segunda-feira, abril 22, 2019

HOSPÍCIO: Ataque a militares em canal de “Mito” é tentação autogolpista - REINALDO AZEVEDO

UOL - 22/04
No sábado, o canal oficial do presidente Jair Bolsonaro no Youtube replicou um vídeo em que o autoproclamado "filósofo e professor" Olavo de Carvalho desce o sarrafo nos militares. A crítica não é leve, não. Foi deletado no começo da noite deste domingo. Carlos Bolsonaro, o 02, que também replicou o vídeo, ainda tem acesso às páginas do pai, mas este já afirmou, em entrevista, que tem controle total sobre o que se publica por lá… Qual é a natureza do jogo? Bem, meus caros, é preciso entender o que quer o populismo de extrema-direita. Resposta: o poder sem freios e amarras. Nesse caso, teóricos da ruptura com as forças tradicionais da política, como o dito pensador, veem nos militares um elemento de contenção, que impediria Bolsonaro de esticar a corda e fazer o apelo direto às massas, passando por cima, inclusive, do Congresso e do Judiciário. Já publiquei uma série de cinco posts com a rubrica "O QUE QUER OLAVO". Numa deles, explico:
Parece inequívoco, a esta altura — e é certo que generais da reserva e da ativa já o perceberam — quer certas postulações flertam mais do que abertamente com a desordem nos quarteis. Método? Bem, se as agressões mais torpes aos militares são disparadas sem nenhum pudor e se estas não merecem o devido repúdio, não me parece haver alternativa que não a estupidez de se pregar um "by pass" naqueles que estariam, então, impedindo o líder de fazer a sua verdadeira revolução. Fiquem certos: há doidos em número suficiente para achar que Bolsonaro consegue fazer com a soldadesca o que eventualmente não pode fazer com os generais. Não! Não consegue. Mas o que já se tem até aqui já corresponde a regar a semente da desordem militar, que nunca deu em boa coisa.]

Trata-se, em suma, de tentação autogolpista.

Bolsonaro dá assentimento a ataque a Mourão e já fala em 2022
Os próprios militares fingem não ver o que está na cara. O jornalista Lauro Jardim publica em sua coluna no Globo que Jair Bolsonaro deu assentimento pessoal a críticas que interlocutor seu fez nas redes sociais a Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Referindo-se a 2022 — e, pois, à disputa presidencial, quando, então, concorreria à reeleição —, o presidente assim se referiu ao vice: "Ele vai ter uma surpresinha". As críticas ao general foram respondidas com palavras de estímulo: "É isso aí" e "Valeu aí". E, bem…, Mourão não é o único alvo. Os militares, de maneira mais ampla, estão na mira do, digamos assim, "bolsonarismo de raiz". Tudo indica que o projeto tresloucado da extrema-direita que cerca o presidente, e isso inclui seus filhos, quer se ver livre também, se me permitem a expressão, do "Partido Militar".

O que Carvalho diz não faz sentido, mas engorda conta bancária
No vídeo, Olavo de Carvalho desce o porrete nos militares. Sem distinção. Ele se refere à cúpula das Forças Armadas brasileiras, que teriam cometido erros sistemáticos desde 1964 e que, agora, estariam criando embaraços ao governo Bolsonaro. Qualquer um com um pouco de apreço pela história brasileira registra o amontado de bobagens do tal Carvalho. Não fosse ele hoje um contínuo de si mesmo, uma personagem que já confessou ganhar um dinheirão com suas "aulas" virtuais, seria o caso de questionar a sua sanidade mental. Creio, no entanto, que está na plena posse do seu, vá lá, juízo… O que diz não faz sentido. Mas engorda sua conta bancária.

Para Carvalho, militares são “cabelo tingido e voz empostada”
O vídeo abre com o notável pensador empunhando um rifle e dando uns tiros. Depois confessa já ter adquirido e vendido algumas dezenas deles, e hoje seria dono de 12. Num dado momento, o homem evoca a "lei de Cristo". Claro, claro… Na conversa com uma pessoa que não aparece no vídeo, decreta que o Brasil não tem saída e, ora vejam, responsabiliza os militares brasileiros pelos desacertos que vive o país. Segundo disse, o golpe de 1964 — que, claro, golpe não teria sido — foi obra de civis, depois eliminados pelos militares, que, então, teriam feito um acordo com as esquerdas. Num dos momentos notáveis do vídeo, indaga e responde:
"Qual foi a última grande contribuição das escolas militares à alta cultura nacional? As obras do Euclides da Cunha. Depois de então, foi só cabelo pintado e voz empostada. Ah, porra! Cagada, cagada! Esse pessoal subiu ao poder em 1964, destruiu os políticos de direita, sobrou o quê? Os comunistas! Daí os comunistas tomaram o poder. E eles vêm dizer: 'Nós livramos o país do comunismo' Não! Nós entregamos o país ao comunismo. Se tivessem vergonha na cara, confessariam o seu erro. Mas é só vaidade. Vaidade pessoal, vaidade grupal e vaidade exotérica".

Ataque a militares explica a bagunça que é o governo Bolsonaro
Os militares tentam fazer de conta que a coisa não tem importância. Sabem que mentem para si mesmos. Olavo de Carvalho nomeou dois ministros — Abraham Weintraub na Educação e Ernesto Araújo no Itamaraty — e outros, digamos, discípulos em escalões inferiores. Pode ainda emplacar Nestor Foster Junior na embaixada do Brasil nos EUA. Isso, por si, fala de sua influência no governo. Mas a coisa é ainda mais: ao permitir que alguém tão influente ataque tão frontal e duramente os militares, fica evidente que também o presidente considera que o, como se dizia antigamente, estamento militar é um entrave às suas ambições disruptivas, de rompimento coma ordem. E isso explica a bagunça que é seu governo até agora.

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