quinta-feira, fevereiro 01, 2018

Nem em seus melhores sonhos, Lula e o PT contavam que houvesse tantos brasileiros contra a prisão e a favor da candidatura - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 01/02

Vamos ser claros? Nem em seus melhores sonhos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava contar com o resultado que colheu no Datafolha. Todas as pessoas com as quais conversei estão surpresas: à direita, à esquerda, ao centro… Há até as que estão perplexas. E, bem, cumpre torcer para que todos os pré-candidatos à Presidência façam uma análise criteriosa dos dados. E não me refiro à intenção de voto no líder petista no primeiro turno, entre 35% e 37%. Os dados mais relevantes são outros. Se estou surpreso? Não! Ando a bater de frente com o que chamo “direita xucra”. A razão essencial: essa gente só conhece “povo” de ouvir falar; para essa turma, trata-se de uma abstração; ela o entende apenas como o vulgo. E não! Não direi que a voz do povo é a voz de Deus. Há momentos na história em que foi a voz do capeta. Meu ponto é outro: Lula não se tornou Lula porque foi retirante, tem a língua presa, perdeu um dedo, foi pobre. Um pouco mais do que isso — vale dizer: muito mais do que isso — o liga às expectativas de milhões de pessoas. Seu partido fez um mal imenso ao Brasil. Mas cumpre ter um pouco de apreço pela história. Aos números.

Metade dos brasileiros acha que Lula deveria disputar a eleição: 47%; a outra metade, 51%, acha que não. A diferença está na margem de erro. Há empate técnico. Convenham: se há coisa que não conta com resistência na imprensa é a Operação Lava Jato. Ao contrário: infelizmente, coleguinhas aceitam ser porta-vozes passivos desse estranho mundo de procuradores, em que a condenação precede até a apresentação da denúncia. Ou não vimos alguns valentes que pertencem à operação a defender nas redes sociais que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) fosse preso? Ademais, exorbitam de suas funções ao fazê-lo, o que é um despropósito.

Depois de tudo o que se disse, depois de tudo o que se noticiou, depois de tudo om que se proclamou, depois da quase unanimidade conquistada pela Lava Jato na imprensa, haver metade do eleitorado a dizer que Lula tem de ser candidato, bem… É preciso refletir a respeito. Seria o caso de dizer que o povo não presta? Seria o caso de mandar o populacho para a Papuda? Seria o caso de fazer como Stalin fez com a Chechênia? Vamos esvaziar Banânia dessa gente chinfrim. Precisamos, afinal, de um povo à altura da nossa grandeza, não é mesmo?

Será que não há aí um juízo sobre a Lava Jato e seus métodos, ainda que assim a coisa não seja vocalizada? Não estaria em curso um certo enfaro de tudo isso?

Há outros números favoráveis a Lula. Dizem que sua condenação em segunda instância foi justa 50% dos entrevistados. Para 43%, foi injusta. “Ah, está longe da metade!” Nem tanto. Afinal, podem ser 45%. Digo que o resultado é espantosamente favorável a Lula porque é evidente que há certa crença reverencial na Justiça. Como me disse dia desses um taxista: “Não é possível que os juízes dissessem que ele é culpado se ele é inocente.” Mais: conhece-se o peso de uma informação devidamente editada nos telejornais, oriunda de senhores tão vetustas, grão-cavaleiros e cavalheiros da Ordem. A tendência natural é acreditar. Quem de nós nunca se flagrou, ao ver alguém enrolado com a polícia ou com a Justiça, a pensar, mesmo desconhecendo o caso: “Ah, alguma coisa, essa pessoa fez”.

Pois bem, 43% atravessam essa camada de glacê do senso comum para considerar que a condenação foi injusta. E, por óbvio, há nesse meio muita gente que nada tem a ver com o PT. O partido está longe de contar com a adesão de quase a metade do eleitorado.

As boas notícias para a Lula, em meio ao desastre, não terminam aí. Sim, a maioria acha que ele deveria ser preso: 53%. Mas é imensa a massa que pensa o contrário. E olhem que a guerra petista contra a decisão tomada pela Justiça está apenas no começo. Vai se intensificar e chegará ao auge na campanha eleitoral. Portanto, aquele que encarnar o antipetismo — não me parece que a estratégia de um candidato “anti” seja exatamente esperta — corre um sério risco de ter contra si uma já maioria.

“Ah, Lula não resistirá ao vídeo ou à fotografia sendo conduzido para a prisão…” Pois é… Ele não resistiria à denúncia, às delações, às acusações de Palocci, à condenação, à confirmação da condenação.

O que estou a dizer aqui, meus caros, é que o caldo de cultura para criar a figura do mártir já está dado. E não se trata de uma tramoia do PT. O que está a falar é vontade do povo, é a sua percepção.

Sim, há dados negativos para o ex-presidente. Nada menos de 54% dizem que ele sabia da corrupção e deixou rolar solta; 29%, que sabia, mas não tinha como impedir; só 13%, que ele a ignorava. Nota: 27% dizem que votariam com certeza num candidato indicado por Lula. É mais do que o dobro dos que acreditam na inocência. Pergunte-se de novo: será parcela do povo um bando de gente sem-vergonha?

O ponto não é esse. Sempre se considera que os poderosos ou sabem de tudo ou, ao menos, sabem mais do que dizem. Caso se indague se as pessoas acham que sucessivos papas sempre souberam dos casos de pedofilia, é provável que a maioria diga que sim. Afinal, um é presidente; os outros eram papas. Como não saber?

Não vejo como Lula possa ser candidato. A chance de o petismo falar e fazer bobagem quando se consolidar o impedimento é grande. Uma coisa é certa, no entanto: os números, hoje, conspiram a favor do partido e estão prontos para dar à luz um mártir. Se for decretada a prisão do ex-presidente, ele não vai fugir nem vai se entrincheirar. Irá para a cadeia e pedirá um habeas corpus. A chance de sair de lá está na esfera do direito.

O PT contará com milhões de eleitores já hoje sensíveis à sua leitura política dos fatos.

O que foi mesmo que escrevi no dia 17 de fevereiro do ano passado, na Folha? “Se todos os políticos são iguais, então Lula é melhor”.

A Lava Jato e a direita xucra, com sua burrice de seus preconceitos odiosos, ressuscitaram Lula. E ele está mais vivo do que se supunha. A cadeia, se vier, pode é turbinar a sua influência na eleição.

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