.
Mas, além desse tripé de prioridades macroeconômicas, o que temos hoje é uma política econômica baseada nos valores dos economistas que sempre representaram o núcleo duro do pensamento econômico do PT. Lula manteve essa divisão em seu governo e o sucesso dos últimos anos certamente reforçou a confiança de Dilma nesse modelo.
Mas esse raciocínio futebolístico tão a gosto de nosso presidente -não se mexe em time que está ganhando- traz sempre um grande perigo. Ele vale apenas se o contorno em que se realiza uma determinada estratégia não mudar de forma importante ao longo do tempo.
A simples manutenção da estabilidade econômica nos últimos anos foi suficiente para que nossa economia crescesse a taxas elevadas porque várias mudanças microeconômicas positivas, criadas pela estabilidade, empurraram-na para a frente. Vejamos alguns exemplos.
A confiança na moeda permitiu uma expansão vigorosa do crédito a empresas e a indivíduos. Antes do arranque da economia em 2005 o crédito total representava pouco mais de 20% do PIB; hoje representa 45%. No passado recente tínhamos uma economia fechada e uma política de aumento real dos salários levava sempre a um aumento da inflação e dos juros; hoje, com o aumento expressivo das importações, podemos esperar pelo aumento da capacidade produtiva e uma maior oferta de bens industriais sem que a inflação apareça.
A taxa de desemprego em 2005 superava 10%, o que permitiu um aumento expressivo do emprego sem a elevação do custo da mão de obra; agora, com uma taxa de desemprego de 7%, essa folga é muito menor e, em certos setores de mão de obra mais especializada, já ocorrem gargalos importantes.
Também nos primeiros anos da lua de mel de Lula nossa infraestrutura econômica não estava tão congestionada. Hoje os gargalos nos setores de transporte, portos e aeroportos provocam aumentos de custo e quedas de eficiência na logística de movimentação da nossa produção e que podem nos levar a uma situação crítica no próximo governo.
As indicações que temos hoje nas palavras e ações do governo Lula são todas no sentido de que a necessidade de uma mudança de agenda não foi ainda devidamente entendida. Um exemplo claro disso é essa questão do trem-bala que tratei em nosso último encontro. Mas outras manifestações de prioridades do governo e de sua candidata provam esse descompasso entre realidade da economia e ações do governo.
Em matéria recente a mídia trouxe a informação de que o BNDES já desembolsou mais de R$ 16 bilhões para apoiar dois frigoríficos nacionais em sua expansão no exterior. O objetivo desse programa é o de criar multinacionais brasileiras para competir em outros mercados. Mas, no setor de frigoríficos, em um mundo dominado pela tecnologia? Apenas uma leitura errada do mundo em que vivemos pode explicar tanto esforço por nada.

CELSO MING

Remadores fora do ritmo 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 30/07/2010

A ata do Copom ontem divulgada não conseguiu desfazer o curto-circuito provocado pela sua guinada brusca na condução da política de juros.
Primeiro vamos falar do problema e, depois, das consequências. Dentro do regime de metas de inflação é essencial que as expectativas dos agentes econômicos (empresários, banqueiros, consultores) estejam alinhadas com as do Banco Central. É o que o presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke, chama de condução de um barco a remo com patrão. Os remadores coordenam os movimentos de acordo com as cantadas do patrão. É só assim que alcança eficiência no deslocamento do barco em direção à chegada.
Os dois principais documentos pelos quais o Banco Central martela as remadas do mercado são as atas do Copom (que saem oito dias depois de cada reunião) e o Relatório de Inflação (divulgado quatro vezes por ano). Ocorre que a ata da reunião anterior e o último Relatório de Inflação apontaram para a manutenção do aperto monetário. Quem leu esses documentos e ouviu as entrevistas dos diretores do Banco Central entendeu que o aperto dos juros seria mantido ou, até mesmo, intensificado. Mas a reunião do Copom do dia 23 mostrou que o Banco Central mudou sua política em direção à redução da dose dos juros básicos.
Quem foi surpreendido (e parece ter sido a maioria) ficou desarvorado. Houve quem criticasse o Banco Central pela condução esquizofrênica de sua política, que aponta para um lado e vai para o outro; por ter se tornado refém do jogo eleitoral; e por ter perdido, em final de governo, o que possuía de autonomia operacional...
A explicação para o curto-circuito parece mais prosaica. É que, desta vez, em pouco mais de uma semana, as condições externas e internas mudaram drasticamente. A recuperação da economia dos países ricos foi revertida; Estados Unidos e Europa voltaram a mergulhar na crise; e Bernanke, em seu depoimento no Congresso americano, descreveu um quadro desolador a ponto de iniciar a preparação da opinião pública para novo despejo de recursos no mercado para evitar o abismo. No Brasil, muitos setores estão atolados em estoques; a atividade industrial está desacelerando; e os indicadores de preços projetam para este mês inflação negativa.

Tudo isso aconteceu quase de repente, sem dar tempo para reverter a formação das expectativas. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, bem que passou declarações um tanto cifradas na TV, pelas quais advertia que o Copom não toma decisões apenas com base no que já aconteceu, mas também em informações que ficam disponíveis somente no dia da reunião. No entanto, declarações à imprensa não têm o mesmo peso do que o que está escrito nos documentos oficiais.

A ata restringe-se a apontar o quadro que serviu de referência para a decisão. Em nenhum momento explica por que houve o curto-circuito no jogo das expectativas e, assim, os remadores trabalharam com velocidade diferente da que estava nas intenções das autoridades monetárias. Ficou a impressão que o Banco Central errou no diagnóstico anterior e que não foi capaz de reconhecer isso. Se tivesse dito que a realidade mudou em questão de dias sem ter dado tempo para preparar a opinião pública, não continuaria sendo alvo de tantas críticas. (Veja a Opinião.)


OPINIÃO

Falha de comunicação
Se o Banco Central (BC) está convencido de que a boa comunicação com o público e a política de formação de expectativas são essenciais para a eficácia do regime de metas; e se sabe que a economia global opera em novo ritmo, sujeita a mudanças bruscas capazes de alterar a condução da política monetária em poucos dias, então, o atual sistema de comunicação do BC é inadequado.

Como mudar?
Não pode a comunicação com o mercado e com os formadores de preços se limitar a dois documentos que nem sempre captam a volatilidade da economia: o Relatório de Inflação, que sai a cada três meses, e a ata do Copom, que sai apenas a cada 44 dias. Declarações informais feitas na TV podem ajudar, mas não têm a mesma força. Não são instrumentos eficientes para a condução das expectativas, especialmente quando o jogo muda de repente. Talvez a melhor maneira de responder a alterações assim sejam comunicados feitos por diretores em ocasiões especiais, no site do BC.

DORA KRAMER

Controle de qualidade 
Dora Kramer 

O Estado de S.Paulo - 30/07/2010

Todo mundo fala de ficha limpa, ficha suja, a vida pregressa dos candidatos a deputado e senador caiu na boca do público e no momento está nas mãos dos Tribunais Regionais Eleitorais decidir sobre o destino de cerca de 3 mil pedidos de impugnação.
Em seguida será a vez de o Tribunal Superior Eleitoral examinar os recursos e logo o Supremo Tribunal Federal será chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade da lei de iniciativa popular aprovada pelo Congresso em maio, impondo como pré-requisito de elegibilidade a inexistência de sentenças condenatórias por tribunais.
Em toda parte se fala sobre a natureza das "fichas", menos na agenda dos candidatos à Presidência da República.
Quem em algum momento renunciou a mandato eletivo para escapar das punições legais e, assim, preservar os direitos políticos também fica inelegível.
Uma mudança e tanto nos meios e nos modos da política.
Se a lei for considerada constitucional - e tudo leva a crer que será, pois dos 11 quatro já se pronunciaram a favor -, o Brasil terá dado início a uma reforma "de base" na política. Ou seja, de dentro para fora (do Congresso) e de baixo para cima.
Ainda que a Justiça venha a demorar, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, já alertou para a possibilidade de alguns perderem tempo e dinheiro insistindo em concorrer, pois mesmo eleitos os irregulares poderiam ficar sem os mandatos.
Não se trata de algo trivial, bem como não é corriqueira a mobilização de organizações não-governamentais e de entidades civis, como a Ordem dos Advogados e associações de magistrados na vigilância aos pretendentes a representantes populares no Poder Legislativo.
É o controle de qualidade possível.
A partir dele pode começar a acontecer uma transformação até de mentalidade. Firma-se o princípio de que gente suspeita não pode representar a população na Câmara e no Senado.
Há um consenso de que o eleitor deve fazer a sua parte na hora da escolha do candidato. É verdade, mas de qual eleitor falamos?
Por enquanto daquele bem informado, engajado e que acompanhou os lances da aprovação da lei.
O chamado "público em geral" é despertado para os temas que estão na pauta das candidaturas presidenciais, elas é que puxam o debate.
Só que os candidatos a presidente da República não parecem preocupados com isso.
Em tese deveriam ser eles os maiores interessados no assunto Congresso, já que um deles será eleito e terá como primeiro desafio firmar uma posição sobre a relação do Legislativo com o Executivo, há muito torta, promíscua, desarticulada, não republicana, pois há submissão e, portanto, subversão do princípio do equilíbrio entre os Poderes.
Mas passam ao largo dessa agenda. É de se perguntar se para eles as coisas estão bem assim ou se não pensam que um Parlamento melhor é possível.
Obreiro. Ciro Gomes anunciou que vai apoiar Dilma Rousseff porque essa é a decisão do seu partido, o PSB. Quando desistiu da candidatura à Presidência da República o fez em atendimento a uma decisão do partido. Contra a vontade.
Em cena. É a quinta vez que o venezuelano Hugo Chávez ameaça cortar a venda de petróleo para os Estados Unidos. Agora - careca de saber que isso não acontecerá - diz que cortará se a Colômbia atacar a Venezuela por influência dos EUA.
Exige gestos amistosos por parte do novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, cansado de saber que é exatamente isso que ocorrerá em seguida à posse, em 7 de agosto.
Apostas. Palpita o meio diplomático: se Dilma Rousseff ganhar a eleição, o ministro das Relações Exteriores será o embaixador Antonio Patriota; se o presidente eleito for José Serra, o embaixador Sérgio Amaral comandará o Itamaraty.

PAINEL DA FOLHA

Show do milhão
RANIER BRAGON
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10

O valor recolhido pelas candidaturas de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) no primeiro mês oficial de campanha deverá ficar próximo de 10% do que as duas legendas estabeleceram como previsão de gasto em toda a eleição. Dirigentes da campanha petista afirmaram ontem que havia entrado R$ 12 milhões em seus cofres, com promessa de mais R$ 2 milhões para hoje, data em que fecham a contabilidade a ser apresentada à Justiça Eleitoral. 
Já responsáveis pela arrecadação tucana dizem ter obtido cerca de R$ 15 milhões em doações, embora a meta seja de R$ 20 milhões. A divulgação oficial na internet é obrigatória e ocorrerá na próxima sexta-feira. 
Perdas... - Dilma estabeleceu previsão de gastos de R$ 157 milhões para toda a campanha. Serra indicou R$ 180 milhões. 
...e ganhos - Apesar de parecer proporcionalmente pouco, o desempenho arrecadatório de PT e PSDB neste mês de julho significa uma melhora em relação a 2006, a se confirmar os números informados pelos dirigentes das duas legendas. Quatro anos atrás, a campanha de Lula arrecadou em igual período apenas 5% do que havia previsto para toda a eleição. A de Geraldo Alckmin, menos ainda - 1,4%. 
Chororô - Isso não impede, porém, que tanto petistas quanto tucanos lamentem o desempenho. Dos dois lados, o discurso é de que esperavam mais do empresariado. 
Dupla face - Já ativo, o comitê pró-Dilma formado por funcionários das estatais e sindicalistas será inaugurado hoje, no Rio, com a presença do candidato ao governo Sérgio Cabral (PMDB). Haverá abraço simbólico à sede da Petrobras. 
Lupa - O presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, vai a Brasília na segunda acompanhar o recenseamento do presidente Lula, no Palácio do Alvorada. 
Sinal - No mesmo dia em que tirou da presidência dos Correios um indicado da ala peemedebista do Senado, Lula enviou ao Congresso a indicação de Jorge Bastos para a Agência Nacional de Transportes Terrestres. Bastos dirige o Universo, campeão brasileiro de basquete, e é tido como o braço direito do ex-senador Wellington Salgado (PMDB-MG). 
Às claras 1 - O PMDB da Bahia aprovou resolução cobrando fidelidade dos filiados à candidatura de Geddel Vieira Lima ao governo. O texto diz que “é expressamente vedado o apoio, ainda que indireto”, a outros candidatos, sob pena de expulsão. No caso de “filiados infiéis eleitos para cargo executivo ou legislativo”, a ameaça é que eles terão seus mandatos “imediatamente reivindicados” na Justiça Eleitoral. 
Às claras 2 - A resolução visa cortar pela raiz qualquer tentativa de debandada do barco de Geddel, hoje em terceiro lugar nas pesquisas. 
Versão paulista - Tucanos andam torcendo o nariz para o “plus a mais” que seu candidato ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem repetido em entrevistas. A crítica não é nem tanto pelo erro na expressão, mas porque soa como paródia do “pode mais” de Serra. 
Na rede - Um dos maiores “twitteiros” da política paulistana, o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, teve o perfil invadido por hackers, que postaram mensagem pró-Dilma. 
Hortifruti - De Osmar Dias (PDT), candidato ao governo do Paraná, posando para fotos no Ceasa nesta semana: “Para quem gosta de frutas e verduras como eu, Ceasa é o paraíso!” 

Tiroteio
A oposição de hoje não chega nem perto do que o PT fez no passado. É só lembrar os votos contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Fundef. 
DA SENADORA KÁTIA ABREU (DEM-TO), sobre a declaração de Dilma Rousseff (PT) de que PSDB e DEM não fizeram oposição civilizada ao governo Lula. 
Contraponto
Luxo e riqueza 
O presidente Lula saudava autoridades ontem na cerimônia de assinatura de contratos de obras em Porto Alegre, quando parou no nome do ex-ministro Miguel Rossetto, hoje à frente da Petrobras Biocombustíveis. Após rasgar elogios, Lula não resistiu à bronca: 
- Miguel, vamos ter que encontrar um nome melhor para a nossa empresa, mais pomposo... 
Rossetto reagiu sem graça, e Lula emendou: 
- PBio! Esse nome é pobrezinho... Joãosinho Trinta já dizia que quem gosta de miséria é intelectual!

EDITORIAL - O GLOBO

Aumentam incertezas sobre Petrobras
EDITORIAL
O GLOBO - 30/07/10
Prestes a quitar uma dívida de R$ 3,6 bilhões contraída junto à Caixa Econômica Federal em 2008, a Petrobras obteve, no mês passado, um novo financiamento, desta vez de R$ 2 bilhões, da mesma instituição financeira estatal.

É possível que as duas operações de crédito tenham relação entre si, mas é uma ilação, pois falta transparência nessas transações — não por acaso as ações da Petrobras passaram a refletir incertezas que o mercado acumula em relação à trajetória da principal empresa brasileira.

A Petrobras está capitaneando o maior programa de investimento da indústria de petróleo no mundo. Esse programa envolve enormes desafios na exploração e produção, no refino, no transporte, na geração de energia elétrica e na petroquímica. Para dar conta de todos, terá de superar obstáculos tecnológicos e precisará mobilizar recursos humanos e financeiros em dimensões sem preceveu dentes no setor.

Não fosse isso suficiente, o governo resolveu dar mais incumbências à Petrobras, que terá de se capitalizar, pois, nem que quisesse, a estatal não encontrará nos mercados financeiros respaldo para se endividar tão vultosamente. Maior acionista da Petrobras, o Tesouro não dispõe de caixa para integralizar em dinheiro sua parte no aumento de capital e, assim, o governo decidiu recorrer a uma transação inusitada: ou seja, participará com a entrega de reservas de petróleo e gás, equivalentes a cinco bilhões de barris, o que aumentaria de imediato em um terço as jazidas certificadas da estatal.

Esses reservatórios estão próximos a blocos onde já foram confirmadas grandes descobertas na camada do pré-sal na Bacia de Santos, como o campo de Tupi. Sob delegação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a atividade exploratória da Petrobras nessas áreas que serão cedidas pela União parece indicar ali a existência de reservatórios gigantes.

Porém, a mensuração dos cinco bilhões de barris depende de certificação de auditores independentes, o que exige tempo.

Enquanto isso, o programa de investimentos da Petrobras prossegue, demandando somas financeiras crescentes. Por mais que corra contra o tempo, a Petrobras tem dificuldade para montar uma operação de capitalização dessas dimensões na velocidade que precisa. Ainda mais que, por questão política, o governo embolou o calendário eleitoral com as polêmicas mudanças que resolpreceveu propor na lei do petróleo, atrelou tudo à capitalização da Petrobras.

No mínimo, criou-se uma grande confusão, que obriga a Petrobras a recorrer a financiamentos junto ao BNDES e também à Caixa Econômica Federal. Pode-se dizer que o BNDES tem afinidade com os investimentos em curso no setor de petróleo, mas esse não é o caso da Caixa Econômica Federal, que, embora atue como banco comercial, preferencialmente está voltada para financiamentos habitacionais e de infraestrutura urbana. Ou deveria estar.

Basta comparar o volume de crédito concedido à Petrobras com a carteira de empréstimos a projetos de saneamento básico (menos de R$ 2 bilhões este ano) para se concluir que há problema de foco e de transparência nessas operações, que acabam afetando a imagem da Petrobras e da CEF. Também aqui, o governo aplica a temerária regra de “os fins justificam os meios”.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

São Paulo e Pernambuco firmam recolhimento de ICMS 
Maria Cristina Frias

Folha de S.Paulo - 30/07/2010

Os Estados de São Paulo e Pernambuco firmam hoje protocolos para implantação do mecanismo de substituição tributária do ICMS em oito setores.
Empresas de São Paulo que enviarem mercadorias desses setores a Pernambuco farão o recolhimento do ICMS devido na comercialização dos produtos naquele Estado ao fisco pernambucano. O mecanismo não será usado pela Fazenda paulista.
Os oito setores previstos no acordo são: material de construção, autopeças, cosméticos, eletrodomésticos, material elétrico, bicicletas, brinquedos e colchoaria.
"Isso evita sonegação do imposto nas vendas do comércio varejista", segundo o secretário Mauro Ricardo Costa, da Fazenda paulista.
Pelo regime de substituição tributária, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto é da indústria, primeiro elo da cadeia produtiva, o que torna mais eficiente o acompanhamento da arrecadação e garante a justiça fiscal, segundo Costa.
O sistema evita a concorrência desleal por parte de empresas que não recolhem adequadamente o imposto.
Para o fisco, a substituição tributária resulta em maior eficiência, devido à redução de custo, por possibilitar que a fiscalização seja feita de forma concentrada. "A medida beneficia Pernambuco."
"Não foi previsto o mesmo para São Paulo porque poderia prejudicar indústrias paulistas que recebem benefício fiscal lá", afirma o secretário.
Os acordos serão assinados pelo secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco, Roberto Arraes, e por Costa.
O acordo resulta de um pedido de Pernambuco ao governador Alberto Goldman, segundo Costa. "Por conta de problemas com enchentes, o Estado vai precisar de mais recursos administrativos."

Aéreas e moradores debatem horário de funcionamento de Congonhas

A redução de uma hora no horário de funcionamento do aeroporto de Congonhas (SP) vai afetar 200 mil passageiros por mês.
Esse foi o argumento apresentado pelo Snea (sindicato das companhias aéreas), com apoio de Anac e Infraero, durante a primeira reunião do grupo de trabalho coordenado pelo Ministério Público Federal para tentar um acordo com as associações de moradores da região sobre o problema.
A reunião, realizada ontem na Procuradoria da República em São Paulo, foi pedida pela 2ª Vara Federal Cível depois que as associações de moradores de Moema, Campo Belo e Jardim Aeroporto entraram com ação civil pública para limitar o funcionamento do aeroporto, das 7h às 22h. Hoje, o horário é das 6h às 23h.
Na reunião, os moradores tiveram o apoio da Prefeitura de São Paulo, que no final do ano passado determinou que a Infraero reduzisse o período de operação do aeroporto. A determinação não foi cumprida pelo órgão.
As partes envolvidas têm até o final de novembro para chegar a um acordo.

PLANTA DIET

A Steviafarma, fabricante de adoçantes à base de stevia, colhe em outubro a primeira safra da planta cultivada em terras brasileiras. Até então, a empresa importava todo o insumo de Paraguai e Argentina.
Em parceria com uma companhia norte-americana, foi investido em pesquisa e tecnologia US$ 1,7 milhão. "A qualidade da folha que desenvolvemos é superior à importada. A nova variedade possui um sabor similar ao do açúcar", diz Fernando Meneguetti, presidente da empresa.
A primeira safra, cultivada no Paraná, terá 60 hectares plantados e a meta é atingir mil hectares até 2015. "A nossa expectativa é nos tornar autossuficientes no final de 2012", diz.
Cerca de 60% da colheita será utilizada na produção nacional, o restante irá em forma de insumo para a parceira norte-americana.
Hoje, a companhia já exporta adoçantes para oito países, entre eles Estados Unidos, Argentina e Chile. "Com a nova produção, vamos conseguir aumentar as nossas exportações."

QUÍMICA EM QUEDA

A fabricação de produtos químicos de uso industrial no Brasil teve resultado positivo no primeiro semestre. Na comparação com o mesmo intervalo de 2009, período abalado pela crise, a produção subiu 12% e as vendas ao mercado interno, 10%.
O aquecimento, porém, aponta desaceleração, segundo dados que a Abiquim (associação da indústria química) divulga hoje.
O índice de produção caiu 4,2% em junho, após contração de 0,7% em maio. O de vendas internas caiu 0,2%.
No índice de preços, após altas de janeiro a maio, o segmento registrou deflação de 1,59% no mês passado.
O cenário se explica pelo aumento das importações, segundo Fátima Ferreira, diretora da Abiquim. "As importações estão crescendo a uma velocidade maior."
Ela diz que no exterior tem havido um excedente muito alto, pois a demanda internacional não tem acompanhado a oferta. "Há também as plantas que entraram em operação recentemente no Oriente Médio."

ÓCULOS EXPRESSO

Para alcançar 500 pontos de venda até a Copa e mil até a Olimpíada, a Chilli Beans, de óculos escuros, irá comercializar os produtos em "vending machines" a partir de agosto. Hoje, a marca possui 277 lojas e quiosques no Brasil, em Portugal e nos EUA.
"Investimos em novos canais de venda , com foco em praticidade", afirma Caito Maia, diretor da empresa.
As seis primeiras máquinas serão instaladas na linha amarela do metrô de São Paulo e no aeroporto internacional. É possível "experimentar" o produto virtualmente em uma tela. No verão, as máquinas chegam a resorts, casas noturnas, academias e cruzeiros.
Em 2009, a empresa vendeu 1,5 milhão de itens, entre óculos, relógios e bonés. Para este ano, projeta chegar a 2 milhões.

Revisão As empresas de "call center" terão dificuldade em atender ao reajuste de 7,72% nos benefícios de aposentados e pensionistas concedido em junho e retroativo a janeiro de 2010, segundo o Sintelmark (sindicato do setor). O motivo é o volume de folhas de pagamento que precisarão ser refeitas, quase 300 mil somente no Estado de SP.

Mais patrimônio O Infraprev, fundo de pensão dos empregados da Infraero, se tornou multipatrocinado e está em reestruturação. Com 28 anos, o fundo quer aumentar em 30% o seu patrimônio no prazo de três anos. Em junho, seu patrimônio chegou a R$ 1,52 bilhão. O fundo está desenhando os novos planos e benefícios previdenciários.

MÍRIAM LEITÃO

Um tanto minério 
Miriam Leitão 

O Globo - 30/07/2010

Em 2010, pela primeira vez um único produto vai superar a marca de US$ 20 bilhões nas nossas exportações: o minério de ferro. O preço subiu mais de 100% este ano. Com isso, o minério representará 12% de nossa balança comercial. Em mais de 30 anos, será também a primeira vez que as matérias-primas vão superar os manufaturados. Minério de ferro, petróleo e soja são 30% do que exportamos.

A alta do preço vai provocar um salto ornamental.

Do ano passado para este, as exportações de minério de ferro vão sair de US$ 13,2 bilhões para US$ 24 bilhões, segundo estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Uma alta de 81%. No segundo trimestre, o minério dobrou de valor. O terceiro trimestre já começou com novo aumento de 35%. A AEB revisou o superávit da balança comercial de 2010: de US$ 12,2 bilhões para US$ 15,04 bilhões.

A alta tem vários efeitos.

Nem todos bons. O Brasil acaba voltando à primeira metade do século passado quando um produto se agigantou nas contas de comércio.

Naquela época, o café. O aumento no preço é resultado da demanda chinesa.

Em processo acelerado de urbanização, com fortes investimentos em infraestrutura, a China tornouse altamente dependente da importação de minério de ferro porque não tem mineral de boa qualidade. Diante da demanda, as três maiores mineradoras do mundo, Vale, BHP Bilinton e Rio Tinto, impuseram um novo sistema de reajustes às siderúrgicas, que agora acontecem de três em três meses. Até 2009, era uma vez por ano. No mercado, já se fala em reajustes mensais e até em negociações em bolsa, como acontece com outros minerais, como cobre e alumínio.

— A tendência é que o produto seja negociado em bolsa, com a criação de um preço de referência e um prêmio para o minério que tiver maior qualidade, como é o caso do produto de Carajás — explicou o economista da Link Investimentos Leonardo Alves.

O perfil de nossas exportações está mudando, com o aumento da participação dos produtos básicos (vejam no gráfico).

Em 1998, a exportação de matérias-primas representava 25% de tudo que o Brasil vendia; em 2010, a projeção é de que seja 43%.

Já a participação dos manufaturados caiu de 57% para 40%. Dos dez produtos que devem ser os mais vendidos este ano, nove são commodities. Dos 20, 13 são matérias-primas.

E olha que o Ministério do Desenvolvimento considera como produtos manufaturados itens como madeira compensada; suco de laranja não congelado; café solúvel; açúcar refinado: — Só no Brasil esses produtos são considerados manufaturados.

Em qualquer país desenvolvido, seriam produtos básicos ou semimanufaturados.

É um erro que nos acompanha desde o regime militar — explicou José Augusto de Castro, vicepresidente da AEB.

A entidade acha que isso é um problema. Não pelas boas vendas de commodities, mas porque teme a ausência de acordos bilaterais que abram mercado para produtos de maior valor agregado. A AEB alerta que o Brasil não reduziu seus custos de produção e lembra que o volume vendido não aumentou, apenas o preço. Qualquer mudança no instável mercado de commodities e a nossa balança será afetada.

“Registre-se que a elevação de preço não gera emprego, ao contrário de quantidade, principalmente quando se refere a produtos manufaturados”, escreveu a AEB em relatório.

A Abracex (Associação Brasileira de Comércio Exterior) lamenta o foco das exportações em matériasprimas.

Em análise intitulada “Onde está a política industrial?”, o presidente da entidade, Roberto Segatto, lista um longo dever de casa que ainda precisa ser feito: melhoria da infraestrutura aeroportuária e rodoviária; financiamento à micro e pequenas empresas; redução de carga tributária.

É da vocação do Brasil ser grande produtor de commodities, seja metálicas, seja agrícolas. Não é exportação de segunda categoria.

Mas o melhor seria se o país estivesse removendo os gargalos da infraestrutura, incentivando a inovação tecnológica e ampliando a diversidade das exportações.

WASHINGTON NOVAES

O perde-ganha na área do clima
Washington Novaes 
O Estado de S.Paulo - 30/07/10

Mesmo com a Serra Gaúcha ainda traumatizada pelo desastre climático de poucos dias atrás e o Nordeste brasileiro sem meios para enfrentar o drama de Alagoas e Pernambuco, é surpreendente a quase nenhuma importância que a comunicação brasileira deu às terríveis dimensões da mais recente tragédia das enchentes na China: 117 milhões de pessoas atingidas em 27 províncias, 8 milhões de pessoas desalojadas, 645 mil casas derrubadas, mais de 700 mortos e perto de 350 desaparecidos, 7 milhões de hectares de cultivos comprometidos, perdas de US$ 37 bilhões.

A mesma perplexidade advém da leitura do noticiário sobre a dificuldade de, no plano mundial, se chegar a um acordo para reduzir as emissões de gases poluentes que contribuem para mudanças climáticas. Na semana passada, o governo norte-americano, por exemplo, desistiu de tentar aprovar agora no Senado sua proposta de legislação que permitiria estabelecer metas nessa área. Tão complicada está a negociação no plano global que a Convenção do Clima já está propondo um plano de emergência que permita, pelo menos a 143 países signatários, prorrogar a vigência do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Ao mesmo tempo, um grupo de 21 consultores da ONU sugere criar uma taxa para as emissões de aviões e navios, setor em que mais cresce o problema (5% ao ano).

E ainda que se consiga avançar, será preciso que a prorrogação seja homologada pelos Parlamentos dos países (para que a homologação permitisse a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto foram necessários oito anos). Mas se essa prorrogação não ocorrer, ficarão ameaçados dispositivos como os do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL), que permitem a uma empresa poluidora num país financiar em outro país projetos que reduzam emissões ? e abater a redução no seu balanço nacional; ou o que permite a um país que tenha reduzido suas emissões além da cota que lhe cabe (caso da Rússia e outras nações da antiga área socialista, que sofreram um processo de desindustrialização) negociar uma cota com outro país e ser remunerado.

Entra-se aí no terreno financeiro, que envolve altas importâncias. No ano passado, as incertezas quanto ao protocolo levaram o mercado de certificados de carbono a baixar ainda mais o valor médio de cada um para pouco mais de US$ 15 (já esteve em US$ 80). E mesmo com uma queda de 38% no valor total dos negócios nesse âmbito, ele ainda esteve em US$ 20,6 bilhões. Não é o único ângulo que assusta o mercado financeiro: no recente Fórum Global da Mídia em Bonn, uma das maiores resseguradoras do mundo, a Munich Re, lembrou que de 1980 a 2009 os desastres climáticos no mundo passaram de uma média de 400 por ano para mais de 800 ? enquanto os chamados desastres naturais (tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas) se mantiveram abaixo de 100 por ano ?, relatou Cláudio Ângelo na Folha de S.Paulo (30/6). E com isso o panorama está muito difícil para o setor de seguros.

A complexidade não está apenas aí. Ao mesmo tempo que as negociações continuam empacadas, é inegável certa aflição dos países industrializados em relação à corrida por tecnologias de energias "limpas" e renováveis. Quem perder a corrida aí pode ver comprometido seu lugar na economia mundial. Tanto que os ministros de Energia da Grã-Bretanha, do Meio Ambiente da Alemanha e da Ecologia da França assinaram conjuntamente artigo no jornal Financial Times advertindo que a União Europeia (UE) precisa ampliar suas metas de redução de emissões de gases se quiser competir com a China, o Japão e os EUA nessa corrida. Até aqui a UE se dispõe a reduzir 20% (calculados sobre as emissões de 1990) até 2020 ? e 30% se os demais países aceitarem essa meta maior. Está implícito no raciocínio que basicamente se acredita que tecnologias serão capazes de resolver grande parte do problema ? e não a redução pura e simples de emissões, que poderia custar mais caro.

Por tudo isso, acordos bilaterais que antes pareceriam inviáveis também se concretizam. EUA e Rússia, por exemplo, assinaram tratado que deverá permitir um avanço de ambos os países no campo das energias "limpas". Ele inclui troca de informações que levem a reduzir as emissões de carbono e perdas de energia nos sistemas elétricos. A Rússia acha que poderá ganhar US$ 80 bilhões por ano com o acordo (The Boston Globe, 22/7). Já a China vai implantar sistema doméstico de comércio de emissões, com a intenção de reduzir a intensidade de energia por unidade de produto em 40% a 45% até 2020. E mesmo hoje o país contesta a Agência Internacional de Energia, que o aponta como o maior consumidor de energia no mundo ? 2,252 bilhões de toneladas de petróleo equivalentes em 2009 (com carvão ? 70% do total ?, gás, energia nuclear e hidrelétrica), ante 2,170 bilhões dos EUA.

E o Brasil? Afinal, somos o quarto maior emissor do planeta, com 1,9 bilhão de toneladas de carbono equivalentes em 2008 (mais de 10 toneladas por habitante/ano), das quais 58% em consequência de desmatamentos, mudanças no uso do solo e queimadas. E pretendemos, com nossas "metas voluntárias", reduzir em 40% o que seriam as emissões previstas para 2020 (2,7 bilhões de toneladas). Mas se as emissões de carbono per capita no Estado de São Paulo caíram entre 1997 e 2007, a intensidade energética por unidade de produto industrial aumentou 26% (Ricardo Abramovay e Danilo Igliori no Valor Econômico de 2/6).

É bom cuidar. As questões da competição em função de tecnologias, mudanças climáticas e setores afins estão tão agudas que já invadiram até o domínio das histórias em quadrinhos. Na edição de 22 de junho deste jornal, a tira de Frank e Ernest mostra-os ao lado de uma placa de sua empresa (Cia. Petrolífera F & E), com um advertindo o outro: "Sinto dizer isso, mas nossa empresa está indo para o buraco."

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Convite à reflexão
Almir Pazzianotto Pinto 
O Estado de S.Paulo - 30/07/10

Procuro conservar-me otimista. A experiência sugere, todavia, receber com reservas os projetos de governo divulgados pelos candidatos à Presidência da República. Descreio de palavras mágicas, com as quais se tenta iludir a realidade.

Afinal, alguém já se perguntou sobre o significado, para o homem comum, da vitória de um ou de outra?

Que benefícios poderiam alcançar lugarejos remotos, ignorados pelo sistema de saúde, onde faltam escolas, professores e livros, não há água tratada e canalizada, o sanitário é a fossa ou o arbusto, o sabonete, a escova dental e o papel higiênico são produtos de luxo e a economia rasteja no terreno infecundo da subsistência?

Quando os eleitores dos grandes centros sentirem desejo de pesquisar a página Cidades no portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), observarão ? atônitos, perplexos ? o número de municípios espalhados pelo País sem agência bancária, onde permanecem zerados os indicadores de mão de obra ocupada ou empregada.

Que medidas objetivas deverão aguardar, nos próximos quatro ou oito anos, os moradores de Cruzeta, Encanto, Zé Doca, Belágua, Chupinguará, Zabelê, Bodó, Acaicá, Barro Duro, Alvorada do Gurgueia e de centenas de outras pequenas comunidades cujos nomes pululam na pitoresca onomástica do nosso interior distante?

Não há, porém, necessidade de extensa caminhada para se perceber que a miséria econômica e política não é problema restrito a paragens remotas como a Vila do Baião Grande, situada no município de Tupanatinga, no interior de Pernambuco, onde famílias sobrevivem em extrema penúria. No entorno das capitais, ou do Distrito Federal, o quadro é alarmante e se manifesta por meio do desemprego, do subemprego, do trabalho precário, de crianças pedintes, de meninas prostituídas, do tráfico de drogas ? e na crescente espiral da violência, da qual ninguém se encontra a salvo.

São situações para as quais os governantes somente despertam quando alguma catástrofe mata, mutila e destrói, para logo caírem no esquecimento, ofuscadas por projetos miliardários, de forte apelo popular, como promoção da Copa do Mundo de 2014, a construção de fantásticos estádios, a implantação do trem-bala, a transposição do Rio São Francisco.

Milhões de eleitores não têm acesso a jornais, revistas e livros. Satisfazem-se com as notícias transmitidas pelo rádio, pela televisão, o que é pouco para se conservarem informados do que se passa na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e nos governos estaduais. Voltados para as áreas de forte densidade eleitoral, os governantes entregam ao sabor da sorte aqueles que vivem à margem da economia, tratados como párias políticos.

A análise do perfil dos pretendentes ao Palácio do Planalto com chance de vitória gera mais perguntas do que respostas.

José Serra iniciou-se na vida pública presidindo a União Nacional dos Estudantes (UNE) e usou da palavra no trágico comício de 13 de março de 1964, organizado para apoiar as reformas de base defendidas por João Goulart. Foi o princípio do fim do governo, interrompido pelo golpe do dia 31. Após o exílio retornou a São Paulo, filiou-se ao MDB e integrou o governo Franco Montoro. Hoje no PSDB, deseja a Presidência da República. Disputou o cargo com Lula nas eleições de 2002 e foi derrotado. Elegeu-se prefeito de São Paulo, mas deixou de sê-lo para ganhar a corrida para o governo do Estado.

A candidata do PT-PMDB-PDT-CUT não ostenta folha equivalente de serviços. Dilma Rousseff surgiu de forma repentina nos altos escalões da vida pública. A adolescente assustada, mostrada na internet, cedeu lugar à matrona de aspecto sóbrio, detalhadamente produzida, determinada a assumir as responsabilidades que lhe deseja conferir o presidente Lula.

Marina Silva participa de atividades políticas desde o ingresso na Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Rio Branco, capital do Acre. Conhece a pobreza e a região amazônica. Enfrenta, entretanto, as deficiências do Partido Verde, o que lhe reduz as possibilidades de sucesso.

Ao comparar o desempenho dos candidatos, fica-me a sensação de que José Serra carrega a disputa como quem paga penitência. Marina Silva transmite a ideia de se encontrar investida de missão divina. Lembra-me um pouco Madre Tereza de Calcutá. Não creio que baste para fazê-la vencedora. Já Dilma Rousseff entregou-se à luta. Tem como cérebro e chefe do seu estado-maior o presidente Lula, cuja popularidade não encontra paralelo na História recente. E ainda conta com a ajuda do Bolsa-Família, formidável instrumento de captação de votos.

Os dados estão lançados. Dentro de poucas semanas teremos o novo presidente. O mandato é de quatro anos. Com alguma competência, permanecerá oito. Se for bom negociante, provavelmente fará o sucessor. Dada a fragilidade do Poder Legislativo, quem chefia o governo, controlando a "máquina" e detendo a chave do Tesouro, tem chance de instituir algo como uma dinastia partidária. Voluntariamente, ninguém abre mão do poder. Por sinal, o Ministério de Assuntos Estratégicos elaborou o "Plano Brasil 2022", que pressupõe o predomínio petista até 2026.

O momento é de crise moral e exige profunda reflexão. Aqueles que leem e analisam têm responsabilidade redobrada. O iletrado e o indiferente devem ser convidados a meditar sobre o significado do voto e a compreender que do resultado das eleições depende o futuro da criança, do jovem, da família, do trabalhador, do empresário.

Que cada cidadão seja combativo militante e saia a campo, pois é o caminho para melhorar o País e aprimorar a democracia.

ADVOGADO. FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

SIDARTA RIBEIRO, JOÃO R. L. MENEZES, JULIANA PIMENTA e STEVENS K. REHEN

Ciência e fraude no debate da maconha
SIDARTA RIBEIRO, JOÃO R. L. MENEZES, JULIANA PIMENTA e STEVENS K. REHEN
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10

Causa-nos estranheza que psiquiatras venham a público negar o potencial terapêutico da maconha, medicamento fitoterápico de baixo custo


O artigo contra o uso medicinal da maconha de Ronaldo Laranjeira e Ana C. P. Marques ("Maconha, o dom de iludir", "Tendências/Debates", 22/7) contém inverdades que exigem um esclarecimento.
A fim de desqualificar a proposta de criação de uma agência brasileira para pesquisar e regulamentar os usos medicinais da maconha, os autores citam de modo capcioso o livro "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate".
Exatamente ao contrário do que o artigo afirma, o livro provém de um relatório com recomendações claramente favoráveis à legalização regulamentada da maconha.
Conclui o livro: "A dimensão dos danos entre os usuários de maconha é modesta comparada com os danos causados por outras substâncias psicoativas, tanto legais quanto ilegais, a saber, álcool, tabaco, anfetaminas, cocaína e heroína (...) O padrão generalizado de consumo da maconha indica que muitas pessoas obtêm prazer e benefícios terapêuticos de seu uso (...)
O que é proibido não pode ser regulamentado. Há vantagens para governos que se deslocam em direção a um regime de disponibilidade sob controle rigoroso, utilizando mecanismos para regular um mercado legal, como a tributação, controles de disponibilidade, idade mínima legal para o uso e compra, rotulagem e limites de potência. Outra alternativa (...) é permitir apenas a produção em pequena escala para uso próprio" (http://www.beckleyfoundation.org/policy/cannabis-commission.html).
Qualquer substância pode ser usada ou abusada, dependendo da dose e do modo como é utilizada.
A política do Ministério da Saúde para usuários de drogas tem como estratégia a redução de danos, que não exige a abstinência como condição ou meta para o tratamento, e em alguns casos preconiza o uso de drogas mais leves para substituir as mais pesadas.
O uso da maconha é extremamente eficiente nessas situações. A maconha foi selecionada ao longo de milênios por suas propriedades terapêuticas, e seu uso medicinal avança nos EUA, Canadá e em outros países.
Dezenas de artigos científicos atestam a eficácia da maconha no tratamento de glaucoma, asma, dor crônica, ansiedade e dificuldades resultantes de quimioterapia, como náusea e perda de peso.
Em respeito aos grupos de excelência no Brasil que pesquisam aspectos terapêuticos da maconha, é preciso esclarecer que seu uso médico não está associado à queima da erva. Diretores da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) afirmam frequentemente que maconha causa câncer. Entretanto, ao contrário do que diz a Abead, a maconha medicinal, nos países onde este uso é reconhecido, é inalada por meio de vaporizadores, e não fumada.
Isso elimina por completo os danos advindos da queima, sem reduzir o poder medicinal dos componentes da maconha, alguns comprovadamente anticarcinogênicos.
Causa, portanto, estranheza que psiquiatras venham a público negar o potencial terapêutico da maconha, medicamento fitoterápico de baixo custo e sem patente em poder de companhias farmacêuticas.
Num momento em que o fracasso doloroso da guerra às drogas é denunciado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, em que a ciência compreende com profundidade os efeitos da maconha e em que se buscam alternativas inteligentes para tirá-la da esfera policial rumo à saúde pública, é inaceitável a falsificação de ideias praticada por Laranjeira e Marques.
O antídoto contra o obscurantismo pseudocientífico é mais informação, mais sabedoria e menos conflitos de interesses.
SIDARTA RIBEIRO é professor titular de neurociências da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).JOÃO R. L. MENEZES é professor adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do simpósio sobre drogas da Reunião SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) 2010.JULIANA PIMENTA é psiquiatra da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.STEVENS K. REHEN é professor adjunto da UFRJ.