TOLICES E CELEBRIDADES NO BRASIL
Por MURILLO ARAGÃO*
Muitas celebridades se acham no direito de dar opinião sobre o que não sabem. É o dia-a-dia do Brasil. Tudo sob o respeitoso estímulo da imprensa que precisa delas para ocupar espaço. São muitos tolos falando tolices. Outras celebridades, para ocupar espaços e dar um polimento em suas imagens, adotam causas humanitárias. Assim, além de dar opinião sobre tudo, se vestem com o manto do “bom mocismo”. Tolice e “bom mocismo” são ingredientes perigosos para a verdade.
O debate sobre a transposição das águas do Rio São Francisco tem uma trinca “parada dura” de celebridades do “bom mocismo” inconseqüente: o bispo Dom Cappio, a atriz Leticia Sabatela e o ator Osmar Prado. Letícia, em seu papel de heroína de causas populares, se vê como salvadora dos povos ribeirinhos do São Francisco. Omar Prado chega para reforçar a trupe. Já o Bispo Dom Cappio pode até acreditar que chegará aos céus com a sua campanha. Quem sabe, virar santo. Acho que não. Até mesmo o Frei Genebro de Eça de Queiróz ficou pelo purgatório.
Vejam bem, chegar aos céus não é questão de boas intenções. Pior ainda quando elas parecem que são boas, mas não são. Infelizmente, dentro da abominável superficialidade que predomina em muitos debates no país, atitudes aparentemente honestas, revestidas de boas intenções e salpicadas de temperos éticos e regadas ao messianismo religioso ganham indevido espaço e respeito na mídia. Pior, atravancam o debate sério que deveria se instalar em torno de questões terríveis como a seca do Nordeste. Antes de ser contra a transposição do rio São Francisco, dom Cappio deveria ser o paladino da busca da verdade.
A postura de celebridades que buscam causas para aplacar o seu bom mocismo deveria ser objeto de profunda crítica no Brasil. Lamentavelmente, o que se passa é o contrário. A imprensa termina se alimentado do comportamento pueril, as vezes até histérico, de celebridades, em favor de “boas”causas para preencher seus espaços. No final das contas, a opinião “abalizada” da esclarecida Letícia Sabatela vale muito mais do que de pessoas que estudam os problemas e tentam encontrar respostas concretas para os desafios colocados a nossa frente.
Como atriz, Letícia Sabatela é até razoável. Como defensora de causas humanitárias, erra feio na postura. Prado vai de carona. Este sim, um extraordinário ator cuja humanidade na representação de seus papéis poderia ensejar uma reflexão desapaixonada dos problemas nacionais. A questão do rio São Francisco e, sobretudo, da seca do Nordeste são temas que merecem ampla reflexão e um debate em bases científicas. Infelizmente, prevalece o lado espetaculoso da questão. De que vale a ciência, se a vigorosa Sabatela é contra. Para poupar verbas públicas, poderíamos colocá-la como oráculo dos grandes problemas nacionais.
Parte da classe artística vive pendurada em benefícios estatais. São financiamentos e patrocínios que alimentam uma relação espúria onde o que é bom se destaca e o que é ruim da esfera pública se ignora. No entanto, existem questões óbvias que mereceriam o engajamento das celebridades. Por exemplo, ver a dupla Sabatela-Prado gritando e chorando na Praça dos Três Poderes contra o uso indiscriminados dos cartões corporativos. Será que aceitariam o desafio? Creio que não. Não tem o charme e o glamour de campanhas épicas e messiânicas como a questão do rio São Francisco.
Poderiam fazer uma campanha contra o uso de drogas no meio artístico já que, como se sabe, as drogas impulsionam um mundo subterrâneo de maldades, crimes, assassinatos, corrupção e muita violência. Será que topariam o desafio? Creio que não. Ao final das contas, fumar um baseado não é politicamente incorreto no meio artístico. A lógica é a de que tem tanta gente roubando e matando, por que deveriam se preocupar com o meu baseado? Outros dizem que estão fumando ou cheirando sem incomodar ninguém. Será que não incomodam? O certo é que a classe artística é omissa com relação à questão das drogas.
Defender o rio São Francisco é politicamente correto e garante espaço na mídia. Mesmo que o objetivo da dupla Sabatela-Prado não seja o de aparecer, até mesmo por que sendo globais teriam outras oportunidades, muitos precisam de ideologias e bandeiras para viver. A mídia, pelo seu lado, deveria ser mais responsável. Dar espaço ao lado sério da questão. Chega de Dom Cappios, Sabatelas e Prados! A opinião deles é inútil. Assim como a minha também. Em tempo, não sou nem contra nem a favor da transposição pelo simples fato de que não tenho informação suficiente para fazer um juízo de valor. Como não sou celebridade, minha opinião – graças a Deus – não faz a menor diferença.
*Murillo de Aragão é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UnB. É presidente da Arko Advice – Análise Política (Brasília – Porto Alegre – São Paulo – Belo Horizonte – Nova York).
Publicado no blog do Noblat
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
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