sexta-feira, julho 22, 2016

Why Trump? - JOAQUIM FREITAS

O PONTO CEGO AQUI


A campanha de Trump está em apuros, Ted Cruz não o apoiou em plena convenção do Partido Republicano. Outros nem compareceram.

Mas quando a campanha de Trump esteve bem?

Alguém viu alguma notícia positiva a respeito?

Ontem o site O antagonista disse que Trump é o maior eleitor de Hilary Clinton. E por que não foi de Ted Cruz? De Marco Rubio?

O que ninguém está percebendo é que Trump jogou fora todos os manuais de maketing político, a maioria acorrentado à postura politicamente correta, e está passando ileso, mais fortalecido até, de todas as “crises” de sua campanha.

Andei lendo sobre suas propostas para economia que parecem extraídas da cabeça da Presidenta Dilma, e vejo que o americano médio entende tanto de economia como o brasileiro.

Porém, ele está gostando do discurso direto sobre a relação entre o islamismo e o terrorismo.

Afinal, ninguém aguenta mais a imprensa e a oficialidade insistindo que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Enfim, Trump segue desafiando a lógica do marketing eleitoral, trazendo toda atenção para si, deixando os demais candidatos como coadjuvantes no processo.

Até onde isso vai funcionar, só Deus sabe, mas o que sabemos é que a morte da sua candidatura vem sendo anunciada por todos, desde que foi lançada.

Argolinhas nos tornozelos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 22/07

Alvíssaras! O Ministério do Meio Ambiente anunciou que a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), extinta na natureza há 15 anos, está prestes a voltar à caatinga do norte da Bahia, seu habitat natural. Uma porcentagem de filhotes dos 128 espécimes ainda existentes no mundo em cativeiro — a grande maioria sob a guarda de criadores fora do Brasil — começará a ser solta na região em 2019. Elas serão monitoradas e, a depender de sua evolução, haverá uma segunda e definitiva soltura em 2021.

Mas não é assim tão simples. A primeira leva de ararinhas-azuis soltas ficará dentro de uma área controlada, em Curaçá, na fronteira com Pernambuco, supervisionada por especialistas dos EUA, Alemanha, Singapura e Catar. Todas levarão argolinhas nos pés, para se acompanhar seus hábitos. Só depois, dependendo de xis fatores, ganharão liberdade absoluta.

Algo parecido poderia ser tentado com os políticos brasileiros. Os honestos entre eles são tão poucos que também estão ameaçados de extinção na natureza. E, por motivos óbvios, não se consegue fazê-los reproduzir em cativeiro. A alternativa seria reunir um grupo deles ainda no primeiro mandato e, antes que se deixassem contaminar pelo ambiente, confiná-los fora de Brasília e submetê-los a cursos intensivos de ética, moral, cidadania, administração, direito público e outras matérias inerentes.

Feito isto, esses políticos seriam libertados e mandados para seus burgos de origem. Mas de forma controlada, para se ver como reagem diante da oferta de propinas, desvios de verbas, maquiagem de orçamentos e acordos espúrios com secretários de Estado e tesoureiros de partidos. E só então os melhores entre eles seriam devolvidos a Brasília com plena autonomia de voo.

Pode dar certo. Mas, mesmo assim, eu não dispensaria as argolinhas em seus tornozelos.


Controlando o terror? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 22/07

Um de meus vieses humanos favoritos é a ilusão de controle —a tendência de superestimar nossa capacidade de comandar o curso dos acontecimentos. É uma característica particularmente interessante de nossa espécie porque, apesar de nos impelir a uma avaliação objetivamente errada da realidade, em muitas situações produz consequências positivas, ao fazer com que perseveremos em vez de desistir à primeira dificuldade.

A fiscalização reforçada nos aeroportos, que o Brasil resolveu expandir para voos domésticos às vésperas da Rio-2016, me parece uma resposta mais em linha com nossa vontade de estar no controle do que com os ditames de eficácia. A maioria de nós não pensa duas vezes antes de apoiar esse tipo de medida, que, afinal, visa a nos manter vivos e em um único pedaço, como é conveniente. O problema é que não dá para pensar esse tipo de questão em termos absolutos. Tudo em sociedade é uma solução de compromisso entre o ideal e as necessidades práticas. Quantas horas-passageiro a mais na fila estamos dispostos a aguentar para evitar um ataque? E será que a revista rigorosa frustra mesmo atentados?

Para alguns especialistas, seu efeito mais notável é deslocar o local do ataque. Em vez de ocorrer a bordo do avião, ele acontece no saguão, como vimos em Istambul e Bruxelas. E por que limitar-se ao setor aéreo? Se as coisas ficam difíceis nos aeroportos, é possível mudar para alvos mais fáceis, como transportes de massa (Madrid, Londres), lugares de diversão pública (Orlando, Paris) ou mesmo aglomerações (Nice). Obviamente, não dá para revistar cada indivíduo que entra no metrô ou vai para a rua.

A melhor estratégia para evitar ataques ainda é o monitoramento de suspeitos por serviços de inteligência, que está longe de infalível. A verdade, por mais depressivo que seja reconhecê-lo, é que, fora da esfera do marketing, nosso controle é mais limitado do que imaginamos.


As razões dos otimistas - FERNANDO DANTAS

ESTADÃO - 22/07

Normal no Brasil é o Executivo influenciar o posicionamento da sua base no Congresso



Na economia, as coisas estão indo bem até agora para o presidente em exercício Michel Temer. Não se trata, claro, de uma recuperação fulgurante, mas há tímidos sinais de que a queda livre da atividade econômica pode terminar ainda este ano, dando início a uma lenta retomada em 2017.

Na área externa, já houve um grande ajuste, com expectativa de superávit comercial este ano em torno de US$ 50 bilhões, e déficit em conta corrente próximo de zero. Em termos de inflação, o resgate da credibilidade do Banco Central com seu novo presidente, Ilan Goldfajn, e a valorização do câmbio já trouxeram as expectativas do IPCA de 2017 e 2018 de, respectivamente, 5,5% e 5,0%, em meados de junho, para 5,3% e 4,6%, na última coleta de projeções do mercado pelo BC.

O desemprego continua subindo, mas isso já estava na conta, porque o mercado de trabalho reage com defasagem aos movimentos da economia. Na verdade, o aumento da desocupação, embora sofrido e ruim para a popularidade dos governantes, faz parte da dura terapia anti-inflacionária. Reequilibrada a economia, o emprego pode voltar a crescer.

Uma razão para crer que a melhora econômica não é pura ficção é o comportamento do mercado financeiro. Desde o pior momento no fim de janeiro, o índice Ibovespa já se valorizou em 50% e o real subiu mais de 25% em relação ao dólar.

É verdade que o mercado financeiro nem sempre acerta, mas investidores arriscam dinheiro de verdade com base em suposições otimistas sobre a economia. Também é verdade que a liquidez continua abundante no mercado internacional, e o apetite de risco em alta – mas esse ambiente externo positivo é uma efetiva ajuda para o Brasil e, portanto, mais um fator justificado de otimismo.

Tudo isso parece muito bom, mas é uma análise incompleta enquanto não se leva em conta a ainda dramática situação fiscal. Como é bem sabido, haverá déficits imensos nas contas públicas em 2016 e 2017, e os analistas não enxergam, olhando vários anos à frente, resultados fiscais que controlem o crescimento da dívida pública.

A suposição implícita no otimismo, portanto, é que o governo sairá gradativamente da sinuca fiscal, aprovando a emenda constitucional do limite dos gastos e a reforma da Previdência. Já os pessimistas acham que, quando chegar a hora da verdade de cortar despesas, mesmo com a emenda dos gastos aprovada, os grupos prejudicados gritarão e os políticos, sintonizados com o eleitorado, darão para trás. Nesse momento, cairá a ficha para o mercado de que a sangria fiscal não será estancada. O dólar volta a subir, e com ele a inflação e os juros. E o País descobre que a luz no fim do túnel era miragem.

Ricardo Ribeiro, analista político da consultoria MCM, discorda da visão pessimista. “O normal no Brasil é que o Executivo tenha condição de influenciar o posicionamento da sua base no Congresso”, ele diz, acrescentando que isso inclui medidas impopulares. A condição é que o sistema político esteja funcionando normalmente – o que não ocorreu com Dilma no seu segundo mandato, mas aparentemente está voltando a acontecer com Temer.

Segundo Ribeiro, para um típico parlamentar em busca de reeleição, pode ser mais importante a proximidade com as benesses do governo – cargos, verbas, obras no seu reduto eleitoral, legislações em favor de grupos específicos – do que votar contra a reforma da Previdência para atender a uma demanda difusa da população.

O analista lembra ainda que o Legislativo não é influenciado apenas pelo posicionamento da população em geral, mas também pelo que chama de “opinião pública ilustrada” – economistas, empresários, articulistas, formadores de opinião, etc. Num momento de crise como o atual, o Congresso tem entendimento do que se passa no País e é capaz, se houver uma boa articulação política, de aprovar medidas duras, mas necessárias.


Encarar a tarefa - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 22/07

A previdência dos funcionários do Rio teve um déficit de R$ 12 bilhões; a de São Paulo, R$ 18 bi; a do Rio Grande do Sul, R$ 8 bi; e a do Espírito Santo, R$ 1,4 bi. Esses números mostram, segundo o governador Paulo Hartung, que é fundamental fazer a reforma dos sistemas estaduais de previdência. Hartung, que foi contra o acordo da dívida com a União, acha que agora é hora das contrapartidas.

Ele diz que o acordo da dívida só beneficiou os grandes estados, que eram mais endividados, o que ele acha uma injustiça e uma “pedagogia nada bacana”:

— É insignificante a economia que vamos fazer em relação às despesas que eu administro. O que resta de positivo no acordo da dívida são as contrapartidas, por isso precisamos que o Congresso as aprove. No fundo, esse acordo não deveria ter sido reaberto, porque foi feito no governo Fernando Henrique em condições vantajosas para os estados. Alguns usam a palavra agiotagem. Não é verdade. O que acontece é que os juros são altos no país pela desordem nas contas públicas. No dia em que tivermos equilíbrio nas contas, teremos juros baixos e sustentáveis.

O governador capixaba disse, na entrevista que me concedeu na Globonews, que o problema principal dos estados é a folha de pagamento crescendo em descompasso com a arrecadação. E dentro da folha, o maior problema é dos inativos:

— Precisamos encarar esse problema. Nesse momento de dificuldade, de crise, em que o país está na beirada do barranco, literalmente, precisamos de um diálogo franco com a população para explicar que o problema que aconteceu na Grécia não está distante de nós. O Rio está vivendo isso: de aposentados não receberem. Não adianta apenas ter direitos e ficar na porta do banco sem recebê-los. Por isso, precisamos reformar a previdência. O Brasil está numa situação delicadíssima e não podemos esconder isso da população. E nesta hora difícil é o momento de fazer as coisas. Eu aprendi que com vento favorável as mudanças necessárias não são implementadas.

Ele acha que o país precisa de uma agenda que comece com a reorganização das contas públicas nacionais, geração de emprego, educação básica de qualidade para os jovens:

— As reformas não são impopulares, porque vão melhorar a vida do povo.

Ele disse que é preciso aprender que o intervencionismo do governo sempre dará errado:

— Quando o governo tenta fazer o PIB andar com intervencionismo, no momento seguinte o país quebra e gera essa tristeza que estamos vivendo. Já experimentamos isso na ditadura e agora na democracia. Que fique como aprendizagem para o país: governo não faz PIB, faz ambiente de negócios.

Paulo Hartung é elogiado como exemplo de gestor. E tem um currículo que mostra isso. Antes da entrevista, contudo, recebi uma nota técnica do ex-governador Renato Casagrande dizendo que Hartung elevou mais a folha salarial, nos dois mandatos, do que ele, Casagrande, fez no governo passado.

Hartung explicou que quando assumiu, no primeiro mandato, encontrou uma máquina desestruturada. Um dos trabalhos foi contratar mais funcionários:

— Havia setores que não pagavam impostos, como o de combustíveis e lubrificantes. Ao reorganizar a máquina fazendária do estado, a receita cresceu muito. Contratei porque o estado estava sucateado. Aumentei o gasto com a folha de acordo com o aumento da receita e sem contar a arrecadação do petróleo. Quando entreguei o governo, o estado estava numa posição invejável. Tínhamos uma capacidade de investimento com recursos próprios de 16% da receita, a maior do Brasil. Tínhamos poupança de mais de R$ 1 bilhão em caixa, livre das despesas correntes.

Segundo ele, quando voltou ao governo a capacidade de investimento havia desaparecido e os investimentos eram feitos com operação de crédito. Ele pediu o Orçamento de volta e negociou com todos os poderes uma redução da receita e das despesas:

— A receita orçada bateu com a receita arrecadada, pagamos todas as contas de 2015 em dia e viramos o ano com superávit.

Admite que neste ano está tão difícil, pela queda da arrecadação, que só cabe a ele “trabalhar e rezar”.


O marqueteiro confessa - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 22/07

BRASÍLIA - O depoimento de João Santana fixa um novo marco na Lava Jato. O marqueteiro mais badalado do país admitiu ter recebido US$ 4,5 milhões em caixa dois na corrida presidencial de 2010. Ele comandou a primeira campanha vitoriosa de Dilma Rousseff e Michel Temer.

A confissão fornece novos elementos para entender como a aliança PT-PMDB se lambuzou no petrolão. Além disso, ajuda a derrubar um segredo de polichinelo da política brasileira. Santana contou, em primeira pessoa, como funcionam os pagamentos "por fora" nas eleições.

"Acho que se precisa rasgar o véu de hipocrisia que cobre as relações político-eleitorais no Brasil", afirmou o publicitário. Ele descreveu o caixa dois como "prática generalizada nas campanhas" e disse que empresários e empreiteiros sempre buscaram "caminhos extralegais" para financiar os partidos políticos.

"Os preços são altos, eles não querem estabelecer relação explícita entre os doadores de campanha, e se recorre a esse tipo de prática", afirmou.

Em tom penitente, Santana disse que considerava o método "equivocado" e "nefasto", mas alegou que não tinha como atuar dentro da lei. "Você vive dentro de um ambiente de disputa, de competição", argumentou. "Ou faz a campanha dessa forma ou não faz. Vem outro que vai fazer."

O juiz Sergio Moro perguntou se o caixa dois não representa uma trapaça nas eleições. "Acho que significa, antes de tudo, um constrangimento profundo. É um risco. É um ato ilegal", respondeu Santana. Ele admitiu, em seguida, que conhecia o risco ao assumi-lo. "Ninguém me colocou revólver [na cabeça]", disse.

No escândalo do mensalão, Duda Mendonça já havia confessado que o PT abasteceu suas contas no exterior. Ele foi inocentado pelo STF, e tudo continuou como antes. A novidade da Lava Jato é que o caixa dois passou a dar cadeia aos magos da propaganda. "Eu jamais imaginaria que pudesse ser preso", desabafou Santana, há cinco meses em Curitiba.


O sofá digital - NELSON MOTTA

O GLOBO - 22/07

O que é pior: liberdade sem segurança ou segurança sem liberdade? É a escolha do nosso tempo



Houve um tempo em que os telefones eram usados como uma ferramenta utilíssima pelos criminosos, e não havia possibilidade de as ligações serem grampeadas. Nem por isso se pensou em proibir o telefone. Nem por facilitar o planejamento e execução de assaltos a diligências o telégrafo foi proibido por algum juiz do Velho Oeste.

Os juízes de Teresina, de Lagarto e de Duque de Caxias tinham as melhores intenções, quebrar o sigilo de suspeitos de pedofilia e tráfico de drogas. Mas só conseguiram punir cem milhões de inocentes que precisam tocar suas vidas e seus negócios com um aplicativo simples e eficiente, em que podem se comunicar com segurança e privacidade — e de graça.

O que faz o sucesso do WhatsApp é justamente uma criptografia que não pode ser quebrada nem pela empresa que a criou, só quem recebe a mensagem pode decodificá-la. Isso protege os segredos e as operações das empresas da ação de concorrentes, protege a privacidade dos cidadãos contra a espionagem dos governos, como a NSA americana e todos os serviços secretos do mundo.

É um avanço para a liberdade individual e uma ameaça para a segurança coletiva. O que é pior: liberdade sem segurança ou segurança sem liberdade? A escolha é nossa, a marcha da tecnologia não para.

O ministro Lewandowski deu uma liminar para o aplicativo voltar ao ar em nome da liberdade de expressão, mas a questão é sobre o direito à privacidade.

Ainda é grande a ignorância digital. David Cameron queria proibir no Reino Unido qualquer aplicativo que não pudesse ter seus códigos quebrados pelos serviços de segurança e foi ridicularizado.

Uma juíza brasileira quer obrigar o WhatsApp a desenvolver uma ferramenta que possa quebrar os seus códigos, sob pena de não poder funcionar no Brasil — só no resto do mundo. O Telegram e os outros aplicativos agradeceriam. Há muitos com servidores no exterior e fora do alcance da lei brasileira.

Como na clássica piada, tirar o WhatsApp do ar é como tirar o sofá da sala de todos os brasileiros porque alguns bandidos o usam para cometer suas traições contra a sociedade. Logo eles conseguirão outros sofás digitais.

Sob nova direção - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/07

Nos últimos anos, as decisões periódicas do Banco Central sobre a taxa de juros vieram acompanhadas de mensagens sucintas, em geral cifradas, a partir das quais analistas de mercado lançavam-se a penosas tentativas de prever os rumos da política monetária.

Sob novo comando, o BC foi previsível, nesta quarta-feira (20), ao manter a taxa Selic, referência para os juros bancários, nos elevadíssimos 14,25% ao ano vigentes já há 12 meses. Mas inovou, ao menos, na comunicação.

Em busca de recuperar a credibilidade da instituição, corroída por sucessivos descumprimentos das metas de inflação, a diretoria comandada por Ilan Goldfajn divulgou um texto de 11 parágrafos —eram dois ou três no padrão anterior– em que busca demarcar com mais clareza os diagnósticos e objetivos a nortear sua estratégia.

Se o esforço de transparência merece elogios, o conteúdo do documento não chega a ser auspicioso. Diz-se, na essência, que ainda não há espaço para cortes dos juros, em razão de pressões como a dos preços dos alimentos (que já acumulam alta de 7% no ano) e incertezas quanto ao andamento das reformas econômicas.

Nesse cenário, a projeção oficial aponta que, na hipótese de uma redução imediata da Selic, a inflação ficaria acima da meta de 4,5% em 2017; neste ano, recorde-se, ela deverá superar mais uma vez o teto de 6,5%.

O comunicado ressalta a preocupação com o fenômeno conhecido como inércia inflacionária —ou, vale dizer, a perpetuação da carestia por meio de mecanismos formais e informais de correção de preços e salários.

Trata-se de um risco particularmente acentuado no Brasil, onde décadas de descontrole monetário fomentaram a cultura da indexação, visível nos contratos e nas relações trabalhistas. Daí ser necessário interromper o quanto antes a recente era de tolerância com a inflação acima da meta, que teve início no governo Dilma Rousseff (PT).

O BC mostrou, todavia, esperanças de um cenário mais benigno à frente. O desemprego e a queda do consumo, no entender do banco, podem resultar em um recuo do IPCA mais rápido que o indicado pelas expectativas atuais.

Aguarda-se, ou cobra-se, um trâmite mais célere dos projetos destinados a consertar o Orçamento do governo e conter a dívida pública, o que reforçaria a confiança de investidores e empresários e tornaria mais fácil a tarefa de conter a alta de preços.

São ponderações pertinentes e realistas, que mantêm no horizonte das possibilidades um corte dos juros ainda neste ano —pela primeira vez desde um longínquo 2012.


O WhatsApp está certo? - PEDRO DORIA

ESTADÃO - 22/07

A consequência de garantir a segurança do usuário é que criminosos podem escapar



Ao decidir suspender o WhatsApp na terça-feira, a juíza Daniela Barbosa Assunção de Souza não agiu como os magistrados que fizeram o mesmo antes dela. Não pediu, por exemplo, conversas passadas, que não são armazenadas. Pediu algo mais razoável: um grampo. Que a empresa Facebook, dona do WhatsApp, passasse a monitorar bate-papos entre criminosos específicos. A juíza da 2.ª Vara Criminal de Duque de Caxias (RJ) também reclamou, com razão, da arrogância de responder em inglês. Ainda mais quando o Facebook tem sede no Brasil.

Ainda assim, ao se negar a colaborar com a Justiça, o Facebook tem suas razões. Pode-se não concordar com elas. Mas é preciso ao menos compreendê-las.

Há uma razão técnica. Desde abril deste ano, o WhatsApp usa encriptação ponto a ponto. A mensagem que digitamos é transformada em código antes de deixar nossos celulares. Só se torna palavras compreensíveis novamente quando chega ao aparelho do destinatário. Assim, quando a mensagem passa pelos servidores da empresa para ser redirecionada, ela é ilegível. Por este motivo, argumentam os engenheiros, um grampo é impossível.

Há duas razões para a encriptação ocorrer desta forma.

A primeira interessa a todo usuário. É para evitar hackers. O sinal enviado pelo celular sai do telefone pelo ar, passa por uma antena da operadora, por cabos e servidores da internet até chegar ao Facebook e, de lá, segue o mesmo caminho, cabos e servidores abaixo, antena, ar, aparelho do recipiente. Um bom hacker com os programas certos e um notebook poderia interceptar o sinal. Se o fizer, verá uma mensagem cheia de símbolos, letras e números que não fazem qualquer sentido.

Por causa da encriptação ponto a ponto, o WhatsApp é seguro o suficiente para que possamos enviar a senha bancária ou as fotos mais comprometedoras. Ou cometer crimes, claro.

Aí há um dilema: segurança máxima para o usuário, segundo o Facebook, impossibilita grampos. Para que o sistema permitisse grampos, todos os usuários teriam de abrir mão de ter segurança.

Há um segundo motivo. O Facebook não quer colaborar com a Justiça. Não é só ele. A Apple não quer colaborar, o Google tampouco. É uma posição do Vale do Silício. O problema não é com a Justiça americana ou com a brasileira. Ou com a europeia. Os pedidos de juízes em países democráticos são quase sempre razoáveis. O problema, para empresas de comunicação global, é que elas estão em tudo quanto é tipo de país.

Basta imaginar a importância do uso de redes sociais no Egito, durante a Primavera Árabe. Ou no Irã, durante a Onda Verde de 2009. Milhares de manifestantes usaram as redes para planejar seus movimentos. Em ditaduras, pedidos formais da Justiça nem sempre ocorrem por motivos razoáveis. Pessoas são presas porque não gostam do governo, porque o criticam, porque planejam protestar contra. São presas, são torturadas, são até executadas.

Este é um dilema sério. Estes aplicativos têm atuação global. A consequência de garantir a segurança do usuário e a proteção de dissidentes é que criminosos podem escapar. A Apple já se recusou a ajudar o FBI a abrir um iPhone de um terrorista. Ali poderia haver informação capaz de salvar novas vidas. (O FBI, com o auxílio de uma empresa israelense, conseguiu abri-lo. Mas foi difícil e demorou.)

É daqueles dilemas nos quais não há meio-termo. É um ou outro. Não há resposta certa. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, informou que os terroristas amadores presos na quinta se comunicavam por sistemas “como o WhatsApp”. Não está claro, ainda, se a Polícia Federal conseguiu quebrar a encriptação do aplicativo. Se conseguiu, talvez com a ajuda de serviços secretos estrangeiros, não foi fácil.

Pode-se discordar do Facebook e do resto do Vale do Silício. Mas entre a segurança de seus usuários e os pedidos do Estado, eles fizeram uma escolha.


Sem negligência - MERVAL PEREIRA

O Globo - 22/07

Mesmo que sejam aparentemente amadores, os presos ontem acusados de ações preparatórias de possíveis atos terroristas durante a Olimpíada não poderiam ser deixados livres, sob pena de as autoridades encarregadas da Segurança serem acusadas de negligência mais adiante, caso algum atentado real fosse praticado.

Temos inúmeros exemplos no mundo de pessoas que estavam sendo monitoradas e, consideradas não prioritárias, vieram a praticar atos terroristas devastadores nos EUA ou na Europa. A negligência em Nice fez com que a Promenade des Anglais não tivesse barreiras severas para carros, o que permitiu que o terrorista jogasse o caminhão sobre a multidão.

As agências de Segurança internacionais alegam, com razão, que não podem vigiar todos os suspeitos ao mesmo tempo e para sempre, e se dedicam só aos que aparentam maior periculosidade. No Brasil ainda não temos, até onde sabemos, uma proliferação de seguidores do Estado Islâmico, e por isso ainda dá para monitorar os grupos amadores, ou porra-loucas como os definiu o ministro da Defesa, Raul Jungman, certamente lembrando-se de seus tempos de política estudantil.

A divulgação das prisões pode ter sido exagerada, como disseram ministros do próprio governo, mas certamente o tom não foi por acaso. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e os setores de Segurança devem ter decidido que fazer alarde da atuação tranquilizaria a população e os governos de países que virão com suas delegações para a Olimpíada.

O ato de ter tentado comprar um fuzil AK 47 pela internet mostra o amadorismo dos supostos guerrilheiros, mas também que não se pode deixar que um terrorista virtual se transforme em real por negligência.

É sabido que até mesmo se aluga armamento pesado nos morros do Rio ou na periferia de SP, das mãos dos integrantes das muitas facções criminosas. O mercado negro de armas, aliás, está com muita oferta na nossa região devido ao fim das ações guerrilheiras das Farc na Colômbia e à crise econômica na Venezuela.

Assim como aconteceu no fim da União Soviética, quando os próprios militares vendiam armamentos das Forças Armadas no mercado negro, também agora o preço dos fuzis e armamentos de maneira geral está até caindo devido à liquidação feita.

A ação dos órgãos foi eficiente neste caso, mas a coordenação dos trabalhos após a divulgação pareceu confusa, com várias autoridades falando, às vezes se desdizendo em detalhes, o que pode ser sintoma de coisa pior.

O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, tinha críticas antes mesmo do caso de ontem. Segundo ele, é impossível se pensar num sistema de inteligência com representantes de 106 países, como anunciei em coluna sobre as medidas que estão sendo tomadas.

“Essa torre de Babel não é funcional”, analisa. Sintoma de fragilidade operacional é o sistema de radiocomunicação, “outra torre de Babel com tipos diferentes de sistemas e frequências que simplesmente não se conversam”.

Vicente cita relatório da Segurança francesa sobre os ataques que causaram 120 mortes, no qual é enfatizada “absurda disputa de autoridades e vaidades institucionais que melaram a reação coordenada de três forças”. Ele teme que, no nosso caso, com tantas forças e ministérios, a vaidade seja “ingrediente que escorrerá em cascata e pode comprometer a coordenação. Quem manda, quem vai aparecer, que vai dar ‘chave de galão’ para ingressar indevidamente nas praças de jogos?”.

Ele diz que ninguém conhece os focos críticos da Segurança como o secretário José Beltrame, “mas ele está sob uma montanha de autoridades federais que comandam, mas não conhecem as sutilezas do panorama carioca”. Vicente acha que, se tivéssemos acumulado adequadamente a experiência do Pan e da Copa, “poderíamos estar numa patamar diferente do de hoje. Essa estrutura colegiada deveria estar dando suporte à declinante condição da Segurança do Rio. Perdemos a chance de nos prepararmos melhor para o inesperado”.

Esclarecimento

Na coluna em que tratei das dificuldades para aprovar as medidas contra a corrupção, é preciso fazer um esclarecimento, segundo o criminalista Cosmo Ferreira: “Propor ações ilegais a suspeitos” configura flagrante preparado, que não se confunde com a conduta “de forjar flagrante”. No primeiro caso, a instigação do agente público busca esclarecer a autoria de crimes, prática lícita, desde que adotadas as cautelas necessárias. A súmula 145 do STF trata do tema, no que toca ao instigado: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Já o flagrante forjado constitui uma conduta criminosa.


Os frutos da democracia - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 22/07

Enquanto não houver uma só lei para todos, só colheremos mais do que já temos colhido

O governo liberou na quarta-feira os aumentos do Poder Judiciário acima de 41%. Primus inter pares porque é lá que se dizem os “sins” e os “nãos” que confirmam ou anulam tudo o que os outros Poderes decidem, os “meritíssimos” recebem antes de todos os demais o seu pedaço do pacote de aumento do funcionalismo que, bem no meio da mais cruel crise já vivida pelo resto do Brasil, tomou mais R$ 60 bilhões da economia moribunda para garantir que as “excelências”, seus nomeados e os nomeados de seus nomeados continuem dormindo em paz no meio do pânico que grassa aqui fora.

No STF, que “dá o teto” para o salário de todo o setor público, o “por dentro” salta de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, 16,3% a mais. É claro, todo mundo sabe que não há um único juiz no Brasil, que dirá os do STF, que realmente viva com essa “mixaria”. Não há cálculos publicados sobre quanto valem todos os “auxílios” e mordomias que lhes pagamos, mas são chamados de todos os nomes menos “salário” para que a Receita Federal, que nos esfola a partir de pouco mais de dois salários mínimos, se sinta juridicamente autorizada a tirar candidamente os olhos de cima deles. Por uma distração do “Sistema” na recente luta para expelir esse Eduardo Cunha que desafiou sua hierarquia interna, o País ficou sabendo, por exemplo, que o presidente da Câmara dos Deputados “ganha” realmente – computados todos os jatos, automóveis, pilotos, motoristas, combustível e hotéis, o “chef” e os três auxiliares de cozinha, as empregadas e os “valets de chambre”, os “auxílios” moradia, escola de filho, assistência médica, paletó, dentista, barbearia e o que mais se imaginar –, a bagatela de R$ 500 mil por mês.

Somente os R$ 60 bi que vai custar este último aumento nominal – veja bem, não estamos falando da folha de pagamentos da União, mas só de quanto ela vai aumentar enquanto você se afoga – poderiam pagar 33,8 milhões de vezes o salário médio do Brasil, que em 2016 chegou a R$ 1.776, ou 68 milhões de salários mínimos, de R$ 880. E, no entanto, notícias como essas são dadas pelos eruditos do colunismo social da Corte, em que se transformaram os jornalistas políticos do Brasil, quase como uma vírgula em meio às elucubrações sobre as minúcias dos passes e transações entre partidos e chefes de partidos de que o País real não sabe sequer os nomes para decidir quem vai ficar com que pedaço da pele dele. Faz-se um mero registro desacompanhado de qualquer cálculo, comparação ou reportagem sobre como é a vida dos habitantes desse mundo inimaginável para a multidão dos brasileiros das periferias “de bloco” que espera em obsequioso silêncio, imobilizada, que as “excelências” se resolvam.

Nesta última safra, registrou-se burocraticamente que o governo provisório, que confirmou esses aumentos, foi constrangido a fazê-lo porque se ousasse sequer discutir o assunto a máfia travava de vez o País e acabava de matá-lo. Feito o parênteses, com essa ameaça de quase genocídio apenas sugerida, volta-se ao infindável tititi da Corte...

Essa nossa Constituição, que vive sendo saudada aos quatro ventos como “democrática”, é o avesso disso. Não passa de um compêndio das exceções ao império da lei e dos privilégios garantidos a uns e negados a outros, que abrange virtualmente todos os aspectos da vida e todas as categorias de brasileiros, para garantir que nenhum se possa queixar a partir de uma posição moral não comprometida, mas estabelece uma rígida hierarquia na privilegiatura que regulamenta até a menor das minúcias. O resultado é, sem tirar nem pôr, um sistema feudal em que “o rei” nomeia os seus barões e outras “nobrezas menores” que, por sua vez, criam as clientelas que “protegem”, tudo na base da distribuição de dinheiros, que não são eles que produzem, a quem fica dispensado de fazer por merecê-lo.

Igualdade perante a lei; um homem, um voto; o direito de cada um decidir o que é melhor para si nas relações de trabalho; a proibição da representação que não seja teleguiada pelo Estado (Fundo Partidário, imposto sindical, etc.) – nenhum dos fundamentos que definem “Democracia”, enfim, está presente neste Brasil do “regulamentismo absolutista”.

O brasileiro vive se flagelando, achando que é o povo mais corrupto do mundo, mas essa é só mais uma das mentiras com que o intrujam. No mundo inteiro, em tudo em que o Estado entra, rouba-se. O problema é que, no Brasil, o Estado entra em tudo apenas e tão somente porque se quer roubar em tudo, e isso continua sendo possível aqui. No resto do mundo não existe mais essa discussão. Não é de Estado mínimo ou máximo, mas de roubalheira mínima ou máxima que se trata. Para o Estado deixa-se apenas o que não se pode evitar de deixar, porque o que for deixado será inevitavelmente roubado, e há que pôr essa inexorabilidade na balança. Leis anticorrupção, por melhores que sejam, são pra enxugar gelo e os esquemas organizados para negar isso pelos que vivem do Estado são ululantemente mentirosos. Todo mundo sabe disso. Não há exceção, de Azerbaijão a Zaire.

No meio do desemprego e da quebradeira geral, um país acostumado a ser cavalgado busca desesperadamente uma esperança em que se agarrar. Mas desanima o fato de discussões encerradas no mundo todo não terem sequer começado por aqui. É deprimente entender, antes da partida para mais uma jornada de recuperação de prejuízos, que mais uma geração de brasileiros terá o seu acesso à modernidade barrado porque insistimos na roda quadrada.

O Brasil fica sonhando com colheitas, mas o fim da miséria, a prosperidade, a paz social são frutos da democracia e é preciso antes adotá-la para poder colhê-los. Enquanto não sairmos do colunismo social da Corte para a cobertura intensiva, gráfica e subversiva do custo social da Corte; enquanto não começarmos não apenas a dizer, mas a bradar em fúria que não há salário para nós porque há salário demais para eles; enquanto não houver uma só lei para todos, nós só colheremos mais do que já temos colhido.

* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA

Abusar do Supremo - JOAQUIM FALCÃO

FOLHA DE SP - 22/07

Nos últimos cinco anos, a operadora de telefonia Oi levou 6.271 processos ao Supremo Tribunal Federal, noticiou o jornalista e colunista da Folha Elio Gaspari. Em média, mais de três processos por dia.

No universo de cerca de 10 mil decisões proferidas em todos esses processos, apenas 7 foram favoráveis à Oi. Ou seja, 0,07% de sucesso, segundo dados do projeto Supremo em Números, desenvolvido pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.

Recorde mundial, com certeza. Inédito. Uma só empresa ocupa a mais alta corte de seu país com três processos por dia. Fato digno de registro no livro "Guinness".
Acesso ao Supremo deve ser raro e de interesse da nação. Algo está errado. Isto é bullying, assédio processual. É abusar do Supremo.

Para a Oi, inexiste a natural incerteza sobre a decisão judicial. Ao contrário, existe certeza. Perderá. E esse perder lhe é conveniente. Cerca de 20% dos processos referem-se a disputas sobre impulsos telefônicos. E 23% sobre assinatura básica mensal.

Além da judicialização da política, vemos agora a judicialização da ineficiência empresarial, já que os consumidores reclamam, e o Judiciário lhes dá razão.

Não é lógico, diriam, recorrer ao Supremo para perder. Por mais estranho que pareça, é sim. Basta que o custo de adiar o pagamento ao consumidor seja menor do que o de financiar investimentos para oferecer serviços eficientes e de qualidade.

Alguns dirão ainda: a Oi possui 70 milhões de consumidores. Não será um indicador de sucesso ter somente 6.271 processos? Não, não é.

A Oi, antes Telemar, foi pioneira nessa política empresarial de judicialização. O grupo econômico vencedor da privatização da telefonia, em 1998, não tinha recursos financeiros suficientes para o que se obrigara. A política de judicialização teve efeito cascata nas outras empresas reguladas ou concessionárias. Abriu caminho.

Ações sobre direito do consumidor são das que mais crescem no Judiciário. No Tribunal de Justiça de São Paulo, as empresas de telefonia perdem em mais de 80% dos casos, por exemplo.

Não existe ação judicial grátis. Abusar do acesso à Justiça, recorrendo para perder, impõe, unilateralmente, custos ao consumidor e ao orçamento público. Salários de juízes, procuradores, defensores, serventuários, aposentadorias, despesas com imóveis, custeio de tecnologias e por aí vamos.

Esses custos aumentam o deficit público e são, indiretamente, transferidos aos contribuintes. Mais um fator que ajuda a explicar a crescente irritação e desilusão popular com a qualidade dos serviços públicos, a apropriação privada da política e a lentidão da Justiça.

A judicialização até o Supremo é desmobilizadora. A mensagem aos consumidores é clara: você irá ganhar, mas vai demorar muito e será muito caro ir até Brasília.

Estamos diante de um paradoxo. O atual modelo de privatização estimula o abuso empresarial do acesso à Justiça e provoca a obstrução da mesma para milhões de cidadãos.

A atual janela de oportunidades, que tem sido usada para revigorar a economia, poderia tentar criar um novo modelo de privatização dos serviços públicos, considerando o custo das externalidades judiciais que provoca. Como preveni-las e evitá-las?

As privatizações, para empresas e políticos, devem fazer dos consumidores e juízes seus principais aliados.

JOAQUIM FALCÃO,,71, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas

A 'justiça' segundo o PT - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 22/07

Como todo 'tribunal' do gênero, o petista já tinha elaborado sua sentença muito antes do início das sessões



A título de demonstrar a injustiça de que a presidente afastada Dilma Rousseff se considera vítima com o processo de impeachment ora em curso, movimentos sociais petistas mobilizaram diversos intelectuais e profissionais do direito para promover um “tribunal internacional” e denunciar o que eles entendem como violação da Constituição e de diversos tratados.

Em seu formato, o tal “tribunal” emulou os famosos “julgamentos” realizados por intelectuais europeus de esquerda nos anos 60 e 70 para expor os crimes cometidos pelo imperialismo americano e seus subprodutos, como as ditaduras latino-americanas. Quer-se, com isso, equiparar o impeachment de Dilma, que ocorre no mais absoluto respeito às leis pactuadas pelo conjunto da sociedade brasileira, aos massacres e violações dos direitos humanos em larga escala perpetrados naqueles tempos sombrios. A confusão, é claro, nada tem de gratuita.

Do mesmo modo que aqueles “tribunais” raramente se debruçavam sobre os crimes cometidos pelos regimes comunistas, pois seu interesse não era fazer justiça, e sim propaganda antiamericana, o “tribunal” dos petistas não se prestou a esclarecer nada. Serviu apenas para confirmar que não há limites, inclusive para o ridículo, na luta da tigrada pelo poder.

Quando ajudou a criar o “tribunal” de intelectuais que “julgou” os crimes cometidos pelos Estados Unidos no Vietnã, em 1967, o filósofo britânico Bertrand Russell disse que a legitimidade das sentenças proferidas por aquela “corte” estava garantida não por um poder estatal, mas pela “autoridade moral” de seus integrantes. Desde então, vários “tribunais Russell”, como as iniciativas como aquela ficaram conhecidas, foram realizados para denunciar a opressão promovida por potências ocidentais, mas jamais os crimes cometidos por aqueles governos que se julgam líderes dos oprimidos.

Foi decerto inspirado por essa estranha “autoridade moral” que se realizou o tal “tribunal internacional” petista, nos dias 19 e 20 passados, num teatro do Rio de Janeiro. Nada ali, é claro, presumia qualquer forma de neutralidade: como um bom “tribunal” de sua espécie, a iniciativa petista se prestava somente a dar caráter de verdade absoluta, revestida de rabulice legalista, à conclusão segundo a qual Dilma Rousseff está sofrendo impeachment graças a um complô das elites do Brasil e do exterior, inconformadas com o suposto protagonismo das “classes trabalhadoras” com a ascensão do PT ao poder.

A encenação do “tribunal” contou com todos os elementos necessários a um julgamento tradicional: juiz, jurados, promotoria e até uma advogada de defesa – cuja tarefa foi dizer apenas que o processo de impeachment estava de acordo com a Constituição. Considerando-se que a “defensora”, a professora de direito Margarida Lacombe, é coautora de um livro chamado A Resistência ao Golpe de 2016 e já escreveu que “os oportunistas de plantão” querem “ocupar a Presidência da República sem o recurso do voto popular”, pode-se imaginar o esforço que ela fez para encarnar seu personagem naquele teatro.

Como todo “tribunal” do gênero, o petista já tinha elaborado sua sentença muito antes do início das sessões, que contou com a participação, entre os jurados, de convidados estrangeiros, como se isso conferisse legitimidade ainda maior àquela farsa. Por “unanimidade”, esses jurados concluíram que “o processo de impeachment da presidenta (sic) da República viola a Constituição brasileira, a Convenção Americana dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e constitui verdadeiro golpe de Estado”. E isso tudo porque, segundo uma das juradas, a francesa Laurence Cohen, “a burguesia não suporta o programa em favor do povo da coalização de esquerda”.

A páginas tantas, no entanto, a sentença lamenta que o Poder Judiciário brasileiro tenha legitimado até aqui o processo de impeachment. Eis aí uma realidade que nenhuma patacoada pseudointelectual petista será capaz de mudar.


Vigilância sem limites - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 22/07

A prisão, pela Polícia Federal, de 10 pessoas suspeitas de planejar atos terroristas no Brasil durante a Olimpíada acende o alerta máximo das autoridades responsáveis pela segurança das delegações esportivas e dos turistas de todo o mundo que virão ao país para a maior festa do esporte, no Rio de Janeiro. Pouco importa se os detidos não tinham os níveis de organização e sofisticação demonstrados por terroristas internacionais. O que importa é que qualquer movimento suspeito de preparação para ataques durante os Jogos tem de ser extirpado pela raiz.

Certo fez o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao declarar que "não vamos esperar um milímetro de ato preparatório para agir, por mais insignificante. Vai ter operação rápida e dura". Esta tem de ser a postura de todos os órgãos envolvidos no esquema de segurança montado pelo governo federal para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Não se pode baixar a guarda quando vidas humanas devem ser protegidas a todo custo. E a colaboração dos setores envolvidos na proteção dos atletas e público em geral é fundamental para que a Olimpíada seja coroada de êxito.

O que está em jogo é a imagem e a reputação do Brasil, já que os olhos do mundo estarão voltados para a competição internacional. O governo acerta quando utiliza, pela primeira vez, a Lei Antiterrorismo, recentemente aprovada, para desmantelar no nascedouro um hipotético atentado. O ministro da Justiça chegou a dizer que o grupo preso tinha um nível muito baixo de organização, que era "amador"". Mas isso não impediu que alguns dos presos tenham feito contato virtual com os terroristas do Estado Islâmico (EI), o chamado batismo, e que o chefe do grupo tenha tentado comprar um fuzil AK-47 em um site clandestino no Paraguai.

A Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Forças Armadas e demais órgãos de segurança, responsáveis pela proteção dos participantes dos Jogos, não podem se furtar em solicitar todo o apoio às agências de informações internacionais, com larga experiência no combate ao terrorismo, para garantir a paz durante a Olimpíada. O bom senso deve prevalecer e a cooperação de outros países será sempre bem-vinda.

O governo não deve medir esforços para aprimorar os protocolos de segurança, principalmente depois dos recentes atentados em Orlando, nos Estados Unidos, e em Nice, na França, com o saldo de mais de uma centena de mortos. A vigilância tem de ser constante. O país não pode ser palco de um espetáculo repugnante e dantesco como os que o terrorismo internacional vem promovendo mundo afora.


Funcionários espoliados - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 22/07


A reportagem do Estado mostrou que, para os bancos de pequeno e médio portes, os maiores valores não repassados são de responsabilidade dos governos de três Estados



Funcionários públicos estaduais que tomaram empréstimos consignados estão sendo espoliados por seus empregadores. Legitimamente, contrataram as operações financeiras oferecendo como garantia seus vencimentos, estão tendo o valor da prestação descontado mensalmente do salário, mas o dinheiro não está chegando aos bancos. Seus empregadores, os governos estaduais, retiveram o valor corresponde às prestações, mas não o repassaram para as instituições que concederam o empréstimo.

Trata-se de apropriação indébita, disse ao Estado Claiton Pinheiro, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos no Estado do Tocantins (um dos Estados onde essa prática foi constatada). O Ministério Público do Tocantins vê indícios de improbidade administrativa nesses casos e se diz disposto a identificar os infratores – que certamente não são os funcionários públicos, embora estes já estejam sendo indevidamente cobrados pelos bancos.

Casos como esses foram detectados no ano passado em Estados cujos governos, em difícil situação financeira por causa da queda da arrecadação e das transferências da União provocada pela crise econômica – mas que não adotaram as medidas de austeridade necessárias para enfrentar o problema –, decidiram se apropriar de recursos que não são seus para reforçar o caixa. Desde aquela época, a reação dos bancos prejudicados tem sido a suspensão das operações, o que priva boa parte do funcionalismo dessa modalidade de financiamento, que normalmente é menos onerosa.

Algumas instituições, porém, estão pressionando os funcionários que tomaram o empréstimo a pagar as prestações que já foram descontadas de seus salários, o que podem comprovar com a apresentação de seu contracheque. Para intimidar os servidores nessa situação, bancos enviam-lhes cartas de cobrança, com aviso de que estão inadimplentes e, nessa condição, podem ter seus nomes inscritos nos cadastros de maus pagadores de operadoras como a Serasa e o SCPC. Há casos de inscrição de funcionários na lista de inadimplentes, o que pode lhes causar muitos transtornos.

Trata-se de procedimento proibido por instruções normativas do Banco Central. Instituições de defesa do consumidor alertam que a forma de cobrança pelos bancos é equivocada e orientam os funcionários prejudicados a comprovar, no prazo legal e mediante a apresentação do holerite, que o dinheiro correspondente às prestações foi descontado de seus vencimentos.

A reportagem do Estado mostrou que, para os bancos de pequeno e médio portes, os maiores valores não repassados são de responsabilidade dos governos de três Estados – Rio de Janeiro, Tocantins e Amapá. Se essa prática ilegal se estender para outros Estados, o problema pode assumir proporções assustadoras. Dados do Banco Central mostram que o total de crédito consignado destinado a funcionários públicos de todos os níveis de governo alcançava R$ 170 bilhões em maio (último dado disponível). O crédito ao funcionário da ativa corresponde a 60,5% do total dessa modalidade de empréstimo. Os aposentados e pensionistas respondem por 33% e os trabalhadores da iniciativa privada, pelos 6,5% restante.

No caso do Tocantins, há dois meses o Ministério Público abriu inquérito para investigar a prática de improbidade administrativa por gestores financeiros das Secretarias Estaduais da Fazenda e do Planejamento. “Há fortes indícios de retenção dos recursos e o não repasse para as instituições financeiras”, segundo o promotor da Defesa do Patrimônio Público da 9.ª Promotoria de Justiça de Palmas (TO), Edson Azambuja.

Também para o especialista em finanças públicas Raul Velloso estes casos configuram apropriação indébita. Velloso lembra que “nunca houve isso na história recente”. A crise parece ter estimulado a criatividade de gestores das finanças estaduais. Eles passaram a utilizar medidas inovadoras, mas que podem ultrapassar os limites da moralidade e da lei.


A positiva estreia do novo Banco Central - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/07

Primeira reunião da diretoria de Goldfajn no Copom reafirma autonomia da instituição e inaugura comunicação mais clara com mercados e sociedade

A manutenção da taxa básica de juros em 14,25% já era esperada. Neste aspecto, a primeira reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) da nova diretoria do Banco Central, com Ilan Goldfajn no comando, encerrada quarta, não chamou a atenção. Mas o momento em que ela ocorreu e a forma com que o BC passou a se comunicar com o mercado e a sociedade marcam mudanças para melhor, em contraste com a administração anterior, de Alexandre Tombini e a presidente Dilma Rousseff, responsável por manter a autoridade monetária subordinada ao Planalto.

A nova diretoria do BC já adiantara que procuraria ser mais clara nos comunicados, essenciais para todo banco central. Pois é por meio deles que os BCs buscam ajustar as expectativas aos objetivos da política monetária. Quanto mais claro, mais eficiente, embora haja uma tradição de que BCs se comunicam pelas entrelinhas.

Este era um dos vários pontos fracos de Dilma/Tombini. As notas liberadas logo depois das reuniões do Copom eram curtas e pouco informavam. Mas mudou. O comunicado, além de claro, passou a ser maior, mais detalhado.

Nele, foram expostos sem rodeios os motivos pelos quais o Copom decidiu, por unanimidade, não alterar os 14,25%. Entre eles, a possibilidade de os preços de alimentos continuarem a pressionar a inflação; a indefinição sobre a aprovação dos ajustes pelo Congresso, em especial a emenda do teto dos gastos públicos; e a constatação de que o longo período de inflação elevada possa ter reforçado os mecanismos de indexação, com a realimentação da inflação futura pela passada.

Na semana que vem, a ata da reunião será divulgada terça, e não mais quinta, como era praxe. Melhor mesmo ser mais cedo. Promete-se um texto também claro, não burocrático como os anteriores, que também eram repetitivos.

Esta primeira reunião permitiu que o BC demonstrasse autonomia, como prometera o presidente interino Michel Temer, que teve de reafirmá-la porque o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, dera declarações favoráveis ao corte imediato dos juros.

Este filme passou algumas vezes em Brasília, e o fato de o Copom não ter alterado a Selic foi outro bom sinal para o mercado. Não se sabe é se Padilha será na gestão Temer o que José Alencar foi para Lula, de quem era vice-presidente .

Desde o início do primeiro mandato de Lula, José Alencar pregou o corte dos juros na marra, contra o entendimento do então presidente do BC, Henrique Meirelles. Com o tempo, não se deu mais importância ao bordão de Alencar contra a Selic, a inflação caiu e o país, também ajudado pela economia mundial, surfou um ciclo de crescimento. Com Dilma, acabou a autonomia do BC, os juros foram cortados na base da “vontade política” do Planalto, e não deu certo, como era previsto. Temer, portanto, que acompanhou este desastre de política econômica, sabe ao menos o que não deve fazer em relação ao Banco Central.