quarta-feira, julho 10, 2019

O lobby cartorial de sempre - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 10/07

A Medida Provisória (MP) n.° 876 corre o risco de caducar se não for aprovada até a quinta-feira

Baixada no dia 13 de março com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios no Brasil, e tendo sido muito bem recebida pela iniciativa privada, uma vez que desburocratiza o funcionamento das Juntas Comerciais e agiliza os registros das empresas nesses órgãos, a Medida Provisória (MP) n.° 876 corre o risco de caducar se não for aprovada até a quinta-feira. O motivo é a reação contrária daqueles que, em plena época da internet, querem continuar trabalhando por meio de procedimentos tradicionais, morosos, caros e, mais grave ainda, que exigem atividades que se tornaram anacrônicas por causa do desenvolvimento tecnológico, não tendo mais razão de existir.

É esse, por exemplo, o caso dos vogais das Juntas Comerciais, que analisam os pedidos de registro que tramitam nesses órgãos. Os vogais não são funcionários das Juntas Comerciais e atuam apenas por indicação de entidades de classe independentemente de terem ou não conhecimento técnico na área. Na maioria das vezes, as indicações são políticas. Os vogais, que verificam a legalidade de atos de empresas, como criação, modificações, aquisições, fusões e extinções de empresas, também não recebem salários pelos serviços prestados, e sim jetons pelas reuniões semanais de que participam, o que totaliza, em média, uma remuneração mensal de R$ 10 mil. Dependendo de seu tamanho e volume de trabalho, as Juntas Comerciais podem ter entre 11 e 23 vogais.

Na versão encaminhada pelo Executivo para a Câmara dos Deputados, a MP n.° 876 nem sequer tratava da atuação dos vogais. O problema começou quando, na comissão especial encarregada de apreciá-la, o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) propôs a extinção da figura jurídica dos vogais – cargo que, na Justiça do Trabalho, foi extinto em 1999 pela Emenda Constitucional n.° 24. Depois que a equipe econômica do governo apoiou a proposta, os vogais se mobilizaram para garantir a continuidade de suas funções.

Diante do impasse, o relator, deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ), apresentou uma solução intermediária, deixando a cargo de cada Junta Comercial a decisão de aceitar ou não a indicação de vogais, mas eliminando a possibilidade de pagamento por seus serviços. Em seu parecer, ele afirmou que o instituto do “vocalato” não passa de um cabide de emprego e que sua continuidade leva o empresariado ao risco de “ficar no atraso e na burocracia”. O mesmo argumento foi apresentado pelo chefe do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração do Ministério da Economia, André Santa Cruz. Ele classificou o lobby dos vogais como “uma defesa espúria de privilégios” e disse que, se a MP caducar, as Juntas Comerciais continuarão trabalhando com “estruturas medievais”.

A MP n.º 876 foi elaborada com base nas chamadas reformas de segunda geração do Banco Mundial, que têm por objetivo reduzir custos de transação, diminuir os gastos das empresas com atividades-meio e aumentar a segurança jurídica reivindicada pela iniciativa privada. Segundo a pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, que avalia a facilidade de iniciar um negócio em 190 países, o Brasil ficou na 109.ª posição na edição deste ano. Entre outras inovações, a MP n.° 876 valoriza o princípio jurídico da boa-fé, ao garantir o registro automático nas Juntas Comerciais como regra e por facilitar os registros de firmas constituídas por microempreendedores individuais, empresas individuais de responsabilidade limitada e sociedades limitadas. Também determina que a declaração do advogado ou do contador da empresa tenha fé pública. Com isso, o pequeno negócio não teria mais de se preocupar com trâmites burocráticos, podendo concentrar a atenção na prospecção de mercados e na busca de investimentos.

O lobby dos vogais contra a MP n.º 876 é mais uma demonstração de como o cartorialismo continua impedindo a economia brasileira de se modernizar e de crescer. Num contexto de 13,6 milhões de desempregados, não faz sentido manter a burocracia para a abertura de empresas, obstruindo a geração de vagas de trabalho.


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