sábado, maio 22, 2010

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
J. R. Guzzo

Preço a pagar

"O ponto que merece todos os olhares é simples: 
para ser grande, como a UE quer, é preciso pagar 
um preço alto, tão alto quanto o tamanho do sonho"

Ninguém duvida, já há muito tempo, que a União Europeia é provavelmente o maior projeto político da atual geração – ou que o euro, a moeda comum a dezesseis dos países que fazem parte dela, é o seu projeto econômico mais ambicioso. Nada parecido foi tentado antes, nem depois da formação do grupo, a partir de 1960. A ideia matriz de tudo isso, como vem sendo dito há cinquenta anos, é que a união faz a força; melhor ser forte como parte de um conjunto do que ser apenas mais ou menos por conta própria. No embalo desse princípio, construiu-se um bloco multinacional que hoje reúne 27 países, tem 500 milhões de habitantes e se tornou uma potência mundial indiscutível, com um PIB próximo aos 12 trilhões de euros. Em troca, abriu-se mão de passaportes nacionais, de muita soberania para os governos e até de uma moeda própria para a maioria dos países-membros – e, sobretudo, foi distribuído um convite permanente para que as ações individuais de um ou de alguns sócios criem problemas para todos. O temporal financeiro que a UE vem vivendo neste mês de maio, e que ela pretende superar fornecendo o equivalente a até 1 trilhão de dólares em créditos para socorrer a economia de membros aflitos, mostrou que será preciso bem mais que uma Grécia, onde a crise começou, ou mesmo uma Espanha, para quebrar a união e destruir a sua moeda comum. Mostrou definitivamente, também, que projetos dessa grandiosidade são assim mesmo: a partir de certo ponto, tornam-se difíceis de desmanchar, mas também dão um extraordinário trabalho para ficar de pé.
Os responsáveis pela UE devem saber disso. Mas, até cederem na convicção de que não se deve premiar a delinquência, como falaram em seus discursos em público, e resolverem se unir na ajuda aos principais devedores, como acabaram fazendo para evitar um primeiro calote de países que têm o euro como moeda nacional, gastaram bom tempo numa caça aos culpados tão neurastênica quanto improdutiva. Muito se lamentou a "falta de liderança" dentro da comunidade, algo que seria uma das principais razões do tumulto – numa sociedade com 27 governos, ninguém decide, nem é capaz de convencer os outros a decidir. Foram culpados, é óbvio, os "especuladores internacionais", embora não se tenha identificado de maneira satisfatória, desta vez, quem seriam eles. A certa altura, denunciaram-se com ira santa as agências de rating sediadas nos Estados Unidos, que dão notas a países e empresas segundo a capacidade que têm de pagar suas dívidas, dentro de critérios que permanecem um perfeito mistério. Ao rebaixarem subitamente a avaliação da Grécia, elas estariam, segundo seus acusadores, "causando a crise", pois espalham o pânico nos mercados e fecham as torneiras de empréstimos para quem já está em dificuldade – ou tornam muito mais caro o dinheiro que pode sair delas. Curiosamente, não se questionou por que as notas da Grécia estavam entre as melhores do mundo até as vésperas de se saber que sua contabilidade oficial era uma piada. O problema das agências era ficarem dizendo que um país à beira da bancarrota mantinha plena capacidade de pagar o que devia – e não a sua decisão de mudarem a nota, quando perceberam o desastre. Na confusão, falou-se em "controles públicos" sobre as empresas de rating e até numa "agência europeia" para fazer o trabalho de avaliação. Nada se disse, depois, sobre como seria possível fazer a primeira coisa, e qual o propósito da segunda. Só dar notas altas a países da Europa?
A maior parte da pancadaria, naturalmente, caiu em cima dos próprios gregos. Foram acusados de gastar demais, endividar-se, falsificar números, mentir para as autoridades centrais da UE e não fazer nenhum esforço que gerasse, dentro de casa, o dinheiro necessário para pagar suas despesas. Por que os gregos podem se aposentar aos 53 anos? Por que têm 14º salário? Por que os bem conectados não pagam imposto de renda? Por que não vendem umas ilhas para pagar o que devem? De novo, aí, é indignação depois da porta arrombada. Todo mundo sabia que a economia da Grécia não produzia riqueza suficiente para pagar isso tudo, e mais uma Olimpíada, um novo metrô em Atenas, um aeroporto de última geração. Mas, enquanto a casa não caiu, preferiu-se olhar para o outro lado.

MÔNICA BERGAMO

Proteção hi-tech
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/05/10

Entre os riscos da internet e os perigos das ruas, boa parte dos brasileiros prefere que seus filhos passem o tempo na frente de um computador em vez de saírem de casa para se divertir. O Inova (Indicadores de Valores e Atitudes), pesquisa da agência NovaS/B sobre crenças, atitudes e consumo, mostra que 46% dos 2.772 entrevistados no país concordam com a frase "segurança por segurança, prefiro que meu filho fique na internet do que na rua". E dois terços querem dar um celular para o filho, para "saber que ele está seguro"; 30% já foram assaltados.
TUDO IGUAL 
Em entrevistas de mais de duas horas, realizadas pela TNS Research, 54% disseram não andar com os vidros do carro abertos "em certos horários ou locais", 82% defenderam penas mais duras para criminosos -e 61% afirmam ter tanto medo da polícia quanto "dos bandidos".
LIBERAL 
A pesquisa identificou também a "Geisy", a brasileira desinibida, que aceita com naturalidade casais do mesmo sexo, poderia ser mãe solteira e apoiaria a filha adolescente que ficasse grávida. São majoritariamente mulheres de 18 a 44 anos, da classe C, ensino fundamental completo, solteiras ou separadas. Vivem em SP e no Rio. Gostam de novelas e programas de auditório e de bens caros que deem status. Fazem dívidas para consumir. Usam mais celular que internet. Fariam plástica sempre que necessário. São 17% da população.
E POR FALAR NISSO...
Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, mandou um recado via Twitter a Renato Kherlakian, contratado pela concorrente C&A para criar uma marca de jeans. O estilista disse à coluna que precisou "mudar os fornecedores da C&A", pois eles não atingiam o seu "padrão de qualidade". "Renatão, aqui na Riachuelo você não teria esse problema", tuitou Rocha em sua página no microblog.
SAMBA DA VELA 
O cantor Martinho da Vila, filiado ao PC do B, vai promover hoje uma roda de samba em sua casa, no Rio de Janeiro, para comemorar o aniversário do ministro do Esporte, Orlando Silva Jr., seu colega de partido. O político também terá outra festa, em São Paulo, no dia 31.
O NOSSO CARA 
O cantor Belo prometeu ao vereador Netinho de Paula (PC do B) que fará um "ato" de apoio à candidatura dele ao Senado. Em seu show de hoje à noite no Credicard Hall, em São Paulo, onde espera receber também jogadores do Corinthians, ele vai chamar o amigo no palco, apontar para ele e dizer, sem falar de cargo ou campanha: "Aí, rapaziada, esse aqui é o nosso cara".
CHAMPANHE 
Camila Vicintin, neta de Ermírio Pereira de Moraes, do Grupo Votorantim, vai se casar no dia 28 de agosto com Humberto Vallone. A festa será para mil pessoas na fazenda da família, no interior de São Paulo.
POLANSKI PAULISTA 
O cineasta Roman Polanski ("O Bebê de Rosemary"), que cumpre prisão domiciliar na Suíça, acusado de ter abusado de uma menor, ganha exposição em sua homenagem, a partir do dia 2 de junho, na Cinemateca. Serão exibidas fotos do diretor polonês e cartazes de suas obras. Na abertura, haverá sessão do longa "Ghost Writer", ganhador do Festival de Berlim deste ano.
CURTO-CIRCUITO 
A BANDA Odegrau faz show de lançamento do disco "O Fantasma da Light" amanhã, a partir das 17h, no Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena. Classificação: livre.ELIFAS ANDREATO inaugura a exposição "As Cores da Resistência", hoje, às 11h, no Memorial da Resistência de São Paulo, no largo General Osório.A MOSTRA de decoração Casa Cor faz coquetel de abertura para convidados, amanhã, às 20h, no Jockey Club.O LIVRO "O Presente", de Odilon Moraes, tem lançamento hoje, a partir das 15h, na Saraiva do shopping Higienópolis.TOMAS BIAGI CARVALHO lança o fanzine "Amarello", hoje, às 15h, na loja de Isabela Capeto, nos Jardins.CAROL AYROSA, filha da cenógrafa Chris Ayrosa, se casa hoje com Bruno Bezerra, às 20h30, na Casa Fasano.MARIA BARÓ inaugura hoje, a partir das 11h, a galeria Baró, na Barra Funda, com a mostra coletiva "Arsenal".
com DIÓGENES CAMPANHALEANDRO NOMURA e LÍGIA MESQUITA

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
O admirável mundo novo da vida artificial
Se fizéssemos seres humanos melhores, não haveria bombas atômicas, nem fanáticos, nem corruptos
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Foi criado o embrião da vida artificial. O que isso significa para nossos netos não sabemos – e nem os cientistas conseguem prever com exatidão. Eu me senti numa fábula futurista ao saber que um computador gerou a primeira célula viva sintética, em confraternização entre bactérias e micróbios. É possível entender o alcance científico e filosófico de algo que desafia a fé cega e abre horizontes de cura. Mas meu primeiro impulso foi pensar se poderemos enfim fabricar seres humanos melhores do que somos.
Não é preciso recorrer à história recente para saber de que crueldades somos capazes. Uma delas, o Holocausto, que matou 6 milhões de judeus, é negada pelo mais recente amigo do Brasil de Lula, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Se o presidente brasileiro queria deixar uma imagem indelével de seu último ano de mandato, será o quadro dos dois líderes sorrindo com suas respectivas bandeiras ao fundo. Como legenda, o agradecimento comovido de Ahmadinejad a Lula pela colaboração entre os dois países, “para estabelecimento de uma nova ordem mundial, baseada em valores humanos e justiça”.
No admirável mundo novo, se pudéssemos programar seres humanos melhores, não existiria um líder fanático que prende cineastas e executa opositores, segrega homossexuais, cobre e subjuga suas mulheres. Não existiriam homens bombas, mulheres bombas ou crianças bombas. Grupos islâmicos não pagariam a pais e mães para transformar seus filhos em mártires.
Não haveria bombas. Não existiriam ministros tão ingênuos como nosso Celso Amorim, que disse não ver nenhum sinal de que o Irã pretenda fabricar a bomba. No mundo novo, programado para perpetuar a existência humana, as grandes potências tampouco teriam bombas atômicas. Porque sua simples existência pressupõe a ameaça de uma guerra nuclear. Se armas de extermínio são um perigo maior nas mãos de aiatolás e seus prepostos, elas não se tornam instrumentos de paz ou dissuasão de conflitos no mundo democrático. É possível chamar de democrata o ex-presidente americano George W. Bush, que usou uma mentira para invadir outro país? Seriam democratas dois dos atuais companheiros permanentes de Barack Obama no Conselho de Segurança da ONU, Rússia e China? Não.
Se fizéssemos seres humanos melhores, não haveria 
bombas atômicas, nem fanáticos, nem corruptos
Se pudéssemos fabricar líderes melhores no admirável mundo novo, um dos primeiros vícios a eliminar em laboratório deveria ser a megalomania. Acusa-se o geneticista Craig Venter de brincar de Deus. Quantos presidentes decidem fazer o mesmo e se atropelam nas nuvens da ambição pessoal?
No admirável mundo novo, não teríamos massas de analfabetos e sem-teto. Nem crianças viciadas em crack. Mães não jogariam recém-nascidos no lixo. Procuradoras da Justiça não espancariam bebês adotados. Pais e madrastas não jogariam filhos da varanda de casa. Maridos não jogariam no canal uma mala com o corpo da ex-mulher. Vizinhos não se esfaqueariam. Jovens não seriam torturados por brincar com o cavalo de um carroceiro. Meninas não seriam estupradas em celas de homens. Policiais militares não matariam motoboys a pancadas. Imagens de santas não seriam recheadas de drogas.
No admirável mundo novo, um presidente da República não deixaria uma dívida recorde de R$ 2,2 trilhões – ou 64,4% do PIB – para o sucessor. Os cidadãos honestos de países em desenvolvimento não trabalhariam 148 dias por ano apenas para pagar impostos. O brasileiro não pagaria pelos mesmos produtos mais que o europeu e o americano – apenas para saciar a fome de governos que não se contentam com seus recordes na arrecadação 
Os políticos seriam honestos e não encheriam de suborno suas cuecas e meias. Não pagariam por votos, não usariam favelados como massa de manobra à custa de centenas de vidas. Candidatos seriam obrigados a ter ficha limpa (será que acontece em 2010?). Os políticos intelectuais também deveriam ser coerentes com suas ideias e seu passado em vez de fazer alianças oportunistas, tornando adversários os seus companheiros de luta.
Se já existe vida artificial, temos o direito de sonhar.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Roto falando do rasgado?
Sonia Racy 
O Estado de S.Paulo - 22/05/10

O discurso do Jeffrey Immelt, CEO mundial da GE, agradou aos participantes do jantar no Waldorf Astoria, quinta, em Nova York.
Escolhido pelo lado americano como Homem do Ano, eleito pela Câmara Brasil-EUA, o executivo foi apresentado por Roger Agnelli, da Vale. E se mostrou extremamente otimista em relação ao Brasil, destacando, entre outras coisas, o fato de que as economias em desenvolvimento raramente passam do estágio da produção de recursos naturais para produção industrial . "E o Brasil está fazendo isso."
Mas elogios à parte, o americano deixou ali um conselho algo... intrigante: "Não sejam arrogantes nesse processo".
De peso
Já o discurso de Henrique Meirelles, vencedor do prêmio pelo lado brasileiro, pendeu para o lado mais político, segundo convidados.
O presidente do BC foi bastante prestigiado. Salão lotado, na mesa principal estavam Dilma, Michel Temer, Sarney, Antonio Palocci, Fábio Barbosa, Roberto Setubal, Luiz Trabuco, Pérsio Arida, José Olympio Pereira, Bernardo Parnes, entre outros.
Cheque ilimitado
Bebel, viúva de Francisco Gros, não tem poupado elogios a Eike Batista.
Conselheiro do Grupo OGX, o executivo teve apoio incondicional no tratamento da sua doença.
Cruz e a espada
Valdemiro Santiago, pastor da Mundial do Reino de Deus, acusou de racismo R.R. Soares, líder da Igreja da Graça de Deus, em seu programa de TV. "Ele é racista, por que ele não fala meu nome. Fala "o bispo preto".
Santiago classificou Soares de "mentiroso" e "hipócrita". Ao que tudo indica, ficou irritado por perder seu espaço na RedeTV! para o programa evangélico de Soares.
Time is money
Ermenegildo Zegna, o neto, deve aterrissar por aqui no segundo semestre para as comemorações de 100 anos da sua Zegna. Antes disso manda três relógios comemorativos de ... R$ 75 mil cada um para serem vendidos no Brasil.
Juntas, as peças pagariam estadia pra mais de mês.
Nanico, eu?
Rolou "pedra no sapato" de Serra, Dilma e Marina. Depois de entrar com liminar no TSE exigindo participar do debate da CNI, terça, Levy Fidelix, aquele do Aerotrem, promete mais: "Sou competitivo, vou fazer isso em todos os debates. Até porque elegemos um parlamentar, o Collor. Se ele mudou de partido são outros quinhentos...".
Fora do ninho
Martelo batido. Paulo de Tarso Santos, marqueteiro histórico do PT, será consultor da campanha de... Marina Silva.
Acredite se quiser
A procuradora aposentada Vera Lúcia Sant"Anna, acusada de torturar menina de dois anos, já atuou na... Vara da Família. Durante a década de 90, no MP do Rio.
On screen
Na esteira do sucesso de Chico Xavier, o Livro dos Espíritos - a obra de Allan Kardec será transformado em longa. Com Sandra Corveloni e Nelson Xavier.
Só para olhar
Se for verdade que os donos da Heaven pagaram US$ 25 mil para ter Chris Brown na casa, quinta, jogaram dinheiro fora.
Ninguém conseguiu chegar perto do cantor cercado por seguranças.
Na frente
Nicolau Breyner, famoso ator português, está em Recife para filmar O País do Desejo. Vai contracenar com Fábio Assunção.
É hoje, em Cuiabá, o leilão de Maurício Tonhá, da Estância Bahia. Serão negociadas 22 mil cabeças de gado.
Começa quinta, com o grupo barroco Camena, a temporada dos Projetos Culturais do Mosteiro de São Bento.
Silvia Mecozzi expõe Sussurre seu Medo a um Estranho, no Ritz Franca a partir de terça.
Tomas Biagi Carvalho lança o fanzine Amarello, hoje, na loja Isabela Capeto.
Kalil Rocha Abdalla, da Santa Casa, faz palestra quinta sobre o trabalho assistencial. E apresenta o prédio Hospital Santa Isabel II, que está quase pronto.
A Bassi pilota jantar, segunda, para lançar seu projeto Bassi Private Chefs.
O genoma sintético fez Gabeira lembrar, no Twitter, dos tapa-sexos na Sapucaí: "Com esse nome Mycoplasma genitalium é possível que a célula apareça no carnaval do Rio em 2011..."
Irã, cinema e feminismo
Não foi fácil para Torang Abedian concretizar seu documentário Não É uma Ilusão. A história, sobre uma jovem cantora iraniana proibida de se apresentar sozinha em público pelas leis do Irã, levou quase cinco anos para rodar o mundo. "Nesse período, descobri estar sendo plagiada pelo diretor Bahman Ghobadi e pelo câmera que trabalhou para mim", conta a iraniana. Ghobadi vendeu seu filme para 43 países e entrou na seleção de Cannes. "Isso só acontece em um país onde não há legislação de direitos autorais, principalmente para as mulheres."
No Irã, ela explica, toda obra de arte precisa de autorização do governo para ser realizada. Torang conseguiu permissão para filmá-lo, mas não para exibi-lo em sua terra natal. Hoje, a cineasta apresenta seu longa no Itaú Cultural. À seguir, trechos da entrevista:
Como é ser artista no Irã em tempos de Ahmadinejad?
Está cada vez pior. É um governo de uma única voz. Isso promove muita tensão econômica, social e artística. Acredito que só vai piorar. As mulheres estão esquecendo que têm voz.
O que representa para você a prisão de Jafar Panahi, cineasta iraniano preso recentemente?
Inadmissível. Acima de tudo, Panahi é um símbolo do cinema iraniano. Antes dele voltar ao Irã, ficou interessado em assistir meu filme. Mas foi preso.
O que acha dos países europeus que estão proibindo o uso da burca?
Sou contra obrigar a usar e obrigar a não usar. A proibição só intensifica o desejo do uso e alimenta a raiva. No Irã acontece o mesmo: por sermos obrigadas a vestir o véu, muitas mulheres não querem. Acredito na liberdade de escolha.
O Brasil acertou no apoio ao Irã na questão que pensa da questão nuclear?
Não acompanho de perto, mas pessoalmente acho que pesquisas nucleares não deveriam ser feitas por nenhum país. Entretanto, se outros países podem, o Irã também deveria poder.
MARILIA NEUSTEIN 

MAURO CHAVES

Como se proteger da mídia

MAURO CHAVES 

O Estado de S.Paulo

1. Se surgir reportagem pesada a seu respeito, não titubeie: envie indignada "nota oficial" desmentindo todas as acusações que lhe são assacadas, atribuindo-as a abjetos interesses de seus adversários políticos. Enfatize que se trata de matéria "requentada", que já saiu na mídia - pois a idade do escândalo tem efeito atenuante e confere-lhe uma certa leniência preferencial. Mais importante do que tudo, no entanto, será você tirar férias imediatamente e, se possível, com a família. Vá para lugar não sabido, fique por lá um tempo. Verá que seu escândalo minguará nas páginas dos jornais e nas imagens dos telejornais com rapidez muito maior do que você supunha, cedendo espaço a outros mais fresquinhos.
2. Jamais perca a oportunidade de tirar o melhor proveito da extrema generosidade com que o nosso Judiciário costuma conceder o segredo de Justiça nos processos. Ele surgiu em nossa legislação processual e no Direito de Família, especialmente, para proteger os filhos menores em separações litigiosas ou preservar a reputação das famílias quando conflitos internos se transformam em demandas judiciais. Só que esse sigilo tem servido para esconder da sociedade as maiores bandalheiras praticadas por pessoas públicas. O sigilo sub judice virou um lacre de proteção contra o assédio mexeriqueiro da opinião pública, um poderoso insulfilm ético, capaz de tornar as falcatruas e maracutaias indevassáveis para a mídia.
3. Se um filho seu estiver envolvido em alguma bandalheira, mesmo que se refira a negócios da família - da qual você é o chefe e a figura púbica mais proeminente -, enfatize ao máximo (mesmo que isso seja óbvio) que seu filho é maior de idade, eleitor, vacinado (embora vacina não proteja um bandido de ser ele mesmo) e tudo o mais que revele o espírito de autonomia e independência que você conseguiu incutir em sua prole, a ponto de não tomar conhecimento algum de seus negócios. Sem dúvida, você será muito elogiado, por valorizar o direito inalienável de os cidadãos - como os de sua família - só agirem segundo os ditames da própria consciência (que você desconhece).
4. Transforme a acusação por um delito chocante na acusação por um delito palatável. Exemplo de êxito retumbante nesse tipo de operação diversionista tem sido a transformação do "mensalão" em "caixa 2". Outro exemplo é a transformação da fraude no uso do horário gratuito de um programa partidário - pondo-o a serviço exclusivo de uma candidatura - numa simples "antecipação de campanha eleitoral", reduzindo, assim, a irregularidade à mera desconsideração de prazos irrelevantes, de alguns dias a mais ou a menos.
5. A propósito, no campo eleitoral, procure sempre descumprir a lei numa área em que seu adversário também tenha condições de descumpri-la. Pois isso impedirá que seu adversário aja contra você - para não correr o risco de ser impedido de também aproveitar o ato ilegal que o beneficiou -, assim como dará à Justiça Eleitoral a oportunidade de ser justa e isenta, desrespeitando a lei por igual, em favor de ambas as partes concorrentes.
6. Se você tem condições de manipular um instituto de pesquisa de opinião, tome o cuidado de combinar - mesmo tacitamente - resultados aproximados com os de outro instituto, pois na mídia há uma estranha apreciação que costuma transformar mais de duas suspeições numa provável inocência.
7. Procure se proteger ao máximo contra câmeras e microfones clandestinos. Com a evolução tecnológica que temos tido nos aparelhos de captação de imagens e sons, sua privacidade deve tornar-se uma obsessão diuturna, qualquer que seja o lugar ou o espaço em que você se encontre. Não se iniba em exigir revistas periódicas em seus auxiliares mais diretos e confiáveis - até naqueles que de tais revistas se incumbirão. Hoje as câmeras e os microfones podem ter as formas mais insuspeitas e ser camufladas de maneiras inimagináveis.
8. Outra coisa fundamental para sua proteção perante a mídia é o preparo para explicações imediatas, diante de denúncias e flagrantes inesperados. Pense em contratar um bom assessor para explicações de irregularidades (AEI), que já terá formatado no notebook, prontos para liberação imediata - e sempre atualizados -, alguns textos explicativos de atos ou gestos que possam sugerir a prática de irregularidades. Com uma boa assessoria dessas você jamais diria, por exemplo, que a dinheirama em pacotes de cédulas exibidas com você nos telejornais seria destinada à comprar panetones para os pobres. Ou que você enfiou as cédulas de dinheiro em suas meias porque, por motivo de segurança, não usa pastas.
9. Para explicar a dinheirama mostrada na televisão um bom AEI já teria formatado, para exibir aos jornalistas, um "Projeto de Empreendedorismo para Moradores de Rua". Seria dito que o projeto ainda não tinha vindo a público para não estimular o aumento de moradores de rua. Mas a ideia consistiria em dar uma soma razoável de dinheiro a cada morador de rua e de alguma forma acompanhar suas iniciativas, seus investimentos ou gastos efetivados com o numerário recebido. Num eventual flagrante, a ideia poderia ser posta em prática no ato, convidando os jornalistas a acompanhar a distribuição de dinheiro vivo entre moradores de rua, pedintes e assemelhados.
10. Um bom AEI também teria formatado no notebook, para exibição a qualquer momento, o texto de um projeto de ensino, para crianças, sobre o sentido da expressão "pé-de-meia". E que melhor ilustração haveria, para o salutar hábito da poupança - que a expressão "pé-de-meia" indica -, do que a apresentação, ao vivo, de dinheiro colocado nas próprias meias?
JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR.

PAINEL DA FOLHA

Lula na veia
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/05/10

A aceleração do crescimento da parcela do eleitorado que reconhece Dilma Rousseff como a candidata de Lula, fenômeno detectado pelo novo Datafolha, coincide não apenas com um período de maior exposição da ex-ministra, mas principalmente com a mudança do papel encarnado por Lula na propaganda.
No programa do PT exibido em 13 de maio, o presidente foi, pela primeira vez, o narrador da história de Dilma. Mais do que elogiar-lhe as qualidades, atribuiu a ela o sucesso do governo. Fez uma fala na linha "eu garanto", muito próxima da que fará de maneira ainda mais desabrida quando, já livre das amarras legais da pré-campanha, começar o horário eleitoral gratuito.


Amostra grátis. No início da semana, diante de outras duas pesquisas a indicar o crescimento de Dilma, um dos caciques peemedebistas menos empolgados com a candidata do PT colocou as barbas de molho: "Se um pouquinho de Lula na propaganda já fez esse estrago, imagine quando o homem for à televisão todo dia pedir voto".
SP-NY 1. Marta Suplicy foi a Nova York com uma ideia na cabeça: fazer de Antonio Palocci, que também acompanhou Dilma na viagem, seu suplente na disputa pelo Senado. A movimentação da ex-prefeita contraria os planos de petistas de São Paulo, que tentam oferecer esse posto ao PDT como forma de viabilizar a chapa pura com Aloizio Mercadante para o governo e Eduardo Suplicy de vice.
Bruxuleante 1. De um petista inteirado das articulações, sobre as chances de Suplicy virar vice: "Essa fogueira tem brasa, mas não tem labareda. Agora, é só abanar um pouquinho que pega fogo".
Bruxuleante 2. A semana termina com a chapa "Suplicante" em banho maria. Seus patrocinadores não imaginavam que haveria tanta reação contrária dentro do próprio PT. E há também o cuidado para não queimar o filme com os partidos aliados.
Assim não. No PDT, não é unânime o entendimento de que a suplência de Marta está de bom tamanho. O prefeito de Campinas, Dr. Hélio, martela a tecla de que a sigla deve fazer o vice de Mercadante.
Pare, olhe. Slogan de Paulo Skaf (PSB) ao governo de São Paulo, by Duda Mendonça: "Preste atenção neste cara".
Premiado. Duda acaba de receber o prêmio de Personalidade de Publicidade do ano em Portugal. A escolha tem sabor especial para o marqueteiro, que de início colheu reações negativas à sua primeira campanha no país, realizada para os supermercados Pingo Doce. Mas o impacto sobre as vendas, segundo Duda, superou em 50% a meta estabelecida em seu contrato com o grupo Jerónimo Martins, proprietário da rede.
Curto-circuito. Alijados das vagas para a disputa do Senado, petistas do DF se engalfinham pelas suplências de Cristovam Buarque (PDT) e Rodrigo Rollemberg (PSB). Um dos cotados é Hélio José, conhecido em Brasília como "Hélio Gambiarra". Apoiado pelo deputado federal Geraldo Magela, ele ganhou o apelido em 1995, quando desviou energia da Companhia Energética de Brasília para oferecer um churrasco a Lula.
Galhos. Conta de um especialista na folha de pagamentos do Senado: Mônica Bicalho, exonerada da assessoria jurídica de Efraim Morais (DEM-PB) quando da descoberta de "fantasmas" no gabinete do senador, tem sete parentes empregados na Casa.
Visita à Folha. Paulo Hartung (PMDB), governador do Espírito Santo, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Elizabeth Kfuri, superintendente de Comunicação Social, Ana Paula Vitali Janes Vescovi, diretora-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, e Muriel Rohde, assessora de imprensa.

com LETÍCIA SANDER e DANIELA LIMA
Tiroteio 
Proibir a exibição do vídeo foi absurdo, mas não chegou a surpreender. A censura é a marca do PT. 

Do líder tucano na Câmara, JOÃO ALMEIDA (BA), sobre o veto da equipe de campanha de Dilma à apresentação, durante visita da candidata a evento da Confederação Nacional dos Municípios, de vídeo mostrando o périplo de um prefeito por recursos em Brasília. 
Contraponto 
Pior que marmelo Relator, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, do projeto que barra a candidatura de condenados por decisão colegiada, Demóstenes Torres (DEM-GO) resumiu para os colegas, na sessão em que o texto foi aprovado antes de ir a plenário, o que espera da iniciativa:
-Vamos colocar todos os malandros no pau da goiaba!
Diante do semblante intrigado da maioria dos presentes, Demóstenes contou ter aprendido "na pele", ainda criança, o significado da expressão:
-Apanhei muito de vara de pau de goiaba. Dói muito, porque ela começa grossa e termina fininha. O Judiciário vai tratar dos "fichas sujas" assim: no pau da goiaba!

BRASIL S/A

Ameaças ao bolso
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 22/05/10

Ataque do Congresso ao Tesouro traz debate sobre impostos e gasto público à campanha eleitoral

A economia e a política brasileira começam a passar mais cedo do que se esperava pelo que deverá estar nas manchetes na virada do governo do presidente Lula para o que vier sucedê-lo: a discussão sobre a evolução do gasto público, a qualidade do que é feito com ele, sua conexão com a carga tributária e formas de controlá-lo.

Ele envolve questões de fundo sobre o maior ou menor dirigismo do Estado sobre as decisões empresariais. A opção entre o emprego e o assistencialismo. O que se espera do sistema financeiro quanto ao financiamento de longo prazo com fontes voluntárias de capitais em contraponto ao modelo em fim de carreira do crédito estatal, hoje cada vez mais dependente de repasses do Tesouro via endividamento.

Não são questões triviais nem fáceis para uma campanha eleitoral, mas suas respostas, decorrentes das opções que o futuro presidente vier a tomar — vis-à-vis a coalizão partidária que puder formar no Congresso —, definirão o futuro do país e a sua governança.

Em tese, está em disputa se será com mais ou com menos Estado. No limite, porém, pode nem ser questão política, mas de necessidade, sobretudo pelo esgarçamento que o governo Lula permitiu do gasto e do crédito público, tirando de seu sucessor a margem de manobra que ele pôde dispor. O legado para 2011 será de aperto e ajustes.

Tal debate já ocupava a atenção das assessorias das candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra, encimado por duas premissas meio consensuais, que se chocam com a ominosa atuação dos senadores e deputados, este ano, na aprovação desregrada de novas despesas.

A regra é que nenhum novo gasto orçamentário pode ser criado sem a indicação da fonte de receita que vai financiá-lo. O Congresso tem atropelado esse bom princípio legal, mas o Executivo também se omitiu quando confrontado pela vontade de sua base política.

Chocam-se, ainda, com a facilidade com que Lula cedeu à pressão de lobbies do funcionalismo, de ruralistas e outros, desfalcando o orçamento com gastos permanentes incompressíveis e com frustração de receitas — a sequela dos perdões de dívidas tributárias com os tais Refis, o último dos quais, aliás, aprovado como contrabando do Senado durante a votação do reajuste das aposentadorias.

O resultado é a economia impelida ao gasto de todas as origens e agora à mercê de o Banco Central arrochar os juros para cortar a propensão ao consumo do setor privado, entre pessoas e empresas, para abrir espaço à despesa canetada pelos políticos e o governo.
Excesso de velocidade
Ou o crescimento da demanda, que deve ter virado o 1º trimestre ao ritmo de 12% anual e ganhando velocidade, é desacelerado ou a inflação vai ferver — já acumula em doze meses aumento de 5,26%, acima, portanto, da meta anual de 4,5% — e vai-se abrir um rombo maior do que o previsto nas contas externas. Com a intervenção do BC sobre os juros, o deficit externo tende a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no final do ano. O problema não é financiá-lo.

Com as entradas de investimentos das multinacionais, a conta se fecha. Os deficits externos preocupam quando chegam a 3% do PIB e quando resultam mais de importação para o consumo conspícuo que de máquinas, equipamentos para os investimentos.
O BC de Dilma e Serra
As premissas em torno das quais Dilma e Serra parecem concordar, e, se divergem, é mais quanto à forma que o conteúdo, tratam da continuidade do crescimento com estabilidade, ou seja, sem pressão de preços, e capitaneado pelos investimentos.

A outra premissa os envolve num bate-boca curioso: ambos torcem o nariz para a proeminência do BC. Serra já explicitou o desacordo. Dilma aproveitou a deixa para defender a autonomia do BC, como fez em palestra em Nova York para executivos da banca. Foi aplaudida.

O economista Dionísio Carneiro resume a polêmica: “Quem leva a sério a responsabilidade fiscal não precisa tirar a independência do BC. Quem não leva não merece mandar no BC”.
A arte do equilíbrio
O juízo sobre quem merece mandar no que remete a instâncias tão ou mais cruciais que o BC, como o Congresso. A premissa dos planos econômicos assume a taxa de investimento sobre o PIB passando de 18% para 22% a 23%. O expansionismo fiscal encaminhado pelo Congresso sabota essa prioridade. O modelo em que a economia engorda pela demanda agregada turbinada a gasto público e crédito também não a atende. A arte está em equilibrar tais demandas. Como há mais de um jeito de fazer isso, esse é o debate que se impõe.
O gasto que ofende
O cuidado a tomar nestes tempos de queda de braço entre a Europa e os mercados financeiros, já tendo sido do mundo versus o dólar, é o consenso, digamos assim, infiltrado. Nos EUA, por exemplo, a crise gerou a regra segundo a qual “os mercados fazem a notícia, mas as notícias não fazem o mercado”. A economia brasileira está aquecida, mas não entrou em ponto de ebulição. O gasto público é demasiado, só que não pelo risco fiscal, ainda, pelo menos, e sim por sua qualidade viciada. Não há defesa possível quando se sabe que foram aprovados aumentos salariais para algumas categorias do funcionalismo de mais de 500%. Isso foi acintoso. É esse tipo de gasto que ofende e não o assumido para bancar investimentos.

LYA LUFT

REVISTA VEJA
Lya Luft

O sexo triste dos jovens

"A nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas 
trabalhar na esperança de que um dia nossos 
adolescentes conheçam o sexo com ternura"

Ilustração Atomica Studio

Procuro ser aberta ao novo, ao que me agrada no novo e também ao que exige um certo tempo para ser assimilado. Às vezes há o que não vale a pena ser assimilado, então, vou buscar outras paisagens. Eventualmente não sabemos se vale ou não, então, a gente fica humilde e espera. Uma novidade (para mim) espantosa, narrada e confirmada em mais de um lugar no país, é dessas que não quero assimilar. Se possível, enterrava numa cova funda, varrida para baixo de mil tapetes, fazia de conta que não existia: o sexo (ou simulacro de sexo) sem encanto, sem afeto, sem tesão, o sexo triste ao qual são coagidos pré-adolescentes, quase crianças, em famílias de classe média e alta. Essas que pensamos estar menos expostas às crueldades da vida.
Talvez eles não precisem comer lixo, correr das balas dos bandidos, suportar brutalidades e incestos, tanto quanto os mais desvalidos. Seu mal vem sob outro pretexto: o de ser moderno e livre, ser aceito numa tribo, causar admiração ou inveja. Cresce, que eu saiba, o número de meninas de 12 a 14 anos grávidas. O impensável ocorre muitas vezes em festinhas nas quais se servem bebidas alcoólicas (que elas tomam, ou pagariam mico diante das amigas, e com essa desculpa convencem os pais confusos), não há nenhum adulto por perto (seria outro mico, e assim elas chantageiam os pais omissos), e ninguém imaginaria o que ia rolar.
Nessas ocasiões pode rolar coisa assombrosa sob o signo da falta de informação, autoridade e ação paternas. Nem sempre, mas acontece. Crianças bêbadas no chão do banheiro de clubes chiques, adultos cuidando para não sujar o sapato no vômito não são novidade (ambulância na porta, porque algumas dessas meninas ou meninos passam mal de verdade); quantas meninas consigo beijar na boca numa festinha dessas? Em quantos meninos consigo fazer sexo oral? Sexo que vai congelando as emoções ou traz uma doença venérea, quem sabe uma absurda gravidez – interrompida num aborto, de sérias consequências nessa idade, ou mantida numa criança que vai parir outra criança.
"Roubaram a sexualidade desses meninos", me diz uma experiente terapeuta. Não deixaram tesão nem emoção, mas uma espécie de agoniado espanto, nessas criaturas inexperientes que descobrem seu corpo da pior maneira, ou aprendem a ignorá-lo, estimuladas ou coagidas por incredulidade ou fragilidade familiar, pelo bombardeio de temas escatológicos que nos assola na TV e na internet, com cenas grotescas, gracejos grosseiros em torno do assunto – "valores" e "pudor", palavras hoje tão arcaicas. Efeito da pressão de uma sociedade imbecilizada pela ordem geral de que ser moderno é liberar-se cada vez mais, sem saber que dessa forma mais nos aprisionamos. Precisamos estar na crista da onda em tudo, tão longe ainda da nossa vida adulta: sendo as mais gostosas e os mais espertos, desprezando os professores e iludindo os pais, sendo melancolicamente precoces em algumas coisas e tão infantilizados e ignorantes em outras, nisso incluindo nosso próprio corpo, emoções, saúde e vitalidade.
A nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas trabalhar na esperança (caso a tenhamos) de que nossos adolescentezinhos, às vezes ainda crianças, vivam de maneira natural essa delicada fase, e um dia conheçam o sexo com ternura, na tesão de sua idade – forte e boa, imprevista e imprevisível, com seu grão de medo e perigo, beleza e segredo. Que essas criaturinhas sejam mais informadas e mais conscientes do que, muito mais protegidas que elas, nós éramos. Mas seguras e saudáveis, não precisando lesar sua bela e complexa intimidade com tamanha violência mascarada de liberdade ou brincadeira. Sobretudo, sem serem estimuladas a lidar de modo tão insensato com algo que pode lhes causar traumas profundos, ou anular um aspecto muito rico de sua vida. É difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente, cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento e do aprendizado amoroso.

DORA KRAMER

Mal traçadas
DORA KRAMER 
O Estado de S.Paulo - 22/05/10

Se a alteração na redação não muda o conteúdo do projeto Ficha Limpa, por que na última hora o Senado resolveu modificar o texto aprovado na Câmara?
Por mero apreço à boa escrita não valeria o ensejo de suscitar uma celeuma que suas excelências, experientes, certamente já previam.
"Harmonia gramatical" não é argumento robusto.
Se havia o mínimo risco de que a mudança do tempo do verbo em relação aos abrangidos pela lei fosse interpretada como um ato deliberado para postergar a aplicação das novas regras e esse não era o propósito, que se deixasse a gramática de lado.
Por muito menos se assassina o português (o idioma, bem entendido) todos os dias.
Ao definir a condição de inelegibilidade a emenda trocou a expressão "tenham sido" para "os que forem" condenados em decisão transitada em julgado ou por órgão judicial colegiado.
O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, senador Demóstenes Torres, o autor das emendas de redação, senador Francisco Dornelles, e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que apresentou a proposta de iniciativa popular, são de opinião de que a alteração do texto não modifica o mérito.
Já o relator do projeto na CCJ da Câmara, José Eduardo Cardoso, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, juristas e parlamentares compartilham do entendimento de que a nova redação remete a aplicação da lei para o futuro.
No tocante a linguagem, prevalece a ambiguidade.
O senador Demóstenes Torres argumenta que a correção visava a deixar claro que a nova regra não atinge os casos encerrados, mas alcança os processos em andamento.
Ocorre que a impossibilidade de se aplicar uma lei em caráter retroativo já é norma estabelecida.
Ao falar no futuro não há como não se reconhecer que o texto final enfraqueceu o espírito da demanda social que resultou na aprovação da lei e fortaleceu os que a aprovaram por oportunismo, confiando no terceiro tempo na Justiça.
E aqui voltamos à questão inicial: se a mudança na redação não alterou o mérito do projeto Ficha Limpa, se todos os seus defensores estão convictos de que foi feito um trabalho sólido, celebrado como um encontro do Parlamento com a sociedade por que o Senado não deixou o texto como estava?
Carimbo. Na política vale mais a versão que o fato.
Tenha tido ou não a intenção de facilitar a vida dos colegas com sua polêmica emenda ao projeto Ficha Limpa, o senador Francisco Dornelles ficou marcado.
Caso esteja mesmo cotado para vice na chapa de José Serra - e essa hipótese não tenha sido aventada apenas para tirar Aécio Neves de cena durante um período estratégico - é de se conferir se o PSDB banca o risco de escolher um vice sob contestação em tema tão sensível ao eleitorado mais informado.
Racional. Em questão de dias, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, desistiu de confrontar o projeto Ficha Limpa e de tentar adiar a votação do reajuste dos aposentados para livrar o presidente Lula do ônus da decisão sobre o veto.
Na segunda-feira viu que pregava no deserto e avisou aos liderados: "Não vou segurar essa bomba sozinho."
Carapuça. O vídeo vetado pela campanha do PT na sabatina dos três pré-candidatos na Confederação Nacional dos Municípios era um relato de fatos antigos como a Sé de Braga.
A peregrinação dos prefeitos pela capital em busca de recursos, os percalços impostos pela burocracia, atrasos no repasse de verbas.
Invenção do governo Lula? Só em cabeças disponíveis para quaisquer carapuças.
Por elas, a fundação da TV Globo em 1965 deve ter sido premeditada para fazer coincidir o aniversário de 45 anos da emissora com a eleição presidencial de 2010 em que a oposição concorre por partido registrado sob o número 45.