terça-feira, novembro 24, 2009

EDITORIAL - O GLOBO

Limites éticos

O Globo - 24/11/2009



Afrontas à lei não se tornam aceitáveis em função do momento em que são praticadas. O presidente Lula praticamente não desceu do palanque no segundo mandato, mas é agora, à medida que se aproxima do calendário eleitoral de 2010, que o descaso do Planalto com as regras de regulação de campanhas políticas fica mais gritante.

Até porque, como hoje há um candidato oficial definido pelo método mexicano do dedazo presidencial, à espera apenas da unção pelo PT, o atropelamento dos prazos legais pela movimentação da ministra Dilma Rousseff não é mais questão de interpretação, mas um fato indiscutível.

Tanto quanto isso é inaceitável que a indicada de Lula para disputar a ocupação do gabinete dele a partir de 1º de janeiro de 2011 já esteja em campanha e continue em cargo público, custeado pelo contribuinte.

Além das normas e regulamentos, há limites éticos comezinhos que deveriam levar o Palácio a pensar duas vezes antes de usar de maneira desabrida o Erário para viabilizar a candidatura de Dilma.

Não há, porém, indícios de qualquer consciência pesada no Planalto, nem no PT. O próprio Lula já analisa sem rodeios a provável conjuntura político-eleitoral dos estados no ano que vem sem preocupação em sequer dissimular que a ministra já é a candidata chapabranca.

Pelo contrário: leva-a a tiracolo em viagens ao exterior e decidiu escalá-la como chefe da delegação brasileira ao encontro de Copenhague sobre meio ambiente, assunto reconhecidamente fora da agenda de preocupações da ministrachefe da Casa Civil, notabilizada por seu viés pró-desenvolvimento a qualquer custo — inclusive os ambientais.

Por distorções da política brasileira, Copenhague virou mais um palanque para o projeto lulista de 2010. Esses desvios não são de hoje.

Há 50 anos, o jornal, na edição de 8 de outubro de 1959, analisava o fato de Lott, candidato à sucessão de JK, manter-se no governo: “Mais de uma vez tem O GLOBO estranhado que o marechal Teixeira Lott ainda se conserve à frente da Pasta da Guerra, e que sua sensibilidade pessoal e cívica não lhe denuncie a impossibilidade moral de acumular o cargo de ministro com sua candidatura à sucessão de Sr. Juscelino Kubitschek.” Ontem quanto hoje, a candidatura cumpria os prazos legais de desincompatibilização — no caso atual, em abril do ano que vem —, mas atropelava a ética de forma irredutível.

Um dos problemas dos usos e costumes da vida político-partidária brasileira é nela a história se repetir, e não como farsa

PAUL KRUGMAN

Ameaça fantasma

O Estado de S. Paulo - 24/11/2009



Enquanto caminhávamos para um novo New Deal, aconteceu uma coisa engraçada. Um ano atrás, a única coisa de que devíamos ter medo era o próprio medo; hoje, a doutrina que predomina em Washington é: "Tenha medo. Tenha muito medo".

O que aconteceu? Os "centristas" do Senado frustraram os esforços para recuperar a economia. Mas as evidências sugerem que, além de enfrentar a oposição, o presidente Barack Obama e seu círculo próximo se sentiram intimidados pelas histórias de horror de Wall Street.

Basta ver o contraste entre o que os assessores de Obama diziam às vésperas de sua posse, e o que ele mesmo afirma agora.

Em dezembro de 2008, Lawrence Summers, que em seguida se tornaria o economista de mais alto escalão do governo, pediu uma ação decisiva.

"Muitos especialistas", alertou, "acreditam que o desemprego poderá chegar a 10% até o fim de 2009". Diante de tal perspectiva, "fazer muito pouco constitui ameaça maior do que fazer demais". Dez meses depois, o desemprego chegou a 10,2%, o que sugere que, apesar de sua advertência, o governo não fez o suficiente para criar empregos. Devíamos esperar então que se sentisse determinado a fazer mais.

Mas, em recente entrevista à Fox News, o presidente pareceu desconfiado e nervoso ao conversar sobre a política econômica. Ele falou vagamente de possíveis incentivos fiscais para criação de postos de trabalho. E prosseguiu: "Entretanto, é importante reconhecer que, se continuarmos aumentando o nosso endividamento, mesmo nos encontrando em plena recuperação, a certa altura as pessoas poderão perder a confiança na economia americana de tal forma que poderá ocorrer uma recessão de dois dígitos".

O quê? A maioria dos economistas com quem conversei aparentemente crê que o maior risco para a recuperação é a inadequação dos esforços do governo: o estímulo foi insuficiente e desaparecerá no próximo ano, porque o alto desemprego está minando a confiança do consumidor e das empresas.

Agora, é politicamente difícil para o governo criar um segundo estímulo abrangente. No entanto, ele deveria pressionar para conseguir a maior ajuda possível à economia. Aliás, devemos lembrar que Obama tem o poder para isso; sua função é convencer os EUA a fazer o que tem de ser feito.

No entanto, o presidente está mostrando que sua opinião coincide com a dos que afirmam que não temos condições de criar empregos. Por outro lado, um relatório no site politico.com indica que o tema central do seu primeiro discurso sobre o Estado da Nação será a redução do déficit. O que ocorreu? Levei um bocado de tempo para desvendar o mistério. Mas será mais fácil compreender os temores de Obama se partirmos do pressuposto de que, direta ou indiretamente, é Wall Street que influencia as posições do presidente.

Desde o início da Grande Recessão, os analistas econômicos de algumas (não todas) companhias de Wall Street alertam que os esforços para combater a crise produzirão problemas ainda piores para a economia. Em especial, afirmam, independentemente da capacidade do governo de obter empréstimos de longo prazo e a taxas de juros relativamente baixas - a qualquer momento, os déficits do orçamento provocarão a perda total da confiança dos investidores e a disparada da taxa de juros.

E é a essa última questão que Obama se referiu na entrevista à Fox News. Sua preocupação se justificará? Picos das taxas de juros de longo prazo já ocorreram no passado, como em 1994. Mas em 1994 a economia americana criava mensalmente 300 mil empregos, e o Fed elevava as taxas de curto prazo. É difícil perceber o motivo pelo qual agora poderia acontecer algo parecido, enquanto a economia continua perdendo empregos sem parar e o Fed não mostra nenhuma vontade de elevar as taxas. É bastante possível que as autoridades estejam aterrorizadas pela ameaça de um fantasma - ameaça que existe apenas em suas mentes.

Qual a fonte da ameaça? Pelo que eu posso afirmar, os analistas que agora advertem que as taxas de juros aumentam sem parar são os mesmos que insistiam, meses depois do início da Grande Recessão, que a maior ameaça era a inflação. E não devemos esquecer que Wall Street - que de certo modo não reconheceu a maior bolha da habitação da história - não chega a ter um histórico confiável de previsão do comportamento do mercado.

No entanto, admitimos que existe certo risco de que, trabalhando mais para sanar um desemprego de dois dígitos, minaremos a confiança das bolsas. Esse risco precisa ser considerado em relação à certeza de que o sofrimento será grande se não fizermos mais - e a possibilidade, como eu disse, de um colapso da confiança entre trabalhadores e empresas.

Summers estava certo pela primeira vez: Diante da maior catástrofe econômica desde a Grande Depressão, é muito mais arriscado não fazer o suficiente do que fazer demais. É uma tristeza dar-nos conta de que o governo aparentemente perdeu de vista essa verdade.

*
Paul Krugman O autor é Prêmio Nobel de Economia

VINÍCIUS TORRES FREIRE

O colchão e o arco-íris


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

Juros reais de curto prazo nos EUA voltam a cair abaixo de zero, como no grande pânico de 2008, mas ações sobem

EM TEMPOS menos anormais, nos países do centro do mundo, depois que ativos tais como ações vivem longas temporadas de alta, grandes investidores agem de modo a antecipar uma alta de juros. Em miúdos, os juros sobem. As Bolsas teriam subido devido a taxas de juros baixas e crescimento econômico maior. Isto é, devido à perspectiva de lucros maiores e ganhos de capital. Mas tais ciclos chegam a um fim. A economia é desaquecida e a vida segue -as coisas parecem assim ordenadas em manuais de economia, mas vá lá. Quando a perspectiva dos juros é de alta, as Bolsas tendem a estacionar ou cair.
Nestes tempos mais anormais que de costume, o rendimento real de títulos do Tesouro americano de curto prazo voltou a mergulhar no vermelho na semana passada. Os papéis rendem menos do que zero -perde-se dinheiro investindo na dívida americana. Mas as Bolsas já subiram muito e continuam a subir como se na ponta dessa curva de alta ainda houvesse um pote de ouro, embora até o arco-íris tenha uma inflexão na direção da terra.
Aparentemente, há dinheiro barato bastante no mundo para que os investidores comprem ações, commodities (petróleo, ouro), imóveis e, também, para que alguns outros mais desconfiados da euforia comprem títulos públicos (quando a procura de títulos é grande, seu preço sobe, seu rendimento cai). Porém, note-se ainda que quem compra títulos do Tesouro não acredita que as taxas de juros vão subir tão cedo (se as taxas sobem, o preço dos títulos cai), seguindo de resto indicações dadas pelo Banco Central americano, na semana passada. Em tese, portanto, essa parte precavida e desconfiada do mercado não acredita nem em alta de juros nem na perspectiva de altas maiores no preço de ações, commodities etc., que já estariam exagerados. Ou seja, acreditam em crescimento baixo por um "extended period", como diz o Fed, sobre sua política de juro zero, e em "correção" nas Bolsas.
Títulos americanos ("treasuries") de três meses rendem agora 0,02%. Em tempos recentes, desceram a esse nível apenas nos dias dos grandes pânicos de 2008, como em meados de setembro, nos dias da quebradeira de bancos nos EUA, ou em dezembro (em junho de 2008, a taxa era ainda de 2%). Diante da catástrofe, era melhor estacionar o dinheiro em papéis do governo e perder algum, dado o rendimento negativo, do que perder tudo no mercado que derretia. Em suma, os investidores mais sofisticados do mundo guardavam dinheiro no colchão.
O cenário de agora é um tanto desconcertante. Há tanto adeptos bem definidos do colchão (que preferem "treasuries") como da especulação (que creem em mais altas na Bolsa).
Mas as duas turmas não podem, em tese, estar simultaneamente "certas" durante muito tempo.
O partido da especulação tem o apoio da turma que faz previsões sobre o destino do dólar, que demoraria a subir mesmo depois do início discreto da alta de juros nos EUA, na segunda metade de 2010, segundo levantamento da agência de notícias financeiras Bloomberg. Dólar barato, em todos os sentidos da expressão "barato", costuma implicar commodities em alta, por exemplo.
E real também em alta.

MARCOS NOBRE

Darwin na sala de aula


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

A ORIGEM DAS espécies" foi o último grande livro científico acessível a uma pessoa simplesmente culta. Está ao final de uma longa linhagem que, desde a baixa Idade Média, procurou estabelecer a autonomia e a independência da ciência em relação à política, à religião e à moral.
Ao contrário de Galileu, Darwin não foi obrigado a abjurar seus escritos. Não por acaso, "Origem" foi produzido e publicado no único país liberal o suficiente para não expulsar Karl Marx de seu território. Pela primeira vez, a disputa sobre a "verdade" de um livro não foi decidida por instituições políticas, econômicas, religiosas ou judiciárias, mas foi travada em grande medida na arena pública.
Cinquenta anos depois da publicação de "Origem", a ciência já tinha se consolidado institucionalmente como conhecimento acadêmico e como aplicação tecnológica. Mas Einstein já não falava uma linguagem acessível a qualquer pessoa culta. A ciência ganhou autonomia. Mas também se especializou. A especialização sempre foi um obstáculo importante para seguir o modelo duradouro de "Origem", em que a ciência deve justificar no debate público sua autonomia e sua independência.
A ciência institucionalizada procura vencer esse obstáculo fazendo divulgação científica, mostrando os avanços tecnológicos do dia a dia como seus feitos, usando figuras como Einstein como emblemas do gênio.
Mas o fato é que a ciência só conseguiu conquistar de fato sua autonomia porque se instalou no currículo escolar. Tendo como matriz a Europa das últimas décadas do século 19, espalhou-se gradualmente a prática da obrigatoriedade e da universalização do ensino até a adolescência. E, não menos importante, esse movimento foi concomitante à implantação progressiva das democracias de massa.
A discussão pública sobre a origem da vida pode e deve comportar todo tipo de posição, sem dúvida. O essencial é que seja preservada e fomentada a tolerância e, se possível, que se alcance uma melhoria da qualidade do próprio debate.
Mas isso não deve ser confundido com o ensino, regulado pelo mesmo Estado que recebe da sociedade o mandato democrático de garantir a autonomia das instituições modernas. Não deve ser confundido com a introdução no currículo escolar de teses criacionistas de qualquer tipo. Se isso acontecer, desaparece a autonomia da ciência e põe-se em risco o próprio debate público e, no limite, a própria democracia. Antes de tudo, é isso o que está em jogo hoje na comemoração de 150 anos desse livro extraordinário.

BRASÍLIA - DF

E agora, José?


Correio Braziliense - 24/11/2009



A pesquisa do Instituto Sensus divulgada ontem reforçou as críticas à estratégia do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que se finge de morto como candidato à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O tucano só pretende decidir se concorrerá à Presidência ou à reeleição para o Palácio dos Bandeirantes em março do próximo ano. Para esses críticos, Serra deveria marcar as prévias do PSDB para disputar a vaga de candidato tucano com o governador de Minas, Aécio Neves, e ir à luta, para evitar a continuada queda nas pesquisas. Caso outra pesquisa confirmar a tendência de queda, a estratégia estará em xeque. Serra aposta tudo na propaganda do PSDB de rádio e tevê para reverter a tendência de queda. Se falhar, será o xeque-mate.

Pela CNT/Sensus, realizada entre 16 e 20 de novembro, na principal simulação, José Serra teria 31,8%; Dilma Rousseff, 21,7%; Ciro Gomes, 17,5%; Marina Silva, 5,9%; e 23,2% não teriam candidato. Na simulação do segundo turno, José Serra teria 46,8% dos votos e Dilma Rousseff, 28,2%. Não teriam candidato 27,1% dos entrevistados. Os principais críticos da postura de Serra são Aécio Neves, que deve anunciar sua candidatura a senador em dezembro, e o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), também candidato ao Senado. Minas e Rio de Janeiro são o segundo e o terceiro maiores colégios eleitorais do país, respectivamente.

Gravidade

A pesquisa do Instituto Sensus mostra que não há transferência de votos por gravidade. Nas simulações, Marina Silva (PV), por exemplo, não herda os votos de Heloísa Helena (PSol), que vão para Dilma Rousseff (PT). José Serra seria o maior beneficiado pela desistência do desafeto Ciro Gomes (PSB), caso o ex-ministro do governo Lula decida concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Finalmente, Aécio Neves (PSDB) está cheio de razão ao se colocar como candidato pós-Lula, distanciando-se de Fernando Henrique Cardoso. O apoio do ex-presidente da República, eleitoralmente, tira mais votos do que transfere.

Secreto

Vice-líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP) cobra a divulgação da execução orçamentária de duas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisadas, uma em São Paulo e outra no Paraná. “A Infraero e a Petrobras não nos passaram os números, que também não estão disponíveis no Sistema Integrado de Administração Financeira, o Siafi”, estrila. O tucano visitou, semana passada, a Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária (PR), e o Aeroporto de Cumbica (Guarulhos), cujas obras estão paradas.

Tráfico



O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay (foto), recebeu apoio de vários países para ocupar o cargo de diretor-executivo do Escritório Mundial da Organização das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), em Genebra. A escolha será feita em dezembro ou janeiro e, na disputa, terá apenas um indiano como adversário. Na América Latina, o apoio é unanime.

Abramovay chegou a ser ministro da Justiça interino por duas vezes, aos 29 anos, quando Tarso Genro viajou ao exterior.




Cabrito



Apesar de frustrado com a replicagem da chapa dos Democratas para o governo do Distrito Federal em 2010, com o governador José Roberto Arruda e seu vice, Paulo Octávio, candidatos à reeleição, o deputado federal Tadeu Filippelli (foto), que hoje comanda o PMDB candango, foi bom cabrito: continua elogiando o governador e o vice e anuncia que vai disputar uma das vagas ao Senado na chapa da coalizão.

Cumbica

A ampliação e a revitalização das pistas e pátios e a recuperação do sistema de drenagem de Cumbica não decolam porque o TCU detectou, em março, superfaturamento, sobrepreço e pagamento por serviços que não constam em contrato. O investimento total é de
R$ 282 milhões

Parafuso

A propósito da lastimável situação de importantes aeroportos do país, a começar por Brasília, o presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Murilo Barboza, participa de audiência pública na Comissão de Infraestrutura e Transportes da Câmara, hoje.

Moita/ Foi discreta a passagem do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, ontem, pelo Congresso. O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), criticou o presidente Lula pela visita e chegou a falar com o presidente da Casa, Michel Temer, para que não o recebesse, “por ser um tirano que nega o Holocausto”. O líder iraniano não foi recebido em plenário no Senado, como é de praxe.

Procura-se/ O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) tenta localizar o ex-agente do DOI-Codi Marival Chaves, para convocá-lo a prestar depoimento na Comissão de Direitos Humanos do Senado sobre o paradeiro dos oposicionistas desaparecidos durante o regime militar. A convocação foi motivada por seu depoimento ao documentário Perdão, mister Fiel, de Jorge Oliveira.

Marolinha/ A recuperação da atividade econômica nos últimos meses começa a se refletir na arrecadação de IPI e Imposto de Renda, segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Os dois impostos compõem o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Investimento/ O governador da Bahia, Jaques Wagner, comemora a ampliação do prazo de isenção fiscal concedido às montadoras de automóveis de 1999 até 2015, depois de um ano tentando convencer o presidente Lula a adotar a medida. O presidente da Ford América Latina, Marck Fields, anunciou que pretende investir R$2 bilhões na duplicação da fábrica da empresa na Bahia.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Retratos de um grupo


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Com esse nome de ecos tecnocráticos, "inodoro" para não atiçar os ânimos da tigrada, o Cebrap, como é conhecido, nasceu em maio de 1969, fundado por professores que o AI-5 havia banido da USP seis meses antes.
"O Cebrap era um bunker, quase um convento, você tinha a ficção de que ali dentro era livre", diz o seu nome mais ilustre, aquele que o idealizou e 25 anos depois iria se tornar presidente da República.
O depoimento de Fernando Henrique Cardoso pode ser visto no documentário em DVD que acompanha o livro "Retrato de Grupo - 40 Anos do Cebrap" (Cosac Naify), que será lançado hoje à noite, no Sesc Vila Mariana, com debate entre o próprio FHC e Chico de Oliveira.
Desde o início, o Cebrap foi um espaço de resistência intelectual à ditadura e um centro interdisciplinar de pesquisa, voltado às tarefas complementares de produzir conhecimento sobre o país e colaborar para transformá-lo na prática.
Essa dupla vocação iria se traduzir em dois tipos de inserção dos intelectuais na vida pública. Por um lado, o Cebrap foi um celeiro de quadros e/ou políticos que a democracia absorveria a partir dos anos 80. Apesar disso, também sobreviveu ali a ideia de que a vida intelectual sai muito prejudicada quando aqueles que devem pensar cedem à tentação de pôr a mão na massa.
É uma posição em baixa e antipática numa época tão pragmática e diante de um governo tão popular, mas que o crítico Roberto Schwarz defende: "O intelectual de esquerda, diante da vitória do capital em nosso tempo, faria melhor aprofundando a análise crítica e guardando distância do poder, além de fazer oposição onde tenha sentido".
Entre tantas passagens comoventes, dois aspectos se destacam no filme: primeiro, o orgulho de cada um por participar de uma experiência intelectual incomum e genuinamente coletiva; segundo, a despeito dessa cumplicidade, as grandes divergências sobre o sentido histórico dos governos FHC e Lula e da relação entre eles.

BENJAMIN STEINBRUCH

"Ipsis litteris"


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

O clima de euforia e a arrogância podem nos impedir de enxergar coisas que ainda têm de ser feitas com urgência

A EXTENSA reportagem da revista "The Economist" da semana passada, que saudou em 14 páginas a decolagem brasileira no cenário mundial, tinha um erro. Informava que a Independência do Brasil ocorreu 1825.
Tirando esse escorregão, o material jornalístico e o editorial principal da revista foram bastante elogiosos sobre o momento vivido pelo país, que seria, "ipsis litteris", o melhor "desde que um grupo de navegadores portugueses (procurando pela Índia) acabou batendo na costa brasileira, em 1500". Mas, em meio a elogios como esse, o texto tem o mérito de levar a reflexões sobre a fase de euforia vivida pelo país.
O maior risco que o Brasil corre, diz a publicação, é se deixar levar pelo que os ingleses chamam de "hubris", ou, em bom português, "arrogância".
A observação é correta. O clima de euforia e a arrogância podem nos impedir de enxergar coisas que, a despeito dos avanços indiscutíveis, ainda precisam ser feitas com urgência no país.
Há um número razoável de problemas, cuja solução exige persistência e determinação. O mais urgente é o do câmbio. Dez entre dez economistas acham que o real está supervalorizado e que isso pode fazer estragos consideráveis na economia brasileira. Só neste ano, a moeda teve valorização de 30% ante o dólar, com efeitos dramáticos para a receita das empresas exportadoras.
Não dá mais para aceitar a explicação jocosa de que o dólar flutua porque é flutuante. Algumas medidas tomadas para atenuar o problema cambial, como a taxação de IOF nos investimentos financeiros, foram insuficientes. Certamente, a flutuação é uma característica do câmbio flutuante. Mas não se pode confundir dólar flutuante com dólar "submergente".
Enquanto o dólar derrete em relação ao real, os juros internos continuam sendo mantidos entre os mais altos do mundo, a despeito da inflação controlada. Só a teimosia pode explicar essa situação, que ajuda a valorizar o real. Não existe rigorosamente nenhum empecilho à adequação das taxas às praticadas em outros países.
Euforia e arrogância também podem nos impedir de enxergar problemas cruciais remanescentes na infraestrutura do país. As deficiências do setor de transportes, por exemplo, muito dependente do sistema rodoviário, não só infernizam a vida nas grandes cidades como comprometem o escoamento da produção. Os investimentos que estão sendo feitos nessa área são insuficientes para sustentar uma nova fase de crescimento da economia.
A competitividade do país, prejudicada por custos da infraestrutura precária, também é comprometida pelos excessivos encargos que recaem sobre os salários. Há uma arcaica legislação trabalhista à espera de reformas.
Outra chaga brasileira é a criminalidade -cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no país.
Os leitores habituais deste espaço, nas terças-feiras, sabem do entusiasmo com que exalto os valores e as conquistas nacionais. Sem um pouco de nacionalismo sadio, não é possível construir nenhuma nação.
Continuo extremamente otimista com a chance que se apresenta para que o Brasil se transforme, nas próximas décadas, em um país moderno e próspero. Mas, como recomenda a "The Economist", esse caminho exige que os brasileiros se dispam da arrogância e enfrentem com coragem as deficiências que ainda ameaçam a expansão sustentada da economia e a melhoria da renda da população.

MÍRIAM LEITÃO

Oriente próximo

O GLOBO - 24/11/09


O presidente Lula disse que o Irã tem o direito de ter um programa nuclear para fins pacíficos. O problema é que o presidente Mahmoud Ahmadinejad não tem jogado limpo com a comunidade internacional. Em setembro, descobriu-se que o Irã tinha uma fortificação nuclear subterrânea escondida. Boas intenções, o Irã não tem, e por isso Lula deveria ter pedido transparência do programa deles.

O programa nuclear iraniano é uma dos pontos obscuros do nosso polêmico visitante de ontem. Não é o único. Sua visita provocou protestos e confrontos. Em parte pelas suas próprias atitudes. Ele administra um governo que atenta contra as liberdades individuais, que é fruto de uma eleição fraudada e manifesta opiniões que chocam a memória e a história. Apesar disso, não tem que ser impedido de visitar outros países.

Não é o único país do mundo a ter esses defeitos.

O problema é que para recebêlo é preciso ter a sabedoria de deixar claro que uma visita não representa um endosso aos seus métodos, suas ideias, seus planos nucleares.

Este mês, a quinta pessoa ligada aos protestos póseleitorais do Irã foi sentenciada à morte. De agosto até sua segunda posse, o número de pessoas executadas chegou a 115, a maioria criminosos comuns. No ano, foram 359. O governo Mahmoud Ahmadinejad quadruplicou as sentenças de morte. É o segundo país que mais executa. O primeiro é a China, onde o presidente americano, Barack Obama, esteve na semana passada.

A reunião de ontem entre o presidente Lula e o presidente Mahmoud Ahmadinejad durou duas horas e 45 minutos. Um exagero, o dobro do tempo dedicado ao presidente de Israel, Shimon Peres. Demorou porque o iraniano dá respostas longas, como se viu na entrevista coletiva. E pela dificuldade de comunicação. O presidente iraniano falava em farsi, era traduzido para o inglês e depois para português; depois a comunicação fazia o caminho inverso: português-inglês-farsi.

Ao final, os dois desceram da Torre de Babel e cada um saiu com uma vitória.

O presidente Lula viu ser incluído no comunicado conjunto o apoio à pretensão brasileira de ter uma cadeira na ONU, e o presidente iraniano viu o presidente Lula defender o direito do Irã ao desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos. Claro, isso todos têm, mas para acreditar que o Irã tem apenas objetivos pacíficos é preciso ser ingênuo ou desinformado.

O Irã foi apanhado duas vezes mentindo para o mundo e para a Agência Internacional de Energia Atômica.

Em setembro passado, por exemplo, foi descoberto que a 32 quilômetros de Qum, ao sul de Teerã, havia uma fortificação subterrânea onde o Irã tinha uma instalação atômica, com capacidade de enriquecer urânio no nível necessário para a construção de bombas.

Em 2003, o então presidente, o moderado Mohammad Khatami, admitiu que o país tinha instalações nucleares escondidas e as submeteu então ao controle internacional.

Em 2005, quando foi eleito, Ahmadinejad defendeu um programa nuclear sem inspeção internacional. Depois aceitou a inspeção, mas construiu uma instalação secreta. Descoberto, disse que poderá mandar enriquecer o urânio fora do país, mas ainda não fez isso, e há temores de que ele já tenha estoque de urânio suficiente.

Diante de tudo isso, não está em jogo se ele pode ter um programa nuclear para fins pacíficos; é que o Ahmadinejad nunca quis ter um programa apenas pacífico. O esforço do Brasil tem que ser, junto com o Conselho de Segurança da ONU do qual quer ser membro permanente, insistir que o Irã dê o máximo de transparência às suas instalações nucleares para dirimir as razoáveis dúvidas que o mundo tem a respeito dele.

O Irã aumentou as execuções de criminosos comuns e as misturou com algumas execuções políticas.

Isso foi entendido como forma de atemorização da oposição que saiu às ruas contra as fraudes eleitorais.

Além disso, outros opositores têm sido condenados à prisão em julgamentos sumários de jornalistas, intelectuais e pessoas ligadas aos protestos contra as fraudes eleitorais.

Só um dado para derrubar todas as dúvidas sobre o fato de que a última eleição do nosso visitante de ontem foi fraudulenta: o Conselho de Guardiões reconheceu que em 50 cidades o número de votos excedeu o número de eleitores. Houve indícios fortes de fraude também na eleição no Afeganistão, país ocupado pelos Estados Unidos.

O Brasil não pode negarse a ter relações com o Irã porque é um governo repressor.

Nem mesmo porque sustenta posições inaceitáveis.

O primeiro-ministro Berlusconi declarou que o ditador fascista Benito Mussolini nunca matou ninguém, ofendendo também a memória e a história.

O comércio entre Brasil e Irã passa de US$ 1 bilhão, com os iranianos comprando US$ 1,1 bilhão e vendendo apenas US$ 14 milhões.

Há oportunidades de negócios e cooperação econômica.

Mas há duas coisas a se evitar num encontro presidencial com o Irã: apoio ao obscuro programa nuclear dele e apoio a certas opiniões esdrúxulas que ele defende.

Barack Obama foi à China.

País que censura toda a manifestação de pensamento, inclusive através da internet.

Mesmo assim, ele fez uma reunião com estudantes em que falou de liberdade e democracia. Foi censurado.

Mas fez seu ponto.

O presidente Lula quando foi à Líbia disse que o ditador que está no poder há quase 40 anos, Muammar Kadafi, estava no meio de um processo de democratização.

Negócios são negócios, mas esse tipo de endosso é desnecessário e inconveniente.

JOSÉ PASTORE

Cláusulas sociais - uma nova investida

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/11/09


Os países ricos não se emendam: pregam o liberalismo para os pobres e usam o protecionismo para si mesmos. Novas leis estão sendo cunhadas nos EUA e na União Europeia (UE) com vistas a estabelecer critérios ambientais e trabalhistas para o comércio internacional.

O filme é antigo. Na reunião do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês) realizada em Marrakesh em 1994, a França e os EUA tentaram vincular as importações ao cumprimento de padrões trabalhistas, sob o argumento de que os países que desrespeitam tais padrões praticam um dumping social. Mais tarde e já no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), que sucedeu o Gatt, os países da Escandinávia engrossaram esse coro, declarando que seu propósito era o de melhorar a condição de vida dos trabalhadores dos países pobres.

Estes sempre reagiram e rejeitaram tais "ajudas", impedindo que a OMC viesse a adotar normas trabalhistas como critério para as compras internacionais.

Em 1996, na reunião de Cingapura, a OMC reconheceu a Organização Internacional do Trabalho (OIT) como o organismo mais competente para tratar das questões trabalhistas. A partir de então, a OIT passou a pesquisar as dimensões sociais do processo de globalização, apresentando, em 2004, um excelente relatório sem, contudo, recomendar a utilização de normas trabalhistas como condições para o comércio mundial.

De lá para cá os dois organismos têm realizado vários estudos sobre comércio, emprego e normas trabalhistas. Em nenhum deles se propõe o uso de critérios trabalhistas para orientar as importações ou exportações dos Estados-membros.

A resistência a esse tipo de expediente não é xenofobismo. Há inúmeros problemas de ordem prática que, se não resolvidos, dariam aos países importadores uma força colossal para bloquear as exportações dos países mais pobres. Um deles diz respeito à própria definição das normas mínimas. Outro se refere à autoridade que iria implementar tais normas. Há ainda a questão de saber que tipo de sanção seria aplicada nos casos de eventuais violações dessas normas. São problemas complexos.

É claro que todos os países querem o melhor para seus trabalhadores. Mas, em decorrência de uma decisão arbitrária de não importar, os países mais ricos podem condenar a economia dos países mais pobres à estagnação, agravando ainda mais as condições dos trabalhadores que eles dizem defender. O discurso humanitário e fundado na retórica dos direitos fundamentais da pessoa humana é munição para dar aos países mais ricos motivos adicionais para impedir a entrada de bens e serviços de fora para não prejudicar as empresas e os empregos de dentro.

Numa hora em que EUA e UE passam por uma severa crise de empregos (que não tem nada que ver com os países mais pobres), não surpreendem as iniciativas de parlamentares, governos, associações empresariais e organizações sindicais para criar todos os tipos de barreiras para impedir as importações. O que eles não conseguiram na OMC em termos mundiais estão tentando estabelecer em bases nacionais.

Precisamos estar muito atentos para não cairmos em mais um canto da sereia. O Brasil tem feito um esforço bem-sucedido de reduzir o trabalho infantil. Desde a implantação da Bolsa-Escola (1994) os avanços têm sido expressivos. A parcela de crianças e adolescentes que têm menos de 16 anos, trabalham e não estudam é mínima e vem caindo a cada ano. O mesmo ocorre com o trabalho escravo, e, neste caso, o que ainda persiste é devido, em grande parte, à elasticidade do conceito utilizado. Convenhamos. A escravidão propriamente dita está fora do mapa do Brasil há mais de cem anos.

Apesar desses avanços, nosso país não está livre dos efeitos deletérios para o emprego e a renda dos trabalhadores, caso esses países decidam aprovar essas cláusulas sociais (trabalhistas e ambientais). Nessa hipótese, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estima que o Brasil perderia mais de 15% de suas exportações para os EUA e, talvez, um porcentual ainda maior para a UE. É claro que esse tipo de imposição será fortemente questionada no âmbito da OMC. Afinal, aquele organismo nunca aprovou o atrelamento do comércio internacional a normas trabalhistas ou ambientais.

É irônico. No campo ambiental, quem mais resiste à adoção de metas de descarbonização do planeta são os EUA. É o mundo do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

*José Pastore é professor de relações do trabalho
da FEA-USP. Site: www.josepastore.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Antes perto do que inacessível

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/11/09


BRASÍLIA - Mahmoud Ahmadinejad vem aumentando sua presença na América do Sul, que fica logo abaixo e sofre influência direta do arqui-inimigo do Irã, os EUA. Não deve ser por acaso.
Primeiro, Ahmadinejad passou a visitar a Venezuela com uma frequência curiosa. Depois, aproximou-se do Equador e da Bolívia. Agora, botou literalmente os pés no Brasil, trazendo mais de 200 empresários de vários ramos, de agricultura a energia.
Diplomacia se faz muito pelos interesses bilaterais, um pouco pelos regionais e às vezes pelos multilaterais. Na vinda de Ahmadinejad, esses três ingredientes estiveram fortemente presentes, enquanto gays, feministas, bahá'ís e judeus gritavam do lado de fora dos palácios. Para o mundo ouvir. A visita é mais um marco da polêmica política externa brasileira, que já criou "frisson" com uma cúpula Mercosul-países árabes em Brasília e atraiu ao país num só mês os presidentes de Israel, da Autoridade Palestina e agora do Irã.
A intenção não é assumir um lado da questão, nem apoiar o regime iraniano, muito menos compactuar com as barbaridades de Ahmadinejad, que nega o Holocausto e já pregou "varrer Israel do mapa".
É, ao contrário, fazer como o Brasil faz inclusive com a Venezuela de Chávez: perto o suficiente para ter penetração e diálogo, longe o necessário para não se comprometer com regimes, governos ou decisões pontuais. Ao contrário, tendo força moral para criticá-los. É melhor ter o Irã por perto e submetido a alguns compromissos do que tê-lo isolado para fazer o que bem entender. Aliás, o simples fato de haver uma crescente oposição interna é bom sinal. Ahmadinejad sabe que ela não está sozinha e que o mundo está de olho. Não deixa de ser uma forma de proteção.
Engana-se quem acha que é uma ação do Brasil veladamente contra os EUA. Ao contrário, trata-se de um jogo bem combinado.

TODA MÍDIA

A visita

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/11/09


Os israelenses "Haaretz" e "Jerusalem Post" passaram o dia com chamadas na home para o "Café com o Presidente" em que Lula defendeu não "isolar o Irã". Mas estavam ambos mais atentos às negociações de seu próprio governo com o Hamas, para a troca de um soldado por "centenas de palestinos".
O iraniano "Tehran Times" deu manchete no papel e depois on-line para "Ahmadinejad encontra Lula". O site do canal de notícias estatal Press TV fechou o dia com a notícia, sem destaque, de que o "Brasil quer solução justa para a questão nuclear".
Na Al Jazeerah, o canal do Qatar, a correspondente Lucia Newman destacou os protestos.

Nos EUA, foi uma das principais notícias do dia, no agregador da Slate. No alto das páginas iniciais de "Wall Street Journal" e do Huffington Post, despachos sobre o "Café com o Presidente".
Na home do "New York Times", fim do dia, o correspondente Alexei Barrionuevo também se concentrou no programa de rádio, com a chamada "Presidente do Brasil defende visita de líder iraniano".
Encerrada a visita, o "Financial Times" postou que "Irã e Brasil pedem reforma da ONU".

Por aqui, por Folha Online e outros, "Lula defende enriquecimento de urânio para fins pacíficos no Irã". Já o "Jornal Nacional" abriu descrevendo um Brasil "no centro das atenções no mundo".

COTOVELADA
Por aqui, ecoou também a reportagem do "NYT", no papel, "Brasil acotovela EUA no palco diplomático". Na tradução da BBC Brasil, "dá cotovelada". O correspondente ouviu o chanceler Celso Amorim e o Departamento de Estado, este dizendo esperar "que o Brasil interprete um papel construtivo no esforço de levar o Irã a fazer a coisa certa". A instituição Inter-American Dialogue, de Washington, avaliou que foi "parte da ação do Brasil de projetar seu papel como ator global", o que inclui "enviar uma mensagem a Washington de que vai lidar com quem quiser".
O "FT", que abriu foto de protesto na capa (acima), disse ser um "teste para a diplomacia brasileira" e também deu voz para o Departamento de Estado.

NO MEIO DO PALCO
A instituição Americas Society, de Nova York, também citada nos jornais, postou diversas análises sob títulos como "Lula eleva perfil no Oriente Médio" e "Brasil amplia papel nas discussões entre israelenses e palestinos", com as visitas dos respectivos presidentes. Em vídeo, um diretor questionou o governo brasileiro por romper o isolamento quando a "comunidade internacional tenta isolar o Irã por suas ambições nucleares".
Por outro lado, o blog da Americas Society postou que em semanas a Polícia Federal começa a usar os aviões não tripulados (acima) que adquiriu como "parte do acordo" fechado com Shimon Peres, presidente de Israel. A estreia é sobre as favelas de Rio e São Paulo.


MORATÓRIA DE RICO

Na semana do alerta da "Economist" para o "buraco" nas contas públicas dos EUA (imagem acima), o "NYT" publicou ontem a manchete "Governo americano enfrenta onda de pagamentos de dívida". Em suma, "uma montanha de dívida" e "um balão de pagamentos de curto prazo nos próximos meses". Os investidores globais já estariam "mudando seu dinheiro" dos títulos do Tesouro dos EUA "para ações de empresas privadas e para países em rápido crescimento como o Brasil e a China".
Na mesma linha, o "FT" publicou que "Crescem apostas em calotes nos países ricos". O endividamento crescente, EUA inclusive, "está levando os investidores a usar o mercado de derivativos para apostar na moratória dos títulos dos governos ricos". Destaca a Itália.

SOB CONTROLE
O "Valor" destacou, da Bloomberg, que "analistas de mercados emergentes estão reduzindo as recomendações de "comprar" o Brasil para baixa recorde", pois as ações ficaram "caras" e "o governo impõe taxas".
Já Jim O'Neill, criador dos Brics, falou ao Portal Exame para a manchete "Brasil acerta ao taxar estrangeiro". Ele diz que se "preocupou um pouco" com o país na capa da "Economist", "porque a revista, de vez em quando, publica verdadeiras bobagens". Porém:
"Dito isso, desta vez eles estão certos. O Brasil vai crescer a uma taxa média de 5%, 6%, o que o transformará, quem sabe, na quarta economia até 2020.

JANIO DE FREITAS

O visitante

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/11/09


Problemas personificados por Ahmadinejad dão à conversa com Lula utilidade promissora, por mais remota que seja

AS CRÍTICAS feitas a Lula por receber a visita já há meses pedida pelo presidente Ahmadinejad, sem se excluírem sequer as que fazem a associação de razões religiosas e razões políticas, são convencionais e contraditórias.
O que justifica as conversas entre os dois presidentes é aquilo mesmo que as críticas tomam como motivos para repudiar a presença de Ahmadinejad. Os encontros de dirigentes que representam países sem desacordos entre si mal passam, quando passam, de recepções festivas e congraçamentos óbvios. E, se passam, muitas vezes é para entendimentos marotos, em que o mais dotado para os negócios amarra o outro em compromissos como gastos de dezenas de bilhões com submarinos e aviões que não são os melhores nem os menos custosos, e, ainda, com ilegalidades que repassam bilhões para uma empreiteira.
Os problemas personificados por Ahmadinejad, como política do Irã e como atitude pessoal, é que dão à conversa com Lula uma utilidade promissora, por mais remota que seja. E tornada mais perceptível pelo próprio Ahmadinejad, com sua "convicção de que o presidente Lula pode ter um papel importante na intermediação" no Oriente Médio. A visita que comporta a discussão das posições iranianas e das concepções de Ahmadinejad só pode ser positiva, no mínimo por levar esse presidente fechado em seu extremismo a ouvir uma voz que, se a procura, é por lhe atribuir alguma significação.
Com o propósito de antecipar-se a Ahmadinejad, aqui esteve o presidente Shimon Peres, de Israel. Maior expressão de estadista israelense nos últimos 30 anos, e por isso mesmo sempre combatido pela direita e pelo fundamentalismo religioso em seu país, Peres esteve em recepções muito simpáticas, mas não consta que promissoras em sentido algum. Ao contrário, o único reflexo dado por Lula, de suas conversas políticas com Shimon Peres, é de contrariedade: "O presidente de Israel me disse aqui que não haveria mais assentamentos em terra palestina, e já houve".
Era referência ao fato de que, apenas 48 horas passadas da afirmação de Shimon Peres, em resposta à reiterada opinião de Lula de que assentamentos impedem até conversa de paz, o primeiro-ministro belicoso Binyamin Netanyahu autorizou novo assentamento com cerca de 1.000 moradias. Contra, inclusive, o recente acordo feito com o governo Obama. Melhor seria que aqui viesse discutir o primeiro-ministro da insensatez israelense, se dado a admitir opiniões contrárias às suas.
Nem se sabe, e não é provável que venhamos a saber, o que de fato Ahmadinejad fez questão de vir dizer, em pessoa, a Lula. Mas ajuda para agravar os tremores no Oriente Médio não há de ser, porque o Irã dela não necessitaria, nem o Brasil teria como dá-la. Ainda bem.

Isto mesmo
O ministro Carlos Ayres Britto continua explicando os seus interessantes votos no Supremo Tribunal Federal, um decidindo pelo que chama de "extraditibilidade" de Cesar Battisti, outro passando do STF para Lula a obrigação de decidir sobre a "extraditibilidade". Recorre agora o ministro a outro caso de extradição, há dois meses, do qual foi relator:
"As notas da sessão mostram como tudo que se passa agora já estava lá. O ministro Marco Aurélio perguntou se a decisão resultaria no "pedido de imediata entrega formulado pelo governo requerente". Eu respondo claramente "imediata entrega, não; imediato cumprimento do acórdão'".
Ou seja, segundo a resposta de Ayres Britto invocada pelo próprio, a decisão estava no acórdão do STF, e não transferida para o presidente da República, ao qual cabia só o seu "imediato cumprimento".
Ayres Britto invoca ainda a transcrição da palavra do colega Eros Grau naquele julgamento: "O ministro Eros Grau diz claramente: "A execução compete ao presidente'".
A execução, só. Não a decisão de executar ou desconsiderar o acórdão do STF, como votaram no caso Battisti os dois ministros. A diferença entre executar e decidir continua resistindo muito bem.

ARI CUNHA

Educação fora das quatro paredes

CORREIO BRAZILIENSE - 24/11/09


Bom comportamento e boas notas no Sistema de Avaliação do Desempenho das Instituições Educacionais (Siade) são as condições para participar do programa do Ministério do Turismo Viaja Mais, Jovem. A execução no DF é de responsabilidade do Centro de Excelência em Turismo da UnB. Alunos de escolas públicas Passeiam pela própria cidade e arredores com direito a refeições, estudos e muita diversão. Em cada ônibus, 40 estudantes, além de dois professores e do guia turístico, seguem o roteiro cívico, rural e cultural em aula agradável e inesquecível. Escolas do Riacho Fundo, Taguatinga, Ceilândia e Asa Sul visitaram a Catedral, a Praça dos Três Poderes, o Complexo Cultural da República e o Congresso Nacional. Muita cantoria enquanto o ônibus segue o caminho. O resultado é enriquecedor para os professores e alunos. Não há custos para os participantes. A parceria entre a Secretaria da Educação e o Ministério do Turismo banca o projeto, que quer alcançar 2,5 mil pessoas. O Viaja Mais, Jovem começou no Acre e vai acontecer por todo o país. Para Aírton Pereira, secretário nacional de Políticas de Turismo, essa ação vai fortalecer o mercado interno, com o estímulo do turismo, além de proporcionar aos estudantes carentes a oportunidade de conhecer melhor a cidade. (Circe Cunha)



A frase que foi pronunciada

“No lápis da vida não há borracha.

»Aldemir Martins


Xadrez
»A próxima semana será decisiva para o PT. A direção nacional do partido do presidente da República vai escolher o novo comando petista. O nome terá que ser de um bom articulador entre o presidente Lula, o partido e filiados. É o traçado da campanha eleitoral de 2010 que está em jogo.

Mão única
»Fala-se em rombo na Previdência Social se os aposentados e pensionistas que ganham mais de um salário mínimo tiverem reajuste. Mas algum dia essa mesma Previdência teve depositado o valor que os trabalhadores ativos esperavam receber quando aposentados. Cabe apenas ao contribuinte ter caixa para cumprir os compromissos.

Outro lado
»Já o governo anuncia o crescimento de 0,90% na arrecadação da Receita Federal. A porcentagem é comparativa a outubro de 2008 e mostra um total de R$ 68,839 bilhões. A transferência de depósitos judiciais e o pagamento de impostos atrasados são os responsáveis pelo resultado.

Pagamento
»Pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores/Sensus indica que neste ano os brasileiros estão de olho no 13º salário. A maioria não pensa em gastar com lazer ou aquisições. Quer mesmo é quitar débitos.

Novidade
»Falta pouco tempo para que a internet móvel tenha a mesma agilidade que a internet fixa. A Anatel quer ousadia nas metas para os serviços 3G das operadoras de telefonia. As novas regras já existem e estão na agência reguladora.

Diplomacia internacional
»Na arrumação de faixas para receber o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, um grupo fazia coro com as ideias de Hugo Chávez. Era contra o “imperialismo” norte-americano e dava as boas-vindas a Ahmadinejad. Outro grupo era formado pela comunidade judaica. Achava um absurdo a visita. E o Brasil tem a sua paz tocada pelos olhos do mundo.

Estranho
»Um carro oficial foi apreendido com contrabando e notas fiscais em branco.
O casal abordado em uma estrada do interior de São Paulo disse que o automóvel foi alugado.
A conversa ficou sem sentido e pode ser o fio de uma meada grande envolvendo funcionários públicos e políticos.

Estagiários
»Dois projetos podem significar muito para os estudantes e estagiários. A Comissão de Assuntos Sociais do Senado vai examinar o projeto do senador Mesquita Junior que garante o vale-transporte, e o senador Tasso Jereissati atrela o bom desempenho do aluno a um valor adicional no Programa Bolsa Família.

Raios
»Deu apagão na Agência Câmara de notícias.
O incidente técnico não tem nada a ver com a ordem do presidente
da Casa, Michel Temer. Ele encaminhou à corregedoria casos
de deputados que apresentaram notas frias para justificar a verba indenizatória.


História de Brasília

O supermercado UV-1 dispõe apenas de sacos pequenos, e por isso, as filas ainda são maiores, atualmente. (Publicado em 21/2/1961)

MERVAL PEREIRA

Recados eleitor

O GLOBO - 24/11/09


Mesmo sem assumir a pré-candidatura à Presidência da República, o governador de São Paulo, José Serra, tornou-se a referência para a disputa presidencial, e a pesquisa CNT/Sensus divulgada ontem tem recados importantes tanto para ele quanto para o governo.

No cenário com o deputado federal Ciro Gomes disputando pelo PSB, Serra lidera com 31,8%, mas cai do patamar de 40% que vem mantendo nas últimas pesquisas. Isso quer dizer que a disputa polarizada entre ele e a ministra Dilma Rousseff lhe é benéfica.

Mas há outro ponto importante para a definição do eleitorado: a influência negativa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso exerce sobre o candidato que lhe seja próximo. Nada menos que 49,3% dos pesquisados disseram que não votariam em um candidato apoiado pelo ex-presidente.

Essa avaliação mostra que, até o momento, o presidente Lula está correto em querer que a eleição venha a ser plebiscitária, com uma comparação entre o seu governo e o do ex-presidente, ao mesmo tempo em que o governador de São Paulo está certo ao querer uma confrontação direta entre ele e a ministrachefe da Casa Civil, sem intermediários.

Serra vive dizendo que nem Lula nem Fernando Henrique são candidatos, e não se lança justamente para evitar ser um alvo direto do presidente Lula, querendo esperar março para, então, se confrontar com Dilma, e não com Lula.

Mas essa demora para decidir quem será seu candidato está claramente prejudicando o PSDB que, embora liderando as pesquisas, vem perdendo espaço político para o governo.

É evidente que dizer, como fez o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, que o governador paulista perdeu cerca de 15 pontos percentuais em um ano é erro estatístico, além de uma avaliação política equivocada.

Q u a n d o c o n f ro n t a d o apenas com Dilma e a provável candidata do Partido Verde, senadora Marina Silva, o governador José Serra mantém os mesmos 40,8% que tinha em setembro, enquanto Dilma varia pouco acima da margem de erro, com 23,5% (tinha 19,9% em setembro) e a senadora Marina Silva cai para 8,1% (tinha 9,5% em setembro).

Não há na série histórica das pesquisas CNT/Sensus nenhum cenário anterior com apenas os três candidatos, e nem outra com os quatro, incluindo Ciro Gomes.

Portanto, as comparações são indevidas. No cenário polarizado, o governador José Serra continua ganhando no primeiro turno.

O potencial candidato do PSB, Ciro Gomes, se sai bem na pesquisa, mostrando sua força eleitoral, chegando a ficar na frente no cenário em que Aécio Neves é o candidato do PSDB.

Quando ele surge na lista juntamente com Dilma Rousseff, não apenas fica quase em empate técnico com ela — 21,7% para Dilma contra 17,5% para Ciro — como tira votos de Serra, que cai para um patamar de 30%.

Esses números reforçam sua tese de que ter dois candidatos da base governista é a melhor tática para combater a candidatura tucana.

Além do mais, o deputado Ciro Gomes conseguiu uma proeza: sua rejeição junto ao eleitorado recuou nada menos que 15 pontos percentuais, passando a ser um dos menos rejeitados pelo eleitor: de 39,9% dos eleitores em setembro, para 25,3% na nova rodada da CNT/Sensus, ficando atrás apenas de Aécio Neves, que agora tem 22,8%.

Por incrível que possa parecer, Ciro hoje é menos rejeitado do que Serra e Dilma, os dois favoritos, o que mostra que ele é um candidato competitivo quando controla seu temperamento.

O governador Aécio Neves, se continua não sendo individualmente um candidato competitivo, ficando em terceiro lugar quando aparece como o nome tucano, mostra que pode fortalecer uma chapa.

Mas a situação dele é ambígua: quando aparece como vice da chapa de Serra, cenário que era o dos sonhos para os tucanos, mas que ele rejeita formalmente, a chapa do PSDB cresce para 35,8%.

Mas quando aparece na cabeça de chapa, com Ciro Gomes como vice, a dupla recebe 32,4% dos votos, v e n c e n d o a c h a p a D i l ma/Temer.

O recente encontro dos dois em Belo Horizonte suscitou uma série de especulações e criou um clima de mal-estar entre os tucanos.

Os números dessa pesquisa podem voltar a criar um clima de tensão partidária dentro do PSDB.

Nada indica, no entanto, q u e e s s a d o b r a d i n h a PSDB/PSB possa se tornar realidade, menos pelo fato de o PSB ser da base governista do que pelas divergências profundas que existem entre o deputado e o grupo paulista do PSDB que comanda o partido, especialmente o ex-presidente Fernando Henrique e o governador José Serra.

Além do mais, se o governador de Minas, em uma chapa puro-sangue tucana, ajuda a consolidar a vantagem do PSDB, não há lógica em tentar fazer uma revolução interna no seu partido para tentar viabilizar uma composição política polêmica dentro do partido.

A favor da tese de Aécio Neves de que a candidatura deveria ser “pós-Lula” e não “anti-Lula”, estão os números da popularidade do presidente da República e sua capacidade de transferir votos para sua candidata, cujo limite é até agora uma incógnita.

O fato é que Dilma Rousseff cresceu bastante no último ano, mas não o suficiente.

Ela atingiu o patamar de 20% que, não por coincidência, é o mesmo índice dos que dizem que votariam no candidato indicado por Lula, e também o índice estimado de apoio do PT entre os eleitores.

A partir daí, ela teria que demonstrar ter vida própria como política, o que até agora não aconteceu. Será preciso verificar se o presidente Lula terá êxito na tarefa de ampliar o eleitorado de Dilma. Há um conjunto de eleitores que se dispõe a votar num candidato apoiado por Lula, mas quer conhecêlo (a) melhor. É aí que está o desafio.

LUIZ GARCIA

Portas abertas

O GLOBO - 24/11/09

Foi um dia só. Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, e mais 200 empresários passaram 24 horas em Brasília e certamente tiveram muito pouco tempo para aprofundar as relações econômicas entre os dois países.

No outro lado da moeda, o tempo também foi escasso para afetar negativamente o prestígio internacional do Brasil, por ter hospedado um chefe de Estado que defende fortemente — muitos diriam histericamente — uma visão fictícia da realidade mundial.

Ahmadinejad, por exemplo, não acredita no Holocausto. Para ele, não houve a matança de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Ele aparentemente precisa desse argumento para justificar outro: o de que não há razão para a existência de Israel.

Essa posição oficial do governo iraniano cria para Ahmadinejad um sério problema de credibilidade. Se a política doméstica e externa do Irã é apoiada em grande parte pela sustentação de uma mentira absoluta e escandalosa, em que momento e com que argumentos o Brasil deve ou pode confiar em qualquer outra afirmação ou promessa do Irã? Se não existe a premissa de recíproca boa-fé, todo entendimento parece inevitavelmente comprometido.

Por outro lado, nunca fechamos as portas a chefes de Estado de países com os quais temos relações diplomáticas.

Um país com legítima ambição de ampliar seu prestígio internacional, dentro e fora dos limites das Nações Unidas, não volta as costas a quem até agora não nos ofendeu ou agrediu.

Existe o argumento de que, mantendo boas relações com o governo iraniano, Lula poderia dar um passo no sentido de obter concessões de Ahmadinejad no campo dos direitos humanos. Parece otimista demais.

Por outro lado, o mesmo pode ser dito sobre a esperança de que, ao levar um fora do Brasil, os aiatolás começariam a pensar em respeitar esses direitos.

No fim das contas, o melhor mesmo pode ser defender a imagem do país de portas abertas. Recebemos Shimon Peres outro dia, ontem foi a vez de Ahmadinejad. Sem fazer julgamentos, conversamos com ambos.

Parece uma solução razoável. Não tão satisfatória quanto uma opção ética — mas, como qualquer diplomata pode explicar, com fartura de exemplos — não dá para fazer opções éticas todo dia.

ARNALDO JABOR

A burrice na velocidade da luz

O GLOBO - 24/11/09

A burrice mais crassa toma o poder no mundo. Claro que é uma generalização, mas a crescente complexidade da vida social, a superpopulação, o fracasso das ideologias, tudo leva ao declínio da esperança e conduz os homens à busca da "fé". A fé é aquilo em que acreditamos contra todas as evidências. Cai o teto da igreja, os fiéis morrem e os sobreviventes continuam a louvar Deus. E não só fé religiosa; mas política.

Depois de um momento de esperança, de que tudo mudaria com Obama, vemos como ele é barrado pela muralha da estupidez e, em breve, do racismo. A democracia, com suas complexidades, traz a fome de autoritarismo.

A grande sedução do simplismo (e do mal) é que ele é uno, com contornos concretos, visível. Mata-se um sujeito e ele vira uma "coisa" dominada.

Nada mais claro que um cadáver, decapitado no Iraque ou na favela do Rio. Por outro lado, a democracia pressupõe tolerância, controle da parte maldita, animal, implica renúncias e a angustiosa contemplação da diferença.

A estupidez, não: ela é clara, excitante, eficiente.

É a vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras. Inteligência é chata - com seus labirintos. Inteligência nos desampara; burrice consola, explica. O bom asno é bem-vindo, o inteligente é olhado de esguelha. Na burrice, não há dúvidas. A burrice não tem fraturas. A burrice alivia - o erro é sempre do outro. A burrice é mais fácil de entender. A burrice é mais "comercial". A burrice ativa e autoconfiante parece uma forma perversa de "liberdade". A burrice é a ignorância com fome de sentido. O problema é que a burrice no poder chama-se "fascismo". Há tempos, me impressionou a declaração de austríacos nazistas: "Votamos no Haider (o neonazista) porque não aguentamos mais a monotonia da política, o tédio do ‘bem’, do ‘correto’. Sente-se no ar uma fome de chefes. Ninguém se liga muito na liberdade fraternal. O sucesso planetário dos evangélicos, as massas delirando com ídolos de rock ou com ditadores como Chávez e Ahmadinejad mostram a solidão da democracia diante dos anseios por slogans irracionais, pelo fundamentalismo da crueldade prática das "soluções finais".

Nos anos 60, havia o encantamento de uma nova era, com a glória da juventude, a alegria da democracia criativa; achávamos que a ciência e a arte iam nos trazer uma nova beleza de viver. Em 68, não foram apenas as revoltas juvenis que morreram; começou uma vida congestionada, sem espaço para sutilezas de liberdade. O ano de 1968 virou o mundo para a direita, depois de um breve e claro instante. Assassinarem Luther King, Bob Kennedy, Praga livre foi massacrada. Na cultura, os anos 70 começaram com a frase profética de Lennon de que "o sonho acabara" e, logo depois, com a morte sintomática de Janis Joplin e Hendrix, com o fim dos Beatles e com a chegada dos caretas "embalos de sábado à noite". Parece bobagem, mas uma falsa "liberdade" careta (disfarçada de "revolta") virou o principal produto do mercado de massas - a volta da burrice foi triunfal.

Claro que o mundo está mais informado, comunicando-se horizontalmente, digitalizado pelos milagres da tecnologia da informação, internet etc... Claro. Mas os efeitos colaterais são imensos. Vejam nos Twitter e Orkuts da vida a burrice viajando na velocidade da luz.
Junto com a revolução da informação há a restauração alegre da imbecilidade. Lá fora, Forrest Gump, o herói babaca, foi o precursor; Bush foi seu sucessor, orgulhoso da própria burrice. Uma vez, em Yale, ele disse: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos EUA".

Atenção: não penso em Lula no Brasil, não. Ele é inteligentíssimo e tem a sagacidade de usar a ignorância não só como medalha de sucesso ("Eu era ignorante e venci"), mas sabe também, brilhante e pragmático, que as plataformas políticas têm de ser óbvias e de fácil leitura.
Vai explicar o que é "sub-peronismo" para as massas do Bolsa Família...

Daí, uma das razões para o "nada" da oposição atual tucana: a dificuldade de se formular uma plataforma suficientemente burra para ser entendida. No Brasil, contaminado pelo ar do tempo, a fome de simplismo domina a política, a cultura e a vida social. Vivemos em suspense, pois o pensamento petista, dominante entre acadêmicos e intelectuais (mesmo os que se opõem, têm medo de ser "contra"), continua com a ideia de "confronto", de "luta de classes", de "tomada do poder", como tumores inoperáveis na cabeça.

Isso cria também entre nós apenas um ânimo de queixas e rancor diante da vitória acachapante do "lulismo". Não há mais polêmicas; apenas a aceitação do atual governo como um destino inevitável.

Lula não é filho do Brasil não; é o "cavalo" do Brasil - nele baixaram todos os desejos simplistas da população, que ele executa com maestria e maquiavelismo. Muita gente acha que a burrice é a moradia da verdade, como se houvesse algo de "sagrado" na ignorância dos pobres, uma sabedoria que pode desmascarar a "mentira inteligente" do mundo. Para eles, só os pobres de espírito verão Deus, como reza a tradição.

Lula pensou, brilhantemente: "Sabe o que mais? O Brasil é burro demais para uma política sofisticada. Vou manter a macroeconomia que o FHC deixou e aceitarei toda a canalhice do sistema político; é a única maneira de governar". É incrível, porque a mistura de sorte na economia mundial com esta "sabedoria da ignorância" tem dado alguns bons resultados.

Há no ar uma fome de regressismo autoritário, como se do casebre com farinha, paçoca e violinha viessem a solidariedade e a paz que deteria a marcha do mercado voraz. É espantoso, repito: um mundo cada vez mais complexo e evoluído na tecnociência anseia pela obviedade autoritária. Do Islã à velha esquerda queremos o maniqueísmo e o voluntarismo grosso.
Outro dia, vi um daqueles "bispos" de Jesus de terno e gravata na TV, clamando para uma multidão de fiéis: "Não tenham pensamentos livres; o Diabo é que os inventa!".