quinta-feira, dezembro 24, 2009

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

A chapa cabocla

"Uma chapa formada por José Serra e Marina Silva embaralharia
a campanha de 2010, pegando o PT no contrapé e enterrando
de vez a desastrada candidatura de Dilma Rousseff"

Os dois juntos, na mesma chapa. Quem? José Serra e Marina Silva. Isso mesmo: José Serra, presidente, e Marina Silva, vice-presidente.

A ideia ainda é embrionária. Só é debatida no interior de um grupelho do PSDB. Mas ganhou impulso na semana passada, depois que Aécio Neves renunciou à candidatura presidencial e assoprou para a imprensa petista que rejeita terminantemente uma vaga de vice-presidente na chapa de José Serra - a chamada chapa puro-sangue. Apesar de todos os apelos do PSDB, Aécio Neves repetiu aos seus interlocutores que pretende candidatar-se ao Senado e dedicar-se integralmente à campanha para eleger seu sucessor em Minas Gerais, Antonio Anastasia.

Uma chapa presidencial formada por José Serra e Marina Silva - a chapa cabocla ou, melhor ainda, a chapa mameluca - embaralharia a campanha de 2010, pegando o PT no contrapé e enterrando de vez a desastrada candidatura de Dilma Rousseff. O plano petista de contrapor Lula a Fernando Henrique Cardoso - o único atributo que, depois de muito empenho, os marqueteiros conseguiram arrumar para Dilma Rousseff - iria para o beleléu, considerando que Marina Silva, por mais de cinco anos, também fez parte do governo Lula. E a impostura bolivariana de que o PSDB defende o interesse dos ricos e o PT defende o interesse dos pobres seria imediatamente desmascarada. Em matéria de pobreza, ninguém pode competir com Marina Silva.

José Serra e Marina Silva saíram do armário duas semanas atrás, em Copenhague, na COP15. Um elogiou o outro, um apoiou as propostas do outro. Eles conseguiram até deter o aquecimento global, congelando o Hemisfério Norte e matando de frio algumas dezenas de poloneses. José Serra já está com a campanha presidencial pronta. O que ele representa é a "continuidade sem continuísmo". Para o eleitorado, ele manterá as conquistas de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, e ainda poderá dar um passinho adiante. Apesar de atemorizar os banqueiros, José Serra é capaz de sossegar o lulista mais conservador. Se Marina Silva concordasse em se unir a ele, sua candidatura ganharia também um aspecto mais moderno, um caráter mais inovador.

Marina Silva, por outro lado, como candidata a vice-presidente poderia dar um sentido prático à sua plataforma ambiental, coordenando essa área no futuro governo José Serra. Reinaldo Azevedo, em seu blog na Veja on-line, disse que Marina Silva, mais do que candidata a presidente, é candidata a santa. Cruzei com ela recentemente e confirmo: ela levita. Elegendo-se na chapa de José Serra, ela teria a possibilidade de, finalmente, voltar a pisar no chão.

ÉLISABETH LAVILLE

REVISTA VEJA
Economia limpa Perspectiva 2010

Élisabeth Laville

O que virá depois de Copenhague

Certamente não é a morte, apesar dos resultados tímidos
da cúpula. A sustentabilidade, todos concordam,
é a próxima fronteira da inovação e o principal motor
dos negócios

Fotos: AVG/Latinstock; Germano Luders/Getty Images
APOCALIPSE
Manifestante na capital dinamarquesa vestido
a rigor para anunciar o fim dos tempos

A sustentabilidade não é mais opcional: é essencial. Depois de anos gastos na exploração da filantropia e da cidadania corporativas, a revolução verde está finalmente acontecendo nas salas de conselhos administrativos em muitos países. Admite-se cada vez mais que, com o passar do tempo, as marcas líderes só vão permanecer como tal se também forem reconhecidas como líderes da responsabilidade corporativa – e se isso for visível não só em suas práticas internas ou processos industriais, mas também na maior parte dos seus produtos e serviços.

O ano de 2010 será o primeiro dessa nova era de maturidade para as estratégias corporativas de sustentabilidade. Esse período, que chamo de "sustentabilidade 2.0", é a última e mais excitante fase de uma evolução que já dura quase trinta anos. A "pré-história" da responsabilidade social corporativa (RSC), que durou basicamente quinze anos, de 1980 a 1995, estava focada em doações benemerentes para boas causas ou patrocínios de empresas que não vinculavam de forma alguma essa "filantropia corporativa" ao seu modelo de negócios, estratégia ou oferta de produtos – que permaneciam incontestes e imutáveis. A esse estágio se seguiu a primeira era da RSC moderna (RSC 1.0): os anos seguintes, de 1995 a 2009, testemunharam uma ampliação da cidadania corporativa para práticas industriais e processos corporativos, na maior parte das vezes por causa de uma abordagem defensiva, de modo a antecipar novos regulamentos, prevenir crises industriais e de imagem. Tratava-se, ainda, de reduzir custos relacionados ao consumo excessivo dos recursos naturais e relatar esforços feitos para limitar os impactos negativos dos negócios sobre as pessoas e o planeta (via compras éticas, por exemplo). Isso nos levou à situação de hoje, em que quase todas as empresas falam de sustentabilidade... E daí?

Na maioria das vezes, essa abordagem não levou a inovações perturbadoras, não conseguiu integrar a sustentabilidade à "real" estratégia de negócios ou ao modelo empresarial da companhia, nem alterou os produtos e serviços que a empresa oferece. Produtos e serviços "verdes" ou "responsáveis" têm sido lançados, mas, sem serem realmente promovidos, respondem por menos de 1% das vendas (isso vale para o turismo sustentável, a comida orgânica e os investimentos éticos ou responsáveis). De certa maneira, a atual RSC tem sido ótima em manter as coisas como estão por algum tempo a mais, sem considerar mudanças profundas. Mas, embora a reputação das empresas tenha melhorado, isso não bastou para resolver os desafios sociais e ecológicos que enfrentamos – as emissões de CO2 aumentaram quase exatamente na proporção em que deveriam ter diminuído desde o Protocolo de Kyoto, 75% dos estoques marítimos de pesca estão superex-plorados, metade das florestas tropicais e temperadas do mundo sumiu e a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres dobrou nos últimos trinta anos do século XX.

Siegfried Layda/Getty Images
COLABORAÇÃO
A Lego saiu da falência ao permitir que os consumidores criem e vendam peças on-line

Por quê? Porque as práticas corporativas só afetam uma pequena parcela de seu funcionamento. Não importa que uma companhia automobilística esteja indo bem no emprego do certificado ISO em suas instalações industriais e na redução das emissões de CO2 de suas fábricas se os carros representam 80% do impacto climático. Se não trocarmos as matrizes tecnológicas usadas para a mobilidade (seja elétrica, híbrida etc.), se não pensarmos em soluções alternativas de mobilidade que sejam mais sustentáveis do que carros individuais (transporte público ou compartilhamento de veículos, por exemplo) e, acima de tudo, se não conseguirmos torná-las habituais em todo o mundo, vamos fracassar na solução do desafio climático... Isso também vale para iogurtes, cujo impacto sobre a mudança climática não está relacionado com as práticas corporativas (emissões de CO2 das fábricas e caminhões, por exemplo), mas sim com a pecuária industrial (50%), que representa 10% das emissões mundiais. É bom tornar fábricas e transporte menos poluentes, mas que sentido faz se não se pensar em mudar o produto em si?

A lógica também se aplica aos bancos, cujos esforços para ter sedes energeticamente mais eficientes, aumentar o uso da videoconferência em vez das viagens aéreas dos funcionários e promover a reciclagem de papel e o costume de desligar o computador à noite são de fato bons hábitos, mas não significativos na redução do seu impacto sobre a mudança climática. Hoje, as emissões indiretas de CO2 resultantes das atividades bancárias (por exemplo, ao investir no setor de petróleo, em indústrias automobilísticas etc., em vez de investir no desenvolvimento de energia renovável, agricultura orgânica, prédios "verdes" etc.) são mil vezes mais decisivas do que as diretas, relacionadas às atividades administrativas e das agências bancárias.

Tal é o cenário em que nos encontramos hoje, e este é o desafio para 2010 e além: precisamos dar início a uma nova revolução da RSC, uma revolução silenciosa, que felizmente já começou em alguns grupos importantes do mundo todo. Essa nova abordagem, avançando progressivamente para fora do pequeno círculo inicial de empresas comprometidas (como The Body Shop, na Inglaterra, Ben & Jerry’s, nos Estados Unidos, e Natura, no Brasil), consiste em ir além da gestão do risco, de modo a aproveitar o potencial de inovação e diferenciação trazido pela sustentabilidade. Isso exige que ponhamos a sustentabilidade no coração da estratégia corporativa, numa abordagem proativa (e não reativa ou defensiva), pela qual grandes multinacionais revisitam seus modelos de negócios e se valem de todos os recursos e energia para efetuar mudanças nos seus mercados com o objetivo de difundir a sustentabilidade e torná-la acessível a cada consumidor.

A rede inglesa de varejo Marks & Spencer lançou em 2007 o seu "Plano A" de cinco anos (já que não há plano B para salvar o planeta): trata-se de um "ecoprograma" que abrange a companhia inteira, com cinco temas e 100 compromissos para tornar a sustentabilidade mais habitual nas prateleiras. Com base em um contínuo diálogo com os acionistas, a M&S decidiu, entre outras iniciativas, que só ofereceria ovos de galinhas criadas soltas – não só no caso dos ovos vendidos in natura, mas também de massas e bolos. Além disso, ela se tornaria neutra na emissão de carbono, deixaria de transportar alimentos por via aérea, não enviaria lixo para aterros e até 2012 só venderia algodão, chá e café orgânicos e oriundos do comércio ético. Com a mesma mentalidade, a Philips decidiu em 2007 que até 2012 teria 30% de seu faturamento associado a produtos "verdes", o que alterou toda a abordagem da empresa em relação à inovação. No mesmo ano, a Procter & Gamble adotou publicamente a meta de desenvolver e comercializar 50 bilhões de dólares em produtos inovadores sustentáveis até 2012 (algo como 12% de seu faturamento acumulado no período). Muitos deles são detergentes para água fria, que acarretam menores custos energéticos (uma casa média nos EUA gasta 3% de seu orçamento elétrico anual aquecendo água para lavar roupa). Com esses produtos inovadores, em apenas seis anos a P&G elevou de 2% para 28% a proporção de lares que lavam roupa com água fria na Inglaterra, e de 5% para 52% na Holanda.

Essa abordagem focada na inovação do mercado já provou seus benefícios em termos de reputação para empresas como a Toyota, que registrou aumento de 90% no valor financeiro de sua marca, segundo a pesquisa anual Interbrand, graças a esforços para integrar a sustentabilidade em sua gama de produtos e em sua estratégia de marketing, desde o lançamento pioneiro do carro híbrido Prius, nos EUA.

Estimulada em todo o mundo por novos regulamentos relacionados a impostos ambientais e indexação de produtos, essa abordagem inédita exige uma mentalidade criativa. Abordagens empresariais tradicionais não serão tão eficientes no mundo pós-crise e pós-Copenhague: as empresas precisarão desenvolver uma abordagem inovadora para a própria inovação. Isso envolverá cinco posturas fundamentais:

1. Preferir serviços imateriais a bens com uso intensivo de recursos e produção de detritos.

A Apple passou à frente do Walmart e se tornou, com o iTunes, o varejista musical número 1 dos EUA. Faz sucesso o serviço "self-service" de aluguel de bicicletas, o Vélib, disponível 24 horas, sete dias por semana, em cidades congestionadas como Paris e Lyon.

2. Ver a natureza como professora, e não só como fornecedora.

Despontam inovações inspiradas na natureza, como os edifícios biomiméticos sem ar condicionado, inspirados nos cupinzeiros e no seu sistema de refrigeração passiva, que se baseia em túneis construídos de modo a apanhar a brisa.

3. Escolher abordagens de fonte aberta, em vez das confidenciais, sigilosas e patenteadas.

Dá para pensar seriamente em patentear um cosmético criado a partir de uma planta usada há séculos por indígenas na América do Sul?

4. Desenvolver uma abordagem colaborativa para a inovação.

O caminho aqui é envolver os clientes na criação e teste de novos produtos. A BMW pediu a 500 consumidores dos Estados Unidos que testassem e melhorassem, durante um ano inteiro,
seu novo Mini E elétrico. A Lego saiu da quase falência ao permitir que seus consumidores
criem e vendam os próprios produtos no site www.legofactory.com.

5. Aceitar que a inovação mais radical do amanhã pode vir das beiradas do sistema, de onde ninguém espera.

As empresas têm de ficar alertas para o que está ocorrendo abaixo de seu radar. A Aurolab, lançada em 1992, na Índia, como a primeira fábrica sem fins lucrativos em um país em desenvolvimento para produzir a preços acessíveis lentes intraoculares usadas na cirurgia de catarata, tornou-se um dos maiores fabricantes mundiais do produto, com 7% do mercado, vendendo mais de 600 000 unidades por ano a dezenas de países. Em outra ponta, o onipresente Google entrou no mercado de energia, com o PowerMeter, destinado a conceder aos consumidores uma informação detalhada sobre seu uso doméstico de eletricidade ao longo do dia.

Fique atento: todo esse novo mundo empresarial começa em 2010, que pode muito bem ser o primeiro de uma série de anos excitantes e inspiradores na reinvenção do capitalismo.

Ian Langsdon/Epa/Corbis

COLETIVO
A norma agora é preferir serviços com uso intensivo dos recursos, como ocorre com o Vélib, sistema de aluguel de bicicletas desenvolvido em Paris (foto) e Lyon


Élisabeth Laville é diretora da consultoria francesa Utopies, especializada em estratégia e desenvolvimento sustentável

DIAMOND JARED

REVISTA VEJA
Economia limpa Perspectiva 2010

Diamond Jared

As grandes empresas
vão salvar o mundo?

Possivelmente sim, porque já não lhes cabe a imagem
de gananciosas e malvadas, movidas a lucros imediatos.
Muitas delas já fazem mais - e melhor - do que os governos imaginam


Assinatura

Fotos: AVG/Latinstock; Germano Luders
WALMART
Lojas ecologicamente corretas,
inclusive no Brasil, com luz
acionada por energia solar


Há uma opinião disseminada entre ambientalistas e liberais (de esquerda) de que as grandes empresas são destruidoras do meio ambiente, gananciosas, malvadas e guiadas por lucros imediatos. Eu sei disso porque já tive essa opinião. Mas hoje tenho um sentimento mais plural. Ao longo dos anos, entrei para o conselho diretor de dois grupos ambientais, o WWF e a Conservação Internacional, atuando ao lado de muitos executivos de empresas.

Como conselheiro, fui chamado a avaliar a situação ambiental em campos de petróleo, e tive discussões francas com empregados de empresas petrolíferas. Também trabalhei com executivos dos setores de mineração, varejo, extração de madeira e serviços financeiros. Descobri que, embora algumas empresas sejam de fato tão destrutivas quanto muitos suspeitam, outras estão entre as mais positivas forças do mundo para a sustentabilidade ambiental.

A adesão às preocupações ambientais por parte dos executivos-chefes das empresas acelerou-se recentemente por várias razões. Um menor consumo dos recursos ambientais poupa dinheiro a curto prazo. E uma imagem limpa - conquistada, digamos, ao evitar derramamento de petróleo e outros desastres ambientais - reduz as críticas da sociedade.

Eis alguns exemplos envolvendo três corporações - Walmart, Coca-Cola e Chevron - que muitos críticos adoram odiar, injustamente, na minha opinião.

Comecemos com o Walmart. Obviamente, uma empresa pode poupar dinheiro encontrando maneiras de gastar menos e manter as vendas. Foi isso que o Walmart fez com os gastos com combustíveis, reduzidos em 26 milhões de dólares por ano, simplesmente alterando a forma de gestão da sua frota de caminhões. Em vez de manter o motor do caminhão ligado a noite toda para aquecer ou refrigerar a cabine durante as paradas para descanso, a empresa instalou pequenos geradores auxiliares. Além de reduzir o gasto de combustível, a medida eliminou emissões de dióxido de carbono equivalentes à retirada de 18,3 mil carros de passeio das ruas.

O Walmart também está empenhado em duplicar a eficiência de combustível da sua frota de caminhões até 2015, economizando assim mais de 200 milhões de dólares por ano na bomba de diesel. Entre os protótipos eficientes que estão sendo testados há caminhões que queimam biocombustíveis produzidos com a gordura que resta nos balcões de frios da rede. Da mesma forma, a empresa, a maior usuária privada de eletricidade dos Estados Unidos, está poupando dinheiro ao reduzir o consumo de energia nas lojas.

Outro exemplo do Walmart envolve a diminuição dos custos associados ao material de embalagem. Na América do Norte, a rede agora só vende detergentes líquidos concentrados, o que reduz em até 50% o tamanho das embalagens. As lojas também dispõem de máquinas que reciclam o plástico que antes seria jogado fora. A meta da empresa é, no futuro, não ter mais lixo de embalagens.

Um último exemplo do Walmart mostra como uma empresa pode poupar dinheiro a longo prazo comprando de fontes sustentáveis. Por causa da gestão não sustentável da pesca, os preços da merluza-negra chilena e do atum do Atlântico haviam disparado. Para minha agradável surpresa, em 2006 o Walmart decidiu que em cinco anos transferiria todas as suas compras de peixes e frutos do mar apanhados na natureza para empresas pesqueiras certificadas como sustentáveis.

Os problemas da Coca-Cola são diferentes do Walmart por serem prioritariamente de longo prazo. O principal ingrediente dos produtos da Coca é a água. A empresa produz bebidas em cerca de 200 países por meio de franquias locais, que pedem um suprimento local confiável de água limpa.

Siegfried Layda/Getty Images
COCA-COLA
A empresa trabalha na manutenção de sete grandes bacias hidrográficas, entre elas a do Rio Yang-tsé, porque precisa de água

Mas a oferta de água encontra-se sob forte pressão em todo o mundo, e a maior parte dela já está alocada para o uso humano. A pouca água doce ainda não alocada está em áreas remotas, inadequadas a fábricas de bebidas, como o Ártico russo ou o noroeste da Austrália. A Coca-Cola não consegue atender às suas necessidades hídricas simplesmente dessalinizando a água do mar, porque isso exige energia, o que também é cada vez mais caro. A mudança climática global está tornando a água cada vez mais escassa, especialmente em países densamente povoa-dos da zona temperada, como os Estados Unidos, que são o principal mercado da Coca-Cola. O maior concorrente em todo o mundo no uso da água é a agricultura, que também apresenta seus próprios desafios de sustentabilidade.

Daí que a sobrevivência da Coca-Cola a compele a estar profundamente preocupada com os problemas de escassez de água, energia, mudança climática e agricultura. Uma meta da empresa é tornar suas fábricas "neutras em água", devolvendo ao meio ambiente uma quantidade de água igual à que foi usada nas bebidas e na sua produção. Outra meta é trabalhar na conservação de sete grandes bacias fluviais, incluindo as dos rios Grande (fronteira México-Estados Unidos), Yang-tsé, Mekong e Danúbio, todos eles locais de grandes preocupações ambientais, além de fornecerem água à Coca-Cola.

Essas metas de longo prazo somam-se na Coca-Cola a práticas ambientais e de redução de custos a curto prazo, como a reciclagem de garrafas plásticas, a substituição do plástico de petróleo das embalagens por material orgânico, a diminuição do consumo de energia e o aumento do volume de vendas com a redução no uso de água.

A terceira empresa é a Chevron. Nem em parques nacionais eu vi uma proteção ambiental tão rigorosa quanto nas cinco visitas que fiz aos novos campos petrolíferos administrados pela Chevron em Papua-Nova Guiné. (A Chevron já vendeu sua participação nesses empreendimentos a uma empresa petrolífera da região.) Quando perguntava como uma empresa de capital aberto poderia justificar a seus acionistas os gastos com meio ambiente, empregados e executivos da Chevron me davam pelo menos cinco razões.

Primeiro, que vazamentos de óleo podem sair terrivelmente caros: é bem mais barato evitá-los do que limpar suas consequências. Segundo, que as práticas limpas reduzem o risco de que os proprietários de terras da Nova Guiné se irritem, peçam indenizações e fechem os campos. Terceiro, que os padrões ambientais estão se tornando mais rigorosos no mundo todo, de modo que construir instalações limpas agora minimiza o risco de ter de realizar custosas reformas para adaptação depois. Além disso, as operações limpas em um país dão à empresa uma vantagem na hora de solicitar contratos em outros. Finalmente, as práticas ambientais das quais os empregados se orgulham elevam o moral, ajudam no recrutamento e aumentam o tempo que os funcionários tendem a permanecer na empresa.

Diante de tantas vantagens obtidas com políticas ambientalmente sustentáveis, por que tais políticas enfrentam resistência de algumas empresas e de muitos políticos? As objeções muitas vezes são peremptórias.

"Temos de equilibrar meio ambiente e economia." A premissa dessa afirmação é que as medidas que promovem a sustentabilidade ambiental inevitavelmente têm um custo econômico, e não um lucro. Essa linha de pensamento vira a verdade de ponta-cabeça. As razões econômicas fornecem os motivos mais fortes para a sustentabilidade, porque a longo (e muitas vezes também a curto) prazo é muito mais caro e difícil tentar consertar os problemas, ambientais ou de outra natureza, do que evitá-los.

Os americanos aprenderam essa lição com o furacão Katrina, em 2005, quando, como resultado de uma década de relutância dos órgãos públicos em gastar centenas de milhões de dólares para consertar as defesas de Nova Orleans, foram desembolsados centenas de bilhões de dólares com os estragos - sem mencionar milhares de cidadãos mortos. Da mesma forma, John Holdren, principal consultor científico da Casa Branca, estima que a solução dos problemas climáticos custaria aos Estados Unidos 2% de seu PIB até 2050, mas que não resolvê-los prejudicará a economia em 20% a 30% do PIB.

"A tecnologia vai resolver nossos problemas." Sim, a tecnologia pode contribuir com a solução dos problemas. Mas grandes avanços tecnológicos exigem décadas para ser desenvolvidos e adotados, e muitas vezes revelam efeitos colaterais imprevistos - veja-se o caso da destruição da camada de ozônio por clorofluorcarbonetos atóxicos e não inflamáveis, inicialmente louvados por substituírem gases de refrigeração venenosos.

"O ritmo de crescimento da população mundial está diminuindo, e não será o problema que temíamos." É verdade que a taxa de crescimento populacional tem decrescido. Entretanto, o verdadeiro problema não são as pessoas em si, e sim os recursos que elas consomem e o lixo que produzem. A média de consumo e produção de lixo por pessoa, que nos países ricos equivale a 32 vezes a dos países pobres, cresce acentuadamente no mundo inteiro, conforme os países em desenvolvimento emulam o estilo de vida das nações industrializadas.

"É fútil pregar aos americanos a redução do padrão de vida: jamais haverá sacrifícios só para que outras pessoas possam elevar seu padrão cotidiano." Isso mistura consumo com padrão de vida: eles são apenas vagamente relacionados, porque grande parte de nosso consumo é esbanjador e não contribui com a nossa qualidade de vida. Nossas necessidades básicas estão atendidas, e aumentar o consumo nem sempre aumenta a felicidade. Substituir um carro que faz 6 quilômetros por litro por um modelo mais eficiente não vai reduzir o padrão de vida de ninguém, mas ajudará a melhorar a vida de todos por diminuir as consequências políticas e militares da dependência do petróleo. Os europeus ocidentais têm taxas de consumo per capita inferiores às dos americanos, mas desfrutam um melhor padrão de vida em termos de acesso à saúde, segurança financeira depois da aposentadoria, mortalidade infantil, expectativa de vida, alfabetização e transporte público.

Não surpreende que o problema da mudança climática tenha causado sua própria safra de objeções.

"Até os especialistas discordam sobre a realidade da mudança climática." Isso foi verdade há trinta anos, e alguns especialistas ainda discordavam uma década atrás. Hoje, virtualmente todo climatologista concorda que as temperaturas médias globais, o ritmo do aquecimento e os níveis atmosféricos de dióxido de carbono são maiores do que em qualquer momento do passado recente da Terra, e que a principal causa é a emissão de gases do efeito estufa por humanos. As questões que ainda estão sendo debatidas são se a temperatura média global vai aumentar em 2 graus até 2050 e se os humanos respondem por 90% ou "só" por 85% da tendência global de aquecimento.

"A magnitude e a causa da mudança climática global ainda são incertas. Não deveríamos adotar contramedidas custosas até que tenhamos certeza." Em outras esferas da vida - escolher um cônjuge, educar os filhos, comprar ações e seguros de vida etc. - admitimos que a certeza é inalcançável e que devemos tomar a melhor decisão possível com base nas evidências disponíveis. Por que a busca impossível pela certeza deveria nos paralisar somente a respeito das providências contra a mudança climática?

"O aquecimento global será bom para nós, por permitir o cultivo agrícola em lugares antes frios demais para a agricultura." O termo "aquecimento global" é impróprio; deveríamos falar em mu- dança climática global, que não é uniforme. A temperatura global média de fato está subindo, mas muitas áreas estão ficando mais áridas, e a frequência de secas, inundações e outros episódios climáticos extremos está aumentando. Algumas áreas sairão ganhadoras e outras serão perdedoras.

"É inútil que os Estados Unidos ajam contra a mudança climática se não souberem o que a China fará." Na verdade, a China chegou para as negociações da conferência climática de Copenhague com todo um pacote de medidas para reduzir a sua "intensidade de carbono". Enquanto os Estados Unidos hesitam a respeito da transmissão elétrica a longa distância das áreas rurais (com maior potencial para a produção de energia eólica) para as áreas urbanas (mais necessitadas de energia), a China está muito à frente. Ela desenvolve linhas de transmissão para voltagens ultra-altas, saindo de locais de produção eólica e solar no oeste rural do país para cidades no leste. Se os Estados Unidos não agirem para desenvolver uma tecnologia energética inovadora, logo perderão a competição dos "empregos verdes" não só para a Finlândia e a Alemanha (como já ocorre), mas também para a China.

Em cada uma dessas questões, as empresas americanas, e de todo o mundo, terão um papel igual ou maior que o do governo. Meus amigos do mundo empresarial continuam me dizendo que o governo de Washington pode ajudar em duas frentes: por um lado, investindo em tecnologia "verde", oferecendo incentivos fiscais e aprovando uma legislação com limites e comércio de emissões; por outro, estabelecendo e fiscalizando padrões rígidos para assegurar que as empresas com métodos baratos e sujos não tenham uma vantagem competitiva sobre as que protegem o meio ambiente. Quanto ao resto de nós, deveríamos superar a interpretação equivocada de que as empresas americanas só se importam com os lucros imediatos e recompensar as companhias que mantêm o planeta saudável.

David Mcnew/AFP
CHEVRON
Sucessivas explicações aos acionistas por gastar tanto com controle ambiental das usinas de petróleo

CARLOS GHOSN

REVISTA VEJA
Economia limpa Perspectiva 2010

Carlos Ghosn

O prazer da emissão zero ao volante

Os carros elétricos, silenciosos e ecologicamente limpos, com
torque imediato e aceleração estonteante, oferecem as mesmas
emoções de um veículo normal, movido a combustão

Os veículos elétricos não são novos na indústria automotiva. Os fabricantes ofereciam carros movidos a bateria 100 anos atrás. Mas, devido às limitações na autonomia, na viabilidade econômica e na infraestrutura, os carros elétricos nunca foram vendidos em massa e o motor a combustão tornou-se padrão.

Hoje a situação está mudando. Os fabricantes de veículos estão lançando projetos para trazer uma variedade de carros elétricos ao mercado nos próximos dois anos. Renault e Nissan vêm investindo para oferecer a tecnologia de emissão zero, em escala global, a partir do próximo ano.

Calculamos que os veículos elétricos podem atingir o equivalente a 10% das vendas globais de automóveis em 2020. Muitos têm dito que somos otimistas demais em nossa previsão, mas continuamos nos fazendo três perguntas fundamentais:

1) O preço do petróleo subirá no futuro?

2) A legislação sobre as emissões será mais rigorosa?

3) O interesse público a respeito do meio ambiente aumentará?

Se você acredita - como nós - que os preços do petróleo tendem a subir e que a preocupação da legislação e do público com o meio ambiente será fortalecida, é fácil concluir que os veículos de emissão zero são a resposta para a redução de gás carbônico (CO2) em um mercado global que prevê 2,5 bilhões de veículos em operação em 2050.

"É a maior mudança na evolução do automóvel. Os modelos com bateria podem atingir o equivalente a 10% do mercado mundial em 2020"

Em 2007, engenheiros e projetistas da Renault e da Nissan começaram a desenvolver planos para criar um negócio viável baseado no desenvolvimento de nossas próprias baterias e uma gama de veículos apropriados para consumidores de todo o mundo. Apenas dois anos mais tarde, a Renault e a Nissan já têm confirmados oito veículos elétricos: o inovador carro de dois lugares da Renault; o Nissan Leaf; comerciais leves de ambas as marcas; e um veículo de luxo da marca Infiniti.

Em apenas doze meses iniciaremos a entrega do Nissan Leaf aos clientes nos Estados Unidos e no Japão. A Renault começará a entregar o primeiro de seus quatro veículos em 2011, e a oferta de produtos disponíveis será cada vez maior.

Como a Aliança Renault-Nissan pode ser avaliada com relação aos concorrentes? Estamos confiantes na nossa tecnologia de baterias de íons de lítio, que a Nissan vem desenvolvendo nos últimos dezessete anos. Produzimos nossas próprias baterias, por meio de uma joint venture com a NEC. Dessa forma, teremos um controle melhor da qualidade, do custo e a habilidade de responder à demanda prevista. Consideramos as baterias como o ponto principal da tecnologia e do negócio. Paralelamente, por meio de uma associação com a Sumitomo, planejamos um negócio de remanufatura, revenda, reutilização e reciclagem das baterias no fim de sua vida útil, dando a elas uma segunda vida como solução de armanezamento de energia.

Fotos: AFP e Corbis/Latin Stock
DE VOLTA AO PASSADO
Silenciosos modelos elétricos circulavam nos Estados Unidos em 1912, carregados em geradores movidos a óleo


Somos também o único grupo automotivo que estabeleceu mais de trinta parcerias com governos, municípios, fornecedores de serviço público e outras organizações de modo a preparar a base para a infraestrutura de carregamento e para os incentivos e políticas que vão estimular os consumidores a adotar carros elétricos. A aceitação difundida de carros com emissão zero requer esforços maiores que aqueles que os fabricantes de automóveis podem realizar. Esse sistema ecológico de carros elétricos ajudará a construir economias de escala e reduzir a apreensão do consumidor de comprá-los e dirigi-los.

Felizmente, o momento é favorável à mobilidade de emissão zero. Os governos, as cidades e outros grupos estão chamando a Aliança Renault-Nissan para expressar o interesse em carros com emissão zero e perguntar o que é preciso para assegurar um lançamento bem-sucedido. A rede de parceiros da Aliança estende-se globalmente. Os acordos existem no Japão, França, Dinamarca, Israel, Portugal, China, Estados Unidos, Canadá, México, entre outros países. A consciência sobre a necessidade de carros de emissão zero está crescendo, mesmo antes de os primeiros produtos estarem nas ruas.

Além da consciência, existe um interesse crescente nos próprios veículos. Como a tecnologia é nova, algumas pessoas estão questionando se terão de trocar a emoção de dirigir pelo bom senso de guiar um carro ecológico. A resposta é não, de modo algum.

A aceleração em um carro elétrico é imediata, e a experiência de dirigir é excelente. O carro é silencioso; o único ruído vem do vento e do rolar dos pneus. Não há nenhum cheiro associado ao motor de combustão. Um carro elétrico tem todas as funcionalidades de um carro normal, com todos os benefícios ambientais adicionados como bônus. Acreditamos que as propriedades inerentes a um veículo elétrico moderno - com seu torque imediato e aceleração estonteante - podem fornecer novas emoções à direção.

Os carros elétricos estiveram presentes por um século, por isso não estamos preocupados em ser os primeiros a reintroduzi-los no mercado. A Aliança Renault-Nissan, entretanto, está ansiosa para conduzir o movimento que tornará a mobilidade de emissão zero uma realidade acessível e prática. Abriremos o caminho oferecendo aos consumidores a primeira linha de veículos elétricos para quem quiser possuí-los, dirigi-los e desfrutá-los, além de ter a satisfação de fazer parte da maior mudança na evolução do automóvel.

Carlos Ghosn é CEO da Aliança Renault-Nissan