sexta-feira, abril 23, 2010

NELSON MOTTA

Movimento dos Sem Tela

NELSON MOTTA
O Globo - 23/04/2010

“O Franklin Martins teve uma sacada muito grande… o Estado brasileiro garantir banda larga de graça para o povo. Se isso acontecer, todos os entendidos no assunto dizem: acaba a televisão aberta no Brasil. Porque o sujeito vai ter na tela do computador, de graça, qualquer televisão do mundo. Então, pra que ficar assistindo lá àquele casal maravilhoso das oito e meia? (…) Então eles estão de cabelo em pé, com medo de que a Dilma ganhe e implante a banda larga estatal popularizada.” São reflexões de João Pedro Stédile, a cabeça pensante do MST. Com aliados assim, será que a Dilma precisa de adversários? Que entendidos são esses? Cubanos? Venezuelanos? Dos Emirados Sáderes? Lá no “Império”, no Japão e em partes da Europa quase todo mundo tem banda larga, e há décadas a TV aberta perde espectadores, sim, mas para os canais por assinatura — que não podem ser vistos de graça na internet. Mas os milhões que assistem ao casal maravilhoso das oito e meia também já podem vêlo no celular e no laptop, além da boa e velha TV, agora em alta definição, e breve em 3-D.

E de que serviriam todas as televisões do mundo para quem não entenderia as línguas e nem conseguiria ler as legendas, se as houvesse? Mesmo com banda larga de graça, eles teriam que escolher entre Globo, SBT, Band, Rede TV e Record, ou a RTP afro-lusitana, já que a TV Brasil ninguém vê.

Vamos contar um segredo a ele: os maiores interessados na universalização da banda larga são as grandes empresas de comunicação, produtoras de conteúdo para TV aberta, a cabo, celular, internet e o que mais vier.

Desconfio que o arguto Stédile entendeu mal esta “grande sacada do Franklin Martins”, que pode até ser polêmico, mas de burro nunca foi chamado.

Pensando bem, a sacada pode ser muito boa. Para Cuba. Se lá universalizarem a banda larga a ditadura não dura uma semana.

Mas, francamente, imaginar José Serra de cabelo em pé só pode ser um delírio. Talvez o companheiro Stédile estivesse pensando em outro José, o neocabeludo Dirceu, este sim, um grande interessado na banda larga estatal: os fios justificam os meios.

BRASIL S/A

A notícia linchada
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 23/04/10

Informação objetiva sobre o grupo vencedor de Belo Monte é tão firme como o andar de bêbado


Se na guerra a verdade costuma ser a primeira vítima, em campanha eleitoral a notícia é linchada. Em campanha plebiscitária, então, a informação objetiva é enviesada pelos interesses dos candidatos, tornando-a tão capenga como o andar de bêbado.

Não por acaso, a lei restringe o leque decisório do governante na reta final da campanha, mas antes dela o bom senso o aconselha a fazer só o necessário. O Banco Central vir a aumentar a Selic, por exemplo, é o tipo de decisão que não pode esperar. Inação é pior.

O BC fará o que tiver de ser — com um olho na inflação e o outro na evolução do déficit em conta corrente, ambas influenciadas pelo maior ou menor ritmo do aumento da demanda. O crescimento é sempre o objetivo final da política econômica, mas não a qualquer preço.

O leilão para a escolha do consórcio que vai construir e operar a usina de Belo Monte, contudo, poderia ter esperado o novo governo. Polêmico por razões ambientais tratadas com soberba, o projeto se complicou pela dificuldade do governo em justificar o seu custo e fechar o grupo operador. Criou, assim, desconfiança sobre uma obra prioritária que deveria estar na vitrine dos candidatos.

A algaravia de fatos e versões sobre assuntos mais complexos que as estratégias para eleger o sucessor do presidente Lula destacam as armadilhas para o noticiário quando a informação vira artigo de campanha eleitoral. Tome-se o caso da desistência das empreiteiras Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht da disputa por Belo Monte.

Elas lideravam um dos consórcios. Desfizeram-no ao entender que o preço máximo do megawatt/hora definido pelo governo não condizia com o custo que estimaram para o retorno do investimento durante os 30 anos da concessão. O mesmo motivo levou o consórcio formado pela empreiteira Andrade Gutierrez, com Vale e Votorantim, a fazer um lance com desconto mínimo sobre o preço de referência.

A desarticulação típica de fim de governo entornou o que estava previsto. Venceu o grupo formado às pressas depois da desistência das duas grandes empreiteiras para aparentar que havia competição.

Burocracia manda ver
Até então prevalecia a preocupação do governo em não dar motivo à oposição para atirar contra Dilma, responsável, quando ministra da Casa Civil, pela modelagem do leilão e, quando chefa do Ministério de Minas e Energia, pela reforma da política setorial. Com Dilma fora, a burocracia do sistema Eletrobras operou para pôr o grupo de fantasia, agora apresentado sob liderança da Chesf, subsidiária da estatal, na direção de Belo Monte. E as coisas se complicaram.

O consórcio vencedor supostamente tinha o grupo Bertin, sem maior tradição em construção pesada, à sua frente, secundado por Queiroz Galvão, empreiteira das grandes mas novata na construção de usinas gigantes como será Belo Monte, e outras menores. No dia do leilão, a direção da Chesf forçou tal consórcio a propor um desconto maior que o cogitado. Levou. E criou uma zona de desconforto para Dilma.

Escusa da blindagem
O provável é que a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, pessoa de confiança de Dilma, e a direção da Eletrobras tenham aprovado a manobra. Agora tentam dar racionalidade à decisão, sustentando que Belo Monte foi “blindada” contra o lobby das construtoras. A ver.

O governo opera no bastidor para trazer o trio de empreiteiras — as duas que desistiram e a que foi atropelada no leilão — de volta. Mas como construtoras contratadas. Mais que as demais, elas têm o know-how requerido pela magnitude do empreendimento no Rio Xingu.

A memória é efêmera
A possibilidade sempre foi cogitada. Só que vem sendo apresentada por fontes não identificadas como se elas tivessem se arrependido.

Em mercado com um único demandante, como é o caso de hidrelétricas de grande porte, todas do Estado, e a maioria operada por empresas do sistema Eletrobras, as empreiteiras comem o que for servido.

A notícia real é outra: chamadas a investir, elas olharam o prato feito e recusaram. Já construir é outra história. Não há risco. Se o custo exceder o contratado, ou se faz um aditivo ou a obra para.

Para um projeto discutido desde 1980, é espantoso que haja tanta improvisação. Por certo, facilitada pelo que também se constatou: o quão efêmera é a memória nacional mesmo nestes tempos do Google.

Inferno de intenções
Os desencontros entre a política energética, as empresas estatais de energia e o capital privado são partes de um novo capítulo das reformas do setor implantadas no início do segundo governo Lula.

O que está em causa é a mudança da Eletrobras ao feitio do que é a Petrobras, com subsidiárias autônomas, mas submetidas a um plano central. O problema é que a Eletrobras há tempos é zona de caça de partidos, ao contrário da Petrobras, cuja burocracia é mais ciosa.

Na Eletrobras, braços como Furnas, Chesf e Eletronorte estão sob controle de políticos refratários ao que ameace a sua influência. Ao mesmo tempo, sem consolidar os ativos das subsidiárias, jamais a Eletrobras conseguirá capitalizar-se no mercado com as vantagens que consegue a Petrobras. Em seu caso, a intenção original, morta a pauladas, era mais ambiciosa: fazê-la uma estatal com governança ao estilo das empresas privadas. Os lobbies comprovaram em Belo Monte que boa intenção e inferno continuam tal e qual na política.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Compra ou vende
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/04/10


Na Europa, dá-se como certa a compra da Vivo pela Telefonica. No entanto, pelo que se pesquisou, é muito mais provável a compra da Telefonica pela Vivo.
Na frente 

Jazz Sinfônica e Fabiana Cozza fazem concerto em homenagem ao centenário dos mestres Noel Rosa e Adoniran Barbosa. Hoje, no Auditório Ibirapuera.

O fotógrafo Sérgio Guerra lança o livro Hereros - Angola. Terça-feira, na livraria Cultura da Villa Daslu. 

As ameaças à liberdade de imprensa serão debatidas no Rio por Hernán Verdaguer, de El Clarín, Guillermo Zuloaga, da Globovisión, e Carl Bernstein, ex-Washington Post - entre outros. Todos convidados do seminário Liberdade de Expressão, organizado pela Escola de Magistratura. Dia 3 de maio.

Paulo Eduardo Nogueira lança Paulo Francis - Polemista Profissional, com ensaio fotográfico de Bob Wolfenson. Na Livraria da Vila da Fradique Coutinho. Quarta.

Bruno Barreto faz palestra sobre os bastidores do cinema brasileiro e seu trabalho no longa Dona Flor e Seus Maridos. Na Escola São Paulo, na quinta-feira. 

Gustavo Lanfranchi dá, em maio, o curso Visual da Ópera. Inscrições estão abertas até amanhã. No site da SP Escola de Teatro. Grátis.

Gerald Thomas acabou desistindo. Não vai integrar a curadoria do Centro Cultural Waly Salomão, projeto do AfroReggae, a ser inaugurado dia 5, no Rio de Janeiro.

Direitos revistos 

Com seu projeto parado há tempos na Casa Civil, Juca Ferreira dá a largada, segunda, no movimento pela flexibilização da lei de direitos autorais. Quer alterar artigos do texto atual, pelo qual a obra de um autor só cai em domínio público após 60 anos de sua morte. Há outros problemas além desse, dirá o ministro em simpósio sobre acervos digitais, em São Paulo. Por exemplo: obra nenhuma pode ser sequer xerocada, mesmo que seja exemplar único, importante, e comido por traças em alguma biblioteca.
Como bom exemplo, ele citará a decisão da família de Vinicius de Moraes. A partir desta segunda, toda a obra do poetinha cairá em domínio público no site do Projeto Brasilianas, da USP. O que, na lei atual, só aconteceria daqui há 30 anos.

Direitos 2

Artistas e produtores adversários de Juca prometem barulho. Criticam os riscos de "estatização dos direitos autorais e do sistema de arrecadação".

RUY CASTRO

3 x "Peixe Vivo"

Ruy Castro
Folha de S. Paulo - 23/04/2010
 
RIO DE JANEIRO - E assim se passaram 50 anos, sem a pompa que se poderia supor. Os jornais, rádios e TVs soltaram seus cadernos, programas e especiais sobre o 50º aniversário de Brasília, mas a sombra que cobriu a cidade nesse período -palco de uma ditadura por 21 anos, viveiro de desqualificados políticos profissionais e cenário de negociatas literalmente incontáveis- ofuscou a celebração.
O próprio Juscelino foi menos louvado do que ele próprio, apaixonado por sua aventura, esperaria ser. Um de seus argumentos para Brasília é que, com a capital no Rio, não tinha sossego para trabalhar -e, de fato, com o Catete cercado pela cidade, era difícil não sentir a presença da oposição. O nome disso é democracia, o que não impediu o democrata Juscelino de levar seu palácio para o meio do nada. Pois esse nada favoreceu o golpe que liquidaria sua carreira política.
Brasília nunca lhe devolveu o que ele investiu nela em tempo, prestígio e poder. Para um presidente que, com razão, não queria reduzir-se a prefeito do Rio, ele acabou se rebaixando a mestre de obras de Brasília. E um mestre de obras relapso, que não via os caminhões de cimento e areia passando três vezes pela mesma guarita para registrar três entregas.
Ficou o mito do homem risonho e pé de valsa, cuja canção favorita era o "Peixe Vivo". Mas este é apenas mais um mito. Há relatos de que, pelo ritmo das obras em Brasília, em poucos meses Juscelino já não suportava esta música. Em toda inauguração a que ele ia, a banda, depois de tocar o protocolar Hino Nacional, atacava de "Peixe Vivo" -e ponha aí três ou quatro inaugurações por dia, 300 dias por ano, durante quatro anos.
O presidente dito "bossa nova" ficaria mais feliz se, às vezes, tocassem outra de suas preferidas: a seresta "Chão de Estrelas".

VINICIUS TORRES FREIRE

Belo Monte, o leilão que não houve

VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de S. Paulo - 23/04/2010
 Concessão da usina foi mais politizada que a privatização da Telebrás; governo monta e remonta o negócio até agora
A CADA convera sobre Belo Monte confirma-se a ideia de que o leilão da usina foi sem nunca ter havido. Venceu o consórcio azarão, o Norte Energia (Chesf, Queiroz Galvão, Bertin et alli). Diz-se que esse consórcio foi montado às pressas, pelo governo. Porém, tudo nessa história foi arquitetado pelo governo, e continua sendo. O leilão, em si mesmo, foi um episódio menor. Meio para inglês ver.
Tanto antes do leilão de terça-feira como agora, o governo discute com empresas, estatais, semiestatais e fundos de pensão como formar um grupo para tocar o empreendimento -e ainda discute como melhorar a rentabilidade do negócio.
Odebrecht e Camargo Corrêa, as megaempreiteiras, haviam desistido da disputa já negociando a entrada no consórcio vencedor -ou, pelo menos, para ficar com uma fatia grossa da empreitada de construção.
Continuam a negociar, mesmo tendo apostado que o vencedor seria o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez, pela Vale, pela Neoenergia e pela estatal elétrica Furnas.
Discute-se que empresas devem entrar na Sociedade de Propósito Específico (SPE) que vai ficar com Belo Monte. Podem entrar siderúrgicas, como CSN e Gerdau. Pode entrar a Braskem, da Odebrecht e da Petrobras. Ontem havia o rumor de que se negociam mudanças mesmo após a formação da SPE, para daqui a mais de ano. Pode entrar a Vale.
Por que tamanho rolo? Porque, mesmo descontados os exageros e chororôs das empresas privadas, o retorno financeiro da empreitada é muito incerto. O custo orçado pelo governo é baixo, o preço-teto estipulado pelo edital do leilão era baixo, e ficou ainda menor, dada a oferta surpreendente de deságio do consórcio vencedor. Belo Monte é uma obra muito grande, em lugar remoto e de geologia desconhecida. O preço da energia será praticamente o mesmo das usinas do rio Madeira, leiloadas em 2007 e 2008, obras mais baratas e menos complicadas. Para ficar apenas nos problemas mais óbvios.
O governo fez força para colocar a obra em andamento e garantir tarifas baixas para o consumidor. Belo Monte é mesmo imprescindível para a segurança energética do país. De resto, se sua construção não atrasar, pode desafogar um pouco o planejamento da oferta de energia elétrica no Brasil, que anda meio da mão para a boca. Isto é, se funcionar, Belo Monte pode dar um tempo para que se invista em fontes alternativas de eletricidade, em melhoria de eficiência -enfim, vai dar um tempo para respirar e pensar.
Ainda assim, o leilão de Belo Monte foi muito mais politizado que o notório leilão de privatização da Telebrás, em 1998, sob FHC. Naquela ocasião, o governo negociou até o último minuto a formação de consórcios. A graça maior da coisa era que os tucanos envolvidos eram supostamente liberais, crentes da ideia de que um leilão é o modelo perfeito para definir preços e competências. Mas politizaram o leilão até o osso.
No caso de Belo Monte, o que há é uma discussão pouco clara e pública da formação de uma parceria público-privada, com muita estatal e subsídio estatal para tornar viável o negócio. Talvez não houvesse alternativa. Mas a transparência seria de regra. E é cascata dizer que houve um leilão de concessão, à vera.

WASHINGTON NOVAES

Brasília, muitas visões possíveis

Washington Novaes
O Estado de S. Paulo - 23/04/2010
 

Ao chegar aos 50 anos de idade, Brasília continua a provocar paixões e discussões acaloradas com os que não gostam da capital, acusam-na de ser "uma cidade sem esquinas" e "sem lugares para tomar um Chopp" à solidão no setor hoteleiro para quem vai ficar uns poucos dias e por aí.
De fato, é preciso viver em Brasília para entendê-la, dar valor à extraordinária concepção espacial que Lúcio Costa lhe imprimiu; sua capacidade de manter o convívio entre a cidade edificada e o Cerrado que a entremeia e circunda; a funcionalidade e comodidade das quadras residenciais em que o morador encontra todos os serviços de que precisa - sem ter de se deslocar -; a amplidão dos espaços; a presença permanente do horizonte e do céu em qualquer ponto. Não por acaso, é reconhecida como a cidade brasileira com maior área verde por habitante. Mas ao visitante de poucas horas, confinado no setor hoteleiro, de fato parecerá um reduto da solidão.
No dia 11/4, Lúcia Guimarães publicou neste jornal, de Nova York, entrevista com o conceituado arquiteto inglês Kenneth Frampton, a propósito do prefácio que ele fez para o livro Marcel Gautherot - Brasília. Frampton, que estivera na capital em 1965, voltou 45 anos depois. Nessa entrevista, entre as análises (elogiosas, muitas) que faz de Brasília, Frampton diz: "Não entendi por que o transporte público não vai pelo eixo, e sim pelas margens. Não conheço bem a cronologia da transformação, mas a assimetria do crescimento para o sul foi causada, a meu ver, pela falta de um sistema de transporte público, trilhos que cortassem o eixo central."
É preciso esclarecer, porque o autor destas linhas era secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal no período de 1991-92, em que foram tomadas as decisões sobre o metrô de Brasília.
O primeiro projeto, ligando, com o metrô de superfície, Taguatinga e Águas Claras à Estação Rodoviária, na Esplanada dos Ministérios, previa exatamente sua implantação no canteiro central, asfaltado, do Eixo Sul. E essa solução foi desaconselhada por um parecer técnico da Secretaria do Meio Ambiente, porque teria inconvenientes muito graves: 1) Seria preciso interromper, durante os anos de implantação, todo o trânsito no Eixo Sul, principal via de transporte da cidade já naquele tempo; 2) mesmo que se aceitasse o transtorno temporário, o problema persistiria em parte depois, pois obrigaria a compatibilizar o já denso trânsito de automóveis e ônibus com o metrô, encurralado num canteiro central de poucos metros de largura - obrigando também a implantar numerosas passagens subterrâneas ou em passarelas para os usuários da área que desejassem tomar o metrô; 3) esses passageiros ainda teriam de encontrar passagens para ultrapassar a pé os "eixinhos" laterais e chegar ao canteiro central; 4) não haveria espaços para estacionamento de veículos de quem desejasse tomar o metrô já no Eixo Sul.
Diante de todas essas questões, a recomendação foi manter o metrô na superfície entre Taguatinga (que já era o eixo principal da expansão urbana) e a Asa Sul e, nesta, implantá-lo como subterrâneo, debaixo de um dos "eixinhos" laterais. Nessa hipótese, não haveria interrupção do denso trânsito durante a implantação. O inconveniente estaria na necessidade de remover parte das árvores do "eixinho" escolhido. Mas foi incluída na licença a exigência de não abater as árvores, removê-las todas para o viveiro da Terracap e reimplantá-las depois de concluída a obra - o que foi feito com quase 2 mil árvores.
Essa solução foi levada ao Rio de Janeiro, em encontros com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, aos quais o autor deste artigo estava presente. Lúcio Costa, na modéstia de seu pequeno apartamento no final do Leblon, elogiou muito a solução encontrada. Niemeyer não fez nenhuma objeção. E é isso que permite a quem percorra o Eixo Sul nem sequer perceber a existência de um metrô no subsolo.
Esse trajeto do metrô - Esplanada dos Ministérios/Águas Claras/Taguatinga - também foi recomendado porque já era, à época, parte da rota principal de expansão urbana. Por isso, a recomendação do parecer técnico foi de que o avanço futuro do metrô chegasse ao setor da Ceilândia e a um arco que o levasse a Samambaia, Núcleo Bandeirante e Gama, áreas de menor renda no Distrito Federal e que deveriam ser o alvo principal do projeto.
Tem razão Kenneth Frampton quando diz que o problema de Brasília "é a praga da indústria do automóvel". Mas não apenas em Brasília. Ali o metrô visou, além de proporcionar transporte rápido, eficiente e barato à população de menor renda, evitar a expansão ilimitada das frotas de ônibus e de automóveis - porque não é difícil imaginar o que teria acontecido na capital brasileira sem o metrô.
O problema está na nossa incapacidade de colocar qualquer limite à expansão das frotas de automóveis e qualquer exigência (por exemplo, só licenciar um carro novo se o proprietário provar haver retirado de circulação outro muito antigo, como já se faz em vários lugares do mundo). Como se as cidades brasileiras tivessem capacidade infinita de receber mais veículos em sua já insuficiente rede urbana. Não conseguimos nem mesmo estabelecer zonas de tráfego limitado pelo pedágio urbano - outra solução já consagrada em tantas capitais fora daqui. Para não falar em expansão de metrô, onde ele já existe, ou de implantação, onde não se conta com ele.
Enquanto isso, todas as grandes cidades brasileiras vão inviabilizando a movimentação urbana. Algumas delas (Goiânia é um dos exemplos) já se aproximam da inacreditável proporção de quase um automóvel por habitante. Aí, só restará dizer: Durma-se com um barulho desses - e ainda paralisado no meio da rua. Brasília, fora de alguns eixos no início da manhã e no fim do dia, ainda é das raras exceções.

REGINA ALVAREZ

Jogando contra
REGINA ALVAREZ 
O GLOBO - 23/04/10


Agora ninguém mais questiona. Os juros básicos vão subir na semana que vem com o aval da equipe econômica e do próprio presidente Lula. A escalada da inflação assusta e é consenso que o Banco Central precisa aplicar o torniquete dos juros imediatamente.

Para o mercado, a medida já vem com atraso. Mas por que mesmo estamos condenados a conviver com as maiores taxas de juros do mundo?

Essa pergunta pode ter muitas respostas, mas a mais óbvia é a forma como vem sendo conduzida a política fiscal. A expansão dos gastos do governo é uma trava poderosa à queda nos juros. Ao contrário, contribui para eleválos. Em 2009, a crise global serviu de justificativa para a elevação dos gastos. De todo o tipo de gasto, ressalte-se, principalmente despesas permanentes, como as de pessoal, que ficarão para sempre no Orçamento, comprometendo as administrações futuras.

A crise passou, mas os sinais de que a política fiscal continuará expansionista permanecem. E o Banco Central tem que atuar a partir desses sinais.

Com o ritmo de crescimento dos gastos do governo acima do crescimento do PIB e a política fiscal contribuindo para expandir a economia, o BC usará os juros para contrair a demanda do setor privado, no esforço para conter a inflação.

O problema são os efeitos colaterais dessa medida.

— No curto prazo, a rigidez monetária trava a escalada da inflação, mas no médio e longo prazo inibe o investimento. O recomendável seria gerar superávits primários maiores — observa o economista Flávio Castelo Branco, da CNI.

Acontece que os superávits do governo estão cada vez mais magros. A meta de 3,3% do PIB para os próximos anos foi mantida no papel, mas vem sendo desidratada com o abatimento das despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nem tudo é investimento puro. Para 2010, o Banco Central já trabalha com um abatimento de 1,12% do PIB da meta. Para 2011, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias traz uma regra ainda mais frouxa. Na prática, tudo que o governo quiser incluir no PAC e descontar do superávit primário poderá fazê-lo, pois não existe mais limites para essa dedução.

Assim, ninguém sabe exatamente qual a meta de superávit para 2011.

Na visão do economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, o governo acredita que criou um novo modelo de desenvolvimento, baseado no consumo, pois continua gastando como no auge da crise, estimulando uma demanda que já está muito aquecida.

Mas o modelo esbarra no risco da inflação e só reforça a necessidade de elevar os juros. O consumo ocupa um espaço na economia que seria dos investimentos.

— Com essa política, o governo está mesmo é criando problemas para 2011 — alerta.
Grécia encurralada

A Moody‘s rebaixou a nota de risco da Grécia e o governo local anunciou a revisão do déficit fiscal de 2009, de 12,7% do PIB para 13,6%. Duas notícias ruins em um só dia que expõem a fragilidade fiscal e das estatísticas gregas. A economista Monica de Bolle, da Galanto, compara a situação daquele país com a da Argentina, onde ninguém confia nos resultados do Indec (o IBGE de lá). “Os números que o governo grego divulga não condizem com a realidade. Já há previsões de que o déficit esteja acima de 14%. Isso faz com que os C 45 bilhões para salvar a Grécia fiquem defasados”, diz. O aumento da desconfiança pode ser visto no gráfico. A diferença de juros pagos pela Grécia para rolar sua dívida disparou em relação aos juros pagos pela Alemanha.
Em alta I

Em 2009, ano da crise, o governo conseguiu ampliar os gastos com publicidade em 2,6%, além da inflação.

Os números divulgados ontem mostram gastos de R$ 1,179 bilhão, incluindo administração direta e indireta. Em 2008, esses gastos somaram R$ 1,149 bi.

Entre as mídias, a publicidade em revistas foi a que mais cresceu: 18%.
Em alta II

Outra tabela divulgada pela Secom mostra que os gastos com publicidade da administração direta e das empresas públicas que não concorrem no mercado cresceram bem acima da média geral: 20,5%. Passaram de R$ 377,6 milhões em 2008 para R$ 455 milhões em 2009. Já nas estatais, os gastos caíram 6,1%, de R$ 771,5 milhões para R$ 724 milhões.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

A conta fictícia de Belo Monte

EDITORIAL
O Estado de S. Paulo - 23/04/2010
 

 

Por que uma empresa cuja história e experiência estão profundamente ligadas à evolução do setor elétrico brasileiro e, por isso, tinha todo interesse na construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu - razão pela qual acompanhou, ao longo de 30 anos, as discussões técnicas, ambientais e financeiras desse projeto gigantesco -, desistiu de participar do leilão de energia realizado na terça-feira?
Ao responder a essa pergunta, em entrevista ao jornal Valor, o presidente da Construtora Camargo Corrêa, Antonio Miguel Marques, não deixa dúvidas: a empresa avaliou que, nas condições fixadas pelo governo, o empreendimento não assegurará a remuneração do investimento. Ou seja, feita de maneira racional, de modo a assegurar a viabilidade econômico-financeira do projeto e a produção e o fornecimento regular de energia elétrica nas condições contratadas, a conta não fecha.
Essa avaliação deve ter sido feita também por outra grande construtora com a experiência necessária para assumir um projeto do porte de Belo Monte - considerada a terceira maior hidrelétrica do mundo -, a Odebrecht, mas que, como a Camargo Corrêa, desistiu dele. A razão básica da desistência foi o valor máximo da tarifa a ser cobrada pelo grupo responsável pela construção e operação de Belo Monte, de R$ 83 por megawatt hora (MWh). O vencedor do leilão foi o consórcio de empresas que se comprometeu a cobrar a menor tarifa, de R$ 77,97.
Depois que as duas maiores construtoras do País desistiram do leilão, o governo anunciou a concessão de novo estímulo para Belo Monte - a isenção de até 75% do Imposto de Renda -, que se somou aos que já havia oferecido, como a possibilidade de financiamento de até 80% da obra pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por 30 anos e com juros subsidiados.
"Mesmo depois das isenções de impostos concedidas pelo governo, anunciadas depois da nossa saída, a conta não chegava na taxa de retorno esperada", explicou o presidente da Camargo Corrêa. "Foi dura a decisão de sair. Mas a razão tem de superar a emoção."
Outra grande construtora, a Andrade Gutierrez, integrou o outro consórcio que participou do processo até o fim, para garantir sua realização, e, ao que se informa, a oferta que fez teria sido muito pouco inferior ao teto. Assim, a oferta vencedora foi apenas 6% menor do que o máximo previamente fixado.
Se, realisticamente, empresas privadas com experiência no setor e vivamente interessadas no empreendimento não conseguiram fechar suas contas, como o grupo vencedor conseguiu montar sua oferta? E como cumprirá os compromissos que assumiu?
O que vai ficando claro é que, para garantir o leilão e assegurar a instalação rápida do canteiro de obras - diz-se que com objetivos eleitorais -, o governo forçou a formação do consórcio liderado por uma estatal, a Chesf, que responde por 49,98% do total das cotas, e, por meio dela, impôs aos demais participantes do grupo a tarifa vencedora.
A pressa com que se constituiu esse consórcio e se concluiu o leilão de energia de Belo Monte cria mais dúvidas sobre o futuro da usina. Uma delas é sobre a composição da empresa que se responsabilizará pelas obras e pela operação da Usina de Belo Monte. Os participantes dessa empresa terão de ser definidos até 23 de setembro, quando será assinado o contrato de outorga da concessão. Fala-se na participação de fundos de pensão de empresas estatais - o que aumentará a presença do Estado no setor - e de grandes consumidores de energia.
No governo, considera-se essencial a participação nas obras da usina de pelo menos uma das três grandes construtoras que ficaram fora do consórcio vencedor. A Camargo Corrêa tem interesse na construção, pois esta, ao contrário da operação, não envolve riscos de investimento. Mas o custo da obra, estimado em R$ 19 bilhões pelo governo, é considerado subavaliado. Deverá ficar muito acima disso.
Qualquer que seja o valor, certamente sobrará alguma coisa não devidamente explicitada, e por isso ainda não estimada, mas que terá de ser coberta em algum momento. O ônus está sendo transferido para o futuro, e recairá sobre o contribuinte.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Telefônica negocia compra da TV Alphaville 
Maria Cristina Frias

Folha de S.Paulo - 23/04/2010

A Telefônica está negociando a compra da empresa de televisão a cabo TV Alphaville.
Outros modelos de negócios têm sido avaliados pela operadora. Segundo fontes próximas à negociação, a empresa é irrelevante para a Telefônica, mas haveria sinergia com a TVA, na qual a Telefônica possui 49% de participação na operação de cabo fora de São Paulo e 19,9% dentro do Estado. No modelo MMDS (sistema sem fio) o controle é de 100%.

A aquisição teria sido motivo de disputa entre Net e Telefônica. Até o momento, nenhuma delas teria chegado ao preço pedido pela TV Alphaville.

Especialistas no setor afirmam que o maior interesse seria estratégico: frear o avanço da concorrente.

A TV Alphaville opera por meio de uma rede de mais de 500 km de fibras ópticas e cabos e cobre mais de 20 mil residências na região. O mercado estima que a empresa tenha cerca de 11 mil assinantes, de um público de classes A e B.

Localizada em Tamboré, bairro vizinho de Alphaville, a TVA tem interesse em televisão por assinatura, mas a TV Alphaville também oferece serviços de segurança de condomínios de alto poder aquisitivo e possui pequena operação de banda larga via rádio e cabo.

A legislação brasileira impede que uma companhia estrangeira compre empresa de TV a cabo no país. Mas, na prática, contratos de gaveta têm possibilitado o controle por empresas com sede no exterior.
Terra À Vista
A Brookfield Incorporações se prepara para ampliar sua atuação nos mercados de São Paulo e do Sul do país. Para isso, criou uma nova unidade de negócios com foco nas regiões e comprou terrenos. No interior paulista, a incorporadora está com R$ 641,7 milhões em banco de terrenos, dos quais R$ 188,9 milhões foram lançados, e deve expandir sua atuação em Campinas, Sorocaba, Jundiaí, Jacareí e Santos. "Pretendemos comprar mais", diz Nicholas Vincent Reade, presidente da empresa. Enquanto o mercado investe no Nordeste, a Brookfield foca nos Estados do Sul. "Estamos na contramão. A maior parte do setor está concentrando esforços no segmento econômico." Reade afirma que isso é reflexo da segmentação planejada pela empresa, que decidiu destinar 50% do negócio ao mercado de média renda, cujas compras variam de R$ 130 mil a R$ 500 mil.
Influência brasileira é bem avaliada 
Entre os Brics, o Brasil é o país cuja influência internacional é mais percebida como positiva, segundo pesquisa mundial realizada pela Market Analysis em parceria com a Globe Scan/BBC.
De 29 mil entrevistados, 41% acham que o país tem uma boa atuação global.

A China possui a mesma porcentagem de aprovação; no entanto, a parcela dos que acham que a nação asiática influi mais negativamente é de 38%, contra apenas 23% do Brasil. A Índia aparece com avaliação positiva de 36% contra 31% negativos, e a Rússia, com 30% e 37%, respectivamente.

"Tal juízo tem a ver com a noção de previsibilidade. O Brasil está passando uma ótima imagem por ter saído da crise sem maiores abalos", explica Fabián Echegaray, diretor da Market Analysis.

"A questão principal é que existe uma confiança de que o país respeita as regras do jogo, de que tem uma estabilidade política. Não é perfeito, mas está se saindo melhor do que os demais."

A maior popularidade do Brasil é observada entre os seus vizinhos: o país é bem-visto por 77% dos chilenos e 52% dos mexicanos. Turcos e egípcios são os que fazem uma avaliação mais negativa.

Já dos próprios brasileiros, 84% possuem uma percepção positiva da influência do país. "Isso evidencia a elevada autoestima da população", afirma Echegaray.
Fusão no Ar
A United Airlines e a Continental Airlines estão negociando a fusão de suas operações, de acordo com informações passadas por pessoas ligadas ao negócio à Bloomberg. A fusão, que envolveria troca de ações, criaria a maior companhia aérea do mundo em tráfego de passageiros, superando a Delta Air Lines. As empresas não quiseram comentar o assunto. Com base nos preços de fechamento de ontem das ações, o valor de mercado da nova empresa seria de US$ 6,6 bilhões. De acordo com a Bloomberg, o presidente-executivo da United, Glenn Tilton, se tornaria o presidente do conselho da nova companhia, enquanto o seu colega da Continental, Jeff Smisek, passaria a ser o presidente-executivo.
Primeiro
O Banco do Brasil ainda comemora o status recém-adquirido de instituição financeira reconhecida pelo Fed (o banco central dos Estados Unidos), chamado de "Financial Holding Company". O título iguala o BB aos bancos norte-americanos. Com a autorização, o banco pode atuar como banco de varejo no mercado local. O alto escalão do BB festeja o fato de o banco ter sido o primeiro no mundo a obter a distinção desde a crise.
Prefeituras 1
A inclusão de recursos para pavimentação, saneamento, prevenção em áreas de risco e mobilidade urbana no PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento) será tema da 57ª reunião da Frente Nacional de Prefeitos, em Florianópolis (SC). Bandeira defendida pela entidade, a integração dessa demanda no projeto do governo federal foi comemorada pelos prefeitos.
Prefeituras 2
A subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Miriam Belchior, e a secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, debatem o tema na próxima segunda-feira. A pauta do encontro traz ainda a distribuição dos royalties do petróleo. Mais de 500 gestores, secretários e dirigentes municipais devem participar dos debates.
Na Escola
O projeto da usina hidrelétrica de Santo Antônio (RO) será tema de aula em Harvard. A usina, que irá gerar energia a partir de 2012, será apresentada como exemplo de aproveitamento hidrelétrico na Amazônia. Luiz Gabriel Todt de Azevedo, diretor de sustentabilidade da Odebrecht Energia, que conduzirá a aula, foi convidado por John Briscoe, diretor do Programa de Recursos Hídricos e Meio Ambiente em Harvard.

CLÓVIS ROSSI

Mudança ganha, mas quem é a mudança?

Clóvis Rossi 
Folha de S. Paulo - 23/04/2010
 
Parece evidente que o eleitorado britânico quer a mudança, por mais que falte definir com clareza que tipo de mudança: os dois candidatos que dizem representá-la levaram, juntos, mais de dois terços dos votos em pesquisa do YouGov/The Sun sobre quem ganhou o segundo debate entre os líderes dos três principais partidos.
Desta vez, ganhou o conservador David Cameron (36%), quatro pontos à frente do liberal-democrata Nick Clegg, nítido vencedor do debate anterior. Com 29%, o perdedor foi de novo, Gordon Brown, o único candidato que não pode defender a mudança, porque seu partido, o Trabalhista, está há 13 anos no poder, período em que Brown foi o todo-poderoso czar da economia, primeiro, e primeiro-ministro depois.
A pesquisa indica um equilíbrio maior do que no primeiro encontro, em que houve consenso, até entre os candidatos, de que Clegg se saíra melhor.
É razoável especular que o desempenho vitorioso de Cameron desta vez se deveu a ter vestido com gosto e energia o traje do conservador típico, em ao menos três dos itens que surgiram durante os 90 minutos de discussão aberta: Europa, deficit público e imigração.
Cameron bateu numa tecla antiga dos conservadores -e que cai bem nos corações de boa parte dos britânicos: nada de transferir mais poder "de Westminster [sede do Parlamento britânico] para Bruxelas [a capital europeia]".
Bateu também na necessidade de impor um teto para a imigração, outro tema que inquieta o eleitorado, além de pregar uma redução imediata do deficit público, por meio da retirada dos incentivos que o governo Brown foi obrigado a adotar para evitar que a crise econômica virasse uma depressão.
Versões mais edulcoradas do conservadorismo aparentemente estavam transferindo para Clegg a bandeira da mudança, palavra em princípio chave nesta eleição.
Clegg insistiu, a ponto de referir-se muitas vezes às siglas rivais como "velhos partidos". Pode não ter brilhado tanto quanto há uma semana, mas a pesquisa mostra que definitivamente equiparou-se aos dois líderes dos partidos tradicionais.
Foi, de resto, tratado sempre como igual por Brown e Cameron, não mais como uma espécie de "outsider" chamado à mesa dos grandes apenas por cortesia da Sky, a rede que promove os debates.
Brown, impedido de usar a muleta da mudança, adotou tática que o Brasil conhece bem de campanhas anteriores e da atual: a do medo. Definiu Cameron como "um risco" para a economia e, Clegg, como "um risco" para a segurança.
Não colou, a julgar pela pesquisa. Mas o peculiar sistema eleitoral britânico, em que o mais votado em cada um dos 650 distritos ganha a cadeira, permite que, mesmo com menos votos no total, um partido leve mais vagas no Parlamento.
Ou seja, ainda não há nada definido, salvo o fato de o bipartidarismo de sempre parecer superado, ainda que as distorções eleitorais não permitam que se recolha tão claramente a ascensão de Clegg.