sexta-feira, janeiro 15, 2010

BILL CLINTON

O que podemos fazer para ajudar

O GLOBO - 15/01/10


À medida que escrevo, não se sabe a extensão dos danos causados pelo terremoto que abalou o Haiti. Porém, um trágico número de pessoas morreu ou se feriu e as estimativas indicam que quase três milhões de pessoas — cerca de um terço da população do Haiti — podem precisar de ajuda, o que torna este um dos maiores casos de emergência humanitária na História das Américas.

Reuni-me com o secretáriogeral Ban Ki-moon na quartafeira e com outros importantes líderes da ONU para discutir as necessidades imediatas e de longo prazo do Haiti. Aqueles que ainda estão vivos sob escombros precisam ser achados.

Os corpos dos que morreram precisam ser retirados. O poder precisa ser restaurado e as estradas, reabertas. Mas o que o Haiti mais precisa é dinheiro para água, alimentos, abrigo e medicamentos básicos para dar alívio imediato àqueles que estão desabrigados, famintos e feridos.

Toda a ONU está trabalhando para atender essas necessidades e se reagrupar no Haiti, após o colapso do prédio de nossa sede e a perda de muitos colegas. O governo dos EUA comprometeu seu total apoio aos esforços de recuperação, assim como fizeram governantes de muitas outras nações.

Organizações não-governamentais e cidadãos comuns ofereceram ajuda. Até as pequenas contribuições farão diferença após tal destruição.
No entanto, depois que a emergência passar, o trabalho de reconstrução continuará.

Desde que eu e Hillary viajamos pela primeira vez ao Haiti, em dezembro de 1975, fiquei cativado pelas promessas e perigos do país e pela persistência esperançosa de sua população, mesmo diante de abuso, negligência e pobreza. O governo e a população do Haiti, a diáspora haitiana, países vizinhos e aliados, ONGs e grupos internacionais já estavam comprometidos com um projeto de desenvolvimento a longo prazo.

Esses esforços precisarão de ajuste devido ao desastre de terça-feira, mas não podem ser abandonados.
Como presidente, trabalhei para encerrar uma violenta ditadura no Haiti e para reconduzir seu presidente eleito ao governo.

Em junho passado, aceitei o papel de enviado especial da ONU ao Haiti, para ajudar a implementar o plano de desenvolvimento de longo prazo do país, elevando a assistência governamental estrangeira e investimentos privados, e também coordenando e elevando as contribuições de grupos não-governamentais, envolvendo mais voluntários da diáspora haitiana. Este trabalho ajuda a criar empregos, a melhorar a educação e a assistência médica, a conter a devastação florestal e criar energia limpa. Começamos bem e, antes do terremoto, achei que o Haiti estava mais perto do que nunca em garantir um futuro brilhante.

Apesar da tragédia, ainda creio que o Haiti pode vencer.
Primeiro, precisamos ajudar os feridos, tomar conta dos mortos e sustentar aqueles que estão sem teto, sem emprego e famintos. À medida que limparmos os escombros, vamos criar um amanhã melhor, reconstruindo um Haiti melhor: com prédios mais fortes, melhores escolas e assistência médica, com mais industrialização e menos desmatamento, com mais agricultura sustentável e energia limpa.

Nos próximos dias, histórias de perdas e triunfos do espírito humano serão contadas. Os haitianos vão nos pedir ajuda — não apenas para restaurar o Haiti, mas para ajudar a tornálo uma nação mais forte e segura, como sempre desejou e mereceu seu povo.

JOSÉ SERRA

Uma mulher e tanto

O GLOBO - 15/01/10


“É um grande prazer recebêlos aqui, senhor bispo, doutora Zilda. Já li a pauta que sugeriram para este encontro e que inclui várias questões pendentes entre o ministério e a Pastoral da Criança. Mas, antes de ouvi-los, eu queria perguntar: a senhora estaria disposta, seria possível duplicar o trabalho que a Pastoral vem fazendo com o apoio do Ministério da Saúde? Nós duplicaríamos imediatamente os recursos, bastaria apresentarem um plano de expansão. Acho a ação da Pastoral extraordinária e fundamental para derrubarmos ainda mais a mortalidade infantil no Brasil”.

Foi mais ou menos isso o que eu disse aos dois visitantes, numa tarde de abril de 1998, enquanto eles ainda se acomodavam nas poltronas da minha sala, no Ministério da Saúde. Não disfarçaram sua surpresa, esqueceram seus pleitos e aceitaram o desafio na hora. Eu havia assumido o cargo fazia poucos dias e tinha atendido rapidamente a um pedido de audiência do bispo Dom Aloysio Penna, responsável pela área da criança na CNBB, e da doutora Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Criança.

Dali em diante, Zilda Arns tornou-se uma parceira de todos os momentos. Recorri a ela muitas vezes, como no caso do Projeto de Emenda Constitucional nº 30, em 2000/01, que definia recursos orçamentários mínimos para a Saúde, nas três esferas de governo. A tramitação no Congresso era difícil, principalmente no Senado. Por isso, pedi ajuda a ela e a seu irmão, Dom Paulo Evaristo. E eles acabaram sendo fundamentais na mobilização da opinião pública em favor da aprovação da emenda.

Zilda Arns tinha formação científica e era cristã fervorosa.
Com sua crença, tornou mais humana a sua ciência; com a sua ciência, deu impressionante dimensão prática à sua crença. Sempre evidenciou a importância de unir o Brasil num propósito, em vez de dividi-lo. De potencializar o conhecimento com a fé, e a fé com o conhecimento.
Ela era infinitamente paciente.

Uma mulher serena nos gestos, no olhar, no sorriso fácil, na delicadeza com que tratava a todos, em qualquer circunstância, e na tolerância em relação às ideias das quais divergia e às pessoas que não admirava. Ao mesmo tempo, era disciplinada, organizada e sistemática no trabalho, docemente insistente na defesa de suas crenças e propostas.

Certa vez, quando intensificamos, no Ministério da Saúde, a distribuição de anticoncepcionais e preservativos, a doutora Zilda veio me ver. Sem fazer menção à nossa campanha, mostrou-me uma espécie de terço que, à primeira vista, não identifiquei. Não percebi do que se tratava. Finalmente, depois de alguns rodeios, ela me explicou: era um expediente de custo mínimo, para as mulheres lembrarem seus dias de fertilidade e controlarem suas relações sexuais, evitando gravidez indesejada. Surpreso, tentei argumentar: — Mas, dona Zilda, o pessoal aqui do ministério não vai aceitar nunca que esse terço seja utilizado em vez de anticoncepcionais.

— Sei disso. Mas nada impede que este método seja utilizado como complemento, inclusive com mulheres que não podem tomar anticoncepcionais.
Aí as pessoas que são contra vão se convencer, pois os resultados serão muito bons.

Essa era a Zilda Arns. Não brigava, procurava persuadir. A mesma dona Zilda que salvou a vida de centenas de milhares de crianças. Tradicionalmente, o combate à mortalidade infantil no Brasil, do ângulo correto do governo, requer três linhas de ação: expansão das obras de saneamento básico, atenção às gestantes e melhora do atendimento no parto, incluindo a fase pré-natal. No ministério, ratificamos essas linhas, reforçando muito cada um dos seus elos e estendendo-as ao pósnatal, mediante uma expansão considerável das UTIs especializadas por todo o país.

O trabalho da Pastoral da Criança, contudo, era e é de outra natureza, complementar, educativa e psicológica, enfatizando a atenção à família, as condições de higiene e nutrição, acompanhando o desenvolvimento das crianças, em cada casa, em cada bairro. É um trabalho feito por voluntários (hoje, mais de 150 mil) e focalizado nas regiões e municípios mais pobres (cerca de 3,4 mil). Até certo ponto, acaba sendo, também, uma “porta de entrada” dos mais carentes nas redes públicas de Saúde.

Dona Zilda fazia muito mais com muito menos. Perdoemme o economicismo: a “produtividade” dessas ações era enorme, em termos de queda da mortalidade infantil. Certa vez, estimei que, para obter os resultados do trabalho comandado por ela, uma ação equivalente de governo custaria de oito a dez vezes mais.

O governo já havia percebido a necessidade de atuar junto às famílias. Traduziu-a nos programas de Saúde da Família e de agentes comunitários de Saúde, criados na primeira metade dos anos noventa, mas ainda incipientes, no caso do PSF. Por isso mesmo, multiplicamos por dez, em poucos anos, o número de equipes, de forma mais concentrada nas áreas mais carentes do país. Porém, as ações da Pastoral, integrais, envolventes e próximas das pessoas, mais do que necessárias, continuaram insubstituíveis.

Em 2001, por ideia de um amigo que a admirava, deflagrei uma campanha para a concessão do Prêmio Nobel da Paz à doutora Zilda Arns. Naquele momento, ficou claro o reconhecimento que seu trabalho e seu exemplo mereciam, não só no Brasil como em todo o mundo, pela extensão e representatividade dos apoios que sua indicação recebeu.

Aliás, ela sempre deu prioridade à transmissão e à réplica da experiência brasileira da Pastoral da Criança nos países pobres da América Latina, da Ásia e da África. Foi nessa missão que ela estava no Haiti, o país mais pobre das Américas. E foi dali, dentro de uma igreja onde pregava, que nos deixou, sob os escombros da tragédia que matou também jovens militares brasileiros, num incrível capricho do destino.
Morreu dona Zilda. Viva dona Zilda, na sua obra, no seu exemplo e nas milhares e milhares de crianças cujas vidas ajudou a salvar e a construir.

CELSO MING

Dedo em riste

O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/01/10



Ontem, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, passou uma descompostura nos governos de alguns países-membros da União Europeia por sua indisciplina fiscal.

No depoimento que deu depois da reunião que definiu pela manutenção dos juros básicos em 1,0% ao ano, Trichet denunciou o crescente desequilíbrio das finanças de "muitos governos da área do euro".

Ele advertiu que a escalada do rombo orçamentário obriga os tesouros nacionais dos países deficitários a recorrer crescentemente a levantamentos de empréstimos e os credores já estão exigindo juros cada vez mais elevados. Num segundo momento, a perda de confiança reduz o investimento privado, deteriora os fundamentos da economia e, assim, o crescimento econômico futuro fica comprometido.

E avisou que essa situação obriga a que o BCE force sua política monetária (política de juros) para compensar o estrago provocado pelos governos em sua política fiscal.

Paralelamente, disse ele, perdem credibilidade tanto os tratados da União Europeia como o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que exigem equilíbrio fiscal dos governos dos países-membros do bloco.

Os casos mais graves não precisaram ser citados. São Espanha, Itália, Irlanda, Portugal e Grécia. Mas o problema não se limita a esses. O simples uso da expressão "muitos governos da área do euro" (many governments e não some governments), dá a entender que há mais países encrencados entre os 16 participantes da área do euro. A situação quase limite é a da Grécia, cujos títulos de dívida estão sendo fortemente ameaçados de rebaixamento.

Trichet lembrou que não vai dar um tratamento especial para a Grécia, mas não foi claro sobre se o BCE continuaria aceitando os títulos de dívida do Tesouro grego como garantia das operações de crédito com as instituições financeiras. Em todo o caso, ficou a impressão de que o tratamento será duro: "não vamos mudar nossas normas sobre colaterais (garantias) em favor de qualquer país".

A crise global parece ter-se tornado pretexto para que os governos da União Europeia perdessem o controle do cofre. Tanto o Tratado de Maastricht, que criou o euro e a União Monetária Europeia, como o PEC proíbem déficits orçamentários superiores a 3% do PIB e dívidas públicas superiores a 60% do PIB. O déficit do ano passado da Grécia deve ter ficado nas proximidades dos 12,5% do PIB e o da Itália, por volta dos 5,5%. As dívidas dos dois países são superiores a 120% do PIB. Se ainda não é a desmoralização, é uma situação que se encaminha para isso. E, se o BCE passar a rejeitar os títulos de dívida de certos países-membros da União, fica difícil evitar que a quebra de confiança contamine o resto do clube.

No mais, as denúncias feitas por Trichet deveriam ser tomadas como paradigma para os dirigentes do Banco Central do Brasil que normalmente ou se omitem ou se agacham diante da escalada da gastança do governo federal e das suas consequências sobre a inflação.

Como Trichet está demonstrando, não pode haver separação entre os campos fiscal e monetário. O mau desempenho num deles compromete o outro e compromete o todo.

Confira

Dureza com os gatos gordos - O presidente Obama não tem nada a perder politicamente se for duro com os administradores dos grandes bancos.

Eles afundaram seus bancos com gestões irresponsáveis, obrigaram o Tesouro dos Estados Unidos a despejar US$ 730 bilhões para salvá-los da falência e ainda querem manter as centenas de milhões de dólares em gratificações de desempenho ("bônus obscenos").

É tão grande a indignação popular contra os "gatos gordos" que deverá ser fácil a aprovação do novo imposto dos bancos: "taxa de responsabilidade na crise financeira".

MÍRIAM LEITÃO

O câmbio do PSDB


O Globo - 15/01/2010
O senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, disse que o partido não pretende, se for eleito, mudar metas de inflação, nem câmbio flutuante, nem autonomia do Banco Central. Isso parece a você o oposto do que ele disse à "Veja"? Também achei. Ele garante que os fundamentos da política econômica serão os mesmos, mas os pesos serão diferentes. Entendeu? Nem eu.

O que o senador me disse, quando liguei para entender melhor o que ele enunciara na entrevista da revista, foi o seguinte:


- As metas de inflação serão mantidas porque têm tido um bom resultado. O câmbio permanecerá sendo flutuante. O grande instrumento de mudança será o controle dos gastos públicos. Vamos cortar gastos de custeio e aumentar os investimentos, mudando o papel do Estado.

Na revista "Veja", quando o repórter Diego Escosteguy perguntou se haveria mudança na política econômica caso eles fossem eleitos, o mesmo senador respondeu: "Sem dúvida nenhuma. Iremos mexer nas taxas de juros, no câmbio e nas metas de inflação. Essas variáveis continuarão a reger nossa economia, mas terão pesos diferentes."

Exceto o fato de que elas terão pesos diferentes, a resposta que ele me deu tem um peso bem diferente da que deu à "Veja".


Explicação de Sérgio Guerra quando cobrei a contradição:

- Dei uma entrevista muito maior do que essa, como é normal na revista. Isso é parte do que eu disse, mas não tudo. Não disse que se vai mexer nas metas de inflação.

Quis saber então como é que eles vão "mexer com câmbio e com os juros". Qual será a nova política cambial e monetária que vai substituir a atual?


- Vamos atuar fortemente nos gastos públicos, vamos reorganizar o Estado, rever prioridades. Os juros são bastante altos. O mercado continuará tendo um papel, mas vamos trabalhar para que os juros caiam.


Perguntei se esse mexer com os juros significaria intervir nas decisões hoje tomadas de forma autônoma pelo Banco Central:

- Não vamos intervir, o Banco Central terá independência.


Então quer dizer que vocês vão propor a independência do Banco Central?


- Não. Isso não foi discutido dentro do partido.

Então ficará tudo como é atualmente, com o BC tendo autonomia?

- Sim, o BC continuará tendo autonomia, mas trabalharemos para que os juros caiam porque eles são altíssimos no Brasil.

Argumentei que os juros são altos, mas caíram muito nos últimos anos, por decisões do próprio BC.

Os juros vão cair, segundo Sérgio Guerra, por força desse ajuste fiscal.

- Vamos fazer um forte ajuste fiscal - disse.

De fato, essa é a forma pela qual se abre espaço para a queda dos juros, mas nada é feito de uma hora para a outra, e na revista ele tinha dito: "Se ganharmos, agiremos rápida e objetivamente."

Na conversa comigo, ele falou de refazer o planejamento do governo, mudar a forma de gastar. Nada que tenha resultado assim tão imediato.

O senador me disse, mais de uma vez, que não será abandonada a flutuação do câmbio. Mas falou em mudar o câmbio.

- O câmbio será mais apreciado. É claro que não dá mais para conviver com estas taxas de câmbio. Os níveis são evidentemente prejudiciais às exportações brasileiras - disse.

O interesse em tudo o que ele disse é óbvio: ele é o presidente do maior partido de oposição e que está na frente nas pesquisas de intenção de votos.

Sem intervir no câmbio, a única forma de apreciar a taxa é derrubar os juros. E a única forma de derrubar os juros é cortando os gastos públicos, reduzindo demanda agregada para neutralizar possíveis pressões inflacionárias que coloquem as metas de inflação em risco.

Foi esse o edifício montado pelo próprio PSDB depois da desvalorização cambial de 1999. Na política de metas de inflação, o BC tem que ter autonomia para elevar os juros caso a inflação saia da trajetória estabelecida.

O problema é que isso sempre causa atritos com a área política. Em qualquer governo. O dólar baixo é curioso porque traz efeitos diferentes. Por um lado, reduz a inflação e aumenta a capacidade de compra dos salários. Desses efeitos, todos os governantes gostam, mas nunca atribuem ao câmbio. Por outro, reduz a competitividade das exportações e incentiva importações. Isso, todos condenam. E nesse caso também há uma complicação a mais: muitas vezes quem exporta também importa e isso acaba neutralizando um pouco suas perdas. A confusão é que nenhum governo consegue apreciar o câmbio quando quer, a menos que mude a política de flutuação cambial, o que tem, como aprendemos, vários perigos.

A política econômica em seus fundamentos principais foi uma montagem do governo do PSDB. Ela foi mantida pelo governo do PT. Durante a campanha, como todos sabem, o então candidato Lula teve que divulgar uma "Carta aos Brasileiros", mudando as bases das políticas que eles vinham defendendo por anos. Se continuar falando em mudanças na política econômica sem explicar direito, o PSDB vai acabar tendo que fazer também a sua "Carta aos Brasileiros".

VINICIUS TORRES FREIRE

Políticos vs. bancos e BC nos EUA

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/01/10



POLÍTICOS dos Estados Unidos querem que bancos, banqueiros e o banco central (Fed) levem mais do que um pito retórico pelos malfeitos financeiros que resultaram na catástrofe de 2008. Ontem, Barack Obama anunciou seu plano de taxar grandes bancos de modo que paguem o custo da intervenção estatal na lambança dos financistas - é a "Taxa de Responsabilidade da Crise Financeira".
No Congresso, funciona a Comissão de Inquérito da Crise Financeira, que investiga responsáveis pela crise (como banqueiros). Na mesma comissão, a presidente da Seguradora Federal de Depósitos acusou ontem o Fed de negligência na supervisão do papelório tóxico. Além do mais, senadores querem tirar do Fed poderes de supervisão bancária. Nesta semana, um humilde Ben Bernanke, o presidente do Fed, enviou carta ao Comitê de Bancos do Senado dizendo que tal medida aleijaria a capacidade do Fed de fazer política monetária, o que é verdade, reconhecendo também, a contragosto, "significativas insuficiências" na supervisão dos investimentos de risco dos bancos.
Na verdade, o Fed, pré e pós-Bernanke, foi cúmplice quando não animador das políticas, das legislações e dos lobbies da farra financeira -está nos autos. O presidente do Comitê de Bancos, o senador Christopher Dodd, chama de "fracasso abissal" a atuação do Fed na prevenção da crise.
Populismos? No final do ano, há eleição legislativa nos EUA. Pesquisas mostram o povo fulo com o desemprego, com a dinheirama que, imaginam, acabou apenas no cofre da banca; fulo com as "elites": ricos, banqueiros, "intelectuais da Costa Leste", amigos do "governo grande", de impostos etc., tudo posto no mesmo saco. Trata-se da renovação do populismo de direita que parecia derrotado na eleição de Obama.
O mau humor popular deve crescer, pois agora no início do ano serão divulgados lucros e bônus piramidais da banca. A chapa de Obama e parlamentares vai ficar quente. As implicações da taxa sobre os bancos são assunto para outro dia, mas já vale lembrar que a banca provavelmente não vai pagar o imposto. Vai repassar o custo para clientes.
E, mesmo que pagasse, não cobriria o desastre que causou. Obama diz que seu imposto vai recuperar cada centavo de dinheiro do contribuinte usado para salvar instituições financeiras, "determinação reforçada" pela visão dos "lucros maciços e bônus obscenos das mesmas firmas que devem sua existência ao povo americano". Obviamente, não vai reaver. A crise custou muito mais.
Em uma década, espera-se arrecadar US$ 90 bilhões com o imposto. O deficit federal passou de US$ 459 bilhões em 2008 para US$ 1,417 trilhão em 2009, um aumento de US$ 958 bilhões, desculpe a redundância. Nas palavras do Departamento de Orçamento do Congresso dos EUA: "Esses números resultam de uma combinação de receitas fracas e gastos elevados devidos à crise econômica e ao tumulto financeiro".
Mudanças mais amplas nas leis financeiras, de resto, parecem cada vez mais improváveis. Reforma na economia, então, é assunto inexistente. O país se financia com bolhas faz ao menos uma década; faz uma década que parou de criar empregos.
No período, a banca floresceu.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A China muda de terapia

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/01/10



O BANCO CENTRAL da China surpreendeu o mercado financeiro ao dar dois passos seguidos na direção de um aperto nas condições monetárias da economia. Como é o padrão chinês, são medidas graduais, definidas unilateralmente pelo governo, mas que têm um objetivo claro a ser perseguido. No momento atual, o sinal dado é o de que a economia já se recuperou de forma sólida e a ameaça de um superaquecimento no futuro já é considerável. Para um governo cauteloso em seus movimentos, é uma prova de que já há mais confiança nos meios dirigentes de Pequim.
Sabe-se hoje que o governo chinês tomou um grande susto com o agravamento da crise econômica mundial depois de setembro de 2008. A economia caiu em um verdadeiro precipício, principalmente nos setores voltados para a exportação de bens industriais, o que levou a demissões em massa no setor privado da economia.
O colapso do comércio internacional mostrou de forma clara a dependência do modelo chinês em relação ao consumo no mundo desenvolvido. Para um país que procura construir uma posição geopolítica de grande potência, essa fragilidade foi assustadora. Por outro lado, com seu equilíbrio social vinculado ao sucesso na absorção de centenas de milhões de chineses na chamada economia de mercado, essas flutuações cíclicas de grandes proporções podem ser altamente perigosas.
O governo chinês sabe que, para ter sucesso em sua estratégia de construir uma grande potência, será necessário mais de uma década de crescimento continuado, sem grandes flutuações. Por isso, a tomada de consciência da dependência chinesa em relação aos ciclos das economias desenvolvidas fez as lideranças colocarem as barbas de molho.
Analistas que acompanham o governo chinês de forma mais sistemática são unânimes em reconhecer o susto tomado e prever mudanças profundas na gestão da economia no futuro. Para Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, o instrumento efetivo para isso será o 12º Plano Quinquenal, que cobrirá o período de 2011 a 2016. Segundo esse analista experiente em China, o governo vai seguir a recomendação de vários economistas, aumentando a participação do consumo dos chineses na composição do PIB (Produto Interno Bruto).
Com isso, pode reduzir a importância das exportações industriais para o Primeiro Mundo e moderar o impacto das flutuações cíclicas das economias mais maduras sobre a velocidade do crescimento chinês.
O consumo das famílias representa hoje apenas 35% da formação do PIB e precisaria ser de, pelo menos, 45% ou 50% para acomodar uma participação menor das exportações. Também são conhecidas as principais medidas que deverão ser tomadas para atingir esse objetivo. Entre elas, a criação de uma rede de proteção social -que leve o chinês médio a reduzir sua taxa de poupança- e a expansão do setor de serviços seriam as mais importantes.
Mas o movimento recente do Banco Central não tem nada a ver com essa mudança de rumo. Ele está associado a uma correção tática na medida em que a economia mostra sinais de que voltou a uma dinâmica de crescimento sustentado.
É a primeira grande economia que inicia um movimento sistemático de redução dos estímulos monetários -e certamente fiscais- colocados em prática nos dias negros que se seguiram à quebra do banco Lehman Brothers.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

RUY CASTRO

Rei Zulu

O GLOBO - 15/01/10


Não há criança da década de 1950 que não tenha brincado o carnaval ao som de “O Rei Zulu”, a marchinha de Antonio Nássara e Antonio Almeida lançada por Blecaute no carnaval daquele ano. Discreta, sem nunca estourar, ela continuou tocada nos salões pelos anos seguintes e falava de um personagem que todo mundo parecia invejar: “Rei Zulu-u, o Rei Zulu/ Não paga casa, nem comida e anda nu/ Pode não ter dinheiro prá gastar/ Mas tem mulher prá chuchu./ [Bis]/ Rei Zulu não precisa/ De dinheiro prá viver/ Tem casa prá morar/ Comida prá comer/ Mulher prá namorar/ Atrás do murundu/ Vamos saravá, minha gente!/ Salve o Rei Zulu”! E dá-lhe de mais bis.

No tempo do apartheid, os zulus, como todas as tribos nativas da África do Sul, passaram o diabo. Mas só podíamos imaginar, porque, sob o regime branco, o mundo sabia pouco sobre eles. Hoje temos mais informações. Com seus 10 milhões de cidadãos, são o maior grupo étnico da África do Sul. Vestem-se como uma ala de escola de samba e não largam mão de certos hábitos seculares e selvagens. Um, mais conhecido, é a circuncisão de mulheres. Outro, cometido de novo há pouco, é o sacrifício do touro.

Este consiste em soltar um touro no cercado e deixar que 40 guerreiros o matem com as próprias mãos, praticando atrocidades cuja descrição em detalhes estragaria o dia do leitor. Basta dizer que, durante horas, o martírio do touro é pior que o das touradas, da farra do boi ou dos rodeios. A ideia é a de que “a força da besta se transmita aos guerreiros e, destes, ao rei”.

Mesmos os zulus esclarecidos hesitam em lutar contra essa tradição. Temem que, se algo grave acontecer ao rei, será porque a força do touro “não se transferiu para ele”. O “Rei Zulu” do Blecaute nunca precisou disso e era um homem realizado e feliz.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Justiça do ES condena trabalhador a pagar indenização a empresa


Folha de S. Paulo - 15/01/2010
A Justiça do Trabalho do Espírito Santo condenou, em primeira instância, um funcionário a pagar indenização por danos morais a uma empresa.

O caso ocorreu na companhia de engenharia de utilidades Servtec, quando um de seus ex-funcionários entrou na Justiça com uma reclamação trabalhista contra a empregadora. A Arcelor Mittal, que era cliente da Servtec, também foi citada no processo.
O trabalhador, que era membro da Cipa e, portanto, possuía garantia de estabilidade temporária no emprego, acusava a Servtec de não oferecer condições de segurança suficientes.
O ex-funcionário também afirmava que foi coagido pela empresa a pedir demissão, mas, de acordo com a ata de audiência do julgamento, durante o seu depoimento, ele confessou que havia renunciado ao cargo de membro da Cipa espontaneamente.
No mesmo processo, simultaneamente, a Servtec, que era ré, entrou com processo contra o autor, dizendo que, ao citar a Arcelor Mittal na reclamação, o ex-funcionário comprometia a imagem da Servtec perante sua cliente. "A Servtec não estava interessada na indenização, de R$ 1.855.75, mas, sim, em manter a imagem. Ao dizer que as medidas de segurança não eram cumpridas e que havia ocorrido coação, o reclamante arranhou a imagem da empresa perante o mercado e a cliente Arcelor Mittal", afirma Mayra Palópoli, advogada da Servtec.
A advogada do ex-funcionário, Luciene de Oliveira, entrou com recurso da sentença de primeiro grau. No tribunal, o processo já foi distribuído e aguarda ser colocado em pauta para novo julgamento. "É uma aberração jurídica. É atípico. Tenho certeza de que a decisão será revertida", diz Oliveira.
A situação é incomum, segundo o Tribunal Regional do Trabalho de Vitória, cujas decisões, em sua maioria, ocorrem em sentido contrário, dando ganho de causa aos ex-funcionários. Mas a Justiça também entende que a pessoa jurídica, assim como a pessoa física, pode ser alvo de danos morais, de acordo com a sentença.

Contratação segue em alta na construção civil

Mais 23,7 mil trabalhadores com carteira assinada foram contratados pela construção civil brasileira em novembro. O número de empregados alcançou a marca dos 2,35 milhões.
Trata-se de um novo recorde, que acontece em um momento em que se fala sobre a escassez de mão de obra que o setor deve começar a enfrentar a partir do início deste ano.
O dados são de levantamento feito pelo SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo) e pela FGV (Fundação Getulio Vargas).
No acumulado dos 11 meses de 2009, foram contratados 266,3 mil trabalhadores no país, o que representa crescimento de 12,78%.
No Estado de São Paulo, 5.000 trabalhadores foram contratados em novembro.
Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP, afirma que os dados apontam que o setor se manteve aquecido mesmo em novembro, mês em que as contratações costumam cair.
O resultado indica também uma expectativa de que o PIB da construção irá crescer aproximadamente 9% neste ano, com contratação de mais 180 mil trabalhadores, afirma Watanabe.

ALONGAMENTO
Sócio da rede de academias A! Body Tech, Alexandre Accioly deve finalizar uma conversa com fundos de "private equity" dentro dos próximos 90 dias.
No momento, o empresário está em discussão com três fundos, dois estrangeiros e um brasileiro. Das negociações deve resultar um aporte de R$ 100 milhões, de acordo com Accioly.
O também sócio Luiz Urquiza afirma que os recursos serão destinados à expansão da rede de academias, que possui atualmente 19 unidades no Brasil, com cerca de 49 mil alunos, e registrou faturamento de R$ 108 milhões no ano passado.
A meta é alcançar 85 unidades, com 180 mil alunos e R$ 500 milhões de faturamento em cerca de cinco anos.
Em São Paulo, a empresa, que já atua há cinco anos no clube Pinheiros com aulas coletivas, acaba de entrar também na área de musculação.

MAIS CRÉDITO 1
O saldo dos empréstimos do Banco do Brasil para concessionárias e agências de veículos cresceu 56% no ano passado. "As concessionárias e agências estão entre os segmentos que mais demandaram crédito em 2009", diz Ricardo Flores, vice-presidente de crédito do banco.

MAIS CRÉDITO 2
O financiamento de veículos no Banco do Brasil também teve crescimento expressivo: avançou 30% até setembro, atingindo R$ 8,6 bilhões. Considerando as aquisições de Nossa Caixa e Votorantim, a carteira mais que dobrou, chegando a R$ 19,2 bilhões em setembro.

RISCOS PARA 2010
"Só mesmo com um coração valente para enfrentar o show de horror que pode acontecer em 2010." Esta é a afirmação do estrategista Marcelo Ribeiro, da Pentágono Asset Management, que, ao enviar aos seus clientes um relatório com os potenciais riscos para os mercados neste ano, anexou uma imagem do filme "Coração Valente".

D. ORANI JOÃO TEMPESTA

A intolerância anunciada

O Globo - 15/01/2010


Iniciamos o novo século com muitas esperanças e sonhos.

Pensávamos que o mundo tivesse chegado a um amadurecimento tal que pudéssemos conviver com o diferente e no respeito mútuo. Entre tantos acontecimentos intolerantes em todos os cantos do mundo, um deles foi simbólico: em março de 2001 foi destruída uma das maiores estátuas de Buda já esculpidas pelo homem. Ficava a 240 km de Cabul, no Afeganistão, e era do século V da era Cristã.

Era patrimônio da humanidade. Os “donos do poder” da época acharam que não poderiam tolerar tal “idolatria” e não fazia parte da “cultura” do momento. Os governantes passaram e os responsáveis de hoje estão procurando reconstruir o que um dia foi destruído.

Em nosso país há cer ta confusão com relação ao “Plano Nacional de Direitos Humanos”.

Um dos objetivos do plano é o de “desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União”, além de outras ideias e conceitos que mereceriam ser ainda mais discutidas.

Ficaremos apenas com esta questão. A decisão de não ter símbolos já é uma opção por um dos segmentos religiosos.

Um país laico é aquele que respeita todas as religiões e sabe acolher a cultura de seu povo. Ditaduras intolerantes são aquelas que impõem ou uma única religião ou apenas o ateísmo. Na democracia todos podem se manifestar e são chamados a respeitar as ideias dos outros.

A cultura cristã e católica integra a história de nosso país. Temos nomes de cidades, ruas, locais e até mesmo em nossa bandeira ideias e símbolos ligados a diversos grupos que fazem parte de nossa nacionalidade.

Trata-se, antes de tudo, de uma questão de preservação da memória de nossa história e das raízes culturais da nossa identidade brasileira.

Querer coibir a ostentação dos símbolos da cultura que berçou e construiu a nossa história é, isto sim, um verdadeiro sinal de intolerância.

O papel do Estado não é o de promover uma ideologia laicista, como se o laicismo não fosse também uma forma de religião. A função do Estado laico, longe de ser a de provocar o desenraizamento cultural e religioso ou coibir a manifestação pública de símbolos religiosos é a de garantir a liberdade religiosa à sociedade e a seus membros, em suas múltiplas manifestações, preservados a justa ordem pública e o respeito devido à diversidade.

A Igreja sempre procurou e procura estar em defesa dos direitos e valores humanos, porém, os dúbios caminhos ora escolhidos são realmente comprometedores e não ajudarão na construção de uma nação mais justa e solidária, que é o sonho comum de todos nós.

A estátua do Cristo Redentor, que, do cume do Corcovado, é um símbolo não só do Rio de Janeiro, mas do Brasil, que a ninguém ofende, seja para todos nós um anúncio de alegre acolhimento na construção da paz e da fraternidade e que dá a todos as boas-vindas de um povo feliz, livre e que quer viver e construir a paz!

D. ORANI JOÃO TEMPESTA é arcebispo metropolitano do Rio de Janeiro

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

O jogo da paz fora de campo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/01/10


A segurança da Copa de 2014 poderá se beneficiar dos mais avançados métodos de controle e prevenção da criminalidade. É que acaba de ser escolhida, para presidir o Internacional Center for Prevention of Crime, com sede em Montreal, a antropóloga brasileira Paula Miraglia.
A nova indicada avisou que pretende acompanhar de perto a integração que vem sendo feita entre a polícia alemã e o pessoal que cuidará da segurança da Copa da África do Sul, em julho.
Ela acha que o ICPC, respeitado pelos estudos e campanhas na prevenção do crime, tem muitos meios de aproveitar a experiência internacional dos grandes eventos esportivos. "Vamos levar o assunto à discussões e fazer nossas recomendações", diz a antropóloga.

Sem lei, sem verba

A restauração do Copan emperrou. Sem receber um único cuidado sério desde sua inauguração, em 1966, o prédio, um dos símbolos de São Paulo, já tem projeto para recuperar os 50 mil metros quadrados de pastilhas.
O problema é que os patrocinadores que podem bancar a reforma querem em troca um destaque visual que ignora o Cidade Limpa.

Coelho virtual

Paulo Coelho e a Amazon ficaram amigos de vez.
A empresa comprou o direito de venda de 17 dos livros do autor, em português. Os livros que já estavam disponíveis naquela plataforma eram apenas em inglês.

Lá e cá

Paulo Vanucchi esclarece: estava de férias no litoral paulista e voltou a Brasília, na terça à noite, para o encontro da quarta com o presidente e Nelson Jobim.
E foi do próprio Lula a decisão de mandar ao Haiti seu segundo, Rogério Sottili.

Noite na Sé

A pressa de alguns amigos produziu na quarta, na Catedral da Sé, uma missa para poucos, em homenagem a Zilda Arns.
O padre Julio Lancelotti e a Pastoral da Criança reuniram cerca de 150 pessoas - nenhuma autoridade. "Veio quem tinha que vir. Importantes são os líderes da pastoral, não os políticos", diz ele.

Por tim-tim

Multada pelo Procon SP, a TIM avisa que "tomará as providências necessárias".
Está em jogo uma autuação de R$ 3,192 milhões.

Pessoa no museu

Uma exposição sobre vida e obra de Fernando Pessoa vai ocupar o Museu da Língua Portuguesa, em agosto.
Com trechos de seus livros e atividades educativas.

As 1.985.347 crianças de Zilda Arns


Janeiro era sempre mês de Zilda Arns juntar a família e ir descansar na praia da Gaivota, no litoral paranaense. Interrompeu o hábito, este ano, porque não queria adiar, de novo, o contato com amigos da Pastoral no Haiti.

Dela ficou, na família, a memória da última e alegre reunião - todos juntos na virada do ano, em Curitiba. E, para a equipe, a lembrança de sua rápida passagem na sexta, dia 8, quando foi à sede pegar o passaporte para a viagem.

Seu plano para 2010 era dar força total à atuação internacional da Pastoral da Criança. Tinha viagens marcadas para Uruguai, Colômbia, México, Paraguai, Angola...

O tamanho de sua perda, além de espiritual, está num parágrafo do discurso que ela fazia, contando o seu rebanho, antes de o teto desabar. "Atualmente são 1.985.347 crianças e 108.342 grávidas, de 1.553.717 famílias."


Na Frente

Marco Nanini vai ganhar uma biografia para chamar de sua. Assinada pelo jornalista Marco Antonio Rocha, com direito a depoimentos de Ariano Suassuna e Jô Soares.

Já tem data e tema escolhidos a próxima edição do Fashion Rio. Os 100 anos do Porto do Rio de Janeiro serão repassados entre os dias 28 de maio e 2 de junho.

Paula Mariani se prepara para viver a filha de Fernanda Montenegro, em Passione, próxima novela das nove.

Duda Ferreira e Amir Slama armam o Salão Casa Moda. A partir de amanhã, no Unique.

Marcelo Jeneci faz show, quarta, no Sesc Vila Mariana.

Abre segunda a mostra Olhar Urbano, com fotos de Bob Wolfenson, Cassio Vasconcellos e Renata Castello Branco, entre outros. No MuBe.

Deu no jornal A Bola. Luiz Felipe Scolari vai comandar, dia 25, em Lisboa, o time dos amigos de Ronaldo Fenômeno. Que enfrenta os amigos de... Zidane.

Vida longa para Beyoncé e Mulher Melancia. Pesquisa da Universidade de Oxford revelou que mulheres com nádegas grandes e quadril largo estão mais protegidas contra doenças cardiovasculares.

Interinos: Doris Bicudo,Gabriel Manzano Filho, Marilia Neustein e Pedro Venceslau.

GILBERTO SCOFIELD JUNIOR

Em nome de Deus?

O Globo - 15/01/2010


Em sua avaliação anual dos acontecimentos mundiais, o Papa Bento XVI tratou de condenar o que ele chama de “casamento gay”, alegando que sua existência é uma “ameaça à criação”.

O raciocínio embutido nesta tese é tão absurdamente primário que qualquer pessoa com o mínimo de compreensão de mundo e de psicologia jamais perderia tempo tentando debatêla não fosse por um simples fato: ela não é verdadeira. Gays e lésbicas não querem entrar de terno, véu e grinalda na igreja e receber de padres católicos ou protestantes suas bênçãos diante de Deus. O assunto nunca foi e nunca será da esfera dos conceitos religiosos. Tratase da discussão de um tema de ordem do direito civil e das garantias individuais, direito que já há muito deveria constar dos nossos códigos civis e cujo lapso transforma gays e lésbicas, em vários países do mundo, em cidadãos de segunda categoria.

O que se prega, aqui e em outros países do planeta, é o direito à união civil, um direito que dará aos parceiros de casais estáveis do mesmo sexo benefícios civis dos quais gozam casais heterossexuais, como o direito aos bens construídos pelo casal no caso de falecimento de um deles, direito de declarar imposto de renda em conjunto, direito de usar a renda do casal para a compra de casa própria, entre outros itens. Céu? Inferno? Purgatório? Não, não. O que preocupa gays e lésbicas do mundo inteiro não é o julgamento de Deus, mas a opressão dos homens, e está no terreno dos vivos, e não dos mortos.

A Igreja Católica possui um histórico no mínimo polêmico em termos de direitos humanos, que exige do Papa e de todos os representantes desta religião uma boa dose de cautela antes de saírem pelo mundo pregando intolerância.

A História está repleta de exemplos que vão dos abomináveis tribunais da inquisição até o recente caso da Igreja Católica irlandesa, que se calou diante das 320 queixas de pedofilia envolvendo 60 crianças molestadas em quatro décadas. E o que dizer de Galileu, condenado pela Igreja em 1633 por sua teoria heliocentrista (segundo a qual a Terra gravita em torno do Sol, e não o contrário), também considerada na época “uma ameaça à criação”? Há os exemplos individuais e, neste caso, me exponho. O sonho de muitos jornalistas é, em algum momento de sua carreira, atuar como correspondente internacional, especialmente em países que são o centro das atenções mundiais, como a China e os EUA, onde passei meus últimos seis anos (quatro e meio na China e pouco mais de um ano nos EUA, onde ainda resido).

Agora, vejo meu momento singular na carreira jornalística ser interrompido justamente porque não tenho, aqui ou nos EUA, a proteção da lei de um casal que está há sete anos junto.

Na China, meu parceiro possuía seu visto de trabalho individual. Eu tinha o meu de jornalista estrangeiro.

Nos EUA, um país mergulhado numa crise econômica sem fim, meu parceiro tem que entrar com um visto de turista em que está anotado que seu visto se liga ao meu porque somos uma união estável há sete anos. O Consulado Americano no Rio sempre foi extremamente compreensivo e atencioso com a situação, buscando a melhor saída possível para o problema.

Mas, como a entrada depende da mente mais ou menos homofóbica do funcionário da imigração americana (as leis de união civil são leis estaduais, e não se aplicam ao processo de imigração dos EUA, que é assunto federal), meu parceiro já foi parar na famosa “salinha de interrogatório da imigração americana” para explicar que ele não estava ali disposto a entrar nos EUA para ilegalmente limpar privadas. Era parte de uma união estável, união esta que não possui o amparo da lei porque não há visto de cônjuge para parceiros de mesmo sexo. Nos EUA ou no Brasil, diga-se de passagem.

O resultado é que estou voltando ao Brasil porque não quero que meu parceiro se arrisque a estes momentos de humilhação desnecessária.

Momentos de humilhação que só se tornam piores à medida em que o representante maior da Igreja Católica me chama de “ameaça à criação”. Isso num mundo onde as ameaças à criação de verdade andam com explosivos colados ao corpo ou sequestram aviões e os jogam sobre arranhacéus.

Tudo em nome de Deus, curiosamente.

Há algo estranhamente fora do contexto nisto tudo ou são apenas divagações de uma “ameaça à criação” ambulante

GILBERTO SCOFIELD JUNIOR é jornalista.

ABRAM SZAJMAN

Desindexar é preciso

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/01/10


Vivemos uma espécie de adolescência econômica: vícios do passado conspiram contra nossa passagem a um estágio de maturidade


NOS ÚLTIMOS 30 anos, a economia brasileira experimentou duas fases distintas.
A primeira, na década de 1980 e na seguinte, até o advento do real, caracterizou-se por um crescimento medíocre e uma inflação exuberante, que poderíamos chamar de jabuticaba, porque, diferentemente de outros países em situação semelhante, só aqui todos os mecanismos econômicos funcionavam graças a um artifício que encontrou clima favorável nestes tristes trópicos: a indexação.
Naquela época, os agentes econômicos criavam regras e inventavam formas de conduzir o dia a dia sem o risco de uma explosão, embora a inflação fosse sempre crescente. Período de ilusões, a administração eficiente de uma empresa significava antecipar elevações de preços e ganhar nas oportunidades financeiras, em vez de obter resultados nas ações operacionais.
Os consumidores que podiam defendiam seus recursos com antecipações de compra. Os outros? Ora, os outros, sobretudo as maiores vítimas da inflação, os assalariados de baixa renda. A concentração de renda caminhava lentamente, ampliando o abismo secular entre os detentores do capital, defendidos pela indexação, e a maioria dos assalariados, abandonados à própria sorte.
A indexação reinava e mantinha a economia funcionando. Não importava a relação entre o poder de compra da moeda e o valor dos bens e serviços. Já não se trabalhava mais com a inflação passada ou presente. O que interessava é se os ajustes dos preços hoje permitiriam repor estoques amanhã. A inflação futura era o alvo.
Uma atitude corriqueira nos negócios era aumentar os preços em um dia para que alcançassem os índices do dia seguinte. Assim, a inflação passava a ser a que acreditássemos que seria. As crenças e consequentes ações dos agentes econômicos é que configuravam a inflação do futuro.
Essa situação levou os economistas a imaginar diferentes estratégias de estabilização. Processos heterodoxos, congelamentos e tantos outros transformaram o Brasil em laboratório de testes. Ao final, verificou-se que a receita não era mirabolante: como fazem os pais diante dos maus hábitos dos filhos, o Plano Real agiu para tirar a inflação da cabeça das pessoas, o que exigiu tempo e constância na condução da política econômica. Hoje pode-se dizer que a doença infantil da inflação foi debelada, o que permitiu retirar milhões de pessoas da pobreza e da miséria, incorporando-as aos mercados de trabalho e de consumo.
Vivemos, porém, uma espécie de adolescência econômica, com a permanência de vícios do passado que conspiram contra nossa passagem a um estágio de maturidade.
Apesar do sucesso do real, conquistas obtidas ainda não foram -e precisam ser- consolidadas. A leviandade renitente na condução dos gastos públicos faz recordar que o grande arquiteto da inflação é o Estado, que soube impor à sociedade as regras da estabilidade, mas se recusa, ele próprio, a fazer sua parte.
Outra mazela que persiste é a indexação: os contratos de aluguel (comerciais e residenciais) são reajustados pelo IGP-M, e as tarifas públicas (contas de luz, gás, telefonia, planos de saúde), pelo IGP. Como resultado, os preços desses serviços acabam indevidamente contaminados por um processo que lhes é completamente alheio, como é o caso da variação cambial, à qual o IGP está atrelado.
São indexadas ainda as mensalidades escolares, prestações de serviços e contratos que poderiam ser ajustados ou não pela livre negociação entre as partes, com base nas condições de mercado. Culturalmente, porém, preserva-se o vínculo com reajustes, o que ocorre também na questão salarial, na prática atrelada ao INPC. Para completar, o salário mínimo está indexado pelo PIB do ano anterior, mais a inflação medida pelo IPCA.
No atual quadro de estabilidade monetária, não há mais justificativa para qualquer forma de indexação.
Em nome do equilíbrio e do bom senso, toda e qualquer cláusula de eventual proteção de valores e reajustes de contratos deve ser resultado de negociação, com a prevalência das especificidades e das circunstâncias, e não dos índices.
Para que o Brasil possa ingressar e se manter na era de uma economia definitivamente consolidada e madura, é imperioso acabar com a indexação, que foi no passado, é no presente e continuará a ser no futuro um perigoso combustível para a inflação.

ABRAM SZAJMAN, 70, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

PAINEL DA FOLHA

Porta de saída

SILVIO NAVARRO
Folha de S. Paulo - 15/01/2010

Governistas que acompanham a escalada de críticas de Reinhold Stephanes (Agricultura) ao governo, por conta do Programa Nacional de Direitos Humanos, afirmam que ele já emitiu todos os sinais de que deverá deixar o ministério antes de abril -prazo legal para a desincompatibilização. Stephanes tentará novo mandato de deputado pelo PMDB do Paraná. Sua base eleitoral é majoritariamente formada de ruralistas.
Aliados do ministro dizem que ele se queixou das articulações da ala do PMDB ligada ao presidente da Câmara, Michel Temer (SP), que já teria sugerido o nome de Wagner Rossi, presidente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), para sucedê-lo, descartando o adjunto, José Gerardo Fontelles.



Infiltrado. Em conversas reservadas sobre as críticas abertas de Stephanes, Lula brincou com auxiliares: "É o nosso ministro de oposição".

Tabuleiro. O presidente sinalizou a assessores que deverá abrir três exceções à ideia de substituir os ministros que sairão para disputar as eleições pelos secretários-executivos das pastas. São elas: Justiça, Integração Nacional e Previdência Social.

Recado. Resolvida a polêmica sobre o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, que apesar de levar a assinatura de 26 ministros não foi encampado no governo, Lula fez questão de citar um a um os auxiliares presentes anteontem no evento de lançamento do PAC da Copa.

Haiti 1. Após mandar um hospital de campanha, medicamentos, água e alimentos em socorro às vítimas, a Aeronáutica preparou a segunda fase do plano de emergência com o envio ao país do Mapre (Módulo de Alimentação em Pontos Remotos), um "restaurante de guerra".

Haiti 2. O modelo foi utilizado pelo Exército durante a operação de resgate das vítimas do acidente da GOL na Serra do Cachimbo (região amazônica) em 2006. É capaz de suprir a alimentação do efetivo militar por até 30 dias, com tecnologia de acondicionamento de comida desidratada em contêiners.

Esqueceram de mim. O ministro Geddel Vieira Lima (Integração) se irritou com a convocação da reunião para tratar das obras da Transnordestina ontem, justamente o dia da tradicional Lavagem do Bonfim na Bahia, que reuniu todos seus adversários políticos. Na última hora, ele acabou sendo liberado por Lula.

Passar bem. Aloizio Mercadante (PT) responde à pressão do grupo ligado a Marta Suplicy, que colocou na praça a versão de que o nome dele é o melhor para disputar o governo: "Vou de senador. Não quero reabrir essa discussão".

Justificativa. O senador (32% no Datafolha) alega à direção do PT, para ira dos martistas, que Dilma Rousseff, se eleita, não teria a habilidade de Lula e precisaria de uma bancada articulada na Casa.

Modo petista. Diferentes correntes do PT explicam o empenho de aliados da ex-prefeita em lançar logo a candidatura de Mercadante ao Bandeirantes: nesse cenário, ela disputaria o Senado e não arrebanharia os votos de pelo menos quatro deputados que tentarão a reeleição.

Plano C. Com a aliança PV-PSDB-DEM no Rio, o PSOL voltou a falar em Heloísa Helena para a Presidência.

3D. Piada que correu ontem durante instalação da CPI do Panetone na Câmara Legislativa: a Durval (Barbosa) Filmes lançará o "Abafar", em referência ao domínio de aliados de José Roberto Arruda para esfriar a investigação.

Cronologia. O ex-governador Joaquim Roriz (PSC) enviou emissários à CPI para tentar negociar que o depoimento de Durval Barbosa se limite à gestão Arruda.

Tiroteio

A "cidade limpa" do Kassab é só uma fachada. O paulistano é punido diariamente pela incompetência gerencial da prefeitura.

Do vereador ANTONIO DONATO (PT), sobre a decisão da Prefeitura de São Paulo de adiar a instalação de contêiners de lixo nas ruas.

Contraponto

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O presidente Lula discursava no evento de lançamento da segunda etapa do Minha Casa, Minha Vida para cidades com menos de 50 mil habitantes, na terça-feira, quando resolveu fazer piada com a forma física de alguns petistas. Ao comentar a dificuldade para fazer chegar postes de luz a regiões do interior do país, citou como solução uma fábrica que passará a fazer postes de lã de vidro.
-Porque esse tipo de poste pesa só 130 quilos...
Em seguida, olhou para o rechonchudo Cândido Vaccarezza (SP) e disparou para gargalhada da plateia:
-Um cara como o Vaccarezza pesa mais que o poste!
Em tempo: o deputado petista afirma pesar 134 quilos.

NELSON MOTTA

Os cordeiros da folia

O Globo - 15/01/2010


Antes, o cordeiro era só um protagonista da fábula com o lobo, sempre atual, em que acaba comido. Ou então, metaforicamente, na Bíblia, como símbolo de pureza e sacrifício. Já na Bahia, os cordeiros têm uma missão crucial: são eles que seguram as cordas que cercam os trios elétricos no carnaval, isolando e protegendo os foliões do bloco, que pagaram caro pelos seus abadás. Agora, os cordeiros se tornaram o centro de uma polêmica que está abalando o carnaval baiano.

A prefeitura de Salvador promulgou um “Estatuto da Folia” que obriga os blocos a fornecerem calçados fechados, protetor solar, luvas, chapéu, camisas de algodão, três litros de água, alimentação adequada e duas caixas de sucos de frutas ou duas latas de refrigerantes por dia para cada cordeiro. Os donos dos blocos e dos trios dizem que não foram ouvidos e estão em pé de guerra, ameaçam até parar o carnaval. Reclamam da generosidade oficial com dinheiro alheio. No fim, o mais provável é que repassem as novas despesas para os compradores de abadá.

É dura a vida de cordeiro. A corda é grossa, áspera e pesada, e a massa atrás dela faz pressão violenta o tempo todo. Eles são milhares, recebem R$ 10 por oito horas de trabalho, e, diz a prefeitura, só água, uma caixinha de suco e outra de biscoito. Uns sofrem de dar pena, outros se divertem o tempo todo, cantam e dançam junto com os foliões, flertam, dão beijo na boca, já vi vários cordeiros esfuziantes na televisão dizendo que amam o seu trabalho.

Os cordeiros também são um dos pratos prediletos da demagogia dos políticos, turbinada pela natural verbosidade e veemência dos baianos. Como símbolo da exploração e da segregação, como barreira humana que separa os ricos, opressores e malvados de abadá, dos pobres descamisados do outro lado da corda. O cordeiro se sacrifica para que a burguesia possa festejar sem ser incomodada. O populismo carnavalesco exige a festa sem cordas.

Quem pagaria os trios elétricos, músicos, técnicos e produtores que fazem a festa acontecer? Os impostos de todos, até dos pobres.

Só falta um mais exaltado propor a Bolsa-Folia.

NELSON MOTTA é jornalista.

WASHINGTON NOVAES

Botar os impostos em cima da mesa

O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/01/10


Apesar de ser tarefa quase impossível em ano eleitoral, quando graves questões são empurradas com a barriga - para não comprometer alianças políticas, financiamentos de campanha, etc. -, é impossível deixar passar sem registro problemas graves na área fiscal, que, postos sobre a mesa e solucionados, poderiam resolver ou atenuar deficiências alarmantes na área social.

Pode-se começar pela premência de solução para a questão da "guerra fiscal", algumas vezes já abordada neste espaço. Não há uma quantificação precisa dos "incentivos fiscais" concedidos em quase todos os Estados, a pretexto de estimular a instalação de mais empresas, com geração de postos de trabalho, mas que contribuem fortemente para a concentração da renda, já que a quase totalidade dos impostos estaduais e/ou municipais sobre produtos nelas gerados é paga pelos consumidores, pela sociedade, porém não precisa ser recolhida pelas beneficiárias. Não será exagero, entretanto, dizer que esses "incentivos" no País já somam muitas centenas de bilhões de reais. Basta ver o exemplo de Goiás (poderiam ser outros Estados), onde eles já passaram de R$ 80 bilhões e só em 2009 estiveram próximos de R$ 10 bilhões, quando em um ano a receita tributária ali foi pouco superior a isso e a dívida estadual chega a R$ 12 bilhões. A contrapartida alegada - os postos de trabalho "gerados" - fica apenas no terreno das estimativas, pois não é exigida nos contratos. Mesmo que concretizada, naquele Estado cada posto de trabalho (160 mil alegados) custou R$ 500 mil em "incentivos", valor muitas vezes acima da média habitual.

Não é preciso repetir aqui todas as estatísticas preocupantes em várias áreas dos serviços públicos no País. Basta relembrar números comentados em editorial por este jornal (15/12/2009, A3), segundo o qual, no ritmo de hoje, a coleta de esgotos no País, por deficiência de recursos, só será universalizada em 66 anos (atende atualmente a 42% da população). Entre outras razões, porque, dos recursos alocados - em 2008, por exemplo, R$ 12,2 bilhões -, menos de metade foi utilizado. E a saúde? A educação?

E não são apenas essas as variáveis do problema fiscal. Para assegurar a produção na mais recente crise econômica numerosas isenções de impostos foram concedidas - mais uma vez, beneficiando somente certos setores, mas prejudicando áreas carentes de serviços públicos. E de novo sem exigir nenhuma contrapartida (por exemplo, menores níveis de poluição para carros). Segundo o ministro da Fazenda, essas "desonerações" na área federal chegaram a "12 ou 13 bilhões de reais".

Mais um ângulo: a gigantesca "dívida ativa" da União, que soma os impostos não pagos e já reconhecidos: R$ 650 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Agência Estado, 23/8/2009). É outro processo infindável, em que boa parte dos devedores se inscreve em programas (Refis) para parcelar o pagamento, não cumpre, inscreve-se de novo. Da mesma forma no eterno parcelamento de dívidas de parte dos produtores rurais, que, ao fim de longos períodos, acabam sendo perdoadas. O que não daria para fazer com esses recursos?

Na atual crise da renegociação da dívida (R$ 4,1 bilhões) da empresa estatal de energia de Goiás, acumulada ao longo de quase três décadas, outro ângulo está sendo posto em evidência: o dos subsídios no preço da energia para empresas do chamado setor de eletrointensivos (alumínio, ferro-gusa e outros). Nesse caso, relatório da Fundação Instituto de Pesquisas da Universidade de São Paulo afirma que os subsídios a uma única empresa no nordeste goiano chegaram nessas décadas a R$ 1,5 bilhão - incentivos federais repassados ao Estado e que hoje significam mais de 36% da dívida da empresa.

Mas o relatório também ressalta mais um ângulo, costumeiro em processos de privatização: a empresa de energia goiana, que possuía uma usina de geração, foi levada pelo governo do Estado em 1996 a vendê-la a uma empresa privada. A receita da venda não foi repassada à estatal, que ainda passou a comprar energia de outras geradoras por preços mais de 50% superiores aos vigentes até então.

Por aí se entra em outro terreno minado: o dos subsídios em geral ao setor de eletrointensivos, tantas vezes já posto em evidência por questões como a de Tucuruí, uma usina que exigiu altos investimentos do poder público e gerou graves questões sociais e ambientais, já comentadas neste espaço. E que em duas décadas concedeu subsídios no valor de muitos bilhões, repassados à conta de cada residência ou empresa no País. Os críticos dizem que o quadro se repetirá se liberada a construção da Usina de Belo Monte. Adicionando material para a discussão desse problema, muitas vezes já apontado pelos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): países industrializados repassam aos demais a produção de bens dessa natureza, de alto custo (no alumínio, por exemplo, a energia representa mais de 50% do custo final), sem compensá-los pelos ônus sociais e ambientais dessa produção.

Neste momento, dois países estão engolfados nessa questão. O primeiro é a Venezuela, onde o governo ameaça fechar as empresas estatais do setor, que consomem um quarto da energia no país, às voltas com uma crise energética (Estado, 5/1). E o Vietnã, onde um general da guerra da década de 1960 comanda a oposição ao projeto de exploração intensiva de bauxita por uma empresa da China, por entender serem os riscos sociais e ambientais muito altos. No Brasil mesmo, são muitas as polêmicas que cercam projetos de novas hidrelétricas, nas quais seria alto o consumo de energia por empresas eletrointensivas. Em países capitalistas ou socialistas, não muda a questão.

São muitos os ângulos da questão fiscal a serem postos na mesa. Se não o forem, continuará subindo a carga tributária total, já em R$ 1 trilhão.