segunda-feira, agosto 01, 2016

Marina e Ciro - CELSO ROCHA DE BARROS

FOLHA DE SP - 01/08

Ainda é cedo para discutir a eleição de 2018. Como a jornalista Renata Lo Prete vem dizendo, mal sabemos quem estará em condições jurídicas de ter seu nome na urna eletrônica.

Mas já é possível dizer que Ciro Gomes e Marina Silva saíram na frente na disputa pelo legado da esquerda brasileira. Cada um representa uma ala da esquerda e uma atitude frente ao Lulismo.

Ciro Gomes parece ter se posicionado para herdar a esquerda que continuou com o PT mais ou menos até o final, mas que não tem necessariamente vontade de fazer passeata pedindo libertação de dirigente petista preso. Ciro foi firme na denúncia do impeachment e tem um histórico de críticas à aliança PT-PMDB que agora parecem proféticas.

Ciro foi o primeiro governador eleito pelo PSDB e o sucessor de FHC como ministro da Fazenda no começo do Plano Real. Afastou-se dos tucanos e conseguiu razoável projeção nos anos 90 como esboço de terceira via entre PT e PSDB.

Suspeito que o espectro de um candidato como Ciro tomando a liderança da esquerda após 1998 tenha sido um dos incentivos que levaram o PT a moderar seu discurso para 2002.

Apoiou o governo Lula e construiu, com Eduardo Campos, um PSB nordestino bastante expressivo (que agora não existe mais). Se o PT tivesse sabido ceder mais cabeças de chapa para o PSB de Ciro e Eduardo, suspeito que sua vida teria sido mais fácil: essa versão do PSB talvez tivesse sido o aliado mais ao centro que sempre faltou aos governos petistas.

Mas Ciro ainda precisa mostrar que não é só um excelente entrevistado, o sujeito que sempre vai dizer algo interessante que ninguém mais teve coragem de dizer. Precisa saber conciliar seu passado de tucano "fase heroica" com sua experiência no Lulismo, posicionando-se mais como modernização da esquerda petista do que como terapeuta dos petistas revoltados com o impeachment.

Não sabemos se estará à altura da tarefa, nem se a esquerda ainda estará interessada nele se estiver.

Marina Silva, por sua vez, incorpora a esquerda que não conseguiu se encaixar direito no Lulismo: os ambientalistas, a centro-esquerda que não se interessa por populismo econômico, movimentos sociais que não aceitaram as alianças com a política tradicional brasileira. Já disse o que acho de Marina na coluna 5 de outubro do ano passado, em que recomendei "Comprar Marina".

Marina é uma anti-Marta Suplicy: rompeu com o PT no auge do Lulismo, quando os governos do PT tinham altíssimas taxas de popularidade, e rompeu por princípio (discordâncias sobre a política para a Amazônia).

Enquanto Marta foi ainda mais fundo do que o PT política brasileira tradicional adentro, Marina tentou, aos trancos e barrancos, fundar um novo partido.

O deficit de clareza e definição política de Marina uma hora precisará ser sanado. Marina terá que reconstruir muitas pontes à esquerda: apoiou Aécio no segundo turno de 2014, apoiou o impeachment. Mas os ataques dos puxa-sacos de Temer quando Marina apareceu como favorita para novas eleições pode ter restaurado parte de seu brilho.

Enfim, forças semelhantes às que compuseram a chapa Eduardo/Marina em 2013 parecem ter se posicionado para competir pelo legado do PT. Parte da disputa será decidida por quem conseguir incorporar cautelosamente parte do repertório do outro. A briga será boa.

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