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Quando tinha uns 8 ou 9 anos chupei uma laranja tão gostosa que acabei engolindo um caroço. Assustado, corri para o quintal onde, ao lado de um velho mamoeiro e de algumas bananeiras, jazia abandonado um único pé de laranja. Ao apalpá-lo, notei os espinhos e a dureza do tronco que, no final daquela tarde de janeiro, escureciam ao som do piano tocado por mamãe. No dia seguinte, rodeei a varanda onde meu avô e tios discutiam, com aquela paixão destinada a fabricar diferenças nas famílias, a "carestia da vida" e reclamavam do governo. Estava obviamente só e precisava urgentemente saber se o caroço engolido teria consequências. Será que ia nascer um pé de laranja dentro de mim? Na entrada da sala de visitas, topei com vovó. "Eu engoli um caroço de laranja..." - falei com aquela voz dos desgraçados. Ela olhou para mim e disse sem pestanejar: "Engoliu um caroço? Está perdido! Vai nascer uma laranjeira na sua barriga e logo os espinhos vão furar o seu corpo!" Esse caroço de laranja foi seguramente a primeira inquietação da minha vida. Tomei consciência do mundo por meio de um caroço de laranja! Entre os outros meninos e eu, interpunha-se um caroço de laranja e, com ele, a morte próxima ou um futuro aleijão. Meus irmãos e amigos eram os "caras": eles jamais haviam engolido um caroço de laranja. De dentro de mim, entretanto, estava prestes a surgir uma frondosa laranjeira. No limite da preocupação, apelei para tia Amália, solteirona e contadora de histórias, irmã de meu pai: "Titia, eu engoli um caroço de laranja!" "E daí? - respondeu ela casualmente - todo mundo engole de vez em quando um caroço..." Aprendi que preocupações humanas são como o ar. Concretas, fazem voar um avião; diáfanas, esfumam-se como os fantasmas. Tudo depende do modo de ver e, mais que isso, viver. Creio que foi por causa disso que eu sempre pensava em laranjas quando lia e estudava "O pensamento selvagem", do grande Claude Lévi-Strauss. A primeira vez que comi bacon com ovos, um must dos quebra-jejuns americanos, foi na casa de uma inglesa no bairro do Ingá, em Niterói. Era uma residência "moderna", simpática, com uma varanda acolhedora e muitas janelas. Ali residia uma família inglesa cuja herdeira era uma moça de uns 20 anos que morava absurdamente só. Meus pais, tios e avós viviam consternados com essa solidão da jovem - vamos chamá-la de Mary, esse nome sempre velho e grandioso para os protestantes que o baniram de sua doutrina. O que para a minha família era um castigo, para Mary era a glória e o gozo. Livre dos controles das moças de então, ela namorava e saía com quem lhe dava na telha. Ademais, pouco se lixava - como ocorre com os nossos administradores públicos eleitos pelo nosso voto livre e competitivo - com a opinião de uma vizinhança que controlava a vida alheia pelas venezianas, essa incrível invenção árabe-ibérica. Penso que foi meu irmão Romero que chegou com a novidade: - Você quer comer bacon com ovos, como nos filmes? - Claro, mas onde? - Na casa da Mary, a inglesa maluca... Foi Mary quem pela primeira vez me deu esse "bacon com ovos", cujo cheiro delicioso me encantou os sentidos. Nossa turma de oito ou nove meninos comeu com gosto essa coisa de cinema que não era bem uma "comida" no sentido brasileiro do termo. Findo o prato, Mary colocou-nos em fila e, como o governo, sentou-se numa cadeira de vime e cobrou um insólito (e doce) imposto. Demandou de cada um de nós um beijo na boca. Era um misto de pagamento e de treino, disse com uma casualidade pervertidamente encantadora. Obedecemos e, um a um, demos demorados beijos na boca na inglesa que ria de nossa vergonha e falta de jeito. Toda vez que chega a temporada eleitoral, tão impositiva quanto as estações do ano do Hemisfério Norte, e eu a vejo crescer com a presença de um monte de figuras patéticas que falam a mesma coisa sobre o Brasil e mendigam votos, digo a mim mesmo: eis o verdadeiro pensamento selvagem! Primeiro, porque ele tem como alvo dar, como os caroços de laranja e os bacon com beijos, um sentido ao mundo. E, na nossa política, isso significa juntar democracia igualitária com sujeitos que jamais deixaram de pensar o Brasil como sendo feito de senhores e escravos, de superiores e inferiores, de bostas e de ricos, poderosos e famosos. Depois porque Lévi-Strauss enganou-se. Há, sim, um pensamento selvagem produzido por selvagens. São esses trogloditas e malandros que entram nas nossas casas para pedir voto em nome do bem que seus partidos vão proporcionar ao Brasil, enquanto nós pensamos no enorme bem que faríamos ao Brasil, colocando-os - ressaltando, é claro, as velhas, cansativas e enganosas exceções de praxe - a serviço de algum psiquiatra. Então, depois de pensar essas coisas, tento comer bacon com ovos ou penso no caroço que está dentro de mim. |
quarta-feira, junho 09, 2010
ROBERTO DaMATTA
SÉRGIO AMAD COSTA
O sindicato como negócio
Sérgio Amad Costa |
O Estado de S. Paulo - 09/06/2010 |
O Brasil já teve vários tipos de sindicalismo: o corporativo, o pelego, o novo sindicalismo, o de resultados, etc. Mas, atualmente, assistimos a um modelo que é muito peculiar e bem distante do cotidiano do trabalhador. Trata-se do sindicalismo como negócio. Recentemente, este jornal publicou alguns editoriais extremamente oportunos, revelando com veemência o apetite de vários órgãos de representação profissional para garfar, com muita gula, parte dos salários dos trabalhadores, a título de contribuições para o sustento das suas entidades. Pois bem, a contribuição mais conhecida é o velho "Imposto" Sindical, que equivale a um dia de salário de todo empregado, descontado compulsoriamente em março. Esse malfadado tributo, desde que foi instituído, em 1940, sempre provocou grandes discussões no campo trabalhista. Desde aquela época, até meados dos anos 60, foi ele acusado de inconstitucional. Entretanto, em 1966 foi acrescentado um artigo ao Código Tributário Nacional determinando que o "Imposto" Sindical passasse a se denominar Contribuição Sindical. A nova nomenclatura, contudo, nada modificou, mas apenas disfarçou a sua natureza. A forma de sustento autoritária dos sindicatos, no entanto, não para por aí. O velho "Imposto" Sindical é o mais noticiado. Mas, além dele, hoje há mais duas contribuições para os cofres dos sindicatos: a Confederativa e a Assistencial, de que, em determinadas circunstâncias, os órgãos de representação profissional podem fazer uso. A Contribuição Confederativa surgiu no artigo 8.º da Constituição de 1988. Na época causou espanto o seu aparecimento. Seus defensores alegavam, porém, que ela seria o meio de garantir a sustentabilidade financeira dos sindicatos, caso fosse extinta a Contribuição Sindical. O fato é que o velho "Imposto" Sindical não desapareceu, continua vivo e os trabalhadores pagam, agora, a vários sindicatos, também a Contribuição Confederativa. E o pior: o montante a ser cobrado é estipulado em assembleia do sindicato. Portanto, o valor estabelecido na Contribuição Confederativa pode ser ainda maior do que é exigido pelo "Imposto" Sindical. A terceira contribuição, a Assistencial, também aparece nos fins dos anos 80. Ela é cobrada dos empregados no mês em que se firma o acordo coletivo. Sua existência se dá para melhorias no sindicato, e o seu valor também é fixado em assembleia sindical, com fundamento no artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O empregado pode se negar a pagar essa Contribuição Assistencial, desde que faça a recusa formalmente. A própria CLT garante isso. Entretanto, não são poucos os sindicatos que criam uma série de empecilhos visando a dificultar a não quitação da contribuição. Finalmente - é de ficar pasmado -, há sindicatos cobrando uma nova "contribuição", conhecida como negocial. Essa, sem amparo legal, é solicitada em decorrência de acordo no Programa de Participação nos Lucros ou nos Resultados (PLR). Traduzindo a afronta: exige-se do empregado uma porcentagem sobre o que ele recebe de PLR, caso atinja as metas. Como se vê, de 1988 para cá, a nossa democracia triplicou ou quadruplicou o autoritarismo no campo trabalhista. Antes tínhamos apenas o velho "Imposto" Sindical. Hoje temos três ou quatro contribuições, se considerarmos a prática da negocial, embora só se propale geralmente o "Imposto" Sindical. Urge dar um basta em todas essas cobranças compulsórias, estimulando os sindicatos a viverem das mensalidades de seus associados. O empregado hoje no Brasil é livre para ser sindicalizado ou não, portanto também deveria ter a liberdade para contribuir ou não, financeiramente, com a entidade de representação profissional. A tese acima desagrada a muitos dirigentes sindicais, adeptos do sindicato como negócio, que estão preocupados apenas com os cofres das suas entidades, e não com o bolso dos trabalhadores. Mas essa tese, estou certo disso, satisfaz os seus representados. |
JOSÉ (MACACO) SIMÃO
Uau! Rumo ao Équiça!
JOSÉ (MACACO) SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/10
Sabe como eu tô colando os argentinos no álbum? Tudo de cabeça pra baixo. Pra dar zica!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! Direto da Cópula do Mundo! HEXA É NOSSA!
Piada pronta e enlatada: Tevez diz que a bola da Copa é feia! Rarará! Só a bola, né? Aliás, o Tevez não é feio. Tem apenas o design desarranjado!
E essa: "Diretor técnico da Argentina promete fazer sexo com autor do gol do titulo". Vai dar zero a zero! Rarará. Quem vai querer enfiar uma bola na rede e duas no Bilardo? MARICOPA DO MUNDO! Só falta a Argentina convocar o Ricky Martin!
E olha o cartaz no posto de gasolina na avenida Miguel Estéfano, aqui em Sampa: "Abasteça 20 litros e concorra a uma camisa oficial da seleção. RUMO AO ÉQUIÇA!". Adorei. Agora vou adotar: Rumo ao Équiça!
E "Portugal bate Moçambique". Portugal bate em Moçambique desde o século 15!
E o Kaká disse que "se sente preso". Toma Activia! O Dunga tomou Activia e convocou a seleção!
Los Hermanos tão bombando! O Bilardo quer dar para jogador, e o Maradona promete ficar pelado se a seleção argentina for a campeã da Copa: "Se o Dunga deixou o Ganso e o Pato de fora, por que eu não posso deixar o pinto?". Rarará!
Aliás, sabe como eu tô colando os argentinos no álbum? Tudo de cabeça pra baixo. Pra dar zica! Rarará!
E adorei a charge do Humberto com o Lula lançando uma nova bola: a JABUDILMA! Então já temos a Jabulani, a Jaburu, a Jabudilma e a JABIRACA. Bola sogra: só serve pra dar unha inflamada e calo no dedinho do pé!
Seleção dos Peladeiros. Continuam chegando sugestões de times melhores que a seleção do Dunga. Ou seja, qualquer um.
Fala pro Dunga levar o time de Caicás, no Ceará: Pança, Pau de Rato, Tripa Seca, Chupisco e Zé Mulambo. Arlindo Carniça, Mama na Égua, Cuzão, Homi Morto e Mundiça! Eu quero a foto do Mama na Égua. Pra colar no álbum! E esse Homi Morto? Deve ser de uma agilidade em campo. Bota no lugar do Josué! Rarará!
Ou então convoca o atacante do time de padeiros do bairro da Casa Verde: Milton Neves de Olinda! Rarará! Ou então o atacante de Formiga: o Já Morreu! Hexa Garantido! Rarará.
TUTTY VASQUES
O santuário de Fátima Bernardes
TUTTY VASQUES
O ESTADO DE SÃO PAULO - 09/06/10
O plantão de Fátima Bernardes ao relento na porta do hotel que hospeda a seleção brasileira em Johannesburgo já está virando ponto de peregrinação internacional. Tudo começou depois que ela quase pegou pneumonia no sereno do Fantástico. Toda noite, desde então, um grupo de torcedores brasileiros leva chocolate quente, chimarrão, cobertas e o que mais possa ajudar a apresentadora a vencer o frio nas madrugadas do Jornal Nacional na África do Sul.
A ação humanitária virou romaria quando vizinhos sul-africanos, sem entender direito a movimentação, espalharam o boato de que as aparições de Fátima ao vivo eram milagrosas. Comenta-se em Soweto que ela teria feito Dunga ver Ramires e Daniel Alves no lugar de Felipe Melo e Elano. Resultado: espera-se, já para a edição desta quarta-feira, a presença no local de uma pequena multidão de afro-desvalidos em busca da graça de Fátima no telejornal da Globo.
Quem sabe, se der confusão, William Bonner tira a patroa dessa roubada, né? Por que deixar a pobre coitada toda madrugada - o JN entra no ar à 1h10 horário local -, costeando o alambrado da concentração? A não ser que algum jogador pule a cerca na imagem de fundo, que informação o cenário deserto e gelado acrescenta à fala de Fátima? Pura maldade de editor - ô, raça!
Ah, bom!
A chamada "doutrina Obama" ganhou contornos mais definidos nesta semana depois que o presidente americano declarou a uma rede de TV que está "atrás de uns traseiros para chutar".
A chamada "doutrina Obama" ganhou contornos mais definidos nesta semana depois que o presidente americano declarou a uma rede de TV que está "atrás de uns traseiros para chutar".
Aí tem!
O que fazem os aloprados do PT que não providenciam logo um dossiê sobre o que José Serra ganhou dançando "Ah, muleke" com Sabrina Sato para o Pânico na TV?
O que fazem os aloprados do PT que não providenciam logo um dossiê sobre o que José Serra ganhou dançando "Ah, muleke" com Sabrina Sato para o Pânico na TV?
Não tem erro
Dunga repetiu contra a Tanzânia a camisa branca que usou no amistoso da seleção no Zimbábue. Tá dando uma sorte danada, né?
Dunga repetiu contra a Tanzânia a camisa branca que usou no amistoso da seleção no Zimbábue. Tá dando uma sorte danada, né?
Boa de conta
Gisele Bündchen entrou de cabeça na campanha de conscientização da importância de se fazer xixi no banho. O site da top model garante que a prática, se adotada por
um grupo de 19 pessoas, economiza 83.220 litros de água por ano.
Gisele Bündchen entrou de cabeça na campanha de conscientização da importância de se fazer xixi no banho. O site da top model garante que a prática, se adotada por
um grupo de 19 pessoas, economiza 83.220 litros de água por ano.
É, muito provavelmente, a única loura capaz de fazer este cálculo no mundo.
Honduras penas
Honduras penas
Hillary Clinton está em turnê pela América do Sul, provavelmente fugindo do assunto Israel. Fundamental agora, diz a secretária de Estado dos EUA, é discutir a volta de
Honduras à OEA.
Honduras à OEA.
Não convidem Nelson Rodrigues e Dias Gomes para a mesma nuvem. Eles brigam no céu pelos direitos autorais de "Onésimo, o ex-delegado", personagem que o noticiário político não está sabendo escrever direito.
ELIO GASPARI
O carro elétrico entre a tanga e a tunga
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/10
Um vexame. Na semana passada, um grupo de empresários estava reunido na antessala do ministro Guido Mantega para assistir ao anúncio das medidas do governo para estimular produção, consumo e pesquisa de carros elétricos no Brasil. Uma divergência com o comissariado do Desenvolvimento cancelou a cerimônia. Logo depois, Nosso Guia deu sua aula: "É carro elétrico pra cá, carro elétrico pra lá, mas não se sabe ainda se alguém vai produzir em grande escala". O carro elétrico não é um zeppelin. Ele será produzido em grande escala. O que não se sabe é a partir de quando, mas o Nissan Leaf já está aceitando reservas nos iPhones 4, ao preço de 32,8 mil dólares sem rebates tributários, ou 25,3 mil dólares líquidos.
O bilionário Warren Buffett ensina que, diante de uma nova tecnologia, o bom negócio não é investir na novidade, mas fugir da velharia. No início do século XX, surgiram 2 mil fábricas de automóveis nos Estados Unidos e sobraram duas. O negócio não era entrar nesse mercado, mas sair do comércio de cavalos. O ceticismo e a inércia de Lula levam água para a defesa da produção de carruagens.
A reunião do carro elétrico foi cancelada por conta da bagunça de Brasília e porque o assunto está envolto numa mistura de superstição (não vai pegar), medo (daqui a alguns anos corre-se o risco de uma invasão de veículos importados, sobretudo chineses), ignorância (o carro elétrico mata o mercado dos flex, o que é falso, os modelos híbridos podem reduzir em até 30% o consumo de etanol, mas abrem o caminho para a substituição do consumo de diesel nos ônibus).
Duas coisas parecem certas: dentro de 15 anos, o volume de veículos movidos a eletricidade será significativo, mas, até lá, eles custarão caro.
Quem será o Henry Ford desse mercado, ninguém sabe, mas sempre que o representante de uma montadora levantar dúvidas sobre a conveniência da entrada de novos concorrentes no mercado nacional, será bom lembrar que, em 1903, a Associação de Fabricantes de Automóveis dos Estados Unidos tentou proibi-lo de fabricar seus veículos. Em 1952, a matriz da Ford achava que fabricar e montar carros no Brasil era "mera utopia". Hoje, a indústria automotiva carrega 5,5% do PIB.
Nas discussões dos carros elétricos e dos seus modelos híbridos corre-se o risco de ficar entre a tanga e a tunga. A turma da tanga busca a preservação do status quo, até mesmo em nome da defesa de uma peculiaridade da produção nacional. No século XIX, a originalidade nacional era a escravidão. No XX, mais precisamente nos anos 70/80, a ditadura inventou uma política de reserva de mercado para computadores. A tanga produz ferros-velhos. A turma da tunga admite qualquer mudança, desde que a viúva subsidie a produção do novo, protegendo o mercado do velho. Quando o governo subsidia os consumidores derrubando impostos, produz progresso. Quando subsidia empresas, engordando gatos, produz cartórios.
Lula, o metalúrgico, é um produto da clarividência de Juscelino Kubitschek. Lula, o Nosso Guia, arrisca tornar-se defensor de uma estrutura anacrônica. Se o Brasil não tivesse sofrido a praga da reserva de mercado dos computadores, poderia ter desenvolvido sua indústria 20 anos antes.
JORGE ZAVERUCHA
O jogo turco em Gaza
JORGE ZAVERUCHA
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/08/10
Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi mensagem enviada ao Irã; o propósito da flotilha era criar embaraço a Israel
A Turquia já foi uma aliada de Israel. Tudo mudou com a eleição do primeiro-ministro Erdogan.
Ele encontrou no conflito com Israel uma boa oportunidade para se tornar o líder sunita mais importante do mundo.
Aos poucos, vai abandonando a tradicional democracia secular turca em busca de uma aproximação com o radicalismo islâmico.
Patrocinou, juntamente com o Brasil, um acordo permitindo ao Irã ganhar tempo para a fabricação da bomba atômica.
Erdogan prega o respeito aos direitos humanos, mas hospedou oficialmente os presidentes do Irã e do Sudão, acusado de genocídio em Darfur. Apoia a criação de um Estado palestino, mas reprime os curdos que lutam por um Estado próprio no Curdistão.
Foi a organização não governamental turco-islâmica IHH (Insani Yardim Vakfi, Fundo de Ajuda Humanitária) quem criou a ideia da "flotilha da paz".
O Instituto de Estudos Internacional da Dinamarca afirmou, em 2006, que a IHH manteve ligações com a Al Qaeda e com outras redes que atuam na guerra santa islâmica internacional. A IHH foi banida pelas autoridades israelenses.
Frise-se que Egito, também, fecha sua fronteira terrestre com Gaza, não permitindo sequer ajuda humanitária, mas não houve qualquer crítica ao governo egípcio por parte do IHH.
Israel propôs que a ajuda humanitária fosse desembarcada e depois levada para Gaza. Cimento, por exemplo, é proibido, pois pode ser usado na construção de túneis para contrabando de armamento.
Israel solicitou à flotilha que uma carta fosse entregue ao soldado israelense que se encontra sob o poder do Hamas -que, por sinal, nunca permitiu uma visita da Cruz Vermelha Internacional ao mesmo.
Em vão. O propósito da flotilha era criar um embaraço a Israel. E foi muito bem-sucedida.
O bloqueio naval israelense encontra amparo na lei internacional.
Bloqueios foram utilizados na Guerra do Vietnã e na Guerra do Golfo. Israel está em conflito armado com o Hamas, que costumava ser abastecido por armas vindas do Irã, como o míssil iraniano de longo alcance Fajr-5, por via marítima.
A abordagem aos barcos de bandeira turca também é respaldada pelo Manual de San Remo de Direito Internacional, de 12 de junho de 1994. O artigo 98 justifica a tentativa de tomada de poder das embarcações em águas internacionais, desde que haja fundamento para acreditar que elas violarão o bloqueio naval.
Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi uma mensagem enviada ao Irã. Coincidência ou não, na semana passada, o "Sunday Times" noticiou a decisão israelense de colocar continuamente submarinos nucleares no golfo Pérsico. A grande falha foi operacional.
A inteligência naval israelense teve tempo suficiente para obter informações fidedignas sobre quem estava no Mavi Marmara, o único dos seis navios a não obedecer a ordens de parar.
Os equipamentos, a tática e o número dos participantes foram mal calculados. Erros inadmissíveis em uma tropa de elite.
Nove mortos e uma severa derrota midiática para Israel. Do ponto de vista estratégico, o governo israelense espera que o presidente iraniano Ahmadinejad tenha entendido a mensagem.
JORGE ZAVERUCHA, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco e autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
MARCOS SAWAYA JANK
Etanol, petróleo e matriz energética
MARCOS SAWAYA JANK
O Estado de S.Paulo - 09/06/10
A nossa velha cana-de-açúcar converteu-se na planta cultivada mais extraordinária que se conhece hoje para produzir combustíveis e bioeletricidade de baixo carbono. Trata-se da nova cana-de-energia, que nasceu com o ousado Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nos anos 70, o qual impôs a mistura de etanol na gasolina, a ampla distribuição do produto nos postos de combustível e os veículos movidos a álcool puro. Nos anos 90, com a queda do preço do petróleo, o programa quase morreu. Mas renasceu em 2003, pelas mãos da indústria automobilística brasileira. Desde então, o Brasil converteu-se no maior laboratório de desenvolvimento de motores bicombustíveis do planeta, atingindo em 2010 a marca dos 10 milhões de veículos flex nas ruas. No ano passado, o consumo de etanol superou o de gasolina.
Ao mesmo tempo, começamos a produzir eletricidade do bagaço e das palhadas da cana-de-açúcar. Trata-se de uma fabulosa energia de reserva limpa e renovável, disponível perto dos centros de consumo elétrico nacional. O mais interessante é que ela é altamente complementar às hidrelétricas, pois se encontra disponível nos meses de safra de abril a novembro, exatamente o período de menor pluviosidade, em que os rios e reservatórios de água estão baixos. No entanto, só 22% das usinas de cana do País exportam energia para a rede elétrica brasileira, gerando apenas 2% do nosso consumo anual. Temos mais de 13 mil MW médios de energia elétrica "adormecida" nos canaviais do Centro-Sul, o equivalente a três usinas de Belo Monte ou 14% das necessidades nacionais em 2020. Um imenso potencial que precisa ser despertado!
Neste momento estamos entrando na terceira fase da história do etanol, quando ele deixa de ser uma experiência isolada do Brasil e passa a ser adotado em mais de 30 países. Esta terceira fase nasce do esforço global de redução dos gases de efeito estufa, que causam o aquecimento do planeta. Após dois anos de pesquisas, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) classificou o etanol de cana-de-açúcar como "biocombustível avançado", com 61% de redução comprovada nos gases de efeito estufa em relação à gasolina, um valor três vezes superior ao obtido pelo etanol de milho, que ficou com apenas 21% de redução.
Este valor considera, em primeiro lugar, o balanço de emissões desde o plantio da cana até o escapamento dos automóveis. Considera também os chamados "efeitos do uso direto e indireto da terra". O risco de desmatamento direto pela expansão da cana não ocorre mais no País. Mas também foi mensurado o efeito indireto, que seria o associado ao risco de a cana poder estar "empurrando" outras atividades agropecuárias para novas áreas e assim provocar, indiretamente, o desmatamento.
Enquanto a cana é renovável - e, portanto, infinita - e grande redutora de emissões, o petróleo é cada vez mais escasso e o maior responsável pelo aquecimento global. Isso sem contar esse terrível acidente no Golfo do México, com um gêiser submarino jorrando descontroladamente, como no início da história do petróleo, e provocando danos bilionários, que levarão décadas para ser neutralizados.
O acidente ocorreu há 50 dias e até aqui ainda não há solução à vista. Mas já se sabe que o mundo petroleiro vai passar por uma profunda metamorfose. É certo que o custo para extrair petróleo de águas profundas vai aumentar expressivamente, em razão do aumento dos seguros e de regulações muito mais rígidas.
Além disso, os "efeitos do uso direto e indireto" das águas oceânicas também precisariam ser corretamente avaliados, especialmente quando há riscos desconhecidos na exploração de petróleo em regiões que chegam a 7 mil metros de profundidade.
O fato é que a era do petróleo barato, definitivamente, acabou! Hoje a alternativa é um petróleo caro, armazenado em reservatórios de custo e risco elevados, que vai terminar sendo atirado na atmosfera, aquecendo o planeta. Não seria muito mais simples e inteligente produzir o mesmo carbono a partir da energia infinita do Sol, da água das chuvas, da riqueza dos solos, por meio da fotossíntese das plantas cultivadas, reciclando o carbono da atmosfera?
Obviamente, isso tem de ser feito com alta tecnologia, via ganhos de produtividade que poupem ao máximo a necessidade de uso adicional de terra. Como fizemos no Brasil, onde substituímos mais de 50% da gasolina com apenas 1% de nossas terras aráveis.
Segunda à noite os três principais candidatos à Presidência da República compareceram à cerimônia de entrega do Prêmio Top Etanol 2010, evento organizado pelo Projeto Agora - Agroenergia e Meio Ambiente, hoje o maior programa de comunicação e marketing institucional do agronegócio brasileiro, envolvendo oito associações sucroenergéticas e oito grandes empresas. E foram unânimes em reconhecer que o Brasil tem a obrigação de desenvolver políticas estáveis e coerentes que garantam o crescimento da participação de energias renováveis, como os produtos da cana-de-açúcar, na energética brasileira. Foram sugeridas medidas diversas, como a uniformização do ICMS sobre o etanol em 12% em todo o território nacional, o mesmo nível hoje aplicado ao nosso diesel, que, aliás, ainda tem baixíssima qualidade ambiental.
Medidas como essa não podem ser classificadas como subsídios, mas como reconhecimento das externalidades econômicas, sociais e ambientais desta indústria para a sociedade: diversificação energética, redução de gases de efeito estufa, redução de gastos com saúde pública, geração de empregos, inovação tecnológica e interiorização do desenvolvimento. Uma alternativa renovável que colocou o nosso país na vanguarda do planeta no campo da substituição de petróleo e do combate às mudanças do clima. Já vivemos a era da tração animal, a era do carvão e agora estamos começando a sair da era do petróleo. A era da energia feita com carbono reciclado via fotossíntese faz muito mais sentido!
PRESIDENTE DA UNIÃO DA INDÚSTRIA DA CANA-DE-AÇÚCAR (UNICA)
MÔNICA BERGAMO
Esti Ginzburg
Mônica Bergamo
Folha de S.Paulo - 09/06/2010
Além de modelo, a israelense Esti Ginzburg, 20, também presta serviços militares no Exército de seu país. Ela está no Brasil para desfilar na São Paulo Fashion Week hoje pela Cia. Marítima. Esti falou à coluna:
Folha - Li que você é uma atiradora de elite do Exército.
Esti Ginzburg - Sim, atiro muito bem. Sou boa de mira.
Já atirou em alguém?
Não em alguém. Só em alvos de treino e, talvez, na areia.
Amigos seus já morreram em missão?
Não. Mas alguns já ficaram feridos.
O Exército de Israel foi acusado de crimes de guerra pela ONU quando atacou a Faixa de Gaza, em 2008.
É difícil para mim ver a percepção que todo mundo tem de Israel, porque ela é tão errada -mesmo agora, nos barcos [de ajuda humanitária atacados quando tentavam furar o bloqueio israelense a Gaza]. É injusto, porque ninguém vê o quadro todo. O Exército não anda por aí atirando em criancinhas. Os soldados desceram de helicóptero [nos barcos] e as pessoas já estavam com facas, tacos, barras de ferro, e começaram a bater. Aí dizem: "Israel entrou em um barco e matou 16 pessoas". Foi autodefesa.
Mas os ativistas não tinham armas de fogo.
Eles começaram a bater já no segundo soldado que desembarcou. Para mim, é muito triste, porque esses soldados são meus amigos. Isso é o que acontece com qualquer pessoa, no Exército americano ou no brasileiro, que desembarca em um lugar e é atacado duramente. Não é um jogo justo.
Em 2008, em Gaza, morreram 1.400 palestinos e 13 israelenses. Foi um jogo justo?
Não é justo. Mas Israel não faz isso só para ser o "cara mau". Eles têm que fazer isso para manter Israel seguro. É inevitável, não há o que fazer. Gaza está dentro de Israel. É um problema.
Como concilia o Exército e a carreira?
Eles são muito compreensivos. Sempre que eu preciso, viajo. Entendem que eu quero manter minha carreira. E eu falo sobre o Exército, sobre como é maravilhoso e porque eu acho que todo mundo deveria se alistar. [No final da entrevista, Esti se desculpa: "Eu gostaria de poder te dar respostas melhores, mas somos proibidos de falar sobre assuntos relacionados ao Exército".]
Jockey Tombado
O Jockey Club de SP pode ser integralmente tombado pelo governo do Estado. A proposta, que deve gerar polêmica, será submetida ao conselho do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Turístico de SP), órgão do governo ligado à Secretaria da Cultura, na próxima semana. A ideia, por sinal, conta com apoio entusiasmado do atual secretário, Andrea Matarazzo.
Arquivo
Caso o conselho aprove o tombamento integral do prédio, nada mais poderá ser modificado no Jockey -mandando para o arquivo propostas da atual diretoria. Entre outras, há um projeto de erguer uma torre comercial com 30 pavimentos, outra com 16 andares e um shopping, avançando até onde hoje estão as cocheiras.
Queda de Braço
Aumentaram as pressões do próprio Ministério da Justiça para que o Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., peça demissão do cargo. Até agora, em vão. De férias, ele tem dito que se considera "absolutamente inocente" das acusações de favorecer contrabandistas - e que pretende ficar no cargo.
Arraial do Lula
O presidente Lula marcou a tradicional festa junina que oferece todo ano para os ministros. Será no dia 19, na Granja do Torto.
Papo Cabeça
José Dirceu, a socialite e candidata a deputada pelo PV, Ana Paula Junqueira, e o marido dela, o milionário sueco Johan Eliasch, juntos e conversando sobre a economia da Inglaterra? Sim, o inusitado encontro ocorreu há alguns dias, num jantar que reuniu empresários, políticos e personalidades como a apresentadora Márcia Goldschmidt em SP. Eliasch, que tem grandes áreas de terra na Amazônia, mora em Londres e é amigo do ex-premiê britânico Gordon Brown.
Ser ou não Ser
Eliasch e Ana Paula, que passam por um momento de "discutir a relação", estão circulando juntos novamente desde o fim de semana, quando ele desembarcou em São Paulo, onde ela agora está vivendo.
Torpedo Grátis
A maioria dos jogadores da seleção brasileira está se comunicando com a família durante a concentração para a Copa na África do Sul pelo serviço de mensagens instantâneas do aparelho celular. Júlio César, Kaká e Luís Fabiano são alguns dos adeptos do BBM (BlackBerry Messenger), serviço gratuito de troca de mensagens.
Mudança
Cauã Reymond está com novo empresário. A agência de Mario Canivello, que assessora Chico Buarque e Marisa Monte, entre outros, passa agora também a empresariar artistas.
Curto-circuito
Ney Matogrosso participa de debate sobre moda e arte no evento Ziguezague, hoje, às 11h, no MAM.
A Orquestra do Theatro São Pedro faz concerto hoje, às 20h30, na sede do teatro, na Barra Funda. Livre.
Humberto e Fernando Campana lançam livro sobre sua obra, hoje, às 19h30, na loja Conceito:FirmaCasa.
O fotógrafo Paulo Jares inaugura a mostra "Luz", hoje, às 20h, na galeria Virgílio.
A Arezzo lança hoje, às 9h30, coleção de verão 2011, em seu showroom.
O blog da Bolsa de Valores de Políticos concorre ao Prêmio Top Blog 2010.
DORA KRAMER
Roteiro adaptado
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo - 09/06/2010
Ao presidente Luiz Inácio da Silva já não basta infringir a lei de maneira explícita nem debochar dos tribunais de forma desabrida. Para tentar ganhar a eleição não hesita e agora simplesmente inventa que é um exemplar cumpridor da lei cercado por adversários infratores.
É bem verdade que o presidente nestes dois mandatos nunca deu um só exemplo de bom comportamento no campo da moral e da ética. Sempre que teve uma chance firmou ao lado do mau combate.
Defendeu o uso do caixa 2, amenizou responsabilidades de todos os notórios em revista, deu cheque branco a quem não deveria, beijou a mão de quem não merecia, afagou quem teve o mandato interrompido condenado por toda a sociedade, contemporiza com todos os ditadores do planeta, seguramente nunca antes neste País um presidente da República cometeu tantas e tão reiteradas infrações à legislação eleitoral.
Ao ponto de ser multado cinco vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral. Colegiado este que não nutre especial gosto por punições rigorosas a autoridades de altíssima patente. Tanto é que deixou que o presidente Lula pintasse e bordasse bastante antes de começar a puni-lo.
Assim mesmo foi preciso que Lula praticamente implorasse pelas multas, solapando a autoridade da Justiça com suas zombarias de auditório.
É certo que todos já estamos bastante acostumados com a ausência de modos da parte do presidente, fato visto como positivo por gente que acha que quanto mais sem educação o jeito, quanto mais chulas as expressões, quanto maior o menosprezo às normas de civilidade para alcançar os objetivos pretendidos, tanto mais parecido com o "povo brasileiro" o presidente será.
Qual o ganho que isso rende mesmo à sociedade, qual o avanço concreto que isso traz ao Brasil não ficou esclarecido até hoje. Popularidade? Sim, serve a Lula, ao PT, ao PMDB e aos tantos partidos penduricalhos para ganhar eleição.
Mas o que a nação perde em termos de valores tendo a impostura como prática de um presidente da República não interessa como tema de discussão. Em país democrático com instituições e sociedade saudáveis é uma distorção.
É como se o que se vê e o que acontece não valesse nada, tudo perdesse o efeito só porque o presidente diz ao contrário.
Note-se a declaração de ontem por inteiro: "Cabe ao presidente da República ser o exemplo no cumprimento das leis. Agora, é importante que a gente fique atento (sic), porque estou cheio de adversários que, com a preocupação de querer me enfrentar na campanha, começam a querer ganhar o jogo no tapetão, e este país vai exercitar a democracia até o fim."
E acrescentou: "Acho que todos nós temos que cumprir a lei, todos nós temos um ritual de campanha permitido e proibido pela legislação. Acho que ninguém quer transgredir a lei. Se houver excesso, claro que cada um de nós tem que ser punido, mas tenho ouvido gente falando demais, fazendo insinuações demais e interpretações demais."
Começando pelo fim: 1. Ninguém fala mais que o próprio presidente Lula. 2. Se as "insinuações" são os avisos da Justiça e do Ministério Público sobre possíveis consequências futuras dos ilícitos cometidos agora, o presidente já parece orientado por advogados a tentar amenizar os seus efeitos.
3. Não é verdade que a transgressão tenha sido involuntária. Foi proposital como demonstram as repetidas reincidências. 4. Não há ameaças à democracia. 5. O fato de os adversários recorrerem à Justiça é instrumento de defesa e não recurso para "ganhar no tapetão". Inclusive porque ação judicial em si não rende voto.
A menos que Lula esteja preparando o terreno para se fazer de vítima caso a Justiça Eleitoral venha a tomar atitude mais rigorosa em relação à candidatura de Dilma Rousseff. Caso isso aconteça será para a oposição o pior dos mundos.
Mas que fique bem claro: terá sido em função do golpe baixo de primeiro antecipar a campanha e depois imaginar que a Justiça Eleitoral aceitaria o fato consumado na marra, pois não teria coragem de enfrentar a popularidade de Lula para fazer cumprir lei.
JOSÉ NÊUMANNE
James Bond a serviço do satânico dr. No, já pensou?
JOSÉ NÊUMANNE
O Estado de S.Paulo - 09/06/10
O jornalista e publicitário Luiz Lanzetta jura que quer depor - no Congresso e em praça pública, se for o caso - para esclarecer qual foi o assunto de seu encontro de 21 de abril no restaurante Fritz, em Brasília, com o delegado federal aposentado Onézimo de Souza e o ex-agente secreto da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, o "sargento Dadá", que ajudou o delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha. O objetivo da reunião seria a produção de um dossiê com fatos que desabonem a conduta de Verônica, filha do pré-candidato tucano à Presidência da República, José Serra.
Do teor de uma conversa que, em teoria, teria de ser mantida sob sigilo total, já vieram a público duas versões. A revista Veja publicou entrevista com o policial, que confirmou os contatos feitos com interlocutores tidos como membros da cúpula da campanha da adversária de Serra, Dilma Rousseff, do PT. O objetivo desse encontro seria armar uma estratégia de ação para investigar e, depois, divulgar informações negativas, "inclusive pessoais", a respeito não apenas de Serra e seus familiares, mas também de seu ex-colega na Polícia Federal (PF) e agora deputado federal Marcelo Itagiba (PSDB-RJ). Ele se teria recusado a participar por divergir "cabalmente quanto à metodologia e ao direcionamento dos trabalhos a ser ali executados".
É claro que, na guerra que é e será cada vez mais renhida (e suja) numa campanha eleitoral da importância da disputa da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um tiro desse calibre não ficaria sem resposta. E, enquanto exemplares da revista circulavam, computadores do País inteiro recebiam a contrainformação de que o federal aposentado não passava de um pau-mandado de Itagiba, a quem teria prestado serviços quando o pré-candidato tucano era ministro da Saúde, no governo Fernando Henrique. Se as duas versões forem corretas, o que não parece de todo improvável, uma vez que não são excludentes, ficou inteiramente justificada a demissão do responsável pela lambança, o jornalista e publicitário Luiz Lanzetta, acusado de ter tentado aliciar James Bond, notoriamente súdito leal de Sua Majestade, para espionar a serviço do inimigo e satânico dr. No.
A demissão de Lanzetta, tida e havida como um xeque-mate do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci contra seu desafeto e rival na briga pelo controle da estratégia da pré-candidata governista, Fernando Pimentel, justificaria, por sua vez, o anunciado afastamento do ex-prefeito de Belo Horizonte da cúpula dessa campanha. Afinal, não foi ele o responsável pela presença no quartel-general de uma guerra em que não se podem cometer erros de vulto do trapalhão que forneceu diretamente "ouro ao bandido"? Pois, mesmo se sabendo que a lealdade não é moeda forte em negociações de arapongas, não é lá muito sensato contratar o espião do inimigo para xeretar a vida do próprio.
É óbvio que as mancadas de Lanzetta, ao incluir Onézimo na conspiração, e de Pimentel, ao entregar a delicada estratégia de marketing a um profissional incapaz de distinguir um tucano de um araponga, não influirão de forma decisiva no desempenho da candidata do peito de Lula à própria sucessão. Às histórias de espionagem desses agentes secretos de comédia de pastelão que tornam o inspetor Clouseau, de A Pantera Cor-de-Rosa, um modelo de habilidade e discrição, o eleitor vai preferir sempre acompanhar as aventuras de detetives mais discretos e eficientes criados por ficcionistas como Dashiell Hammett e Agatha Christie ou o Charlie Chan dos seriados de cinema.
Há, contudo, uma questão mais deletéria, que é o emprego de uma estrutura de espionagem "informal", capaz de enrubescer um tonton macoute (bicho-papão, no dialeto crioulo haitiano) do tirano Papa Doc, seja para assessorar a Polícia Federal em investigações oficiais, como ocorreu no caso Satiagraha, atualmente sub judice, seja para manipular, de forma vergonhosa, a boa-fé do eleitor. Dossiês são uma excrescência que já deveria ter sido abolida há muito tempo da prática eleitoral brasileira. Não o sendo, só testemunham o conceito depravado que os profissionais da politicagem têm da política republicana e da gestão pública. O alto comando da campanha presidencial petista e seu marqueteiro Lanzetta acusaram Itagiba de já ter preparado cem dossiês contra a base aliada. Itagiba atirou de volta, exigindo que se investigue a empresa do atrapalhado Lanzetta. Todos sabem, porém, que nunca nada será investigado pelo Estado policialesco malvado e incapaz: nem os alvos nem os autores desses dossiês, usados apenas como arma de propaganda.
A arma é ineficaz e impune: nunca ninguém apurou até o fim se a ex-assessora de Dilma e atual chefe da Casa Civil de Lula, Erenice Guerra, mandou mesmo fazer um dossiê caluniando a professora Ruth Cardoso. A mulher do ex-presidente Fernando Henrique não teve sua imagem impecável maculada pelas eventuais acusações contidas no documento, cuja existência não foi provada. Nem a acusada de prepará-lo teve sua muitíssimo bem-sucedida carreira funcional interrompida pela suspeita dessa infâmia. O presidente Lula em pessoa chamou de "aloprados" os acusados de terem produzido um dossiê tido como encomendado pela cúpula da campanha do petista Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, em 2006. Serra, seu alvo, ganhou a eleição no primeiro turno. E, mesmo identificados, os autores gozam de impunidade, em alguns casos, próspera. Como o acusado pela PF de ter carregado a mala com o dinheiro do pagamento do dossiê falso: Hamilton Lacerda, que ganhava R$ 5 mil por mês e, segundo a Folha de S.Paulo, hoje administra um negócio rural de R$ 1,5 milhão no interior da Bahia.
Ilustres democratas já poderiam ter incinerado esse fétido lixo da ditadura, seja em inquéritos oficiais, seja em dossiês clandestinos. Só não o fizeram para poderem fazer sórdido uso dele.
JÚLIO DELMANTO
Marcha da Maconha e Estado de exceção
JÚLIO DELMANTO
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/10
Após negociação com a polícia, os manifestantes puderam marchar, mas sem o uso de palavras e cartazes sobre a legalização da droga
Sob a acusação de apologia ao crime, a Marcha da Maconha foi proibida pelo terceiro ano consecutivo na cidade de São Paulo.
Após negociação com a polícia, os manifestantes puderam marchar, mas, em nome da liberdade de expressão, sem pronunciar palavras ou mostrar cartazes relativos à legalização da maconha. O evento tem mais importância do que parece, pois nos explica muito sobre nossas Justiça e sociedade.
A Marcha da Maconha se organiza em mais de 300 cidades no mundo, sendo que, no Brasil, estava programada para acontecer em pelo menos 12. Somente São Paulo e Fortaleza a proibiram, sob a frágil acusação supracitada.
No Código Penal, apologia ao crime se caracteriza por defesa de fato criminoso ou de criminoso condenado. Não é esse o caso da manifestação em questão, que defende mudanças na lei para que plantio, comércio e consumo de maconha deixem de ser crime.
Nos últimos 40 anos, somente os EUA gastaram cerca de US$ 1 trilhão na chamada "guerra às drogas". Os resultados dessa estratégia global são pífios no combate ao uso e abuso dessas substâncias.
A proibição traz uma série de efeitos danosos, desde a intervenção estatal sobre condutas privadas até a violência do crime e do próprio Estado, passando por corrupção e encarceramento em massa.
Mas o mandado de segurança impetrado no final do expediente de uma sexta-feira por promotores de São Paulo e prontamente acolhido pelo desembargador Sérgio Ribas, sem tempo para defesa, aponta que a marcha é "um atentado contra a sociedade ordeira", uma vez que incita prática criminosa por meio da "balbúrdia social".
Em nome da ordem, contraria-se o artigo 5º da Constituição, que salvaguarda a livre expressão e a livre manifestação. Em nome da ordem, contraria-se a lei.
Um bom conceito para refletir sobre a atual conjuntura é o de "Estado de exceção". Tradicionalmente invocada como suspensão de direitos num período crítico, a exceção hoje é a regra, caracterizada por uma lei maleável, aplicada seletivamente, e que faz cidadãos abrirem mão de parte de seus direitos em nome de uma democracia maior que nunca chega.
Nas palavras de Giorgio Agamben, é a lei fora dela mesma. Num ambiente em que "perigosos" inimigos são forjados e superestimados de forma a nublar os verdadeiros problemas sociais, torna-se legítima uma política de guerra que se pauta pelo extermínio desses inimigos, hipotecando-se, nesse processo, preceitos básicos do convívio democrático, como o direito de defesa, e leis que se apliquem a todos.
O historiador Carlo Ginzburg cita a existência de um grupo europeu de intelectuais no século 17 chamado "Libertinos Eruditos", que caracterizava a religião como uma mentira útil, sem a qual se desestruturariam as relações sociais.
A proibição das drogas é uma mentira útil a uma certa ordem, que se crê não só imutável como inquestionável. Se queremos uma democracia de fato, não só o caráter mentiroso do proibicionismo deve ser questionado como também a que ele tem sido útil.
JÚLIO DELMANTO, 24, é jornalista, mestrando em História Social pela USP. Participa dos coletivos antiproibicionistas Desentorpecendo a Razão (DAR) e Marcha da Maconha.
BRASIL S/A
Ponto de ebulição
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 09/06/10
Depois de quase ferver no 1º trimestre, o PIB seguirá quente, mas em ritmo menor, para não derramar
Se já estava em evidência no mundo, a economia brasileira deverá dividir o centro das atenções com a China, depois de confirmado o forte crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no início do ano.
A economia cresceu 9% no primeiro trimestre sobre o mesmo período de 2009, conforme apurou o IBGE, e 2,7% sobre outubro a dezembro. A expansão na margem, como os economistas se referem à variação de um trimestre para outro, superou todas as expectativas, crescendo 11,2% anualizada (isto é, 2,7% mantidos por quatro trimestres).
Trata-se de ritmo de crescimento chinês. Mas falamos “ritmo”, com o sentido de velocidade, não de crescimento absoluto. Na China, a economia cresce acima de 10% ao ano, de fato, não anualizada — o que se compara com a taxa de 9% do PIB brasileiro no 1º trimestre.
Não procede, portanto, a comparação absoluta, apenas a relativa, já que a China não divulga a variação trimestral encadeada do PIB, ou seja, na margem. Isso impede a comparação da taxa anualizada, que é como o desempenho do PIB é divulgado nos EUA, com a China.
O PIB brasileiro veio forte, mas não é o chinês, como a candidata Dilma Rousseff, por exemplo, comparou. “Está crescendo 11%”, disse ela a uma rádio. “Nem na China, não é?” Não é. Mas poderá ser, já que lá, como aqui, o governo, por meio do Banco Central, pisou no freio, subindo juros e dificultando o crédito, com receio de que o crescimento acelerado da economia descambe em inflação e bolhas.
Para Dilma, o PIB deverá chegar ao fim do ano com crescimento de 6,5% a 7%, já refletindo a menor expansão da economia nos próximos trimestres. É uma aposta mais realista que a projeção feita semana passada pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda na revisão das contas fiscais, incluindo a da arrecadação tributária: 5,5%.
Para tal resultado, segundo o economista Fernando Montero, não é o ritmo de crescimento que teria de cair, senão o próprio PIB — o que está fora de questão. Se o crescimento nos próximos trimestres desabasse a zero, diz Montero, ainda assim o PIB no ano cresceria 6% em relação a 2009 (quando a economia recuou 0,2% sobre 2008).
Investimento brilhou
Assim é a política. Para esconder receita, temendo a boca grande de seus aliados no Congresso, o governo subestima o PIB. Quando é para se exibir, o exalta. “Vivemos um momento de ouro”, repercutiu o presidente Lula. O momento é radiante. Já o processo depende das prioridades. Pela ótica do investimento, o futuro parece seguro.
Os investimentos foram o destaque no mapa do PIB. De um trimestre para o outro, a formação bruta de capital fixo — FBCF, conforme o jargão, sinônimo de investimento — cresceu 7,4% (33% anualizados). E 26% em relação ao 1º trimestre de 2009. Foi o terceiro trimestre seguido em que o investimento avançou acima da variação do PIB — o dado relevante para o crescimento sem pressão inflacionária.
Perfis de crescimento
Uma coisa é a economia ganhar massa com aumento do consumo frente a uma situação em que falta produto para atender a demanda. Assim acontecia com a retomada da economia até o estouro da crise global em setembro de 2008. Outra é o crescimento fermentado pelo consumo bancado por dívidas, importações, deficits e baixo investimento.
É o cenário dos EUA e da Europa, afora Alemanha, Holanda e países nórdicos. Por fim, há o crescimento com o padrão chinês, em que a demanda é puxada pelo investimento, a poupança interna é elevada e superavits externos obesos ancoram a taxa cambial. Não é factível no Brasil, uma democracia. O meio termo já estaria muito bom.
Ou governo ou consumo
No Brasil da retomada pós-crise, o investimento saiu na frente, o consumo de famílias também deu um salto olímpico, mas vem correndo atrás e perde ritmo há três trimestres, embora continue em patamar elevado. Na variação intertrimestral, cresceu 1,5%. O objetivo do BC ao acionar a Selic é segurar o crescimento do consumo privado.
Assim o faz, normalmente, para abrir espaço à expansão do gasto público e/ou do investimento. Do 3º para o 4º trimestre de 2009, a fatia do consumo do governo no PIB cresceu 0,6%, e aumentou para 0,9% o passo no início de 2010. No mesmo período, o crescimento do consumo das famílias recuou de 2,1% para 1,5%.
Em parte, a inflação não desembestou devido à troca de um pouco menos de gasto privado por mais gasto público. Tais movimentos são pouco compreendidos, sobretudo quando se fala em dilatar o Estado. Para que isso ocorra com estabilidade, o gasto das pessoas encolhe no agregado, em vez de aumentar. No governo, acha-se o contrário.
Regras da boa gestão
O que na política poucos percebem é que os governos não criam riqueza, apenas a transferem de um bolso para o outro. É o que lhe cabe fazer em muitas situações. O que cabe atentar é para o custo de gestão desse processo, ou seja, o tamanho do Estado, e se o ato de promover o bem seletivo não estaria provocando o mal coletivo.
A condução da política monetária visando à estabilidade à custa do consumo privado, o que inclui pessoas e empresas, é discutível, se ao mesmo tempo o governo expande o seu gasto, e não o faz pelo investimento em infraestrutura e apenas pelos mais pobres, mas no miolo da administração, em atividades meio já bem remuneradas.
Tal questão não é matéria do campo neoliberal, mas de princípios da boa gestão pública. A maioria dos políticos se cala sobre isso.