quinta-feira, novembro 06, 2008

ELIANE CANTANHÊDE


Salvador do mundo?

BRASÍLIA - Planalto e Itamaraty estavam tão eufóricos com a vitória espetacular de Barack Obama que nem se preocuparam com uma praxe: elogiar o presidente que sai.
Ninguém tocou no nome de Bush.
O que houve foi uma enxurrada de adjetivos para enaltecer a chegada de um negro à Presidência da maior potência do mundo, com uma bela biografia, um bom currículo escolar e cheio de boas intenções. A principal delas não é modesta: criar uma nova ordem internacional, com menos arrogância e mais parcerias. Isso interessa ao Brasil, emergente que se auto-intitula líder da América Latina.
Obama é eleito lá e já apresentamos cá uma extensa pauta para ele: reatamento com Cuba, solução para o Oriente Médio, maior presença na África, fortalecimento da ONU, maior relação com a América Latina, retomada da agenda do clima, reativação da Rodada Doha de comércio... Ops! Antes de salvador da humanidade, Obama precisa ser salvador da pátria.
Ao assumir, em janeiro, vai dar de cara com uma crise gigantesca e com os indicadores norte-americanos destrambelhados na área fiscal e início de recessão. Vai ter muito trabalho para arrumar a própria casa antes de pensar no mundo.
Para isso, conta com fatores objetivos e subjetivos. Obama assume em 20 de janeiro com uma votação extraordinária (contrariando a tradição de eleições apertadas, vide Bush), com ampla maioria democrata no Senado e na Câmara (contrariando o pêndulo Democrata-Republicano na Casa Branca e no Congresso) e com enorme boa vontade internacional. Isso ajuda principalmente na hora de pedir "sacrifício", como já pediu.
As condições objetivas, portanto, são favoráveis. E há o fator subjetivo: a sorte. A própria crise, aguda na campanha, tende a amenizar até a posse. Só falta agora o mito da campanha estar à altura de ser presidente da maior potência -e com a economia de pernas para o ar.

ACREDITE SE QUISER

Assaltante apresenta queixa contra assaltado em Belo Horizonte


“A ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos”. Esse foi o argumento de um homem que, após tentar assaltar uma padaria em Belo Horizonte (MG) e ter o nariz quebrado pelo dono do estabelecimento, prestou queixa dizendo que foi vítima de agressão.

A queixa do acusado foi considerada uma afronta ao Judiciário pelo juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo, da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Ele disse que este ”talvez seja o caso de maior aberração postulatória” e que, sem dúvidas, trata-se de deboche.

O juiz afirmou, em nota à mídia, que o comerciante agiu em legítima defesa, sem nenhum excesso, já que “teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por desdobramento, seu próprio patrimônio”. Os nomes do assaltado e do ladrão, preso em flagrante, não foram divulgados.

DORA KRAMER

Artimanhas da esperança

Diante de tão farta e variada oferta de interpretações sobre os simbolismos da eleição de Barack Obama, mais fácil é saber o que não terá significado algum no decorrer do mandato do presidente eleito dos Estados Unidos.
A explicação ele mesmo forneceu quando teve desde o início da jornada o tirocínio de dar à cor da pele o molde de uma quase irrelevância. Na saudação pós-vitória, seguiu indiferente enquanto o mundo insistia em lhe pregar ao peito a divisa de "primeiro presidente negro dos Estados Unidos".
É dele, evidente, o título: o senador democrata é negro, foi eleito presidente e, antes dele, apenas americanos de pele branca tinham chegado à Casa Branca
.Ponto, parágrafo e encerra-se aí a questão, cuja importância objetiva é parecida com a influência concreta que a profissão de torneiro mecânico exerce sobre as atividades de Luiz Inácio da Silva como presidente da República do Brasil.
Sim, há toda a carga histórica do segregacionismo nos Estados Unidos, situação só por ligeireza absoluta comparável à ascensão de um operário que ao se eleger presidente havia militado por 30 anos no sindicalismo e na política. Lula foi uma novidade, não uma surpresa.
Entretanto, há quem - começando pelo presidente brasileiro - os iguale no terreno da representação simbólica da luta do bem contra o mal, exemplos de que o triunfo dos oprimidos sobre os opressores é possível, como se a evolução dos costumes, as mudanças do mundo não fossem parte de um processo natural da civilização.
Mas se a humanidade necessita de emoldurar como fenômeno os episódios marcantes dessas etapas, se carece de dar um valor específico à mobilização de suas expectativas, muito bem. Com esperança não se brinca.
Daí a dizer que o mundo vira do avesso e assume sua melhor face por causa da genética de um presidente já é querer fazer pouco da realidade.
Esta, em seu bom senso e modernidade, Barack Obama descreveu numa frase do discurso de Chicago ao listar os desafios à sua frente: "Duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira do século".
Citou o "caminho longo", a "subida íngreme", os "atrasos e falsos inícios" que esperam a todos, aos quais acrescentou as discordâncias às "decisões políticas" que tomará como presidente, a fim de estabelecer um contraponto futuro com o clima de comemoração daquela noite de frisson universal.
Nem a cor da pele de Obama nem o manejo do torno do metalúrgico Lula são capazes de administrar, muito menos de atender, expectativas. A diferença é que aqui o presidente cede ao vezo do personalismo e alimenta a mística para confundi-la com o ato de governar, e lá o eleito desidrata o mito.
Quando ganhou a primeira vez, Lula discursou na Avenida Paulista manifestando a certeza de que a vitória mostrava que, para o brasileiro, "só nós poderemos fazer pelo Brasil o que o Brasil precisa que seja feito".
Barack Obama falou sobre os valores compartilhados por toda a sociedade à qual pediu permissão para exigir "um novo espírito de serviço, um novo espírito de sacrifício" para que a esperança se materialize como obra coletiva, "bloco por bloco, tijolo por tijolo por tijolo, mão calejada por mão calejada, do jeito que tem sido feito na América há 221 anos". Sem anular o passado do país nem atribuir a um grupo político partidário o poder de fazer acontecer.

Dever cumprido

O destaque da eleição americana foram as filas monumentais de gente esperando a hora de votar; sem obrigatoriedade, sem feriado, sem revoltas à deriva contra a falta de agilidade do Estado - no caso, de cada Estado individualmente - para organizar a votação.
A "competência" eleitoral, ausente de forma geral na mente do eleitor dos EUA, é uma preocupação muito mais do brasileiro ávido por padrões comparativos que o permitam ressaltar os defeitos de uma nação que pode não contar votos com perfeição, mas funciona perfeitamente nas regras da democracia.
Nas filas dobrando quarteirões, pessoas motivadas para exercer por livre iniciativa um direito com noção de dever cívico e vontade de acertar.
Pode-se não apreciar, mas jamais depreciar atos e escolhas desse (ou de qualquer outro) povo por uma hipotética natureza eivada de arrogância, ignorância, auto-referência, racismo, atraso, moralismo, intolerância.
Americanos são assim, mas não são só assim, bem como brasileiros, noruegueses, portugueses, italianos, moçambicanos, irlandeses, suecos, australianos, islandeses e todos os demais.
A respeito deles raros se arriscam a fazer avaliações pejorativas de caráter tão genérico. Como se imprecações dirigidas a cidadãos de um país todo-poderoso não traduzissem arrogância, ignorância, auto-referência, racismo, atraso, moralismo, em duas palavras: insidiosa intolerância.

QUINTA NOS JORNAIS

- Globo: Mundo celebra a nova cara dos EUA

- Estadão: Obama começa a escolher equipe para enfrentar a crise

- JB: Presidente eleito vai atacar a crise econômica ainda antes da posse

- Correio: O mundo sorri...

- Valor: Gastar ou cortar, o dilema de Obama

- Gazeta Mercantil: “A mudança chegou à América”