A relação agreste de Dilma Rousseff com a verdade custou-lhe sossego e poderá custar a candidatura |
A MINISTRA Dilma Rousseff tem uma relação agreste com a verdade e isso vem lhe custando o sossego, podendo custar a candidatura à Presidência da República. Nosso Guia desafiou Lina Vieira ("essa secretária") a mostrar sua agenda para provar que se encontrara com a ministra Dilma Rousseff. A servidora estimou que o encontro pode ter ocorrido no dia 19 de dezembro passado, mas anotação na agenda parece que ela não tem.
É Lina Vieira quem precisa provar que esteve no Planalto e até agora tem o suporte da memória de sua chefe de gabinete. Outro servidor capaz de recordar a data do interesse pelo caso de Fernando Sarney era o diretor de fiscalização, Henrique Freitas, que ficou com a cabeça a prêmio. A ausência da data do crime leva água para a teoria segundo o qual o encontro não ocorreu. É a palavra de uma contra a da outra.
A repórter Leila Suwwan foi conferir a agenda da ministra no final de dezembro de 2008 e descobriu que os encontros e eventos incluídos no sítio do Palácio do Planalto estavam embaralhados, misturando dias e cerimônias. Desapareceram os dados do dia 19 de dezembro.
Há um mês, o repórter Luiz Maklouf Carvalho mostrou que o currículo de Dilma Rousseff estava acelerado com um título inexistente. A ministra negou a autoria do documento, acrescentando uma correção acrobática: não é mestre nem doutora pela Unicamp, mas frequentou os cursos. Em 2006, ao ser entrevistada no programa "Roda Viva", ela ouviu o jornalista Paulo Markun ler sua biografia, informando que foi viver em Porto Alegre "depois de fazer doutorado em economia monetária e financeira".
Agora Suwwan mostrou que sua agenda pública não merece fé. A Casa Civil atribui o sumiço do dia 19 a um erro ocorrido há meses, na transferência de dados. Quem quer acreditar nessa versão é obrigado a supor que aconteceu uma enorme coincidência.
O aspecto agreste da relação de Dilma com a verdade está na crença de que há uma relação entre o poder e a consistência das versões que sustenta. Uma coisa é anexar títulos inexistentes, outra é fazer piruetas depois da exposição do erro. Uma coisa seria dizer que solicitou pressa à secretária da Receita na investigação das contas de Fernando Sarney. (Pressa, no caso, pode ser um fator neutro.) Outra é entrar numa discussão de agendas tendo a sua remendada.
Quem manda muito acha que pode tudo e, em alguns casos, prevalece enquanto tem o poder. Passa o tempo e a casa cai por conta de detalhes devastadores. Dois exemplos:
Em janeiro de 1971, o ex-deputado Rubens Paiva foi preso e desapareceu. Os comandantes militares da ocasião contaram que ele estava sendo transportado por dois soldados da PE num Volkswagen quando o carro foi fechado numa estrada do Alto da Boa Vista. Seguiu-se um tiroteio, o prisioneiro saiu do Volks e embarcou num automóvel dos sequestradores.
Tudo bem: faltava explicar como Paiva, com mais de 1,80 m, pesando em torno de cem quilos, sentado no banco de trás, saiu pela porta esquerda do Fusca, atravessando uma linha de tiro. Passaram-se 17 anos e o repórter Fritz Utzeri, com base na versão oficial, desmoralizou a farsa. Uma pequena mentira estragou a grande patranha.
Outro caso, que aborreceu o generalíssimo Josef Stálin: em 1936 ele mandou sua polícia prender velhos bolcheviques, acusando-os de terem planejado um assassinato. Deu tudo certo, os presos confessaram, os juízes julgaram e o pelotão de fuzilamento liquidou o caso. Numa das confissões, um preso contou que participara do planejamento do atentado, em 1934, numa reunião no hotel Bristol de Copenhague. O Bristol fora demolido em 1917. Como escreveu Stálin: "Por que diabos vocês meteram o hotel nisso? Deviam ter dito que foi na estação ferroviária. Ela ainda está lá".
Tanto os generais brasileiros de 1971 como o comissariado de 1936 acreditavam ter poder suficiente para desprezar detalhes. Num regime democrático, com imprensa livre (desde que fique longe dos áudios do Sarneystão), os pequenos truques produzem grandes desastres.
PURO-SANGUE
Sucessão presidencial é como nuvem e muda de forma a cada momento. Atualmente, o formato da chapa tucana tem José Serra na cabeça e Aécio Neves na vice.
REAL COBIÇA
Recomeçou a temporada de caça aos cofres de Furnas e de seu fundo de pensão, o Real Grandeza. Em fevereiro passado, uma mobilização de funcionários e aposentados derrotou um ataque especulativo contra a composição do conselho do fundo. Bem-sucedido, resultaria na captura do núcleo financeiro da instituição. Em outubro, haverá nova eleição para a diretoria do Real Grandeza.
Por conta dos ventos que sopram, o diretor de operações de empresa, Fábio Resende, pediu para ir embora. Trata-se de um veterano da empresa. Sua diretoria controla 3.200 funcionários em 45 municípios. Um sonho para os parlamentares do PMDB que, tendo um pé na estatal, querem botar os dois.
O governo Lula inovou. Num mundo em que as pessoas melhoram de biografia quando chegam aos cargos, inverteu-se o jogo: ganha respeito quem pede o boné. É a lei Marina-Arns.
DANÇA DE CADEIRAS
O chanceler Celso Amorim deverá mexer no primeiro escalão do Itamaraty. Pelo que se lê nos búzios, as mudanças seriam as seguintes: o embaixador Antonio Patriota trocará Washington pela chefia da delegação do Brasil na ONU, em Nova York. Para seu lugar iria Mauro Vieira, atual embaixador em Buenos Aires. Caso o atual secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães não vá para o ministério do sabe-se-lá-o-quê, vago desde a saída do professor Mangabeira Unger, poderá ir para Buenos Aires.
ESPINHOS DO PSDB
A armação eleitoral do PSDB tem três espinhos. O pior está no Rio Grande do Sul, onde há pesquisas mostrando que Dilma Rousseff lidera a disputa por pequena margem. O outro está no Paraná, onde o tucanato dividiu-se. O terceiro mora no Amazonas, onde Lula conseguiu 87% dos votos em 2006.
FOFOCA
Enquanto o Gabinete de Segurança Institucional de Nosso Guia diz que não tem os vídeos da circulação pelo Palácio do Planalto (o que é mentira ou incompetência), a segurança da Casa Branca deu-se a uma divertida fofoca. O presidente Bill Clinton e sua mulher Hillary estrearam um equipamento que permitia ao Serviço Secreto saber exatamente em que lugar da Casa Branca estavam. Cada um deles carregava um pequeno transmissor e o rastreamento do casal parecia um videogame. Quando o bip-bip do marido indicava que ele entrava no aposento onde estava Hillary, o bip-bip da senhora informava que ela estava indo para outro lugar.
PRESENTE
A oposição ainda não tinha digerido os dois presentes que recebeu do governo (a transmigração de Marina Silva e a demissão de Lina Vieira) quando os çábios do Planalto decidiram botar outro mimo na bandeja: a recriação da CPMF. Na quinta-feira, o deputado Ciro Pedrosa, do PV de Minas Gerais, reanimou a tramitação do tema na Câmara, requerendo a sua inclusão na ordem do dia. O PMDB garantiu ao ministro José Gomes Temporão que aprova o projeto de lei complementar que restabelece o tributo. Resta saber quais garantias o governo deu ao partido.