sexta-feira, abril 02, 2010

NELSON MOTTA

Impávido colosso

O Estado de S. Paulo - 02/04/2010


Não perco uma coluna do Sarney na Folha de S. Paulo. Não pela qualidade jornalística ou literária dos seus textos, mas para me surpreender, me divertir e me assombrar com esse quase inverossímil personagem do Brasil moderno, que desafia a imaginação de qualquer ficcionista. Como alguém assim chegou aonde chegou? Como permanece? Que forças estranhas o movem e o protegem?
A última foi antológica. Ele se espantava com uma pesquisa que dava a internet como primeira fonte de notícias para os brasileiros, superando o rádio e a TV. "Mas no Maranhão dá TV, imbatível, 80% contra 4,3% da internet", ressalvava, não se sabe se com orgulho ou vergonha. A pesquisa nacional era preocupante: "Se o alcance da internet começa assim, o que virá depois?"
Como a família Sarney é dona da TV Mirante, que exibe a programação da TV Globo e domina a audiência no Estado, algum leitor malicioso pode ser levado a crer que, para ele, o melhor mesmo é que a televisão continue imbatível, porque a internet, como é livre, é uma ameaça ao domínio da informação. E o pior é que nunca se sabe o que virá depois.
E por que o Maranhão é o Estado mais atrasado do Brasil (também) na internet? Talvez os 40 anos de administração Sarney possam explicar. Ele diz que ela lhe dá medo:
"O volume de informação que ela nos oferece é tão grande que é impossível saber onde está a verdade", conclui, como se possível fosse encontrá-la nos seus jornais, rádios e TVs. Ah, não se fazem verdades como antigamente, deve se lamentar.
Mas o melhor é o final, quando ele diz que "os jornais morrem de duas doenças: a política e a idiossincrasia".
"Jornais políticos perdem leitores e a credibilidade; os que têm idiossincrasias com pessoas e escolhem inimigos para bajular também contraem o vírus da morte", sentencia.
A família Sarney é dona d"O Estado Maranhão, o jornal, que domina o mercado porque não faz política nem tem idiossincrasias. Tem imparcialidade e credibilidade, do contrário não receberia tantas verbas publicitárias municipais, estaduais e federais.
Que ficcionista! Que pensador! Que visão crítica! Que...

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

Boletim de Ocorrência

"A soldada Erika Canavezi tem dois filhos. Cuida deles sozinha. 
Seu soldo: 2 000 reais. Em catorze anos de trabalho na PM, 
ela nunca havia sido agredida. Isso só ocorreu agora porque
os pelegos da Apeoesp decidiram sabotar as medidas de Serra"

O número do B.O. é 1591/2010.
Quando alguém quiser analisar o momento em que a candidatura presidencial de Dilma Rousseff ruiu, terá de mencionar o BO 1591/2010, do 34º Distrito Policial, no Morumbi.
O que há no B.O. 1591/2010?
Na semana passada, os professores da Apeoesp fizeram uma baderna na porta do Palácio dos Bandeirantes. O plano dos baderneiros era simples: sabotar José Serra e, com isso, ajudar Dilma Rousseff. A Apeoesp é um sindicato controlado pela CUT e pelo PT. Um dia antes que seus pelegos atacassem José Serra, Dilma Rousseff participou de um ato de campanha com a presidente da Apeoesp. Dilma Rousseff homenageou-a publicamente. A presidente da Apeoesp respondeu entoando:
– Dil-ma! Dil-ma!
Os pelegos da Apeoesp pretendiam ocupar o Palácio dos Bandeirantes. Quando a PM tentou impedi-los, eles reagiram arremessando paus e pedras contra os policiais. Segundo o relato da soldada Erika Cristina Moraes de Souza Canavezi, um desses paus atingiu-a. Ela desmaiou. Conduzida ao Hospital Albert Einstein, foi medicada por ferimentos no rosto, na boca e no ombro. A denúncia contra seus agressores está no B.O. 1591/2010.
A soldada Erika Canavezi tem dois filhos. Cuida deles sozinha. Seu soldo: 2 000 reais. Em catorze anos de trabalho na PM, ela nunca havia sido agredida. Isso só ocorreu agora, porque os pelegos da Apeoesp decidiram sabotar as medidas propostas por José Serra para punir os professores gazeteiros e para premiar com aumentos salariais aqueles que ensinam melhor. Os correligionários de Dilma Rousseff defendem com paus e pedras o direito a um ensino público de má qualidade.
Além de contar com seus milicianos nos sindicatos, Dilma Rousseff pode contar também com seus milicianos nos blogs. Depois de ser brutalizada pelo pelego da Apeoesp, a soldada Erika Canavezi foi fotografada sendo socorrida por um rapaz de barba. Os blogueiros de Dilma Rousseff trataram de espalhar que o rapaz de barba era um professor. O mais pobrezinho desses blogueiros, um repórter de Carta Capital, comentou a fotografia da seguinte maneira: "Este professor que carrega o PM ferido é um mural multifacetado de significados, uma elegia à solidariedade humana e uma peça de campanha para Dilma Rousseff". O menos pobrezinho desses blogueiros, Luiz Carlos Azenha, repercutiu o assunto. Luiz Carlos Azenha comanda um programa na TV Brasil. Soldo do programa: 2 594 734 reais.
No dia seguinte, a PM informou que o rapaz de barba que socorreu a soldada Erika Canavezi era um policial à paisana. Os professores da Apeoesp estavam do lado de lá da barricada, compondo uma elegia à solidariedade humana com o arremesso de paus e pedras e entoando:
– Dil-ma! Dil-ma!

ALON FEUERWERKER

O mensageiro e seu risco
CORREIO BRAZILIENSE - 02/04/10

Como na épica abertura de Gladiador, quando um conflito acirra demais, aumenta muito o perigo para o portador de mensagens entre as partes


O relógio está correndo, as grandes potências apertam o cerco ao Irã. O mundo percebe, progressivamente, o lugar central do assunto na agenda de Barack Obama. Os Estados Unidos trabalham com afinco para isolar e neutralizar o regime persa, tido por Washington como elemento desestabilizador da influência americana e ocidental no mundo árabe.

Do outro lado, Teerã procura reforçar a imagem de principal inimigo de Israel, para evitar o isolamento.

Na Guerra do Golfo, quase vinte anos atrás, Sadam Hussein tentou algo parecido. Enquanto sofria o ataque da coalizão liderada pelos Estados Unidos, lançava mísseis sobre Israel. Que não revidou. Se revidasse, talvez inviabilizasse a aliança militar entre americanos, sírios, egípcios e sauditas. Tinha mais gente, mas esses eram os atores principais.

O conflito estourou porque o Iraque invadiu o Kuait, mas se Sadam conseguisse arrastar Israel para a confusão transformaria a coisa numa batalha entre o Islã e o Ocidente — e seu aliado sionista. Bem menos complicada de travar. E talvez o iraquiano não tivesse terminado seus dias como terminou.

O establishment de Teerã investe agora em algo parecido. O discurso antissionista está a maquiar a estratégia de hegemonia sobre os vizinhos árabes. É um amálgama de sentimentos antissemitas e aspirações anticoloniais. O caldo de cultura clássico do nacionalismo na região desde pelo menos os anos 30 do século passado.

O Irã procura embalar suas aspirações nucleares no papel de presente do anti-imperialismo. Mas enfrenta um desafio. Como convencer os arredores de que, antes de colocar Washington de joelhos, o poderio nuclear iraniano não servirá para impor o diktat de Teerã nas vizinhanças?

Até porque a segunda missão exigiria bem menos ogivas e mísseis, se comparada à primeira.

Um potencial Irã nuclear também parece preocupar crescentemente russos e chineses. Cada um às voltas com seus próprios movimentos separatistas — e terroristas — de extração islâmica. E a França está alinhada no processo. Talvez pelo temor de ver o Líbano de joelhos diante do Hezbollah. Mas não só.

O mais notável nesses movimentos é a convergência de rivais, impulsionada pela agressividade tática do presidente americano. Para atrair os russos, cedeu no projeto do escudo antimísseis na Europa do Leste e avançou no desarmamento bilateral. Para afagar os chineses, deu novos sinais de compromisso com a integridade territorial da China.

Barack Obama constrói tijolo a tijolo o edifício de duras sanções contra o Irã. Quem acompanhou a determinação do presidente americano para aprovar no Congresso a reforma do sistema de saúde tem motivo para acreditar que ele pode obter o apoio político necessário na ONU.

Com que cara Obama disputará a reeleição em 2012 se até lá os aiatolás tiverem construído a bomba, ou dominado a tecnologia para construí-la? O presidente democrata será desossado pelos adversários republicanos, e sem anestesia.

Eis a diferença das situações de Obama e Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil está nesta a custo zero. Se a estratégia do “puro diálogo” defendida pelo chanceler Celso Amorim permitir ao Irã “comprar tempo”, e com isso chegar ao domínio dos meios para ter um artefato nuclear, o Brasil sempre poderá culpar os outros e dizer que tudo deu errado pois nossos conselhos não foram ouvidos. Seria típico.

Ou, quem sabe?, pedir desculpas pelo erro de avaliação. Isso seria atípico.

Ambas saídas retóricas, bem ao gosto da nossa política. Infelizmente, porém, não serviriam para salvar o pescoço dos líderes de outros países mais ameaçados, direta ou indiretamente.

Sobre pescoços, aliás, talvez seja conveniente recordar a épica abertura de Gladiador, de Ridley Scott. Quando o conflito acirra demais, aumenta bastante o risco de o portador de mensagens entre as partes acabar mal.

Lula vai a Teerã. Pode ser bom, pois nunca é demais conversar. Quem sabe o Itamaraty devesse tomar certos cuidados, para evitar uma situação sem saída, para evitar que nosso presidente seja amarrado a gestos e simbologias irreversíveis.

Nunca é bom entrar numa fria.

PANORAMA

REVISTA VEJA
Panorama

Holofote

Fábio Portela

Cristiano Couto
/Jornal Hoje em Dia

Novo nó em Minas

O PT mineiro se divide em duas alas: a de Fernando Pimentel e a de Patrus Ananias. Os dois querem se candidatar a governador – ou pelo menos a vice, numa chapa encabeçada pelo PMDB. Quem perder a disputa espera, como compensação, o apoio do outro para concorrer ao Senado. Pois bem. Para fazer média, eles passaram a dizer que poderiam abrir mão da disputa em favor do vice-presidente José Alencar – um risco calculado, pois a saúde dele não autoriza uma candidatura ao Executivo. Mas Alencar é matreiro. Há duas semanas, apareceu em uma reunião entre Lula, Pimentel e Patrus. Anunciou que quer ser candidato, mas ao Senado, e cobrou apoio dos petistas. Se queriam lançá-lo a governador, certamente o apoiariam nessa empreitada, certo? Pimentel e Patrus travaram. Lula só coçou a barba.

Eugênio Sávio/
Imprensa mg

Obrigado, Aécio!

Por falar na sucessão mineira, o vice de Aécio Neves, Antonio Anastasia(PSDB), que desde a semana passada ocupa o cargo de governador, também entrará na disputa para liderar o estado pelos próximos quatro anos. Ele nunca disputou nenhuma eleição: é um técnico que conquistou a confiança de Aécio e, por isso, foi ungido candidato. Por ser desconhecido, seus adversários apostavam que ele teria dificuldades para decolar nas pesquisas, mas um levantamento mostrou que Anastasia já tem entre 22% e 27% dos votos em Minas. Aécio está feliz da vida. Só fecha a cara quando alguém sugere que ele está tão determinado a ajudar Anastasia que poderá se esquecer de fazer campanha para José Serra em seu estado. "Ninguém pode prometer votos, mas não há sentido em alguém ser do PSDB, defender uma candidatura do PSDB e não se esforçar para ter um presidente do PSDB", diz Aécio.

Jarbas Oliveira/
Folha Imagem

Cabra da peste

O governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), não abre mão de ficar bem protegido. O chefe de sua segurança é um sujeito cuja fama é de arrepiar. O major Cícero Henrique Beserra Lopes já foi apontado em investigações da Polícia Federal e do Ministério Público do Ceará como integrante de um grupo de extermínio formado por PMs que atuou em Fortaleza até 2002. Lopes, que chegou a ser preso, escapou de ser levado a júri popular em três casos de homicídio por falta de provas, mas ainda responde na Justiça por outros dois assassinatos atribuídos ao grupo. O governo do Ceará nega haver qualquer problema e diz que seu guarda-costas é um cabra bom.

Fernando Moraes
Árvores e gols

Luiz Octávio Índio da Costa adora estar em evidência. Acostumado a circular pelas noites carioca e paulistana ao lado de beldades, ganhou notoriedade ao namorar, por certo período, a bela Daniella Cicarelli. Agora, decidiu usar seu talento em marketing para promover o banco de sua família, o Cruzeiro do Sul. Fechou um contrato com o Corinthians pelo qual se compromete a plantar 100 árvores a cada jogo que o clube disputar neste ano e outras 100 árvores a cada gol marcado pelo time. A conta já está em 5 000 mudas, que começarão a ser plantadas em maio, em Campinas, e às margens da Rodovia Raposo Tavares, locais escolhidos pelo governo paulista. Índio da Costa calcula que, até o fim do ano, mandará plantar 21 000 árvores. Imagine se ele tivesse fechado com o Santos...

Colaborou Leonardo Coutinho

A história da água é cascata

Marcello Casal Junior/ABR

No fim de 2008, o Greenpeace fez uma gritaria danada na Bahia para denunciar uma situação que parecia aterradora: todo o lençol freático de Caetité – único município do país onde há uma mina de urânio – estaria contaminado por radiação. O governador Jaques Wagner (PT) encampou a denúncia e, em dezembro, o Instituto de Gestão das Águas e Clima da Bahia interditou boa parte dos poços na cidade. Resultado: foi preciso contratar um serviço de caminhões-pipa para abastecer de água potável os 3 000 habitantes da zona rural de Caetité. A prefeitura, paupérrima, já gastou 170 000 reais nisso. Agora, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável por medições oficiais, foi até Caetité e descobriu que a radioatividade das águas é menor que a de estâncias turísticas como Poços de Caldas e Araxá (MG), Águas de Lindoia (SP) e Guarapari (ES). Ou seja: não faz nenhum mal à saúde. Mesmo assim, em Caetité, o povo segue sem água.

MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO

Fatos e mitos da educação básica paulista
O Estado de S.Paulo - 02/04/10

Os resultados de São Paulo na educação pública estão entre os melhores do País, embora persistam problemas e desafios que precisam e estão sendo enfrentados pelo Estado e pela sociedade civil. Entretanto, permanece uma visão bastante negativa sobre o assunto entre muitos formadores de opinião. Matérias sobre o desastre da educação pública paulista são recorrentes mesmo entre especialistas da área. São raras as análises que destacam os avanços dos últimos anos e indicam a evolução dos principais indicadores educacionais. No entanto, ao comparar os indicadores paulistas com os nacionais, que sabidamente não são bons, verifica-se que os resultados de São Paulo estão entre os melhores do País.

Na verdade, criou-se um mito em torno do desempenho da educação pública paulista, reforçado por interesses corporativos e partidários, que não resiste a uma análise criteriosa dos seus indicadores de desempenho. Em anos eleitorais ressurgem mitos, alguns popularizados, para criticar a gestão tucana na educação. Mas os mitos escondem fatos que precisam ser conhecidos.

Relatório da Unesco divulgado em fevereiro chamou a atenção para os escandalosos indicadores de repetência e atraso escolar do ensino fundamental no Brasil, incompatíveis com o grau de desenvolvimento do País, hoje a oitava economia do mundo. Vários editoriais alardearam a taxa média de repetência próxima de 19% e destacaram o atraso escolar de 30% dos alunos. Independentemente das controvérsias sobre os números citados, o fato é que São Paulo, segundo dados do Censo Escolar do MEC 2008, é o Estado brasileiro com a menor taxa média de reprovação (5,8%) e de abandono (0,8%), enquanto as taxas médias do Brasil são, respectivamente 11,8% e 4,4%. Nesses quesitos, a educação paulista se assemelha aos indicadores dos países da OCDE.

Vozes de oposição e lideranças sindicais apregoam que esse é o efeito perverso da progressão continuada, pois os alunos concluem a oitava série sem aprender o esperado. No entanto, as avaliações nacionais do MEC, como a Prova Brasil e o Ideb, confirmam que a rede pública de São Paulo está entre as três melhores do País nas séries iniciais e entre as quatro melhores nas séries finais do ensino fundamental. É verdade que estamos longe dos padrões de qualidade desejáveis, mas também é verdade que o desempenho das nossas escolas está melhorando tanto em relação ao fluxo escolar como nas avaliações que medem o aprendizado.

Em relação ao ensino médio, o estudo Juventude e Políticas Sociais, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em janeiro, mostra que 18% dos jovens brasileiros entre 15 e 17 anos não estão na escola. Fatores como o ingresso precoce no mercado de trabalho e a gravidez na adolescência estão entre as principais causas do problema. Em São Paulo esse índice é de 13%, um pouco menos do que a média brasileira, mas também preocupante. O mais grave é que apenas 50% dos jovens brasileiros nessa faixa etária estão frequentando o ensino médio. A outra metade ou está fora da escola ou está no ensino fundamental, com dois anos em média de atraso escolar e grande probabilidade de abandonar a escola sem concluir os estudos.

Novamente São Paulo apresenta um quadro melhor: segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2008, quase 70% dos jovens de 15 a 17 anos frequentam o ensino médio. A boa notícia vem dos dados preliminares do último censo escolar de 2009, mostrando que 77% das matrículas de ensino médio no Estado correspondem a jovens de 15 a 17 anos, resultado bastante próximo da média observada nos países da OCDE (80%). Os indicadores de rendimento escolar também se destacam. Enquanto em São Paulo a taxa de aprovação no ensino médio alcançou o segundo maior valor entre os Estados (82%), a taxa de abandono (4,3%) foi a mais baixa do País, complementada por uma taxa de reprovação (13,7%) bem abaixo da média nacional (19%). Entre outros fatores, esse resultado pode ser explicado pela queda substancial das matrículas no período noturno e aumento do tempo de permanência dos alunos na escola, em consequência da adequação idade-série. Alunos que chegam ao ensino médio na idade certa em geral podem estudar durante o dia, aprendem mais, não abandonam os estudos e retardam seu ingresso no mundo do trabalho.

Nas avaliações nacionais, que medem a qualidade da aprendizagem, a rede pública estadual de ensino médio, com 1,5 milhão de alunos, está entre as sete melhores do País. Ou seja, além das políticas estaduais terem promovido maior inclusão, garantindo a universalização do acesso para a maioria dos jovens, o desempenho do sistema, embora insuficiente, dá sinais de melhoria.

Os resultados alentadores do Índice de Desenvolvimento da Educação (Idesp) e do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar (Saresp) 2009, em especial a melhoria de desempenho no ensino fundamental, reforçam a convicção de que a educação paulista está no rumo certo. Os resultados divulgados recentemente apontam para uma melhoria substancial nas séries iniciais, com aumento médio de dez pontos na escala de proficiência de língua portuguesa e de matemática. Nas séries finais, os resultados também melhoraram, apresentando aumento médio de cinco pontos. Esses alunos chegarão ao ensino médio mais bem preparados para prosseguir os estudos, fazer escolhas e participar ativamente da vida cidadã. Certamente terão melhores oportunidades no futuro.

A conclusão é simples: em educação nada é de curto prazo. Os indicadores da educação paulista mostram o acerto das políticas públicas do Estado e de seus municípios, nos últimos anos, e o compromisso dos professores com a qualidade do ensino. Os mitos tão difundidos por entidades sindicais não resistem à análise objetiva das estatísticas educacionais divulgadas por órgãos oficiais do governo federal.

FOI PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP) E
SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA
Roberto Pompeu de Toledo

Grandes personagens da MPB

"O melhor, em versos tão inesquecíveis quanto 
o ‘tu pisavas nos astros distraída’, é quando Caymmi
informa que ‘se a noite é de lua a vontade é contar mentira, 
é se espreguiçar’"

Noel Rosa é genial, não se discute, mas precisava sobrecarregar o garçom com tantas ordens? Em Conversa de Botequim há, por baixo, sete ordens disparadas pelo freguês ao garçom que teve a má sorte de estar de serviço naquele momento, a saber: (1) que o garçom lhe traga pão, média, guardanapo e água (consideremos o conjunto uma ordem só); (2) que feche a porta da direita com muito cuidado; (3) que apure com o freguês do lado o resultado do futebol; (4) que lhe providencie caneta, tinteiro, envelope e cartão; (5) que lhe traga palitos e cigarro; (6) que peça ao charuteiro revistas, isqueiro e cinzeiro; (7) que telefone ao escritório (até isso!) pedindo um guarda-chuva ao seu Osório.
Não apenas a quantidade é cruel. Pior ainda é que as ordens são quase simultâneas, disparadas à queima-roupa, na maioria desencontradas, exigindo o malabarismo de encomendar a média ("que não seja requentada") e ao mesmo tempo fechar a porta, perguntar o resultado do futebol e emendar com um telefonema para o escritório. Se bem cumpridas as tarefas, o que temos é um garçom obrigado a multiplicar-se em mais pernas do que num desenho do saudoso Glauco, um pobre coitado que sua, bufa, resfolega, resmunga, tropeça, se esfalfa, se estropia, se exaure. Para cúmulo dos cúmulos, no fim o freguês ainda avisa que vai pendurar a conta e pede ao garçom para lhe emprestar dinheiro. Essa música podia ser rebatizada como Hino do Desespero dos Garçons. Devia ser entoada nas assembleias e passeatas da categoria.
O João Valentão de Dorival Caymmi abriga na mesma personalidade o bruto e o sensível, o impiedoso e o lírico. É um bruto que para dar bofetão não pensa na vida, e faz coisas que até Deus duvida; mas tem seu momento na vida, o que acontece "quando o sol vai quebrando lá pro fim do mundo" e "se ouve mais forte o ronco das ondas". Eis que o cair da tarde o transfigura. Se até por volta das 18 horas era um, agora é outro. O João Valentão é no final das contas um homem equilibrado e bem-sucedido – depois da batalha do dia, em que cansou de dar sopapos, restaura-se à noite, deitado na areia da praia, naquele momento supremo em que "a morena se encolhe e chega pro lado querendo agradar".
Mas o auge da música ainda não chegou. O melhor, em versos tão inesquecíveis quanto o "tu pisavas nos astros distraída", de Chão de Estrelas (que Manuel Bandeira considerava dos mais belos da língua), é quando Caymmi informa que "se a noite é de lua a vontade é contar mentira, é se espreguiçar". Os braços do Valentão agora trocam os bofetões pelas espreguiçadas; e a vida de verdade, mansamente, malandramente, se refaz na delícia das mentiras.
O personagem do Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, é um angustiado, um torturado, um estressado, um tipo ferido pela dúvida e fulminado pela divisão entre duas lealdades. Ele não pode ficar mais nem um minuto com a namorada porque senão perde o trem. E se perde o trem, desgraça! – é filho único, tem uma mãe que não dorme enquanto ele não chega. Estamos diante do oposto acabado do João Valentão. Durante o dia, no trabalho, longe de casa (ele mora em Jaçanã!), as pressões não foram tão fortes quanto à noite, quando se estabelece o horrendo conflito.
A música não conta a história até o fim. Não ficamos sabendo se ele realmente se despregou da namorada e correu para o trem ou fraquejou na última hora. Os mais românticos tenderiam para a opção pela namorada – vamos lá, coragem, ouse ser feliz. Mas, ao que tudo indica, venceu a mãe. E a namorada, como ficou? Ofereceu-lhe uma segunda chance? Adoniran não julgou necessário nos dizer, mas é forte a desconfiança de que seu personagem está destinado a morrer solteiro.
Numa de suas gravações de My Way, Frank Sinatra anuncia antes que vai cantar o hino nacional, e pede ao público que fique de pé. My Way celebra um tipo vencedor, que ao fazer um balanço da vida se orgulha de ter feito tudo o que tinha de fazer e, mais importante, do seu próprio jeito. Tem poucos arrependimentos, encarou tudo e ficou firme, engoliu o que tinha de engolir e cuspiu fora o resto. Muito americano. Que música popular brasileira poderia ser elevada a hino nacional? Não é fácil escolher. Aquarela do Brasil não vale; é hino nacional brasileiro para estrangeiros. Mas, se for para escolher hinos regionais, as três músicas citadas são fortes candidatas. Conversa de Botequim flagra uma perfeita manhã carioca. João Valentão retrata um cair da tarde em Salvador. Trem das Onze, uma noite em São Paulo.

ENTREVISTA: AÉCIO NEVES

REVISTA VEJA
Entrevista: Aécio Neves

“Tenho orgulho de ser político”

O tucano Aécio Neves confirma que concorrerá ao Senado, 
aponta as maiores fragilidades do discurso petista e diz 
que é vital recuperar a dignidade da atividade política


Mario Sabino e Fábio Portela
Carlos Rhienck/Jornal em Dia 
"É preciso implantar a meritocracia
na administração federal, e o PT 
simplesmente não quer, não sabe 
e não pode fazê-lo"

Em obediência à lei eleitoral que requer a desincompatibilização de políticos em posições executivas que pretendem concorrer nas próximas eleições, o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de 50 anos recém-completados, passou, na última semana, o cargo a seu vice, Antonio Anastasia. Aécio saiu com 92% de aprovação da população mineira. A marca impressionante é resultado da administração de um governador que apostou tudo na meritocracia e, com ela, melhorou bastante todos os indicadores sociais, econômicos e educacionais do seu estado. Essa quase unanimidade em um colégio eleitoral de 14 milhões de votos faz dele o vice dos sonhos do candidato do PSDB ao Planalto, o governador paulista José Serra. Mas Aécio acredita que ajuda mais como candidato ao Senado por Minas Gerais. Disse Aécio a VEJA: “A aprovação do meu governo é a prova maior de que os resultados de uma gestão eficiente se impõem sobre o messianismo da era Lula”.
A que exatamente a população deu a aprovação de 92%?
As pessoas sabem o que é bom para elas, sua família, sua cidade, seu estado e seu país. A aprovação vem naturalmente quando elas percebem que a ação do governo está produzindo professores que ensinam, alunos que aprendem, policiais que diminuem o número de crimes e postos de saúde que funcionam. Quando você faz um choque de gestão e entrega bons 
resultados ano após ano, não há politicagem que atrapalhe a percepção de melhora por parte da população. Quem tem 92% de aprovação está sendo bem avaliado por todo tipo de eleitor, até entre os petistas.
Os eleitores entendem o conceito de “choque de gestão”? 
Quase todo mundo percebe quando a política está sendo exercida como uma atividade nobre, sem mesquinharias, com transparência e produzindo resultados práticos positivos. A política, em si, é a mais digna das atividades que um cidadão possa exercer. Os gregos diziam que a política é a amizade entre vizinhos. Quando traduzimos para hoje, estamos falando de estados, municípios e da capacidade de construir, a partir de alianças, o bem comum. Vou lutar por reformas que possam tornar a política de novo atraente para as pessoas de bem, que façam dessa atividade, hoje vista com suspeita, um trabalho empenhado na elevação dos padrões materiais, sociais e culturais da maioria. É assim que vamos empurrar os piores para fora do espaço político. Não existe vácuo em política. Se os bons não ocuparem espaço, os ruins o farão.
A máquina do serviço público é historicamente pouco eficiente. Como o senhor fez para mudar essa realidade? 
Nós estabelecemos metas para todos os servidores, dos professores aos policiais. E 100% deles passaram a receber uma remuneração extra sempre que atingissem as metas acordadas. O governo começou a funcionar como se fosse uma empresa. Os resultados apareceram com uma rapidez impressionante. A mortalidade infantil em Minas caiu mais do que em qualquer outro estado, a desnutrição infantil das regiões mais pobres chegou perto do patamar das regiões mais ricas, todas as cidades do estado agora são ligadas por asfalto, a energia elétrica foi levada a todas as comunidades rurais e mesmo as mais pobres passaram a ter saneamento. Na segurança pública conseguimos avanços notáveis com a efetiva diminuição de todos os tipos de crime.
O desafio do PT sobre comparação de resultados de governos, então, lhe conviria? 
Gostaria muito de contrapor os resultados obtidos pela implantação da meritocracia com o messianismo daqueles que apenas fazem promessas e propagam a própria bondade. Quando você estabelece instrumentos de controle e consegue medir os resultados das ações de governo, você espanta os pregadores messiânicos. Eles fogem das comparações. Mas para ter resultados é preciso que se viva sob um sistema meritocrático. Isso significa que as pessoas da máquina estatal têm de ser qualificadas, e não simplesmente filiadas ao partido político. O aparelhamento do estado que vemos no governo federal é um mal que precisa ser 
erradicado.
Quais são as chances de o senhor ser candidato a vice-presidente da República na chapa de José Serra? 
Serei candidato ao Senado. Eu tenho a convicção de que a melhor forma de ajudar na vitória do candidato do meu partido, o governador José Serra, é fazer nossa campanha em Minas Gerais. Eu respeito, mas divirjo da análise de que a minha presença na chapa garantiria um resultado positivo para o governador Serra. Isso não é verdade. Talvez criasse um fato político efêmero, que duraria alguns dias, mas logo ficaria claro que, no Brasil, não se vota em candidato a vice-presidente.
Nas últimas eleições, quem venceu em Minas venceu também a eleição presidencial. Acontecerá o mesmo neste ano? 
Espero que sim, e acho que o governador Serra tem todas as condições para vencer em Minas Gerais e no Brasil. Eu vou me esforçar para ajudá-lo, repito, porque tenho um compromisso com o país que está acima de qualquer projeto pessoal. Esse compromisso inclui trabalhar para encerrar o ciclo de governo petista. Lula teve muitas virtudes. A primeira delas, aliás, foi não alterar a política econômica do PSDB. Ele fez bons programas sociais? Claro, é um fato. Mas o desafio agora é fazer o Brasil avançar muito mais, e é isso que nosso presidente fará.
A ministra Dilma Rousseff, candidata do PT ao Planalto, tem dito que o presidente Lula reinventou o país. Esse é um exemplo de discurso messiânico? 
Sem dúvida. Se um extraterrestre pousasse sua nave no Brasil e ficasse por aqui durante uma semana sem conversar com ninguém, só vendo televisão, ele acharia que o Brasil foi descoberto em 2003 e que tudo o que existe de bom foi feito pelas pessoas que estão no governo atual. Os brasileiros sabem que isso é um discurso vazio. Não teria havido o governo do presidente Lula se não tivesse havido, antes, os governos do presidente Fernando Henrique e do presidente Itamar Franco. Sem o alicerce do Plano Real, nada poderia ter sido construído.
A ministra Dilma cresceu nas pesquisas e viabilizou-se como candidata competitiva. Isso preocupa o PSDB? 
A ministra Dilma chegou ao piso esperado para um candidato do PT, qualquer que fosse ele. A partir de agora, ela terá de contar com a capacidade do presidente Lula de lhe transferir votos. Mas o confronto olho no olho com o governador Serra vai ser muito difícil para ela.
Na sua opinião, como será o tom da campanha presidencial? 
Acho que, em primeiro lugar, a candidata Dilma terá de explicar logo como será sua relação com seu próprio partido, o PT, em um eventual governo. O PT tem dificuldades históricas de ter uma posição generosa em favor do Brasil. Quando a prioridade do Brasil era a retomada da democracia, o PT negou-se a estar no Colégio Eleitoral e votar no presidente Tancredo Neves. O PT chegou a expulsar aqueles poucos integrantes que contrariaram o partido. Prevaleceu uma visão política tacanha, e não o objetivo maior que tinha de ser alcançado naquele momento. Se dependesse do partido, talvez Paulo Maluf tivesse sido eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. Ao final da Constituinte, o PT recusou-se a assinar a Carta. Quando o presidente Itamar Franco assumiu o governo, em um momento delicado, de instabilidade, e o PT foi convocado a participar do esforço de união nacional, novamente se negou, sob a argumentação de que não faria alianças que não condiziam com a sua história. Se prevalecesse a posição do PT, nós não teríamos a estabilidade econômica, porque o partido votou contra o Plano Real. O presidente Lula, com sua autoridade, impediu que o partido desse outros passos errados quando chegou ao governo. Mas o que esperar de um governo do PT sem o presidente Lula?
Qual é o seu palpite? 
Eu acho que, pelo fato de a ministra Dilma nunca ter ocupado um cargo eletivo, há uma grande incógnita. Caberá a ela responder, durante a campanha, a essa incógnita. Dar demonstrações de que não haverá retrocessos, de que as conquistas democráticas são definitivas. A ministra precisa dizer de forma muito clara ao Brasil qual será a participação em seu governo desse PT que prega a reestatização, que defende uma política externa meramente ideológica, que faz gestos muitos vigorosos no sentido de coibir a liberdade de expressão. 
E o PSDB, falará de quê? 
Nosso maior tema será lembrar aos brasileiros que somos a matriz de todos os avanços sociais e econômicos do Brasil contemporâneo. Nós temos legitimidade para dizer que somos parte integrante do que aconteceu de bom no Brasil até agora. Se hoje o país está numa situação melhor, foi porque nós tivemos uma participação decisiva nesse processo. Houve a alternância do poder, que é natural e saudável, mas está na hora de o PSDB voltar ao poder. Está na hora de o país ter um governo capaz de fazer a máquina pública federal funcionar sem aparelhamento. É preciso implantar a meritocracia na administração federal, e o PT simplesmente
não quer, não sabe e não pode fazê-lo. Às promessas falsas, ao messianismo, aos insultos pessoais, aos ataques de palanque, vamos contrapor nossos resultados nos estados e a receita de como obtê-los também no nível federal.
O senhor acha que os brasileiros são ingratos com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? 
Eu acho que hoje não se faz justiça a ele, mas tenho certeza absoluta de que a história reconhecerá seu papel crucial. Como também acho que se fará justiça ao presidente Itamar Franco, que permitiu a Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, fazer e aplicar o Plano Real.
Se vencer a disputa presidencial, Serra diz que tentará acabar com a reeleição. 
Eu prefiro mandatos de cinco anos, sem reeleição. Defendo isso desde 1989. Mas, hoje, pensar nisso é irreal. A reeleição incrustou-se na realidade política brasileira de maneira muito forte. A prioridade deveria ser uma reforma política que incluísse o voto distrital misto. Isso aproximaria os eleitores dos deputados e ajudaria a depurar o Parlamento.
O senhor, um político jovem, bem avaliado, duas vezes governador de um grande estado, ainda deve almejar chegar à Presidência, não? 
Eu tenho muita vontade de participar da construção de um projeto novo para o Brasil, em que a nossa referência não seja mais o passado, e sim o futuro. Sem essa dicotomia que coloca em um extremo o PT e no outro o PSDB, e quem ganha é obrigado a fazer todo tipo de aliança para conseguir governar. Assim, paga-se um preço cada vez maior para chegar a sabe-se lá onde. O PT deixou de apresentar um projeto de país e hoje sua agenda se resume apenas a um projeto de poder. Eu gostaria de uma convergência entre os homens de bem, para construir um projeto nacional ousado, que permita queimar etapas e integrar o Brasil em uma velocidade muito maior à comunidade dos países desenvolvidos, de modo que todos os brasileiros se beneficiem desse processo.
Mas o Brasil já está direcionado nesse rumo, não? 
Está, mas é preciso acelerar a nossa chegada ao nosso destino de grandeza como povo e como nação. Eu fico impaciente com realizações aquém do nosso potencial. O Brasil pode avançar mais rapidamente com um governo que privilegie o mérito, que qualifique a gestão pública, para que ela produza benefícios reais e duradouros para a maioria das pessoas, que valorize o serviço público e cobre dele resultados. Um governo que tenha autoridade e generosidade para fazer acordos. Meu avô Tancredo Neves costumava dizer que há muito mais alegria em chegar a um entendimento do que em derrotar um adversário. Eu vou ser sempre um construtor de pontes. Quanto a chegar à Presidência da República, tenho a convicção de que isso é muito mais destino do que projeto.

CELSO MING

Saldo minguante
O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/04/2010


Os números ontem divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento mostram que a balança comercial, conta em que são registradas exportações e importações, aponta para uma rápida deterioração.

Há apenas três meses, o superávit mensal registrava vários bilhões de dólares (chegou a ser de US$ 4,6 bilhões em junho de 2009). O de março não passou de US$ 668 milhões. Em relação ao do primeiro trimestre de 2009, o saldo do primeiro trimestre deste ano mostra queda de 70,0%.

E não dá para dizer que as exportações estão fraquejando. Ao contrário, as exportações crescem uma enormidade, nada menos que 25,8% - feitos os cálculos com base na acumulada do primeiro trimestre comparada com o mesmo período do ano passado. No entanto, as importações mostram um vigor ainda maior, crescem 36,0%.

O principal fator responsável pela esticada das importações é o aumento do consumo interno, que vai se expandindo em torno dos 7% ao ano, enquanto o setor produtivo cresce a um ritmo de 5% ou 6% ao ano. Ou seja, a oferta interna não está dando conta do tamanho do consumo; os investimentos para aumentar a produção acontecem, mas em velocidade mais baixa. Assim, para garantir o abastecimento nacional, a economia recorre às importações e o fornecedor do Brasil agradece, porque enfrenta redução de encomendas por causa da crise. O forte consumo interno impede, também, que as exportações cresçam mais. Assim, o País não exporta mais café, soja e veículos porque as vendas internas deixam menos excedentes.

Já é fato sabido, mas não custa repetir, que o consumo no Brasil está sendo turbinado por três fatores: pelo forte aumento do crédito; por alguma renúncia tributária do governo federal (isenção do IPI para veículos e aparelhos domésticos); e pela disparada das despesas correntes do governo federal, a um ritmo de 17% ao ano.

A partir deste mês, o Banco Central deve aumentar os juros para conter o consumo. Mas ninguém deve esperar que neste ano a política monetária sozinha tenha força para reduzir os impulsos de compra do brasileiro. Algum efeito, se acontecer, será sentido apenas na virada do ano.

Alguns analistas insistem em que a valorização do real é o principal fator por trás da puxada das importações. Não dá para negar essa influência, mas também não dá para exagerá-la. As exportações não estariam aumentando quase 26% neste ano se a magnitude da valorização do real fosse tão importante quanto se diz por aí.

Uma das indicações de que o câmbio não vem sendo obstáculo relevante para exportar é o que acontece no setor de produtos industrializados, em princípio os mais sensíveis às variações de câmbio. Embora o mercado externo esteja tolhido pela crise, no primeiro trimestre, a exportação desse segmento cresceu 20,6% e, como já ficou dito, provavelmente mais cresceria não fosse o forte apetite interno.

Os resultados medíocres do primeiro trimestre não devem ser extrapolados para o resto do ano. Pelo menos três puxadores de exportação começam a atuar com mais força: a alta das commodities, especialmente do minério de ferro (alta de 90%); as safras agrícolas recordes deste ano que agora vão se escoando em maior volume em direção aos portos; e a razoável recuperação do comércio mundial depois da paralisia imposta pela crise.
- Diga ao povo que fico

Henrique Meirelles avisa que por hora desiste da carreira política e que vai permanecer à frente do Banco Central. Como observado na Coluna de ontem, vai enfrentar mais pressão do que habitualmente na administração da política monetária. A inflação está saindo dos trilhos justamente num ano de eleições. E, na medida em que puxar pelos juros, o presidente do Banco Central vai ser hostilizado como aquele que está desmanchando o bom ambiente do setor produtivo. Em caso de vitória da candidata Dilma Rousseff, Meirelles se cacifa para ser figura importante no Ministério