sexta-feira, julho 12, 2019

O poder de convencimento da crise da Previdência - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/07

Votação do projeto revelou o enfrentamento do controle ideológico exercido por partidos


No rescaldo da votação em primeiro turno do projeto de reforma da Previdência, um ponto alto é o surpreendente apoio de 379 deputados, 71 a mais do que o mínimo necessário de 308 votos. As expectativas mais otimistas apostavam em 360.

Terminou indo bem mais além. Não se discute que uma das causas foi o competente trabalho político do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que soube ocupar os espaços deixados pela falta de coordenação por parte do Planalto, quase sempre enredado em questões menores, picuinhas ideológicas. Ou “besteiras”, nas palavras do general Santos Cruz, em entrevista à revista “Época”, depois de ser demitido da Secretaria de Governo, devido a tensões geradas no Palácio pela excessiva interferência familiar junto ao presidente Bolsonaro.

Tamanha margem de apoio na votação deve ter outras explicações. Não se pode menosprezar a influência das bases, a considerar que recente pesquisa Datafolha sinaliza que a aceitação popular da reforma ultrapassa numericamente a rejeição.

A diferença (47% a 44%) ainda está dentro da margem de erro, mas é significativo que este placar possa ser virado. Há incontáveis especulações sobre os motivos. Por exemplo, a maciça cobertura do assunto feita pelo jornalismo profissional.

Seja como for, houve um volume grande de desobediências no PSB e PDT, partidos de esquerda que fecharam questão contra a reforma.

De nada adiantou: no PDT, oito da bancada de 27 deputados (29%) votaram a favor da reforma, entre eles a jovem Tabata Amaral, que obteve expressiva votação em São Paulo; no PSB, o dissenso foi maior, tendo contrariado a ordem do partido 11 dos 32 deputados da legenda (34%).

Espera-se como se comportarão as direções partidárias, sob o risco de ficarem bem menores no Congresso caso expulsem os deputados. Este tipo de questão, porém, não contaminou os partidos de fé ideológica rígida, à beira da religiosidade: PT, PCdoB e PSOL.

Diante da patrulha, Tabata usou a rede social para explicar que não vê a reforma como do governo, e que ela é urgente e necessária. Também para reduzir as desigualdades, pois entende que o atual sistema previdenciário transfere renda de pobres para ricos.

A deputada diz que estudou o assunto. Certamente viu levantamentos oficiais que mostram a disparidade entre aposentadorias do funcionalismo público e dos empregados do setor privado, bem como as elevadas cifras que o Tesouro — leia-se, os contribuintes — transfere para bancar os benefícios dessas castas.

Não faltam estatísticas para provar o descalabro a que chegou a Previdência brasileira, que além de ser um instrumento de concentração de riquezas — a elite do funcionalismo aposentado está nas faixas de renda mais elevada — já representa mais da metade de todos os gastos da União, sem considerar o pagamento de juros.

Os deputados que rejeitaram a camisa de força do fechamento de questão apenas foram racionais.


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